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A praga periodiqueira: liberdade de imprensa, protocolos de escrita e ação política na época da Independência

The praga periodiqueira: press freedom, writing protocols, and political action at the time of Brazil’s Independence

La praga periodiqueira: libertad de prensa, protocolos de redacción y acción política en la época de la Independencia de Brasil

RESUMO

O artigo analisa diversos panfletos produzidos no contexto do movimento vintista luso-brasileiro, que tinham como tema central a rede de polêmicas formada em torno da denominada praga periodiqueira. A expressão aludia à notável proliferação de publicações políticas observada em meio ao processo de Independência. A abordagem enfatiza as diferentes visões referentes a questões como liberdade e limites da imprensa, função pública dos redatores, protocolos de escrita e mobilização política; em particular, os significados acerca da emergência de um conjunto de fórmulas discursivas que se tornaram referências de escrita pública e de debate político, no Brasil e em Portugal, ao longo do século XIX.

Palavras-chave:
imprensa; panfletos; debate político; retórica; Independência

ABSTRACT

The paper analyzes several pamphlets produced in the context of the Luso-Brazilian constitutionalist movement, whose main theme was the network of controversies formed around the so-called praga periodiqueira (periodical plague). The expression referred to the remarkable proliferation of political publications that took place during the Independence process. The approach emphasizes the different views regarding issues such as freedom and limits of the press, public role of editors, writing protocols and political mobilization. It highlights the meanings about the emergence of a set of discursive formulas that became references of public writing and of political debate throughout the XIX century in Brazil and Portugal.

Keywords:
press; pamphlets; political debate; rhetoric; Brazil’s Independence

RESUMEN

El artículo analiza varios panfletos producidos en el contexto del movimiento vintista luso-brasileño, cuyo tema central fue la red de polémicas formada en torno a la llamada peste periódica. La expresión aludía a la notable proliferación de publicaciones políticas observada en pleno proceso de Independencia. El enfoque enfatiza las diferentes miradas en torno a temas como la libertad y los límites de la prensa, el papel público de los escritores, los protocolos de escritura y la movilización política; en particular, los significados sobre el surgimiento de un conjunto de fórmulas discursivas que se convirtieron en referencias de la escritura pública y del debate político, en Brasil y Portugal, a lo largo del siglo XIX.

Palabras clave:
prensa; folletos; debate político; retórica; Independencia

Aspecto marcante da cultura política vintista1 1 Utilizo aqui o conceito de cultura política como um “sistema de valores, de normas, de crenças” compartilhadas pelos indivíduos em uma dada formação social, a partir “da sua leitura do passado, das suas aspirações para o futuro, das suas representações da sociedade”. Um repertório heterogêneo e multifacetado, marcado por consensos e conflitos, que se estabelece e se transforma em sintonia com os acontecimentos e com as instituições políticas; que fundamenta as percepções acerca dos direitos e deveres; e que referencia as práticas possíveis no âmbito da política (BERSTEIN, 1998, citações p. 363; BAKER, 1999, p. 4-11; SANI, 1997, p. 306-308). Sobre a cultura política luso-brasileira no contexto do vintismo, cf. Neves (2003, especialmente parte I). que embasou o processo de ruptura entre Brasil e Portugal foi o intenso debate promovido por jornais e panfletos entre 1820 e 1822. Após a tardia suspensão das interdições à publicação de impressos na América portuguesa, em 1808, foram publicados apenas quatro jornais em todo o Brasil até 1820 (dois no Rio de Janeiro e dois na Bahia). Salto notável ocorre entre 1821 e 1822, quando a liberdade de imprensa e a proliferação de tipografias possibilitaram a publicação de 43 periódicos (21 no Rio de Janeiro, dez na Bahia, oito em Pernambuco, três no Maranhão e um no Pará), sem contar outros três na Província Cisplatina (BASILE, 2021BASILE, Marcello. The “print arena”: press, politics, and the public sphere in the Brazilian Empire, 1820s-1840s. In: KRAAY, Hendrik; CASTILHO, Celso Thomas; CRIBELLI, Teresa (orgs.). Press, power, and culture in Imperial Brazil, 1822-1889. Novo México: University of New Mexico Press, 2021., p. 33). Fenômeno semelhante observa-se em Portugal, que, no mesmo período, passou de três para 39 jornais (TENGARRINHA, 1989TENGARRINHA, José. História da imprensa portuguesa. 2. ed. Lisboa: Caminho, 1989.; RAFAEL; SANTOS, 2001RAFAEL, Gina Guedes; SANTOS, Manuela (org. e coord.). Jornais e revistas portugueses do século XIX. 2 vs. Lisboa: Biblioteca Nacional, 2001/2002./2002). Ainda mais expressiva foi a difusão de mais de 500 panfletos impressos, bem como de dezenas de outros, manuscritos, afixados furtivamente em paredes e postes de locais públicos (CARVALHO, BASTOS; BASILE, 2012SANI, Giacomo. Cultura política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de política, v. 1. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997./2014). Desenvolveu-se, assim, uma densa rede transatlântica de debates, que suscitou uma publicização da política e uma politização dos espaços públicos.

Em torno do eixo central do constitucionalismo articulavam-se vários temas correlatos, tais como a permanência ou não do rei no Rio de Janeiro, a adesão às Cortes, as eleições, as manifestações públicas, a proposta de monarquia dual, o Fico, o Conselho de Procuradores das Províncias, a Assembleia Constituinte e a Independência do Brasil. Mais ágeis e versáteis do que os jornais, proliferando em épocas turbulentas, os folhetos eram instrumentos privilegiados de intervenção pública. Caracterizados pelo discurso polêmico, doutrinário e didático, exerciam uma pedagogia cívica que visava instruir, persuadir e mobilizar a propalada opinião pública, assim como aqueles que estavam à frente das decisões políticas. Apresentavam-se sob a forma de cartas, diálogos, sermões e orações políticas, dicionários, hinos, poemas e manifestos, recorrendo a técnicas diversas de transmissão escrita e oral das ideias para alcançar um público além do letrado. Difundiam uma nova linguagem política, expressa por um vocabulário estruturado em torno da oposição semântica entre os campos do constitucionalismo - associado aos valores da modernidade liberal - e do despotismo - identificado às tradições do Antigo Regime. Conceitos como Constituição, representação, pacto social, soberania, liberdade, igualdade, povo, cidadão, direitos, pátria e nação foram debatidos e vulgarizados para um público ainda pouco familiarizado com as inovações semânticas introduzidas pelos ideais ilustrados propagados pelo movimento vintista (NEVES, 2003NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. A guerra das penas: os impressos políticos e a Independência do Brasil. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 41-65, 1999.; OLIVEIRA, 1979OLIVEIRA, Cecilia Helena Lorenzini de Salles. O disfarce do anonimato: o debate político através dos folhetos (1820-1822). Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1979.).

Os envolvidos nessas contendas salientaram em seus escritos a consciência de que participavam de uma guerra literária ou guerra das penas (CARVALHO; BASTOS; BASILE, 2014CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823). 4 vs. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.; NEVES, 1999NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan / Faperj, 2003.). Sabiam que a palavra impressa tornara-se poderoso - e, para muitos, perigoso - instrumento de ação política, capaz de guiar o espírito público e influir sobre os acontecimentos. Jornais e folhetos foram, então, armas de luta imprescindíveis nas relações de força entre Brasil e Portugal ou entre defensores de qualquer causa política. Não por acaso, muitos dedicaram-se a debater o próprio papel da imprensa nesse acelerado processo de mudanças políticas.

Neste artigo, analiso um conjunto de 18 panfletos cujo tema central é a polêmica acerca das chamadas praga ou peste periodiqueiras, expressões usuais - frequentemente pejorativas - que aludem à propagação de publicações políticas em meio à guerra literária. Tais folhetos foram utilizados como fonte de pesquisa em várias obras (TORGAL, 1980TORGAL, Luís Reis. A contra-revolução e a sua imprensa no vintismo: notas de uma investigação. Análise social. Revista do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Lisboa, Lisboa, v. XVI, n. 61-62, p. 279-292, 1980.; VARGUES, 1997VARGUES, Isabel Nobre. A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823). Coimbra: Minerva, 1997.; NEVES, 2003NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan / Faperj, 2003.; SOUSA, 2009SOUSA, Jorge Pedro. O advento da crítica ao jornalismo em Portugal: o caso de José Agostinho de Macedo. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-advento-sousa.pdf . Acesso em: 14 dez. 2021.
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; 2010SOUSA, Jorge Pedro (coord.). O pensamento jornalístico português, v. I: das origens a abril de 1974. Covilhã: LabCom, 2010.; 2011SOUSA, Jorge Pedro. Quando a modernidade bate à porta: a liberdade de imprensa em questão no Portugal do século XIX. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-quando-a-modernidade-bate-a-porta.pdf . Acesso em: 14 dez. 2021.
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), mas ainda carecem de tratamento específico como objeto de análise; uma abordagem que enfatize as diferentes visões sobre questões como liberdade e limites da imprensa, função pública dos publicistas, protocolos de escrita e mobilização política. Para além da “crítica ao jornalismo” advinda de setores insatisfeitos com os imputados excessos da imprensa (SOUSA, 2009SOUSA, Jorge Pedro. O advento da crítica ao jornalismo em Portugal: o caso de José Agostinho de Macedo. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-advento-sousa.pdf . Acesso em: 14 dez. 2021.
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; 2011SOUSA, Jorge Pedro. Quando a modernidade bate à porta: a liberdade de imprensa em questão no Portugal do século XIX. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-quando-a-modernidade-bate-a-porta.pdf . Acesso em: 14 dez. 2021.
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), interessa aqui investigar os significados acerca da emergência de um corpo de fórmulas que se tornaram referências de escrita pública e debate político. Com base na rede de querelas tecida ao redor de certas figuras que protagonizavam as polêmicas, envolvendo réplicas e tréplicas, é possível dispor grande parte desses folhetos em quatro séries específicas, que utilizam a sátira como estilo narrativo: Mestre Periodiqueiro, Braz Corcunda, Exorcismos e Cordão da Peste.2 2 Não foram incluídos outros panfletos, não satíricos, que discutem a liberdade de imprensa e a opinião pública. Tinham entre 11 e 72 páginas (média em torno de 30), formatos in-8º ou in-4º, e, embora originalmente publicados em Lisboa, em 1821, tiveram notória circulação e repercussão no Brasil.3 3 Conforme atestam diversos comentários e menções feitos a esses folhetos em jornais e outros panfletos publicados no Brasil, assim como os anúncios de folhetos constitucionais vendidos na livraria de Paulo Martin, na rua da Quitanda, no Rio de Janeiro (onde oito deles estavam à venda já em 1821, com preços entre $320 e 1$000 réis). Ver: Carvalho, Bastos e Basile (2014, v. 4, p. 370-376). Dos 18 panfletos analisados, 15 estão integralmente reproduzidos nos volumes 1, 2 e 3 da obra supracitada, que será utilizada como referência para as citações. Apenas um foi originalmente publicado em 1822. O debate entre eles travado insere-se na esteira da relativa liberdade de imprensa estabelecida em todo o Reino Unido pelo governo interino português em 21 de setembro de 1820 e depois ampliada pelo decreto de 4 de julho de 1821 (SILVA, 2019SILVA, Diana Tavares da. A liberdade de imprensa nas Cortes vintistas: discursos e representações dos deputados eclesiásticos. Revista de História das Ideias. Coimbra, v. 37, 2ª série, p. 133-166, 2019.). Expressa também o conflito entre diferentes perspectivas que balizavam uma cultura política em transformação, pautadas em valores e práticas concebidas como antigas e modernas.

Mestre Periodiqueiro

Sete folhetos destacam-se na série, cinco atribuídos à frei José Machado, vulgo Batalha,4 4 Frade dominicano, professor e pregador régio de reconhecido dote oratório, nasceu em Portugal (possivelmente na vila de Batalha), entre 1775 e 1780, e faleceu em 1833. Vide Silva (1860, t. 4º, p. 429). e dois sem autoria conhecida. As histórias desenrolam-se em torno do Mestre Periodiqueiro, pseudônimo utilizado por Machado, e são escritas sob forma de carta ou de diálogo. Cartas eram uma das modalidades mais usuais de panfletos, marcadas pelo caráter polêmico, belicoso e frequentemente interativo, ensejando réplicas e tréplicas pouco amistosas. Escritas em tom pessoal, dirigiam-se muitas vezes a compadres e amigos, substantivos que, amiúde, poderiam designar ferrenhos oponentes. Já os diálogos eram uma das formas mais características de pedagogia política, podendo funcionar como espécie de jogral, no qual dois ou mais personagens emblemáticos fictícios conversam sobre determinado assunto candente. Em geral, os debatedores possuem visões antagônicas, ou um deles, supostamente mais sábio, dá conselhos a outro, mais simplório ou ignorante.

O primeiro folheto consiste em um diálogo entre o sebastianista Rogério, o doutor Silvestre e o ermitão Arsênio sobre o “modo de ganhar dinheiro no tempo presente”.5 5 Mestre Periodiqueiro, ou Dialogo de hum Sebastianista, de hum Doutor, e hum Hermitão... Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Tal como vários outros panfletos, trata-se de uma crítica satírica à proliferação de impressos políticos no mundo luso-brasileiro. O cerne do texto são os conselhos dados pelo Doutor ao Sebastianista. O primeiro é a taxativa recomendação de que ser redator de jornal é “o melhor meio de fazer fortuna no tempo presente” (p. 445). Seguem-se várias outras sugestivas indicações sobre como compor e redigir o periódico. A começar pela boa escolha do título, como O Neutral, indicativo de que a folha não seguirá partidos políticos e se pautará apenas pela verdade. Era retórica comum na imprensa, que visava legitimar opiniões e propostas com um discurso de veracidade, imparcialidade e autoridade, já alardeado no editorial inaugural; daí as muitas publicações intituladas de imparcial. O segundo ponto era a escolha da epígrafe, que estava na moda e enchia papel, de preferência retirada de poeta francês, italiano ou inglês, pois os portugueses “sempre tiveram em maior preço os gêneros estrangeiros, que os nacionais” (p. 447).

Quanto ao conteúdo da folha, o Doutor ensinava que, antes de tudo, o redator precisava demonstrar humildade e patriotismo, confessando não ter “luzes, e talentos” e ser impelido somente pelo “amor da Nação”, não por algum “sórdido interesse”. Feito isto, convinha, primeiramente, denunciar o “estado lastimoso” do Reino e atacar o antigo governo, defendendo que “tudo deve ser novo”. Em todos os números, devia bradar contra o despotismo e a tirania, pois “o povo gosta disso” (p. 447-448). Invectivar contra os frades era outra boa estratégia, pois “falar de frades é moda”, bem como clamar contra “Abades, Cônegos, Beneficiados, Comendadores, Fidalgos, Magistrados, e Funcionários públicos” (p. 450 e 467). Por fim, para completar espaço nos números subsequentes, bastaria reproduzir proclamações oficiais, textos de outros jornais, odes e sonetos; publicar cartas anônimas falsas (como se fossem de leitores); dividir as matérias em partes, “porque os Leitores picados da curiosidade [...] serão obrigados a comprar todos os números”; e, sobretudo, polemizar com outros redatores, visto que “eles vos fornecerão matéria para encher dois mil números” e, assim, “desafiareis o apetite do público e terá melhor venda o vosso Periódico” (p. 448, 449 e 467). O mais importante era não se deixar levar por princípios éticos, moralismos e escrúpulos, pois “trata-se de ganhar dinheiro”, não do que é “decoroso, e honesto”. “Não duvideis dizer hoje uma coisa, e amanhã o contrário”. Mentir à vontade era regra, “dando à mentira todas as cores da verdade”, concluía o Doutor (p. 449, 459 e 466). Depurados da visão eminentemente negativa e da crítica exacerbada, não é difícil reconhecer nesses conselhos uma série de traços típicos da imprensa luso-brasileira oitocentista.

A sátira do Mestre Periodiqueiro às folhas vintistas foi, contudo, logo rebatida por um panfleto anônimo, que apresenta os mesmos personagens e estrutura narrativa.6 6 Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro... Lisboa: Officina de J. F. M. de Campos, [1821]. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. O objetivo era revelar e combater os “criminosos sofismas” do Mestre Periodiqueiro, representado pelo Doutor, que propagava, “com aparências de conselho amigáveis, os mais sediciosos paradoxos, os princípios mais incendiários” (p. 305). Logo ao se reencontrarem, Silvestre acrescenta outra dica de como escrever o jornal: lançar antes um prospecto “inculcador” com muitas promessas, cuja “linguagem seja retumbante, empolada, e decisiva”. Mas é prontamente desmascarado pelo Sebastianista, que descobre ser o Doutor um frade corcunda embusteiro que o enganara, defendendo “as mais pestilentas máximas, a mais venenosa doutrina, e os princípios mais incendiários”, atacando a opinião pública, a soberania do povo e a autoridade legítima dos representantes da nação (p. 308). Sem mais argumentos, resta ao Doutor admitir que era mesmo frade7 7 Possivelmente, já havia a suspeita de que frei José Machado, ou outro frade qualquer, estava por trás do pseudônimo de Mestre Periodiqueiro. e que o meio disfarçado de alcançar seu intento era “alucinando a multidão, pervertendo os ânimos dos incautos, desfigurando os sucessos, e criminando como legais atos legítimos”, bem como recorrendo “às invectivas, às calúnias, às falsas alegações, e à mentira” (p. 313).

A estratégia generalizada de entreter polêmicas com outros publicistas, lançando mão do recurso retórico dos ataques pessoais (CARVALHO, 2000CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, n. 1, p. 123-152, set. 2000., p. 138-141), por certo contribuía para alimentar o debate e, por conseguinte, para uma provável maior vendagem dos impressos. Não por acaso, logo veio à luz a Segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro, também escrito sob forma de diálogo entre os mesmos personagens.8 8 Segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro... Lisboa: Imprensa de Galhardo, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Nesta sequência, o Sebastianista afinal decide fazer o próprio jornal, admitindo ser “o melhor meio de fazer fortuna” nas circunstâncias da época e que o “Ofício de Periodiqueiro é o melhor de todos”. Para tanto, o Doutor prescreveu novas recomendações. Antes de tudo, ler todas as noites os periódicos, “para ver o caminho que devia seguir”. Logo perceberá não haver neles “senão contradições, discursos aéreos, planos impraticáveis, ataques a tudo quanto há” (p. 481). Assim, o escritor público não deveria ter pejo em fazer “planos da maior perfeição” nos ramos da economia e da política, porém, que “nunca se possam realizar”, a exemplo da república perfeita de Platão e do perfeito orador de Cícero. O público “quer é ser feliz”, por isso, “compra os papéis que lhe promete semelhantes venturas” (p. 483). Por outro lado, continuou o Doutor, convém derramar no jornal todo o “fel da calúnia, e da impostura”, senão “ninguém o comprará”, e fazer das invectivas contra a Inquisição “o mais saboroso adubo para vosso Periódico”, matéria para “mil números” (p. 484-485). Neste sentido, convém igualmente “clamar contra tudo” para agradar aos indivíduos já “enfastiados com essa multidão de Periódicos, e Folhetos que tem aparecido”. Ressaltando mais uma vez a lógica dos efeitos multiplicadores (e lucrativos) das polêmicas pessoais no debate público, o Doutor ensinava que “a sátira, a maledicência, a calúnia são para um Periódico, o que o sal, a pimenta, e cravo é [sic] para a comida” (p. 490). Por fim, não poderia faltar outro habitual recurso retórico: o argumento de autoridade, expresso nas abundantes citações de autores renomados, de preferência estrangeiros (CARVALHO, 2000CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, n. 1, p. 123-152, set. 2000., p. 142-145). Assim, enfatizava o Doutor que, em lugar de autores nacionais, era preciso citar Filangière, Montesquieu, Rousseau, Mirabeau, Voltaire, Diderot e D’Alembert como “prova de uma matéria política” (p. 494).

As novas diatribes não ficaram sem pronta resposta, desta vez em folheto anônimo escrito sob forma de carta, que reproduzia, em apêndice, documentos que visavam atestar as críticas feitas ao segundo panfleto do Mestre Periodiqueiro.9 9 Resposta á segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro... Lisboa: Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. É interessante notar a explicação do autor para não seguir o formato de diálogo dos folhetos anteriores: primeiro, porque “a matéria em questão é de mui séria gravidade”; segundo, porque “a justiça deve apoiar-se em razões sólidas, sem que precise recorrer a sofismas, chocarrices e ardis” (p. 326). Prosseguindo com as justificativas, o autor considerava as narrativas alegóricas dos diálogos entre figuras fictícias um “artifício maquiavélico”, recurso da “pérfida ironia”, utilizados para evitar o “jogo direto”, com o intuito de “alucinar, perverter, ou iludir” (p. 331). Haveria por trás das invectivas do Mestre Periodiqueiro contra os jornais um plano com dupla finalidade: “1ª o meter a ridículo as verdades que eles dizem, e que vos não convém: 2ª o poder caluniar as determinações do Congresso Nacional com o disfarce de somente atacar os Periodiqueiros”. Como resultado do plano, “nasceram os Novos Mestres Periodiqueiros, os Exorcismos, a Carta do Barbeiro da Aldeia, o Cordão contra a Peste, e o mais que vier” (p. 330). Papéis cujo real desígnio era “denegrir o procedimento legítimo e santo com que a Nação intentou regenerar-se” (p. 332); era “semear a cizânia; motivar desconfianças que dividam; transtornar as boas intenções dos que esperam úteis reformas; arrefecer o bom espírito nacional” (p. 338). Observa-se, portanto, uma percepção acerca dos ataques lançados à imprensa liberal como um artifício que visava colocar em questão as próprias medidas adotadas pelas Cortes.

O folheto mal acabara de sair do prelo quando o Mestre Periodiqueiro já preparava outro, agora em forma de carta, objetando a resposta ao seu primeiro panfleto.10 10 Carta do Novo Mestre Periodiqueiro ao author do dialogo, intitulado Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro. Lisboa: Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Em um post-scriptum, Mestre Periodiqueiro declarou ter acabado de receber a resposta à segunda parte de seu folheto, afirmando que logo iria ler, avaliar e publicar seu juízo a respeito (p. 220). Após lamentar o surgimento de muitos escritores que eram “o opróbio, e a ignomínia da nação” (p. 194), explicou a lógica dos textos em forma de diálogo. Dizia seguir a técnica discursiva de Fénelon,11 11 Arcebispo e teólogo francês, preceptor do neto de Luís XIV, o príncipe duque de Borgonha, para quem escreveu, entre 1700 e 1712, Dialogues des morts, obra na qual ensinava, a partir do embate entre personagens históricos antagônicos que avaliavam os atos uns dos outros, as almejadas virtudes de um príncipe cristão. Cf. Fénelon (2010). que contrapunha três personagens: dois defensores de ideias contrárias (um expoente do “erro”, outro da “verdade”) e um terceiro, interessado em aprender sobre o tema debatido. No caso do Mestre Periodiqueiro, seriam representados os publicistas e os inimigos do monaquismo pelo Doutor; o “povo crédulo” pelo Sebastianista; e os defensores dos frades e opositores dos periodiqueiros pelo Ermitão, que representaria também as ideias do próprio autor do panfleto, em contraposição às doutrinas do primeiro personagem. O intuito seria “mostrar a sem razão, e injustiça de alguns Periodiqueiros (e só destes), que contra tudo clamam, contra tudo berram, principalmente contra Frades” (p. 198). Em seguida, o autor rebate a Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro, panfleto eivado de “aleives infames, malignas acusações, sátiras picantes, asserções vagas, puerilidades ridículas, absurdos escandalosos, personalidades afrontosas, e nem um só argumento sólido” (p. 195). Por fim, acusa seu escritor de desconhecer a lógica e a retórica, ao atribuir ao Doutor (e não ao Ermitão) as ideias defendidas no Mestre Periodiqueiro, parecendo ser tal resposta “uma imagem da torre de Babel, onde tudo é confusão” (p. 199).

Não satisfeito, Mestre Periodiqueiro logo emendou um quarto folheto, também escrito como carta, desta vez retorquindo a resposta à segunda parte de sua obra.12 12 Carta do Novo Mestre Periodiqueiro ao author da resposta à segunda parte do Mestre Periodiqueiro. Lisboa: Officina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Chama atenção seu argumento inicial de acusar o oponente de abandonar o ofício de periodiqueiro, “desenganado do pouco lucro, que dão os periódicos”, para se tornar folheteiro, a fim de que “com folhetos ganhares tua vida”, sugerindo, portanto, que panfletos seriam mais lucrativos do que periódicos (p. 180).13 13 O argumento pode ser válido, não apenas no sentido de defesa à acusação de que a praga periodiqueira resultava da estratégia de ganhar dinheiro fácil com a venda de jornais. Ao analisar 12 panfletos políticos publicados no Brasil na década de 1860, Barbosa (2007) assinala o sucesso de vendas e a lucratividade desses folhetos (Regeneração por Demophilo, de Salvador de Mendonça, por exemplo, esgotou a edição de 2.000 exemplares em um mês, rendendo lucro próximo a um conto de réis). No contexto do processo de Independência, a multiplicidade de panfletos, com diversas sequências, séries e edições, constitui indicativo de que tais publicações poderiam ser mesmo lucrativas, ainda que a finalidade mercantil possa não ter sido a principal motivação para sua produção. Dando prosseguimento, acusou o autor da resposta de escrever, “não para combater erros, mas para matar a fome”, haja visto que “Quem escreve para ter fama, escreve com decoro, e dignidade, mas quem escreve por ter fome, e instigado pela raiva, deve escrever sem decência, servir-se de aleives, empregar todo o fel da maledicência; porque isto agrada à multidão, e o dinheiro vai correndo” (p. 180). Acusou ainda o “Respondão” de pretender confundir as críticas do Mestre Periodiqueiro aos publicistas com ataques às Cortes, para assim calar quem combate a “peste periodiqueira” e defende os frades (p. 181 e 190). E afirmou que, longe de “denegrir o procedimento da Nação, ou evitar que se procure o melhor bem”, tinha apenas a intenção de “mofar dos periódicos pelos seus títulos, pela brevidade da sua duração, e pelas promessas que fazem de venturas imaginárias, e pelos planos extravagantes que formam” (p. 182).

Completando a série, um sétimo panfleto veio à luz ainda em 1821, novamente trazendo um diálogo alegórico entre os personagens originais.14 14 A forja dos periodicos ou o exame do Apprendiz Periodiqueiro. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves e Filhos, 1821. Desta vez, o enredo gira em torno do jornal que o Sebastianista afinal redigiu, seguindo os conselhos do Doutor. Para tanto, “comprou umas amostras de todos os Periódicos, o Folhetinho das Memórias para as Cortes Lusitanas, e outras obrinhas desta têmpera” (p. 5). Passagem digna de nota é a discussão sobre “pontos de política” acerca da matéria de um jornal que testemunhou ao entrar em um botequim, “Casas de reuniões Patrióticas” onde autores como “Locke, Filangière, Grotius, Montesquieu, e outros retumbavam nas vidraças da Loja, pronunciados por vozes estrondosas”. Lá estavam o Ermitão e o Doutor. Este saudou o Sebastianista, lembrando que “Quem deseja viver de publicar novidades, e de dirigir a regra pública, que coisa mais natural, que ser prego fixo desses Liceus, onde elas se forjam e se propagam, e onde a opinião pública encontra os seus verdadeiros intérpretes”. Nessas “casas de conversação, e alegria” o aprendiz periodiqueiro de imediato acharia “matéria para dez Números do seu Periódico”, assim como “fartos Correspondentes”, e ainda aprenderia a “analisar os papéis públicos mais intrincados, e a servir-se com destreza dos inumeráveis folhetinhos, que todos os dias saem aos bandos das imprensas” (p. 8-9). Contudo, observando os excessos da imprensa, o Sebastianista ponderou que os “diretores da opinião pública são, pelo contrário, os estragadores dela”, e que “não há nada mais pernicioso, e inútil, que estes miseráveis Periódicos”. Os próprios redatores, segundo ele, já têm “sentido este mal nas Algibeiras”, pois muitos leitores, cansados dos abusos, intrigas e querelas, vinham suspendendo a assinatura dos jornais (p. 14). Seguindo a mesma linha, o Ermitão acrescentava que, “como em cada um se lê as coisas por diferentes modos, também não podem ganhar crédito” tais folhas (p. 15). O Doutor, porém, aconselhava que, para ter sucesso o jornal, “chame Corcunda a todos, diga que são inimigos da Pátria” (p. 16). O Ermitão logo objetou que a alcunha de corcunda era “inventada para assolar a Plebe”, visto que “a desordem deve-se, aos que se encarregam de ilustrar diariamente o Público”, forjando “Epítetos incendiários” destinados a “dispor os incautos para a atropelação dos direitos” (p. 17-18). Nesta batalha semântica, o Doutor insistia na necessidade de um redator ter sempre disponível “aquele bordão a que se apegue, e com uma só palavra responder a quantos argumentos lhe proponham”, estratégia retórica definida como uma “descoberta dos Periódicos muito útil à sua conservação” (p. 18-19). Era o caso dos corcundas, ou seja, “todos os que têm adquirido bens, e privilégios”, como os frades e os nobres (p. 22). Cabia aos periódicos a tarefa de instruir o povo sobre tal objeto, “dirigindo com sátiras misteriosas a opinião pública” (p. 23). Outro importante ponto da “Retórica Periodical” era o estilo textual e discursivo dos jornais: “Gostamos de coisas ditas em duas palavras, e um período curto, e decisivo convence melhor, que um longo tratado”, salienta o Doutor, que conclui: “cada um de nós está hoje tão universal, que não necessita provar, o que diz, basta que o diga. Cria boa fama, e deita-te a dormir. Os Periódicos estão hoje também [sic] acreditados, que os seus ditos têm uma infalibilidade incontestável” (p. 51).

Após tantas digressões sobre a atividade periodiqueira, o trio passou a debater o primeiro número do jornal do Sebastianista, antes de ser publicado. Intitulado O Intrepido, ou o Roldão Liberal, era recheado de promessas vazias e de ataques aos frades e às ordens religiosas regulares, conforme as instruções do Doutor. Para o Ermitão, seria obra de um “Charlatão Político” (p. 25). Contudo, ao final da exposição, o Sebastianista descobriu que fora ludibriado e desistiu de se tornar periodiqueiro, sabendo agora que

os sagrados nomes do bem público, e da Justa Causa da liberdade, na boca dos Periódicos, são um pretexto para darem toda a licença às suas ideias; que o costume de chamarem a muitos; Anticonstitucionais = Inimigos do Povo = Inimigos da liberdade = Defensores dos abusos = Corcundas = Áulicos = Empenados &c. &c. é um falso zelo, com que disfarçam as suas ruinosas doutrinas, um estratagema de enganar a Plebe, para que lhe não amargue o veneno, que lhes ministram, e uns espantalhos para atemorizar os Escritores honrados (p. 69).

Braz Corcunda

Três panfletos compõem a série, o primeiro de autoria de Elesiario J. Antonio de Sousa, assim como provavelmente os demais.15 15 Não disponho de dados biográficos sobre o referido autor. Silva (1859, t. 2º, p. 224) faz referência apenas aos panfletos do Braz Corcunda e do Braz já sem corcunda. São escritos em forma de diálogo entre Braz e seu compadre Tito, em mais uma criativa sátira à profusão de folhas políticas. Mais do que em qualquer outra série da praga periodiqueira, nesta a ironia e a comicidade são recursos retóricos ainda mais salientes.

O primeiro folheto16 16 O Braz Corcunda, e o Verdadeiro Constitucional. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. conta inicialmente a história de como Braz ficou na miséria e se tornou a “abjeção da plebe” após aplicar seus “poucos vinténs” na compra de jornais, enganado por periodiqueiros que prometiam instruí-lo. Além disso, desenvolveu corcundas no peito e nas costas, de tanto ler folhas servis que fomentam a cizânia e a anarquia, travestidas de doutrinas constitucionais (p. 319). Tito decide ajudá-lo, ensinando-o a “lucrar mais de duzentos por cento” com os jornais “censurados, debatidos, e até exorcismados” comprados por Braz (p. 323). A fórmula proposta era singela: “Pega um periódico de folha, rasga, e faze dele quatro pedaços; que ficam assim por modo de guardanapos: vai fazendo o mesmo a todos os outros, e faze vários maços”. Braz deveria oferecer tais guardanapos de periódicos a quem se dirigisse a uma das “três casinhas muito necessárias” (banheiros públicos) existentes no Passeio Público de Lisboa, serviço pelo qual receberia gorjetas como pagamento. De acordo com Tito, “Isto logo se divulga” e “fazes fortuna”, pois “cada um te pedirá papelinhos conforme a sua paixão”. Enquanto uns solicitarão O Patriota, O Astro da Lusitania ou O Liberal, outros irão preferir O Amigo do Povo, Sentinela da Liberdade ou O Indagador Constitucional. Desta forma, “se muitos têm ganho um dinheirão em fazer Periódicos, tu não ganhas menos em os desfazer”, e se cura, assim, da “moléstia dos Periódicos” (p. 329-330).

No segundo panfleto17 17 O Braz já sem Corcunda, por diante, e por detraz, ou o Verdadeiro Constitucional. Lisboa: Typographia Rollandiana, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. , Braz reencontra Tito, já curado das corcundas “por diante e por detrás”. Entendia agora que, mesmo sendo “verdadeiro Constitucional”, ainda pesavam sobre ele “os prejuízos da educação, e do tempo, a falta de ideias liberais, a ignorância do bom Rei querer, ou não anuir à nossa boa, e justa causa”, tornando-se, assim, um aparente corcunda (p. 338). Em seu relato, surge novamente o botequim como espaço de sociabilidade política, onde encontrou “uma chusma destes Constitucionais, que ignorando (para assim o dizer) o a, b, c da política, querem inculcar-se estadistas de pulso” (p. 339). Braz afirma que estava lucrando, não os 200% previstos, e sim 200.000% com o negócio dos “guardanapos periodicais” (p. 340-341). Fazia tanto sucesso que “parecia que o povo de Lisboa padecia moléstia de disenteria”. Havia todo tipo de pedido: “uns do Patriota, outros do Artista, estes do Liberal, e aqueles da Menemosine. Não faltou também quem quisesse guardanapos do senhor Astro” (p. 344). Segundo Braz, a maior fortuna era feita nos conventos, onde os frades pediam “indistintamente de todos os maços”, especialmente “guardanapos de certos folhetos que saíram à luz, e que se devem nivelar pelos Periódicos reinantes, como por exemplo o intitulado Memórias para as Cortes Lusitanas” (p. 347). Afora dois periodiqueiros que condenaram a iniciativa, os populares só demonstravam satisfação, revelando mais uma vez a crítica ao desbragamento da imprensa:

Levem pelas ventas semelhante achincalhação, diziam estes, já que em lugar de ilustrarem o público com ideias justas, e liberais, [..] o entretinham com a maldita correspondência periodical. Ainda mais alguma coisa mereciam os periodiqueiros; clamavam aqueles, porque em vez de concorrerem para a união das pessoas, e classes delas, fomentavam a desunião, supondo, ou antes inventando partidos, e facções (p. 344-345).

Lançado já em 1822, o terceiro folheto narra outro encontro entre os dois personagens18 18 O Braz já sem Corcunda por diante, e por detraz, feito pregador constitucional... Lisboa: Impressão de João Baptista Morando, 1822. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. . Parece querer aproveitar o sucesso obtido por tais publicações, pois a história pouco acrescenta aos argumentos antes apresentados. Desta feita, Braz conta a Tito que se tornou pregador constitucional, “por bem do atual Sistema” e para “prestar aos Corcundas o mesmo incomparável benefício, que tu me fizeste” (p. 510). Em suas pregações constitucionais, Braz concitava frades, fidalgos, militares, empregados, místicos e mulheres à “abjuração do Corcundismo” (cujo efeito imediato era o desaparecimento de suas corcundas) e os ensinava a não dar importância aos “diabos dos Periodiqueiros”, que só pretendiam “ganhar dinheiro seja por que modo for”, além de “enxovalharem as classes da Nação” (p. 511, 512 e 521). Repetem-se, portanto, as críticas recorrentes contra a proliferação de publicações políticas pouco consistentes, manipuladoras, ardilosas e interessadas apenas na obtenção de lucro.

Exorcismos

Três panfletos selecionados integram esta série,19 19 Outros dois folhetos não puderam ser consultados: Analyse critica e exorcismos contra o exorcista que esconjurou os Periodicos. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1821, 16 p.; e Resposta ao papel intitulado exorcismos contra periódicos e outros maleficios com o responso de Santo Antonio contra a descuberta da malignidade dos aleijões solapados. Por Pedro Alexandre Cavroé. Lisboa: Imp. Nacional, 1821, 16 p. tendo como fio condutor a ideia de que era preciso exorcizar os periódicos liberais. Dois são de autoria desconhecida e sequenciados, contendo diálogos entre três personagens: o Exorcista, o Cura e o Sacristão. Publicado anonimamente, em forma de ensaio analítico, o outro é um dos muitos folhetos redigidos pelo aguerrido padre José Agostinho de Macedo.20 20 Nascido em Portugal em 1761, faleceu em 1831. Recebeu o hábito da Ordem de Santo Agostinho em 1778. Após sucessivos escândalos de licenciosidade e infrações às normas, passando por diversos mosteiros, foi expulso em 1788, readmitido no ano seguinte e expulso em definitivo em 1792. Foi, então, secularizado, mantendo o ofício de sacerdote. Tornou-se pregador da Capela Real, graças ao talento oratório. Produziu vasta obra literária, poética e dramatúrgica, mas se destacou como redator de dezenas de jornais e panfletos políticos críticos ao liberalismo. Silva, 1860, t. 4º, p. 183-215. Sobre suas críticas à imprensa vintista, ver Sousa (2009, p. 10-23).

No primeiro diálogo, o Exorcista, que estava a caminho de Lisboa, solicita ao Cura da freguesia de Povos um Sacristão e alguns instrumentos (estola, caldeirinha e hissope) para “excomungar uma praga que [...] trouxe agora consigo a Constituição”. 21 21 O Acolytho contra o Exorcista que levou a caldeirinha, e o hysope para exorcismar a praga periodiqueira... Part. I. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves, e Filhos, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Interpelado pelo Cura se era corcunda, o Exorcista negou e explicou sobre a praga que “são tantos Periódicos feitos por Periodiqueiros, que eu vou Exorcismar” (p. 261). Cedido pelo Cura, o Sacristão seguiu, a contragosto, viagem com o Exorcista. No percurso, porém, enalteceu que “todos os Portugueses hoje sejam Constitucionais” e passou a exaltar os jornais que ilustravam a ciência, como O Portuguez Constitucional, Astro da Lusitania, O Liberal, Mnemosine, O Amigo do Povo, Sentinela da Liberdade e Cidadão Artista. Ameaçado de excomunhão pelo Exorcista, acusou-o ser “refinado Corcunda, Servil, e Anticonstitucional” (p. 262), e retrucou que “quem abomina Periódicos não é bom Cidadão”. Acabou excomungado pelo Exorcista, que, repetindo o argumento do interesse financeiro dos publicistas, esclareceu: “não abomino os Periódicos, abomino os Periodiqueiros, que escrevem por esfomeados”. Ao chegarem, contudo, em Vila Franca de Xira - não por acaso, bastião da resistência ao constitucionalismo e onde, em 27 de maio de 1823, seria desencadeado o golpe miguelista de Vilafrancada -, o Sacristão abandonou a viagem, avisando o Exorcista: “daqui já não passo, procure quem o ature” (p. 263).

O segundo diálogo é continuação do primeiro.22 22 A jornada do Exorcista, desde Villa Franca, até Lisboa... Part. II. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves, e Filhos, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Inicia com uma reflexão do Cura sobre a “regeneração feliz da nossa cara Pátria”, que, em sua opinião, “não pode jamais deixar de ser guiada, pelos sagrados auspícios da Religião”. Seguindo o raciocínio do Exorcista sobre os perigos de uma “liberdade mal entendida, de falar, pensar, escrever, e obrar”, o Cura de Povos (localidade vizinha à Vila Franca) temia que pudessem alguns publicistas “servirem-se destas ferinas Armas para a denegrirem, e fazerem assim por espalhar perniciosas ideias”. Reproduzia, assim, uma habitual classificação adotada pela própria imprensa luso-brasileira, que distinguia as publicações seguidoras de uma “bem entendida Liberdade” daquelas produzidas por “esfomeados Periodiqueiros que fizeram a aluvião de Periódicos” (p. 156-157). É interessante também sua concepção acerca do desejado estilo retórico desses impressos:

A sabedoria, a ciência, é sempre comunicada aos ignorantes, por maneiras dóceis, que insinuem, e não por ataques positivos que estimulam, e desafiam a boa moral, para a mesma ignorância se ver sempre precipitada no erro, e amando a mordacidade, e a crítica, desprezando a sã moral: tais são os frutos dos escritos de alguns, que o vulgo quer por força que sejam científicos (p. 158).

Continuando a jornada, o Exorcista encontra na estrada o Andador das Almas23 23 Membro de irmandade religiosa que pedia esmolas, de porta em porta, para livrar as almas do purgatório. da freguesia de Alhandra, e com ele seguiu viagem. Após explicar o que era uma Constituição (consiste em “limitar o poder absoluto, e arbitrário ao Rei”, de modo que a nação “é que dá as Leis ao Monarca, e é Soberana”), admite que era justa para o povo, mas para “Frades, Fidalgos, Ministros, e outros Empregados públicos não é boa”, pois implicaria na perda dos privilégios adquiridos. Em seguida, revela sua estratégia de combater o sistema constitucional “com certo disfarce”, para que “logo não seja conhecido”, e de achincalhar os escritores liberais, “para que assim me temam” (p. 160). Em Alhambra, encontraram o Cura no adro da igreja “a ler os Periódicos, que alguém lhe trouxe de Lisboa”, cidade que estava “inundada de Periódicos, depois que a Nação assentiu a uma Constituição”. Segundo o Exorcista, costuma-se “chamar flagelo, ou praga a tudo aquilo” (p. 161), reiterando, então, que “pretendo exorcismá-los, e excomungar os Periodiqueiros”. O Cura, entretanto, contrapõe que o Exorcista, “atacando os Periódicos Políticos, ataca sem pejo o todo de uma Nação; e um dos primeiros direitos dos Cidadãos, que é a Liberdade de Imprensa” (p. 162). Além disso, ao comparar escritores públicos a pragas ou pestes, estava a “medir a todos com a mesma Vara, quando muitos têm ajudado a manter a ordem, e advertido o que é útil para o bem da Nação” (p. 163). O Exorcista, no entanto, insistiu na desqualificação pessoal dos periodiqueiros, “uns homens de ofícios, e outros que viviam ociosos pelos cantos dos botequins”, que “escrevem por esfomeados”. Para combater a “praga dos Periódicos”, concluiu que “não há cordão que lhe vede a passagem, são precisas forças extraordinárias, Exorcismos com eles” (p. 163-164). No fim, o autor observa que assim encerrava a obra “por decência” e que pretendeu apenas ensinar ao Exorcista que “abstenha-se de desvarios para não ser por corcunda de má fé apontado” (p. 167).

Se os diálogos do Exorcista eram espécies de parábolas que satirizavam as publicações críticas à proliferação de jornais e à liberdade de imprensa, o terceiro panfleto da série insere-se exatamente entre esses últimos impressos.24 24 Exorcismos, contra periodicos, e outros maleficios. Lisboa: Off. da Viuv. de Lino da Silva Godinho, 1821. Lançado em fevereiro de 1821, foi o primeiro folheto de Macedo crítico à imprensa vintista. De início, lamentava que, no “século da Política”, à obra da Regeneração “veio unida a praga dos Periódicos”, nos quais “todos falam, ninguém se entende” (p. 4 e 8). Portugal estava, então, “coberto, alastrado, entulhado de Periódicos”. Era preciso “exorcismar este flagelo” (p. 6 e 8). Indagando quem eram os periodiqueiros, Macedo repisa o batido argumento da fome e do interesse mercantil: “a barriga vazia é quem acarretou sobre as nossas cabeças a nuvem Periodiqueira”. Em seguida, completou que, para ser escritor, o indivíduo que vivia “ocioso pelos cantos dos Botequins”, precisava apenas “saber formar bem ou mal, tortos ou direitos os caracteres do Alfabeto”; copiar “muito mal” jornais castelhanos; e dar ao seu periódico “um título extravagante, e ridículo”, utilizando uma “linguagem avessa” (p. 11, 13 e 17). Em sua opinião, em toda a história, Portugal não sofreu “tributo mais pesado do que o preço da praga Periodical”. Um único jornal bastaria, uma vez que estavam “Todos a dizerem o mesmo, e todos a dizerem nada” (p. 16-17). Os periodiqueiros possuíam as “mesmas ideias incendiárias, subversivas, destampadas” e, desta forma, “revoltam, ou desorientam a Nação com os escândalos de seus discursos”, ignorando que a monarquia lusitana “não se fez nos cafés, onde vossas mercês morriam de fome, e agora impam de Políticos” (p. 29 e 33). As críticas de Macedo enquadram-se no perfil de escritor público que Morel (2005, p. 167-171) classificou como “nostálgicos da República das Letras”, vinculados ao poder e ciosos da ilustração, em contraposição aos “escritores patriotas liberais”, mais críticos.

Cordão da peste

Três panfletos em forma de ensaio compõem a série. Dois foram anonimamente escritos por José Agostinho de Macedo. Neles, a metáfora religiosa do exorcismo dá lugar a do cordão sanitário contra a peste periodiqueira, reforçando a associação crítica entre o crescimento da imprensa política e a ideia de praga. Os argumentos, porém, pouco diferem. O terceiro panfleto, também anônimo, combate os demais e defende a imprensa liberal.

Datado de 18 de fevereiro de 1821 e assinado por O Curcunda de boa-fé, o primeiro folheto25 25 Cordão da peste, ou medidas contra o contagio periodiqueiro. Lisboa: Officin. da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. pondera que os exorcismos contra a “praga, e contagião Periodical” talvez tenham produzido bons efeitos, mas “melhor será ainda não desprezar os meios humanos”. Afirma que, com os “aguerridos corpos da Razão, e da Verdade”, iria formar um cordão para salvar a pátria oprimida pelo “pestilencial flagelo dos Periódicos”, a “Peste Periodical” (p. 71). O primeiro sinal do contágio, alertava, é a “ignorância dos Periodiqueiros”, que se apressam em propor reformas sem atentar que “a marcha de uma revolução política deve ser lenta, deve ter as mesmas gradações que tem a marcha da Natureza”. Macedo reitera ideia basilar do pensamento conservador: a de que mudanças políticas não podiam ser repentinas, deviam ocorrer sem saltos e sobressaltos, e de forma pragmática, conforme a realidade de cada país. Ao invés disso, os periodiqueiros gritavam pelas aldeias das províncias, “onde está o Povo grosso”, por liberdade, contra o governo e contra a religião, inspirados em Algernon Sydney, Mably e Rousseau, (p. 72 e 73). Era preciso que o cordão “tome medidas violentas, descarga cerrada a Periódicos, e a Periodiqueiros”, concitando os cidadãos para que “Não comprem Periódicos”, pois animavam essas folhas “a bazófia, a mentira, a impostura, o espírito subversivo” (p. 75). Outro grande responsável por espalhar o contágio é a “correspondência Periodiqueira”, cujos autores “de todo se identificam”, possuem “as mesmas ideias, e o que é mais milagroso ainda, o mesmo estilo”, reproduzindo também trechos literais de obras de Wather, Filangière e Becaria (p. 79 e 81). Por fim, o autor insiste no apregoado efeito desestabilizador da ação dos periódicos:

Como se pode combinar a estabilidade do Governo, o sossego público, o amor da ordem, a observância das leis do novo regime, com a inquietação, que nos ânimos derramam tantas ideias destampadas, tantas notícias falsas, tantos projetos loucos, tanta flutuação de ideias, tanta contrariedade de doutrinas, e tão encontrados gritos dos incansáveis Periodiqueiros!

O segundo folheto26 26 Reforço ao cordão da peste. Lisboa: Officin. da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821. esclarece que, se antes a estratégia de ataque do cordão à peste seguia o rumo “do centro para as extremidades”, agora era preciso inverter o sentido, pois se, até então, “corriam os Periódicos da Capital para as Províncias; agora voam das Províncias para a Capital” (p. 4-5). O texto concentra-se no combate às diversas “chagas Periodiqueiras”, como O Liberal, Astro da Lusitania, O Amigo do Povo, Mnemosine e, sobretudo, O Amigo da Ordem, publicado em Coimbra. Critica também o monopólio do saber atribuído à “praga dos Escritores”, parecendo que “as luzes foram exclusivamente depositadas no entendimento dos Periodiqueiros”, que camuflavam seus interesses pessoais difundindo ideias como se fossem “atos de beneficência” (p. 6, 8 e 17). Pregava, assim, a necessidade de reforço ao cordão no combate à “Peste Periodical” que disseminava a desordem (p. 11).

Em resposta ao Corcunda de muito má fé e assinado por O Inimigo da Escravidão, o terceiro panfleto27 27 Destroço em ataque do cordão da peste periodiqueira... Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves e Filhos, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. retoma o argumento de que os ataques aos periodiqueiros eram um ardil de disfarçados corcundas, “sanguessugas do Estado”, para barrar o sistema constitucional. Assim, conclama o cordão a atacar a “pestilenta Corcundagem”, pois “esta é, que é a Peste, e não os Periódicos, que tiram a máscara, e dão a conhecer estes refinados Corcundas” (p. 109). Rebatendo o Cordão da peste, o Novo Mestre Periodiqueiro e o Exorcismos, contra periódicos, alertava para que “não nos deixemos iludir de tais escritos, se os Periódicos não merecem fé, menos fé merece o que um ou dois Corcundas escrevem com o ferrete de sábios” (p. 114). Em resposta à alegação de que o interesse financeiro movia os periodiqueiros, o autor sustentava que seus detratores é que “não respeitam nem o Rei, nem a Religião ainda que a preguem; só respeitam, e só amam o caminho de se elevarem às honras, e dignidades” (p. 113).

Avulsos

Resta destacar outros dois folhetos anônimos que satirizam a imprensa, ainda que seus argumentos pouco acrescentem ao debate. O primeiro28 28 Já fui Carcunda, ou A zanga dos periodicos. Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. é um ensaio crítico aos “estouvados Escritores” que, movidos por “sórdido interesse”, têm produzido um “enxame de Impressos, mais prejudiciais do que a Peste”, tornando Portugal “verdadeira Torre de Babel”. Evidenciando a popularidade e o valor acessível dos panfletos, salienta que o povo, que “nem todo pode ir ao teatro, se diverte com tais Bufões por pouco dinheiro” (p. 152). A multiplicidade de folhetos -Mestre Periodiqueiro, Cordão da peste, Exorcismos e Compadres - “só prova o grande número de ociosos, o imenso número de Corcundas, e o estado em que está a Nação, ou a instrução pública”. O autor repete também os argumentos que ressaltam os efeitos danosos dos folhetos e a rede de debates que os fomentava, pois, à medida em que se proliferam, “os costumes se corrompem, e os ódios se multiplicam”, um incitando o outro, de modo que, “se um Periodiqueiro é citado, porque inseriu uma carta; este mesmo Periodiqueiro cita, e escreve contra outro porque exorcismou o seu Periódico” (p. 153). Fazendo contraponto aos panfletos “cheios de erudição” produzidos na Espanha, o autor lamenta que, em Portugal, até mesmo alguns periodiqueiros e folhetistas dedicados às letras deixavam-se levar pela “mania popular” e adotavam o “método dos Charlatões”, ao “entulharem as tendas de Periódicos” (p. 153 e 154).

O segundo folheto29 29 O periodiqueiro por força, ou Dialogo de hum Tio, e hum Sobrinho... Lisboa: Typographia Rollandiana, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. retoma a consagrada fórmula do diálogo satírico na linha do Mestre Periodiqueiro. Os personagens da vez são um Tio e seu Sobrinho. Após refletir sobre os meios de fazer rápida fortuna, o Tio assegura ao Sobrinho que “o melhor é o de Periodiqueiro”, pois esta ocupação “dá mais em poucos meses, que outras dão em muitos anos” (p. 469 e 472). Mas, para o Sobrinho, seria a “pior Ocupação”, pois apenas sabia ler e escrever e não seria útil à nação. Primeiro, porque “os redatores em vez de unirem, e congraçarem as pessoas e as classes delas, as desunem”. Segundo, porque “é preciso seguir as opiniões do Público”, “não contar a coisa como na verdade é”, “fingir cartas” e “dizer mal de tudo, e de todos” (p. 470 e 471). O Tio insiste, porém, nas vantagens do ofício: “Passar no Público por homem de talento, e erudição, sendo verdadeiramente um impostor. Estimado e amado pela rude e ignorante populaça” (p. 473). Recomenda ter sempre como guia o Novo Mestre Periodiqueiro, “Obra-prima neste gênero”, e repassa as instruções dadas por seu Vizinho Doutor Periodiqueiro sobre como escrever um jornal. Semanal, de preferência, porque matérias políticas “exigem tempo para se meditarem”. O título deve ser “próprio, e análogo às nossas circunstâncias”, como Lua da Lusitânia. No primeiro número, convém declarar seu “pequeno e acanhado talento, e poucas luzes”, mas também ressaltar ser movido pelo “amor, bem e utilidade da Pátria”, não pelo “sórdido interesse”. Outras sugestões importantes são tratar com “respeito e decoro o atual Governo”; indicar “reformas em todas as classes”; apresentar novidades que sejam “as que o Público deseja”, não importando a veracidade; publicar “pedaços sublimes, mesmo alheios”; e fingir receber cartas de leitores, inclusive “jococerias, e graciosas para recriardes, e divertirdes os vossos Leitores cansados das sisudas, e importantes matérias Políticas”. Por outro lado, não convém realçar as “desgraças passadas”, nem “digais mal dos frades”, porque de tudo isso “o Público já está enfadado” (p. 473-477). Recomendações, portanto, que, afora estas últimas, pouco diferem daquelas dadas pelo Mestre Periodiqueiro.

Conclusão

O movimento vintista e o processo de Independência ensejaram propagação sem precedentes de panfletos e jornais no Brasil e em Portugal, impulsionada pela liberdade de imprensa, pela proliferação de tipografias particulares e pela própria fermentação política. Observa-se o desenvolvimento de uma ampla rede de debates, produzida em um momento de sensíveis mudanças no âmbito de uma cultura política conflagrada pelos embates em torno de heranças tradicionais do Antigo Regime, por um lado, e de marcas típicas da modernidade ilustrada, por outro (GUERRA, 1992GUERRA, François-Xavier. Modernidad y independencias - ensayos sobre las revoluciones hispánicas. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.). Em meio a essas ambiguidades e convergências, um dos principais temas abordados foi a questão da liberdade e dos limites da imprensa, defendida por aqueles publicistas identificados com os novos preceitos liberais, atacada por outros mais afeitos ao espírito contrarrevolucionário que logo irá fomentar o miguelismo, em Portugal, e os áulicos do Primeiro Reinado, no Brasil (LOUSADA, 1989LOUSADA, Maria Alexandre. O Miguelismo, um discurso contra-revolucionário. In: COSTA, Fernando Marques da (dir.). Do Antigo Regime ao liberalismo: 1750-1850. Lisboa: Vega, 1989.; BASILE, 2012BASILE, Marcello. The “print arena”: press, politics, and the public sphere in the Brazilian Empire, 1820s-1840s. In: KRAAY, Hendrik; CASTILHO, Celso Thomas; CRIBELLI, Teresa (orgs.). Press, power, and culture in Imperial Brazil, 1822-1889. Novo México: University of New Mexico Press, 2021.).

Os panfletos aqui analisados situam-se neste eixo temático, compondo séries articuladas em torno de personagens ou figuras alegóricas, que transmitiam suas ideias por meio de recursos retóricos como a sátira, a paródia e a ironia. Almejava-se, assim, potencializar o efeito persuasivo do discurso, estratégia reforçada pela própria estrutura narrativa dos textos.30 30 Dos 18 panfletos, dez são escritos em forma de diálogo, cinco de ensaio e três de carta. Afinal, segundo as regras da retórica, a elocução - a maneira de dizer, o estilo - é muitas vezes mais relevante do que aquilo que se diz (CARVALHO, 2000CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, n. 1, p. 123-152, set. 2000., p. 145).

Ao tecerem apreciações críticas ou laudatórias sobre os periodiqueiros, esses panfletos estavam não apenas propagando concepções idealizadas acerca do papel da imprensa, da função pública dos redatores e do comportamento da opinião pública, como estavam também definindo um conjunto de fórmulas discursivas que se consagraram como referências de escrita pública e de debate político. Ainda que os publicistas da época da Independência não os tenham inventado, desenvolveram e difundiram protocolos de estilo e linguagem que moldaram consideravelmente a maneira como as publicações políticas continuaram sendo escritas, lidas e criticadas, no Brasil e em Portugal, ao longo do século XIX.31 31 A ponto de, muito mais tarde, já nos idos de 1867-1868, Macedo (1995, p. 202-204 e 290-291) ainda fazer sátira semelhante à imprensa da época em um de seus romances. Nestas séries de folhetos, mais do que em qualquer outra, a grande questão de fundo, que procurei salientar, era a de como escrever periódicos e panfletos e, consequentemente, a função pública que deveriam exercer.

Os panfletos, além disso, não eram apenas peças narrativas do debate político, que meramente repercutiam a agitação política e expressavam a cultura política. Mais propriamente, eram um dos principais agentes dos acontecimentos. Para além de sua função pedagógica de pretender persuadir e dirigir a opinião pública, eram textos de intervenção política direta, que exerciam efeito mobilizador, agindo como instrumentos de pressão e interferindo nas ações e nas decisões. Eram parte integrante e atuante do jogo político. Nesse sentido, tiveram papel decisivo e preponderante no curso do processo que desencadeou a Independência do Brasil.

Fontes - Avulsos

  • Já fui Carcunda, ou A zanga dos periodicos Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821. 8 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 151-154.
  • O periodiqueiro por força, ou Dialogo de hum Tio, e hum Sobrinho, Ambos naturaes da Provincia do Minho, o primeiro morador ha annos em Lisboa, e o segundo vindo há pouco tempo para esta Capital. Quer pois o Tio que o Sobrinho tome por Força a Occupaçaõ de Periodiqueiro, a mais honrosa e de maior interesse segundo imagina para o que lhe communica as precisas intrucções, recebidas de hum seu Visinho Doutor, Periodiqueiro, que foi, da maior fama e nomeada Lisboa: Typographia Rollandiana, 1821. 15 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 468-478.

Braz Corcunda

  • O Braz Corcunda, e o Verdadeiro Constitucional E. J. A. de S. [Elisiario J. Antonio de Sousa]. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. 28 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 318-333.
  • O Braz já sem Corcunda por diante, e por detraz, feito pregador constitucional, recontando as aventuras das suas missões Lisboa: Impressão de João Baptista Morando, 1822. 24 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 508-534.
  • O Braz já sem Corcunda, por diante, e por detraz, ou o Verdadeiro Constitucional Lisboa: Typographia Rollandiana, 1821. 22 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 334-348.

Cordão da peste

  • Cordão da peste, ou medidas contra o contagio periodiqueiro O Curcunda de boa-fé. Lisboa: Officin. da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821. 44 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 69-84.
  • Destroço em ataque do cordão da peste periodiqueira com a ordem do dia do Corcunda de Má Fé chefe da guarnição para se retirarem dos postos, não obstante o reforço. Incluindo a resposta ao segundo Folheto do Novo Mestre Periodiqueiro sobre a sua nota; com que tanto o enriqueceo, a favor da Ex-Inquisição O Inimigo da Escravidão. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves e Filhos, 1821. 20 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 106-119.
  • Reforço ao cordão da peste Lisboa: Officin. da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821. 30 p. Biblioteca Nacional de Portugal, H.G. 14929 16 p..

Exorcismos

  • A jornada do Exorcista, desde Villa Franca, até Lisboa, Descripta por hum Andador das Almas da Freguezia d’Alhandra, que na estrada encontrou; e este compadecido delle o acompanhou. E a discripção do Cura de Póvos, sobre o Relatorio do que lhe contou o seu Sacristão, dos desastres acontecidos na Jornada ao Exorcista Part. II. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves, e Filhos, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 155-169.
  • Exorcismos, contra periodicos, e outros maleficios Lisboa: Off. da Viuv. de Lino da Silva Godinho, 1821. 34 p. Biblioteca Nacional de Portugal, 55017 p.
  • O Acolytho contra o Exorcista que levou a caldeirinha, e o hysope para exorcismar a praga periodiqueira, que graçava em Lisboa. Com a digressão da jornada do Exorcista, e o que na mesma lhe aconteceo Part. I. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves, e Filhos, 1821. 11 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 259-266.

Mestre Periodiqueiro

  • A forja dos periodicos ou o exame do Apprendiz Periodiqueiro Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves e Filhos, 1821. 72 p. Biblioteca Nacional de Portugal, H.G. 15 081 P.
  • Carta do Novo Mestre Periodiqueiro ao author da resposta à segunda parte do Mestre Periodiqueiro Lisboa: Officina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. 19 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 179-192.
  • Carta do Novo Mestre Periodiqueiro ao author do dialogo, intitulado Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro Lisboa: Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. 35 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 193-220.
  • Mestre Periodiqueiro, ou Dialogo de hum Sebastianista, de hum Doutor, e hum Hermitão, sobre o modo de ganhar dinheiro no tempo presente Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. 38 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 442-467.
  • Resposta á segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro: juntando-se-lhe por appendix as copias authenticas da exposiçaõ do Cardeal da Cunha, que precede o Regimento da Inquisiçaõ, e do alvara de confirmaçaõ do mesmo regimento em 1774 Lisboa: Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. 46 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 325-359.
  • Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro: ou abjuração do Sebastianista, e do Hermitão: confundindo o Doutor Periodiqueiro Lisboa: Officina de J. F. M. de Campos, [1821]. 35 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 304-324.
  • Segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro, ou Segundo dialogo de hum Sebastianista, de hum Doutor, e hum Ermitaaõ; sobre o modo de ganhar dinheiro no tempo presente Lisboa: Imprensa de Galhardo, 1821. 28 p. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 479-499.

Referências

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  • BASILE, Marcello. The “print arena”: press, politics, and the public sphere in the Brazilian Empire, 1820s-1840s. In: KRAAY, Hendrik; CASTILHO, Celso Thomas; CRIBELLI, Teresa (orgs.). Press, power, and culture in Imperial Brazil, 1822-1889. Novo México: University of New Mexico Press, 2021.
  • BASILE, Marcello. Governo, nação e soberania no Primeiro Reinado: a imprensa áulica do Rio de Janeiro. In: PEREIRA, Miriam Halpern; CARVALHO, José Murilo de; VAZ, Maria João; RIBEIRO, Gladys Sabina (orgs.). Linguagens e fronteiras do poder Lisboa: Centro de Estudos de História Contemporânea - Instituto Universitário de Lisboa, 2012.
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  • CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi Revista de História, Rio de Janeiro, n. 1, p. 123-152, set. 2000.
  • CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823). 4 vs. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Às armas, cidadãos! Panfletos manuscritos da Independência do Brasil (1820-1823). São Paulo: Companhia das Letras / Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
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  • NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan / Faperj, 2003.
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  • SOUSA, Jorge Pedro (coord.). O pensamento jornalístico português, v. I: das origens a abril de 1974. Covilhã: LabCom, 2010.
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  • VARGUES, Isabel Nobre. A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823) Coimbra: Minerva, 1997.
  • 1
    Utilizo aqui o conceito de cultura política como um “sistema de valores, de normas, de crenças” compartilhadas pelos indivíduos em uma dada formação social, a partir “da sua leitura do passado, das suas aspirações para o futuro, das suas representações da sociedade”. Um repertório heterogêneo e multifacetado, marcado por consensos e conflitos, que se estabelece e se transforma em sintonia com os acontecimentos e com as instituições políticas; que fundamenta as percepções acerca dos direitos e deveres; e que referencia as práticas possíveis no âmbito da política (BERSTEIN, 1998, citações p. 363; BAKER, 1999, p. 4-11; SANI, 1997, p. 306-308). Sobre a cultura política luso-brasileira no contexto do vintismo, cf. Neves (2003, especialmente parte I).
  • 2
    Não foram incluídos outros panfletos, não satíricos, que discutem a liberdade de imprensa e a opinião pública.
  • 3
    Conforme atestam diversos comentários e menções feitos a esses folhetos em jornais e outros panfletos publicados no Brasil, assim como os anúncios de folhetos constitucionais vendidos na livraria de Paulo Martin, na rua da Quitanda, no Rio de Janeiro (onde oito deles estavam à venda já em 1821, com preços entre $320 e 1$000 réis). Ver: Carvalho, Bastos e Basile (2014, v. 4, p. 370-376). Dos 18 panfletos analisados, 15 estão integralmente reproduzidos nos volumes 1, 2 e 3 da obra supracitada, que será utilizada como referência para as citações. Apenas um foi originalmente publicado em 1822.
  • 4
    Frade dominicano, professor e pregador régio de reconhecido dote oratório, nasceu em Portugal (possivelmente na vila de Batalha), entre 1775 e 1780, e faleceu em 1833. Vide Silva (1860, t. 4º, p. 429).
  • 5
    Mestre Periodiqueiro, ou Dialogo de hum Sebastianista, de hum Doutor, e hum Hermitão... Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 6
    Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro... Lisboa: Officina de J. F. M. de Campos, [1821]. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 7
    Possivelmente, já havia a suspeita de que frei José Machado, ou outro frade qualquer, estava por trás do pseudônimo de Mestre Periodiqueiro.
  • 8
    Segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro... Lisboa: Imprensa de Galhardo, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 9
    Resposta á segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro... Lisboa: Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 10
    Carta do Novo Mestre Periodiqueiro ao author do dialogo, intitulado Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro. Lisboa: Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Em um post-scriptum, Mestre Periodiqueiro declarou ter acabado de receber a resposta à segunda parte de seu folheto, afirmando que logo iria ler, avaliar e publicar seu juízo a respeito (p. 220).
  • 11
    Arcebispo e teólogo francês, preceptor do neto de Luís XIV, o príncipe duque de Borgonha, para quem escreveu, entre 1700 e 1712, Dialogues des morts, obra na qual ensinava, a partir do embate entre personagens históricos antagônicos que avaliavam os atos uns dos outros, as almejadas virtudes de um príncipe cristão. Cf. Fénelon (2010).
  • 12
    Carta do Novo Mestre Periodiqueiro ao author da resposta à segunda parte do Mestre Periodiqueiro. Lisboa: Officina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 13
    O argumento pode ser válido, não apenas no sentido de defesa à acusação de que a praga periodiqueira resultava da estratégia de ganhar dinheiro fácil com a venda de jornais. Ao analisar 12 panfletos políticos publicados no Brasil na década de 1860, Barbosa (2007) assinala o sucesso de vendas e a lucratividade desses folhetos (Regeneração por Demophilo, de Salvador de Mendonça, por exemplo, esgotou a edição de 2.000 exemplares em um mês, rendendo lucro próximo a um conto de réis). No contexto do processo de Independência, a multiplicidade de panfletos, com diversas sequências, séries e edições, constitui indicativo de que tais publicações poderiam ser mesmo lucrativas, ainda que a finalidade mercantil possa não ter sido a principal motivação para sua produção.
  • 14
    A forja dos periodicos ou o exame do Apprendiz Periodiqueiro. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves e Filhos, 1821.
  • 15
    Não disponho de dados biográficos sobre o referido autor. Silva (1859, t. 2º, p. 224) faz referência apenas aos panfletos do Braz Corcunda e do Braz já sem corcunda.
  • 16
    O Braz Corcunda, e o Verdadeiro Constitucional. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 17
    O Braz já sem Corcunda, por diante, e por detraz, ou o Verdadeiro Constitucional. Lisboa: Typographia Rollandiana, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 18
    O Braz já sem Corcunda por diante, e por detraz, feito pregador constitucional... Lisboa: Impressão de João Baptista Morando, 1822. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 19
    Outros dois folhetos não puderam ser consultados: Analyse critica e exorcismos contra o exorcista que esconjurou os Periodicos. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1821, 16 p.; e Resposta ao papel intitulado exorcismos contra periódicos e outros maleficios com o responso de Santo Antonio contra a descuberta da malignidade dos aleijões solapados. Por Pedro Alexandre Cavroé. Lisboa: Imp. Nacional, 1821, 16 p.
  • 20
    Nascido em Portugal em 1761, faleceu em 1831. Recebeu o hábito da Ordem de Santo Agostinho em 1778. Após sucessivos escândalos de licenciosidade e infrações às normas, passando por diversos mosteiros, foi expulso em 1788, readmitido no ano seguinte e expulso em definitivo em 1792. Foi, então, secularizado, mantendo o ofício de sacerdote. Tornou-se pregador da Capela Real, graças ao talento oratório. Produziu vasta obra literária, poética e dramatúrgica, mas se destacou como redator de dezenas de jornais e panfletos políticos críticos ao liberalismo. Silva, 1860, t. 4º, p. 183-215. Sobre suas críticas à imprensa vintista, ver Sousa (2009, p. 10-23).
  • 21
    O Acolytho contra o Exorcista que levou a caldeirinha, e o hysope para exorcismar a praga periodiqueira... Part. I. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves, e Filhos, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 3. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 22
    A jornada do Exorcista, desde Villa Franca, até Lisboa... Part. II. Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves, e Filhos, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 23
    Membro de irmandade religiosa que pedia esmolas, de porta em porta, para livrar as almas do purgatório.
  • 24
    Exorcismos, contra periodicos, e outros maleficios. Lisboa: Off. da Viuv. de Lino da Silva Godinho, 1821.
  • 25
    Cordão da peste, ou medidas contra o contagio periodiqueiro. Lisboa: Officin. da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 26
    Reforço ao cordão da peste. Lisboa: Officin. da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821.
  • 27
    Destroço em ataque do cordão da peste periodiqueira... Lisboa: Nova Impressão da Viuva Neves e Filhos, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 28
    Já fui Carcunda, ou A zanga dos periodicos. Lisboa: Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 2. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 29
    O periodiqueiro por força, ou Dialogo de hum Tio, e hum Sobrinho... Lisboa: Typographia Rollandiana, 1821. In: CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lucia; BASILE, Marcello (orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • 30
    Dos 18 panfletos, dez são escritos em forma de diálogo, cinco de ensaio e três de carta.
  • 31
    A ponto de, muito mais tarde, já nos idos de 1867-1868, Macedo (1995, p. 202-204 e 290-291) ainda fazer sátira semelhante à imprensa da época em um de seus romances.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2021
  • Aceito
    12 Maio 2022
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