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O marquês de Barbacena, a política e a diplomacia na construção do Estado Imperial brasileiro

The Marquis of Barbacena, politics and diplomacy in the construction of the Brazilian Imperial State

El Marqués de Barbacena, política y diplomacia en la construcción del Estado Imperial Brasileño

Cupello, Rafael. . O marquês de Barbacena: política e sociedade no Brasil imperial (1796-1841) . Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022. 336p.

A biografia como escrita da História é um fato. Não se discute mais se a subjetividade da narrativa biográfica a torna menos histórica. Como ressalta Alexandre Avelar, citando Borges, autora da epígrafe acima, o desafio do trabalho biográfico consiste “ao falar do seu personagem, o biógrafo, de certa forma, fala de si mesmo, projeta algo de suas emoções, de seus próprios valores e necessidades” (AVELAR, 2010AVELAR, Alexandre de Sá. A biografia como escrita da História: possibilidades, limites e tensões. Dimensões, v. 24, p. 157-172, 2010., p. 170).

Tendo as preocupações acima, Rafael Cupello disserta sobre a trajetória de vida de Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta, primeiro visconde com grandeza e marquês de Barbacena, no livro O marquês de Barbacena: política e sociedade no Brasil imperial (1796-1841). Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em História da UERJ, em História Política, 2018, e Prêmio Arquivo Nacional de Tese de 2019, a biografia tem como balizas os anos de 1796, quando formado na Academia Real da Marinha de Lisboa fora nomeado major do Estado-Maior e ajudante de ordens de D. Miguel Antônio de Melo, 1º conde de Murça, e governador e capitão-general de Angola (1797-1802), e 1841, quando Barbacena apresentou seu segundo projeto para arregimentar o Conselho de Estado em oposição à proposta do conservador Bernardo Pereira de Vasconcellos. A partir dessa última, marca também o afastamento de Barbacena da política, culminando com o seu falecimento em 13 de junho de 1842.

O livro é dividido em quatro capítulos, mais Introdução e Conclusão. No capítulo 1, “As múltiplas faces do marquês: um estudo biográfico”, Rafael Cupello analisa a biografia como escrita da História, e dialoga criticamente com as biografias feitas sobre o personagem como as dos seus filhos, Pedro Caldeira Brant, o conde de Iguaçu, e as memórias publicadas no período de 1860 e sobretudo em 1886 por Felisberto Caldeira Brant, 2º visconde de Barbacena e sócio do IHGB desde 1841. Além destas destaca-se a biografia feita por Pandiá Calógeras, Um mineiro digno de nota: o marquês de Barbacena, escrita para a Coleção Brasiliana da Companhia Editora Nacional, dirigida por Fernando Azevedo. Como ressaltaram Giselle Venancio e André Furtado, tratou-se de estudos monográficos “que contemplam aspectos específicos sobre o Brasil ou seus principais personagens” e o “objetivo de seus editores, desde o início, era que a coleção condensasse, de um só golpe de vista, [...] toda a cultura nacional” e se tornasse uma síntese do País, destinada a um leitor experiente, já iniciado nos estudos sobre o Brasil” (VENANCIO; FURTADO, 2013VENÂNCIO, Giselle Martins; FURTADO, André Carlos. Brasiliana & História Geral da civilização brasileira: escrita da história, disputas editoriais e processos de especialização acadêmica (1956-1972). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 9, p. 5-23, jan./jun. 2013., p. 10).

No capítulo 2, “Da ‘nobreza da terra’ aos negócios do açúcar: a ascensão social de Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira e Horta”, Rafael reconstrói a trajetória de vida de Barbacena, a partir da relação entre as famílias Horta e Caldeira Brant em Minas Gerais. Ressalta a ascensão e queda do seu avô, de origem paterna, o contratador dos diamantes Felisberto Caldeira Brant, que foi preso por Pombal e com seus bens sequestrados. Reconstrói a trajetória da família, de Mariana, Bahia (Ilhéus) para o Rio de Janeiro, quando sua mãe viúva casa com um descendente da família Paes Leme, da nobreza da terra carioca. Analisando a trajetória do jovem Felisberto, destaca a sua entrada na Academia Real da Marinha de Lisboa na década de 1790, e, já formado, em 1796, fora nomeado major e ajudante de ordens de D. Miguel Antonio de Melo, 1º conde de Murça, governador e capitão-general de Angola (1797-1802). Essa experiência em Angola foi fundamental para a criação da rede de sociabilidade e de negócios de Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta, que, ao retornar para a capitania da Bahia, contratou o casamento com D. Ana Constança, filha do negociante baiano Antonio Cardoso dos Santos, um dos maiores traficantes de escravos da capitania e de grande fortuna. A partir desse momento, a ascensão de Felisberto, tanto política, quanto econômica foi grande. Fora nomeado tenente-coronel do regimento de 1ª linha de Salvador, cargo de grande significação simbólica e militar na capital baiana, e juntamente com seu cunhado Pedro Antônio Cardoso dos Santos e com o negociante Pedro Rodrigues Bandeira firmou sociedade comercial, atuando em vários negócios como no serviço de navegação a vapor pelo rio Paraguaçu, e na compra de engenhos, como em 1810, adquirindo o engenho de Santana em Ilhéus, e fazendas de algodão, em Propriá (divisa da Bahia com Sergipe). Foi justamente no engenho do Santana, em 1814, que ocorreu uma rebelião escrava, já destacada nos trabalhos de João José Reis e Stuart B. Schwartz.

Ainda no capítulo 2, sobre os negócios de Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta, destaca-se a documentação composta pelas “correspondências publicadas pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro na obra intitulada Economia açucareira da Bahia em 1820. Cartas de Felisberto Caldeira Brant Pontes, marquês de Barbacena”. Nessas correspondências ativas de Felisberto, percebe-se a atuação dele nos seus negócios, como nas vendas de açúcar para Hamburgo (cidade-estado hanseática, e importante porto da Europa Central), como também nas relações com importantes personagens do Rio de Janeiro, como o negociante, negreiro e senhor do engenho de Ubá (Vassouras-Rio de Janeiro), João Rodrigues Pereira de Almeida. No período Joanino, fora também deputado-comerciante da “Real Junta do Commercio, Agricultura, Fábricas e Navegação deste Estado do Brazil e Seus Domínios Ultramarinos”, e membro da junta diretora do Banco do Brasil. Concordando com o autor Rafael Cupello, essa relação entre outras foi de suma importância “para sua aproximação do centro político do poder no Império luso-brasileiro do início do século XIX, isto é, a corte joanina instalada no Rio de Janeiro, foram suas relações pessoais e de negócios com importantes negociantes de grosso trato da capital fluminense”.

No capítulo 3, “‘O diplomata homem de estado’: a participação de Caldeira Brant nos negócios exteriores do Império do Brasil”, temos o crescimento e destaque da carreira política e diplomática de Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta. No campo da política, a trajetória do marquês de Barbacena é narrada desde os tempos joaninos até atingir o topo da hierarquia política com sua nomeação para o Conselho de Estado e para o Ministério da Fazenda (1829-1830) no Primeiro Reinado. A fidelidade à monarquia brigantina fica nítida, não significando abraçar o absolutismo, com o qual não concordava. No campo diplomático, na conjuntura das Cortes, foi enviado para Londres em 1821, após o levante da Tropa Auxiliadora do Rio de Janeiro e a reação do príncipe regente D. Pedro. Sob a proteção do príncipe regente, permaneceu em Londres e, por meio das correspondências pessoais do marquês, fonte importantíssima, ficou nítida a sua ação frente às Cortes no tocante à política com relação ao príncipe D. Pedro. Os contatos de Felisberto na Europa possibilitam aventar a hipótese de enviar “destacamentos europeus para o Brasil, ofertando seus serviços por possuir na Europa relações, e amizades com militares, banqueiros e maquinistas que são as três classes de que ora precisamos”.

Sua atuação possibilitou que, ao retornar para o Brasil em 1823, assumisse um cargo na Assembleia Constituinte; mas, a estadia durou pouco, pois fora nomeado ministro plenipotenciário do Império na Grã-Bretanha. No processo de negociação do reconhecimento da Independência do Brasil, Felisberto e Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa, o visconde de Itabaiana, tiveram papéis importantes junto aos governos britânico e português, e negociaram o empréstimo de 3 milhões de libras esterlinas, conhecido como o “empréstimo português”, e que marcaria o início da dívida pública externa do Brasil. Como ressaltado no livro, mesmo com forte oposição interna, foi assinado o tratado entre Portugal e o Brasil em 29 de agosto de 1825.

Em virtude da sua participação no tratado, em 1825 Felisberto recebeu do Imperador o título visconde com honra de grandeza de Barbacena, e no mesmo ano foi eleito senador por três províncias, Minas Gerais, Alagoas e Bahia. Com o recrudescimento da Guerra da Cisplatina, fora enviado como comandante-chefe das tropas brasileiras, substituindo Francisco de Paula Massena Rosado, e recebeu o título de marquês de Barbacena. Com a derrota na batalha do Passo do Rosário, em 20 de fevereiro de 1827, o marquês de Barbacena perdeu prestígio na visão de Rafael Cupello. A recuperação política do marquês veio com a sua atuação junto a D. Maria II em Portugal, e ao seu envolvimento no segundo casamento de D. Pedro I com a princesa D. Amélia de Leuchtenberg em 1829. No mesmo ano, fora nomeado ministro da Fazenda e conselheiro do Conselho de Estado em 1830. Sua atuação ministerial fez com que entrasse em choque com os “portugueses” próximos de D. Pedro I, como Francisco Gomes da Silva, o Chalaça. A conjuntura crítica, principalmente em virtude das fortes críticas ao Imperador D. Pedro I, fez com que seu ministério durasse pouco, caindo em setembro de 1830. Tempos difíceis.

No capítulo 4, “‘A sorte dos homens moderados, em tempos de feral excitação, é desagradar a todos os partidos’: o marquês de Barbacena e o campo político imperial”, o autor apresenta a atuação do marquês no debate sobre a abolição do comércio de escravos no Brasil, que, no final da década de 1820, segundo Luna e Klein, chegou à média anual de 61.000 escravos desembarcados (KLEIN; LUNA, 2022KLEIN, Herbert S.; LUNA, Francisco Vidal. Tráfico legal e ilegal de escravos no Brasil no século XIX. In: ALMICO, Rita de Cássia da Silva; PEREIRA, Walter Luiz (orgs.). História econômica do Brasil Império. Niterói: EDUFF; São Paulo: HUCITEC, 2022., p. 87). Como nos capítulos anteriores, ressalta-se a documentação trabalhada pelo autor, e analisando a atuação do marquês de Barbacena, ficou nítido que era um “fiel súdito” de sua majestade, mas não era um absolutista. Tal posição está na carta endereçada ao Imperador, em dezembro de 1830, em que ele pede ao monarca que mude sua conduta política e se afaste da “facção clementina”, liderada por José Clemente Pereira, pois, caso contrário, seu reinado não duraria seis meses.

Foi o que aconteceu. Em 7 de abril de 1831, D. Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho, e, como ressaltado na História, um novo pacto político surgiu no contexto das Regências. Foi o ápice da carreira política do marquês, pois, sendo contrário ao Federalismo, como também aos Caramurus ou Restauradores, era favorável a uma Reforma Constitucional que permitisse a governabilidade do Brasil. O marquês também foi responsável pela formulação do projeto de abolir o comércio de escravos, o que aconteceu de fato com a lei de novembro de 1831, conhecida como a Lei Feijó, que tornava o comércio de escravos ilegal. Conhecida como a “Lei para inglês ver”, de fato teve repercussão com o declínio dos desembarques legais de escravos, embora embarques ilegais continuassem nas costas brasileiras.

A Regência Feijó não foi um período agradável para o marquês, que viu sua presença diminuir na arena política. Com o Ato Adicional de 1834, organizou-se a facção regressista, de restabelecer a ordem e a centralização política em torno do Rio de Janeiro frente à “anarquia” do Ato de 1834, como ressaltou uma das lideranças regressistas, o ex-liberal moderado Bernardo Pereira de Vasconcelos.

Nessa conjuntura crítica, o marquês propõe a revogação da lei de 1831, com o projeto de 1837. Rafael Cupello ressalta que tal projeto, “ao ‘vitimar’ os senhores que obtiveram escravos ilegalmente, antes do que prezar pela situação do africano ilegalmente escravizado, buscava obter o apoio da classe senhorial para seu projeto de nação que findava extirpar o ‘bárbaro’ africano do território brasileiro”. Fora uma das últimas atuações do marquês, já que, doente, se recolheu para sua vida privada em Minas Gerais até falecer em 1842.

Por fim, acreditamos que o livro de Rafael Cupello se constitui numa contribuição importante para a História da Biografia, como também para a História Política do Império brasileiro. A partir da atuação de um indivíduo, podemos perceber a relação com o todo. Uma ótima leitura.

Referências

  • AVELAR, Alexandre de Sá. A biografia como escrita da História: possibilidades, limites e tensões. Dimensões, v. 24, p. 157-172, 2010.
  • BORGES, Vavy Pacheco. O “eu” e o “outro” na relação biográfica: algumas reflexões. In: NAXARA, Márcia; MARSON, Izabel; BREPOHL, Marion (orgs.). Figurações do outro Uberlândia: EDUFU, 2009.
  • CUPELLO, Rafael. O marquês de Barbacena: política e sociedade no Brasil imperial (1796-1841). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022.
  • KLEIN, Herbert S.; LUNA, Francisco Vidal. Tráfico legal e ilegal de escravos no Brasil no século XIX. In: ALMICO, Rita de Cássia da Silva; PEREIRA, Walter Luiz (orgs.). História econômica do Brasil Império Niterói: EDUFF; São Paulo: HUCITEC, 2022.
  • VENÂNCIO, Giselle Martins; FURTADO, André Carlos. Brasiliana & História Geral da civilização brasileira: escrita da história, disputas editoriais e processos de especialização acadêmica (1956-1972). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 9, p. 5-23, jan./jun. 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2022
  • Aceito
    20 Jul 2022
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