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O crime como obra de arte: Aníbal López, realismo traumático e crítica institucional (2000-2012)

Crime as a work of art: Aníbal López, traumatic realism, and institutional critique (2000-2012)

El crimen como obra de arte: Aníbal López, realismo traumático y crítica institucional (2000-2012)

RESUMO

Este artigo analisa a relação entre criminalidade e arte contemporânea a partir do realismo traumático mobilizado na obra do artista visual guatemalteco Aníbal López durante os anos 2000. Para tanto, considera-se a ideia-limite do “crime como obra de arte” como um dos modos de elaboração poética do trauma na cultura contemporânea. A hipótese de fundo consiste em ressaltar a dimensão institucional dessa elaboração, ali incluída a crítica aos sistemas de produção e circulação da arte. Como se verá, parte da potência discursiva das obras de Aníbal López advém do choque deliberado entre dois contextos díspares: de um lado, o ambiente traumático de violência, criminalidade e pobreza da Guatemala dos anos 1990 e 2000; de outro, o contexto institucional do mundo da arte contemporânea globalizada, com seus ritos sofisticados, sua fauna exótica e culta, seus lugares próprios de exposição e legitimação.

Palavras-chave:
Aníbal López; crime como obra de arte; arte e violência na América Latina; realismo traumático; crítica institucional

ABSTRACT

This paper analyzes the relationship between crime and contemporary art based on the traumatic realism employed by Guatemalan visual artist Aníbal López in the 2000s. For this purpose, the idea of “crime as a work of art” is considered one of the most important modes of poetic elaboration of trauma in contemporary culture. The underlying hypothesis is to emphasize the institutional dimension of that elaboration, including the critique of the production and circulation systems of art. As will be seen, part of Aníbal López’s artworks discursive power comes from the deliberate clash between two distinct contexts: on the one hand, the traumatic environment of violence, crime, and poverty in Guatemala in the 1990s and 2000s; on the other, the institutional context of the globalized contemporary art world, with its sophisticated rites, its exotic and cultured fauna, its own places of exhibition and legitimation.

Keywords:
Aníbal López; crime as a work of art; art and violence in Latin America; traumatic realism; institutional critique

RESUMEN

Este artículo analiza la relación entre criminalidad y el arte contemporáneo desde la perspectiva del realismo traumático movilizado en la obra del artista visual guatemalteco Aníbal López durante la década del 2000. Por lo tanto, se considera la idea límite del “crimen como obra de arte” como una de las formas de elaboración poética del trauma en la cultura contemporánea. La hipótesis de fondo, consiste en resaltar la dimensión institucional de esa elaboración, incluyendo la crítica a los sistemas de producción y circulación del arte. Como se verá, parte del poder discursivo de las obras de Aníbal López proviene del choque deliberado entre dos contextos dispares: por un lado, el entorno traumático de violencia, delincuencia y pobreza en Guatemala de las décadas de 1990 y 2000; por otro, el contexto institucional del mundo del arte contemporáneo globalizado, con sus ritos sofisticados, su fauna exótica y culta, sus propios lugares de exhibición y legitimación.

Palabras clave:
Aníbal López; el crimen como obra de arte; arte y violencia en América Latina; realismo traumático; crítica institucional

Em 8 de junho de 2012, um matador de aluguel da Guatemala é interrogado em um amplo auditório da cidade de Kassel, na Alemanha. Os arguidores querem saber os detalhes de seu ofício, as técnicas empregadas para matar, os dilemas morais envolvidos, se há algum sinal de culpa ou arrependimento. O assassino responde com franqueza a tudo e a todos. Sua identidade é protegida por uma tela semitransparente, disposta à sua frente. As respostas são aterrorizantes, decerto, e não apenas pelos detalhes torpes que revelam, mas também pela naturalidade com que são ditas. Ainda que o matador esteja ali, diante de todos, e que sejam reais as mortes por ele confessadas, o interrogatório, todavia, não é uma instância processual ou um tribunal popular, mas uma inusitada obra de arte contemporânea. Seu autor, responsável por levar o assassino à Alemanha, é o artista guatemalteco Aníbal López; os inquiridores são o público de uma das mais influentes exposições de arte do planeta, a Documenta de Kassel.

A obra problematiza abertamente a relação entre ficção e realidade. Sua obsessão pela verdade de práticas perturbadoras se inscreve no realismo traumático (ou realismo extremo) de parte da produção artística contemporânea (SCHØLLHAMMER, 2013SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Cena do crime: violência e realismo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., p. 162-170). Mais do que reproduzir o trauma, são obras que almejam produzi-lo. A leitura é de Hal Foster, que, a partir de Lacan, entende o traumático “como um encontro faltoso com o real”. Nessa condição, afirma, “o real não pode ser representado; só pode ser repetido; aliás, tem de ser repetido” (FOSTER, 2014FOSTER, Hal. O retorno do real: a vanguarda no final do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2014., p. 128). Contratado por Aníbal López, o matador da Documenta não representa os ritos de dor e morte que enuncia: ele os encarna, repetindo-os como prova viva, testemunho de si e potência de morte. A ideia-base é definhar o dispositivo ficcional, e na sua falta deixar luzir, por transparência e imediatez, o brilho cego do real. Nos termos de Foster, é como se essa arte quisesse que o “objeto se sustentasse, que o real existisse, em toda a glória (ou horror) de seu desejo pulsátil” (p. 136). Há algo de obsceno nesse gesto, senão no sentido etimológico de “contra a cena” (ob-sceno), ao menos na ideia, no limite irrealizável, de um objeto sem cena, talvez “perto demais do espectador” (p. 146). O problema que se coloca é difícil de resolver, mas fácil de enunciar: como lidar com uma arte que aspira à realidade imediata e obscena, mas uma realidade na qual não se pode diluir, sob pena de deixar de ser o que se é? Como entender o gesto de invenção cujo componente ficcional consiste na suspensão traumática da própria ficcionalidade? Hal Foster, a esse respeito, levanta a interessante hipótese do obsceno como a maior defesa contra o trauma do real, o escudo derradeiro da imagem e da arte, e “não seu último diluente”, como se poderia supor (p. 146). E de fato. Por mais perturbadoras e abjetas que sejam, obras como essas exigem, para serem vistas e ouvidas, que o brilho do real se turve na opacidade da linguagem.

Para os limites deste texto, estou interessado nos modos de ressublimação do trauma na cultura contemporânea, e mais especificamente nas práticas concretas de retorno do obsceno criminal às disposições da linguagem de arte. A hipótese de fundo consiste em ressaltar a dimensão institucional desse retorno, ali incluída a crítica aos sistemas de circulação e consagração do que seja artístico ou pretenda sê-lo. Diante do risco de diluição na vida prática, o realismo traumático requer não apenas a elaboração opaca da linguagem, mas também a antecipação inventiva de seus protocolos de exposição, validação e interpretação. No plano dos efeitos, é na consideração poética do chamado “mundo da arte” (DANTO, 2007DANTO, Arthur [1964]. O mundo da arte. In: D’OREY, Carmo (org). O que é arte?Lisboa: Dinalivro, 2007., p. 79-99; DICKIE, 2007DICKIE, George [1976]. O que é arte?. In: D’OREY, Carmo (org). O que é arte? Lisboa: Dinalivro, 2007., p. 101-118), com seus aparelhos museais, suas expectativas de público, seus juízos críticos e prerrogativas autorais que a inefabilidade do real se deixa encenar como linguagem. Para analisar esse procedimento de encenação, tomarei como caso-exemplar a relação entre crime e institucionalidade presente na trajetória de Aníbal López ao longo dos anos 2000. Parte considerável da potência discursiva das obras do artista nesse período advém do choque deliberado entre dois contextos díspares: de um lado, o ambiente traumático de violência, criminalidade e pobreza da Guatemala dos anos 1990 e 2000 (que, como veremos, atravessa a obra e a vida de Aníbal); de outro, o contexto institucional do mundo da arte contemporânea globalizada, com seus ritos sofisticados, sua fauna exótica e culta, seus lugares próprios de exposição (museus, galerias) e consagração (bienais, coleções).

Tal estratégia de choque é herdeira das vanguardas, na medida em que evoca a recusa dos mecanismos de autoridade da instituição de arte como uma forma de esgarçar o tecido fino que separa a representação do referente, a ficção da realidade - a produção artística da “práxis vital” (BÜRGER, 1993BÜRGER, Peter. Teoria da vanguarda. Lisboa: Veja, 1993., p. 90-91). A partir dos anos 1960, tal fenômeno, marcado pela denúncia da neutralidade da visão e pela consequente politização das instâncias de validação da arte, ficará conhecido como “crítica institucional”, e estará desde logo atrelado a propostas artísticas que se dispõem a problematizar o sistema social da arte como um dispositivo de poder (FOSTER, 2002FOSTER, Hal [1982]. Subversive signs. In: HARRISON, Charles; WOOD, Paul(ed.). Art in theory 1900-2000: an anthology of changing ideas. 2. ed. Oxford: Blackwell, 2002.; FRASER, 1985FRASER, Andrea. In and out of place. Art in America, jun. 1985.; FRASER, 2005; BUCHLOH, 1990BUCHLOH, Benjamin. Conceptual art 1962-1969: from the aesthetic of administration to the critique of institutions. October, v. 55, Winter, 1990.). Face o assombro moral causado pela presença de um matador em um espaço expositivo, não é difícil reconhecer a sobrevivência dessa forma de crítica no gesto de Aníbal López. De todo modo, é a profundidade da repulsa e a extensão do efeito psíquico sobre a dimensão social da instituição que me interessam. No cenário contemporâneo, caraterizado pela patologização da esfera pública, a cultura moderna do choque e a operação poética da crítica às instituições são atravessadas pelo impacto da chamada cultura do trauma (SCHØLLHAMMER, 2013SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Cena do crime: violência e realismo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., p. 328). Nela, o poder estético negativo do realismo extremo pretende romper com a anestesia simbólica do espetáculo, seja em sua dimensão industrial e midiática, de ordem globalizada, seja no processo de espetacularização do próprio mundo da arte.

Diante desse quadro, o propósito central aqui consistirá em apresentar a obra-limite de Aníbal López como um caso privilegiado de interpretação da potência e dos riscos inerentes à relação entre arte e criminalidade, com destaque para as contradições institucionais dessa forma de abordagem. Para tanto, começarei com uma análise rápida da obra As pessoas bonitas, realizada na galeria Contexto, na Cidade da Guatemala. O objetivo, de caráter introdutório, será entender algumas especificidades da crítica institucional de Aníbal López, com ênfase no modo com que o artista tende a considerar o público de arte não como o receptor passivo de um ato poético, mas como um sujeito reativo, uma espécie de alvo concreto ou vítima imprevista de quem se exige resposta e consciência crítica. Depois disso, veremos algumas das principais coordenadas políticas e culturais do ambiente de formação e atuação do artista. A ideia-base será percorrer rapidamente a chamada “nova arte centro-americana”, ativa a partir do final dos anos 1990 e 2000, em diálogo com o turbulento período do pós-guerra civil da Guatemala, marcado pelo ajuste de contas com as violências do passado e do presente. Em seguida, serão apresentadas três obras de Aníbal López em que a dinâmica institucional da arte será confrontada por meio da atividade criminal. Num primeiro momento, examinarei o trabalho Testemunho (sicário), o assombroso caso do matador da Documenta, com o qual abri este texto. Nele, o diálogo franco entre uma plateia cosmopolita e um assassino latino-americano sinalizará o alcance, mas também os impasses da estética da crueldade, cuja procura de um real traumático, decerto irrepresentável, só se deixará capturar como o avesso da cultura. Logo depois, o embate entre o mundo da arte e o do crime assumirá uma outra medida, ainda mais extrema e abjeta, na ação O empréstimo, em que o exercício da violência literal poderá evocar, em nome da arte, a erosão do ficcional e a derrota da representação, mas também a cumplicidade do público e o cinismo da crítica à instituição. Na sequência, apresentarei a obra 500 caixas contrabandeadas do Paraguai ao Brasil, um curioso exemplo de infração penal que se realiza com o apoio de uma Bienal internacional de arte, mas também em parceria com o crime organizado. Para finalizar, considerarei a ideia do “crime como obra de arte” como uma forma eficaz de caracterizar, na chave do realismo extremo, algumas das principais contradições da crítica artística ao mundo da arte contemporânea, às quais nomearei de paradoxo da crítica institucional.

As pessoas bonitas: notas sobre a crítica institucional de Aníbal López

Parte da crítica institucional da arte contemporânea ocorre nessa região de deslizamento situada entre os contextos institucional e social. Em alguns casos limítrofes, como o do artista Aníbal López, o cruzamento entre arte e vida é posto como um desafio de mão dupla: de um lado, enfrenta-se a moral e a lei sob a proteção ética da ficção artística; de outro, explora-se os limites reais, inclusive legais, da permissividade ficcional do mundo da arte, que nele se expressam como cumplicidade, mas também como horror. Para compreender essa condição-limite da crítica institucional, comecemos com um exemplo prosaico, em que o público é utilizado como recurso poético, para em seguida analisarmos alguns exemplos extremos, em que a cumplicidade do mundo da arte, desafiada pela violência da vida prática, é testada para além do habitual.

Numa noite qualquer de 2003, o público começa a chegar para a abertura da exposição individual de Aníbal López na galeria Contexto. O artista está atrasado para o evento. Vinho e canapés estão à disposição, como de praxe. A galeria fica ao lado de um cinema, num conjunto comercial de um bairro chique da Cidade da Guatemala1 1 SILVA, Gabriela Saenger. Aníbal Juarez López [A-1 53167] 472 D.O. - 522 D.O. In: PÉREZ-BARREIRO, Gabriel (org.). 33ª Bienal de São Paulo: afinidades afetivas. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2018, p. 14. . Alguns seguranças de terno guardam a entrada. No interior do espaço expositivo, todavia, não há nenhuma obra, à exceção de um letreiro onde se lê The Beautiful People, em referência à assustadora música homônima de Marilyn Manson, sucesso do metal alternativo dos anos 1990. A exposição, como ficará evidente, é um experimento comportamental baseado na subjetividade da experiência estética, e na eventual capacidade de reconhecê-la. Poucos dias antes, Aníbal solicita a alguém que repasse aos seguranças uma única instrução: só entra na exposição quem for realmente bonito2 2 Ibidem, p. 14. . É preciso rigor na seleção. O critério de escolha cabe exclusivamente aos seguranças. A situação da abertura vai ficando estranha. Os convidados continuam chegando, mas o número de pessoas do lado de fora da galeria passa a ser maior que o dos ingressantes. O público, a princípio, não sabe que faz parte de uma obra. Depois de um tempo, o artista finalmente chega para a abertura, mas é impedido de entrar, reprovado pelo crivo dos seguranças3 3 Idem. .

Desde as vanguardas, a beleza é um problema para a arte. Para espanto do público leigo, a associação entre belo e qualidade artística é estigmatizada a ponto de ser, em certos casos, deliberadamente rejeitada. De acordo com Arthur Danto, o estigma da beleza, como lhe nomeia, tem duas causas históricas fundamentais: a feiura (moral) de um mundo devastado pela guerra, pelo genocídio e pela pobreza; e a beleza (comercial) que impera no reino da mercadoria (DANTO, 2015DANTO, Arthur. O abuso da beleza: a estética e o conceito de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2015., p. 8-54). Ainda que eventualmente invocada, a beleza, entretanto, não será mais compreendida como uma condição necessária da arte subsequente, que, como veremos nos exemplos a seguir, pode ser abjeta, imoral, desagradável (DANTO, 2015DANTO, Arthur. O abuso da beleza: a estética e o conceito de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2015., p. 54-63). Diante disso, o experimento de Aníbal, intitulado As pessoas bonitas, tem o efeito básico de potencializar, para além da arte, os pressupostos éticos dos nossos pequenos prazeres estéticos. Quando os seguranças deixam de fora a maior parte dos convidados, o que está em ação não é propriamente o belo desinteressado de Kant, mas os padrões comerciais da beleza midiática, a que Danto nomeia de “embelezamento” (DANTO, 2015DANTO, Arthur. O abuso da beleza: a estética e o conceito de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2015., p. 77 e ss).

Por outro lado, como operação inventiva, As pessoas bonitas tem o efeito colateral de acionar, no plano da linguagem, a lógica institucional do mundo da arte. No âmbito da legitimação artística, tal lógica, de acordo com Alan Bowness, pressupõe um processo de apreciação coletiva que percorre os chamados “quatro círculos de reconhecimento”, formados por quatro diferentes grupos de agentes institucionais: os artistas, os especialistas (críticos e curadores), os agentes do mercado (galeristas e colecionadores) e, por fim, o público em geral (BOWNESS, 1989BOWNESS, Alan. The conditions of success: how the modern artist rises to fame. London: Thames and Hudson, 1989., p. 11). No modelo de Bowness, a obra de Aníbal López manipula o público (quarto círculo) como um ceramista o faria com argila. O trânsito e o comportamento dos visitantes são a matéria poética que sede ou reage às decisões do artista. Somente em ato os participantes da ação, aceitos ou excluídos do vernissage, podem perceber, caso o percebam, que foram capturados na trama inevitável de um experimento de arte. A obra de Aníbal López só existe, por assim dizer, se houver um mundo da arte que lhe reflita o desejo e a afronta, isto é, se houver quem ali perceba a cumplicidade crítica que se exige dos que são alvo da operação em curso.

Um catálogo de traumas: o pós-guerra civil e a nova arte centro-americana

De um modo geral, as ações de Aníbal López são um ataque aos rituais esotéricos e eventualmente pretensiosos da arte contemporânea. Oriundo de uma família pobre de uma periferia violenta da Guatemala4 4 Ibidem, p. 3. , sua inserção paulatina no mundo da arte jamais perderá a verve guerrilheira de quem conhece de perto a insegurança econômica, o crime organizado e o autoritarismo de estado. Nascido em 1964, Aníbal pertence à geração de artistas e intelectuais que a partir dos anos 1990 desafia, no campo da produção cultural, o conformismo e a memória traumática de uma sociedade egressa de uma extensa guerra civil5 5 ESCALÓN, Sebastián. El artista que contrató a un sicário. Plaza Publica, Universidad Rafael Landívar, Cidade da Guatemala, 24 out. 2014. .

Ao longo da segunda metade do século XX, parte considerável da América Central é atravessada por regimes de terror e conflitos armados contínuos, em boa medida resultantes das políticas globais da Guerra Fria, ali incluídas as relações entre ditaduras nacionais, interesses regionais e as pretensões imperiais norte-americanas (MOLDEN, 2015MOLDEN, Berthold. La guerra civil guatemalteca: historias y memorias cruzadas en el entorno global de la Guerra Fría. Anuario de Estudios Centroamericanos, Universidad de Costa Rica, n. 41, 2015., p. 68). O arrefecimento desse quadro, nos anos 1990, dá lugar a um processo de pacificação da região, marcado, todavia, por uma precária “transição democrática”. No caso da Guatemala, o trauma humanitário de mais de três décadas de opressão e genocídio sistemáticos comportam exigências de memória e justiça ainda hoje em aberto. Entre 1960 e o acordo de paz de 1996, a guerra civil guatemalteca deixa cerca de 200 mil mortos, 40 mil desaparecidos e centenas de milhares de refugiados e exilados, quase todos civis, em sua maioria indígenas, sendo 93% das violações de direitos humanos perpetradas diretamente pelo Estado ou por grupos paramilitares (ROSTICA, 2009ROSTICA, Julieta Carla. Interpretaciones de la historia reciente y memoria colectiva: Guatemala y el proceso de democratización. In: FEIERSTEIN, Daniel (org.). Terrorismo de Estado y genocidio en América Latina. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009., p. 89; LÓPEZ, 2015LÓPEZ, Vanessa Albertina Sosa. Sobreviviendo al genocidio y a la violencia de la guerra en Guatemala. Dissertação (Mestrado em Desarrollo Rural). Ciudad de México, Universidad Autónoma Metropolitana, 2015., p. 207).

Apesar dos intensos trabalhos das Comissões da Verdade da Guatemala e de El Salvador, a investigação dos abusos, a reparação das vítimas e o julgamento dos responsáveis são tarefas em boa parte pendentes (DOBLES, 2009DOBLES, Ignacio. Memorias del dolor: consideraciones acerca de las Comisiones de la Verdad en América Latina. San José de Costa Rica: Editorial Arlekín, 2009.). À exceção da Costa Rica, o tortuoso processo de reconstrução nacional centro-americana dá origem às chamadas “democracias de baixa intensidade” (TORRES-RIVAS, 2011TORRES-RIVAS, Edelberto Revoluciones sin cambios revolucionários: ensayos sobre la crisis en Centroamérica. Guatemala: F&G Editores, 2011.): países em que a cidadania política e o otimismo democrático correm ao lado de um panorama de pobreza epidêmica, aumento de desigualdade, precarização do trabalho e altas taxas de violência.

No âmbito da produção cultural, a efervescência política dessa conjuntura, caracterizada por uma cena alternativa de corte cosmopolita, impulsiona a eclosão de uma “nova arte centro-americana” (FIENGO, 2015FIENGO, Sergio Villena. El anti-ceremonial público en la obra de Regina José Galindo. Revista de Estudios Globales y Arte Contemporáneo, Universitat de Barcelona, v. 3, n. 1, 2015., p. 177). Ao lado do rock, da literatura de testemunho e dos festivais de cinema, a difusão de um circuito centro-americano de galerias de arte viabiliza o trânsito internacional de artistas e obras de El Salvador, Honduras, Nicarágua e Guatemala, agora mais próximos dos influxos globais da arte contemporânea (CORTEZ, 2010CORTEZ, Beatriz. Estética del cinismo: pasión y desencanto en la literatura centroamericana de posguerra. Guatemala: F&G Editores, 2010.; CAZALI, 2003CAZALI, Rosina (coord.). Pasos a desnível: mapa urbano de la cultura contemporánea en Guatemala. Guatemala: Hivos-La Curandería, 2003.; ECHEVERRÍA, 2018ECHEVERRÍA, Itziar Sagone. Arte que construye historia: un paseo por la narrativa visual contemporánea de post guerra. Periférica Internacional, Universidad de Cádiz, n. 19, dez. 2018., p. 227-229). Pouco conhecida dentro da própria América Latina até os anos 1990, a produção artística da América Central expande suas fronteiras a partir do início da década seguinte (GALEANO, 2020GALEANO, Rodnie Gabriel. La desestetización de la imagen de la violencia: análisis desde el arte contextual en Guatemala, El Salvador y Honduras. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidad de Granada, 2020., p. 126-128). Em 2001, por exemplo, Aníbal López recebe o Leão de Ouro de melhor artista jovem da Bienal de Veneza, mesmo prêmio que, pouco tempo depois, em 2005, será concedido a Regina José Galindo, também da Guatemala (ECHEVERRÍA. 2018ECHEVERRÍA, Itziar Sagone. Arte que construye historia: un paseo por la narrativa visual contemporánea de post guerra. Periférica Internacional, Universidad de Cádiz, n. 19, dez. 2018., p. 233).

Forjada no embate entre a experiência do trauma e a fabulação do devir, a nova geração de artistas tem um papel fundamental no imaginário do pós-guerra civil. A memória, a violência, as contradições sociais e a economia da dependência estão entre os elementos narrativos mais abordados nas obras dessa geração (GALEANO, 2020GALEANO, Rodnie Gabriel. La desestetización de la imagen de la violencia: análisis desde el arte contextual en Guatemala, El Salvador y Honduras. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidad de Granada, 2020., p. 179), assim como, no plano retórico, estão o cinismo, o humor, o absurdo, o impulso ético e a participação do ­outro (CAZALI, 2010CAZALI, Rosina. Diferir, perturbar, sobrevivir: arte acción en Centroamérica. Radar: Revista de Arte y Pensamiento del MUSAC, n. 0, 2010., p. 32). Da confluência histórica entre conceitualismo e performance, a arte de ação, sobretudo a de inclinação perturbatória, mostra-se especialmente eficiente para a elaboração poética dos traumas. É nesse registro, de acordo com o sociólogo Sergio Fiengo, que o corpo, como ferramenta artística, “irrompe no espaço público como uma metáfora do corpo social” (FIENGO, 2015FIENGO, Sergio Villena. El anti-ceremonial público en la obra de Regina José Galindo. Revista de Estudios Globales y Arte Contemporáneo, Universitat de Barcelona, v. 3, n. 1, 2015., p. 180)6 6 No original: “El uso del cuerpo como herramienta artística [...] irrumpe en el espacio público como una metáfora del cuerpo social” (tradução do autor). .

Os exemplos a esse respeito são muitos, e sucedem-se rapidamente. Jorge de León (El círculo, 2000) costura a própria boca - literalmente - em referência à omissão da palavra que nos torna cúmplices do mal radical. María Adela Díaz (Ambrosia, 2000) se fecha numa caixa de vidro com milhares de moscas e larvas, em protesto contra o feminicídio alarmante da Guatemala (GALEANO, 2020GALEANO, Rodnie Gabriel. La desestetización de la imagen de la violencia: análisis desde el arte contextual en Guatemala, El Salvador y Honduras. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidad de Granada, 2020., p. 180-181). Alejandro Paz (Genocidio, 2000) emula o genocídio indígena por meio de cem bonecas de pano esgarçadas que deposita em frente ao prédio da Suprema Corte (ECHEVERRÍA. 2018ECHEVERRÍA, Itziar Sagone. Arte que construye historia: un paseo por la narrativa visual contemporánea de post guerra. Periférica Internacional, Universidad de Cádiz, n. 19, dez. 2018., p. 232). Aníbal López (30 de junio, 2000) espalha carvão sob os pés dos soldados durante uma parada militar, em memória das pessoas carbonizadas pelo exército durante a guerra civil (GALEANO, 2020GALEANO, Rodnie Gabriel. La desestetización de la imagen de la violencia: análisis desde el arte contextual en Guatemala, El Salvador y Honduras. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidad de Granada, 2020., p. 314-317). Regina José Galindo, que tem em Aníbal uma figura de referência, elabora, por sua vez, um verdadeiro catálogo de traumas históricos e geracionais: caminha entre dois prédios cívicos com os pés banhados de sangue (¿Quién puede borrar las huellas?, 2003), em oposição à candidatura presidencial de um general genocida; evoca o estupro de mulheres indígenas grávidas ao amarrar-se nua - e também grávida - a uma cama (Mientras ellos siguen libres, 2007); simula a própria morte e deixa que “desovem” seu corpo num saco plástico (No perdemos nada con nacer, 2000); submete-se a um choque de 150 mil volts (150.000 voltios, 2007) de uma arma policial - entre outras ações (BLANCO, 2009BLANCO, Julia Ramírez. Regina José Galindo o el cuerpo como nación. Boletín de Arte, Departamento de Historia del Arte, Universidad de Málaga, n. 30-31, 2009-2010.-2010, p. 521-523; FIENGO, 2015FIENGO, Sergio Villena. El anti-ceremonial público en la obra de Regina José Galindo. Revista de Estudios Globales y Arte Contemporáneo, Universitat de Barcelona, v. 3, n. 1, 2015., p. 181-186; GALEANO, 2020GALEANO, Rodnie Gabriel. La desestetización de la imagen de la violencia: análisis desde el arte contextual en Guatemala, El Salvador y Honduras. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidad de Granada, 2020., p. 320-332).

A arte, nesse contexto, entra como um desafio ao mesmo tempo pessoal e coletivo. Ao fim da guerra civil, Aníbal confidencia suas expectativas ao amigo e escritor Leonel Juracán: “Bem, a paz já está assinada. Isso quer dizer que se fizermos coisas no espaço público, não vão mais nos arrebentar. Provemos”7 7 No original: “Bueno, ya se firmó la paz. Significa que si hacemos cosas en el espacio público ya no nos van a quebrar el culo. Probemos” (tradução do autor). Aníbal López apud Ibidem. .

Testemunho: assassino de aluguel e crime organizado

Em algumas de suas obras mais combativas, o desafio de Aníbal López emerge das aproximações possíveis entre violência social e crítica institucional, com as quais problematiza as instâncias, os agentes e as práticas do mundo da arte. Tratada na dimensão do realismo traumático, a criminalidade, como se verá, é o seu principal modus operandi. E não à toa. Nos anos 2000, a Guatemala, como uma “democracia de baixa intensidade”, está entre os cinco países mais violentos do mundo, apresentando uma taxa assustadora de homicídios per capita (GUALTIERI, 2014GUALTIERI, Thomas. Os cinco países com mais homicídios estão na América. El País, 11 abr. 2014., s. p.). Nos primeiros anos do século XXI, o número de assassinatos no país cresce 120%, chegando, em 2006, à taxa de 47 homicídios a cada 100 mil habitantes, com uma porcentagem de 108 a cada 100 mil na Cidade da Guatemala (RODRÍGUEZ; SANTIAGO, 2007RODRÍGUEZ, Arturo Matute; SANTIAGO, Iván García(eds.). Informe estadístico de la violencia en Guatemala: Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo. Ciudad de Guatemala: Magna Terra, 2007., p. 9). Na obra do artista, a frieza dessa série estatística ganhará uma encarnação sórdida e realista, porque disposta a confrontar o mundo da arte internacional por meio da apropriação, em operações de arte, de uma realidade repulsiva (disposição heterônoma), mas por isso mesmo capaz de expor os limites de um sistema institucionalizado de diferenças e valores.

No dia 8 de junho de 2012, dois dias antes da abertura da 13ª edição da Documenta de Kassel, na Alemanha, a obra Testemunho (sicário) de Aníbal López é finalmente apresentada, depois de longa preparação, no contexto da Professional Preview, uma espécie de evento exclusivo para convidados privilegiados, à la VIP8 8 MADRIZ, Lucia. Testimonio por Aníbal Lopez, Documenta 13. Lucia Madriz, blog, 18 jun. 2012. Disponível em: http://luciamadriz.blogspot.com/2012/06 . O público, seleto e internacional, comparece em grande número ao auditório. A maioria dos presentes está com fones de ouvido. No palco, há uma tela branca e iluminada na contraluz, que permite ver a silhueta de um homem sentado, não identificado, com um microfone na mão. Sua voz, segura e espontânea, contrasta com a inquietude de suas pernas9 9 Como se pode ver nos vídeos: ANÍBAL LÓPEZ (A-1 53167) - Testimonio. The 9.99 Gallery, vídeo, 1’00’’, 6 out. 2014 [2012]. Disponível em: https://youtu.be/jOwm9TCcmOw; ANÍBAL LÓPEZ - Testimonio. fy2099, vídeo, 0’48’’, 8 jun. 2012. Disponível em: https://youtu.be/Ir-Qun7WQWs. . O público lhe dirige perguntas diversas, de toda sorte, geralmente em inglês ou alemão. As respostas são em castelhano nativo. Duas mulheres, cada qual em sua cabine, traduzem o diálogo entre as partes10 10 MADRIZ, Lucia. Op. cit. . Várias câmeras registram o evento. A plateia está imóvel, hiperatenta, quase atônita. O guia impresso da Documenta esclarece o essencial: a obra é uma “performance” organizada por Aníbal López, embora o homem entrevistado não seja propriamente um performer, e sim um assassino de aluguel trazido da Guatemala para conversar com o público “sobre seu trabalho e profissão”11 11 A conversa é feita “with the killer (unidentifiable to visitors) about his work and profession” (tradução do autor). Texto do guia de visitação da Documenta 13 citado em: Ibidem. .

O título da obra é literal: o evento é um testemunho público de um sicário, um matador de ofício. A logística de preparação da ação é evidentemente complexa, pois envolve traslado internacional, passaporte válido, um certo sigilo. Mas o mais difícil é achar quem se disponha a tanto. De acordo com Jorge de León, amigo de Aníbal, o problema de origem é encontrar alguém que seja idôneo, mas assassino12 12 Jorge de León apud SILVA, Gabriela Saenger. Op. cit., p. 16. . Na primeira tentativa, o contato entre o mundo da arte e o mundo do crime sai caro para o artista. Aníbal negocia com um sujeito que começa a perseguir sua família. Primeiro, o assassino aparece na saída da escola dos filhos. Depois, bate na porta de sua casa exigindo pagamento adiantado13 13 Ibidem, p. 16-17. . O artista desiste do negócio e começa a ser ameaçado. A família precisa se mudar às pressas, refugiando-se na cidade da Antigua Guatemala, a 25 quilômetros da capital, em uma casa “assombrada por fantasmas”14 14 “En una casa que resulta poseída por fantasmas” (tradução do autor). ESCALÓN, Sebastián. Op. cit. .

O passado e o presente de violência e criminalidade da Guatemala não despontam na obra de Aníbal López como resíduos incidentais de um contexto abstrato. Além de perder o pai para o alcoolismo e o irmão para uma doença, o artista já está há algum tempo lidando com os infortúnios de outro irmão, um pequeno traficante da região de Tierra Nueva, na periferia da Cidade da Guatemala15 15 Idem. . Preso por tráfico, o irmão é impiedosamente extorquido por membros de facções criminosas. Às custas de graves problemas financeiros e emocionais, Aníbal gasta o que não tem para salvar o familiar das gangues16 16 Idem. . Em 2012, logo após sair da prisão, o irmão é assassinado e tem seu corpo desmembrado e exposto em diversos locais de Tierra Nueva, como uma mensagem mórbida para o mundo do crime local. A conexão entre delito e violência atravessa a vida e a obra daquele que é agora “o último sobrevivente da família”17 17 “Aníbal López se convierte en el último sobreviviente de la família” (tradução do autor). Idem. . Quando recebe o convite para participar da Documenta, o artista decide testar os limites do mundo da arte e introduz um matador no cubo branco.

O homem que finalmente aceita a proposta e viaja para Kassel é um assassino de aluguel bem-sucedido; um profissional que sabe o valor do trabalho especializado que executa. “O sicário cobra”, resume Aníbal: “cobra para matar, cobra para viajar, cobra por qualquer coisa”18 18 “El sicario cobra: cobra por matar, cobra por viajar, cobra por lo que sea” (tradução do autor). LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones” Aníbal López [entrevista com Aníbal López]. Centro Cultural de España en Guatemala, vídeo, 8’12’’, 10 fev. 2017 [2011]. Disponível em: https://youtu.be/NsrOG2AA9uE, citação aos 7’06’’. . A conversa com o público dura pouco mais de quarenta minutos. O anonimato do entrevistado, a silhueta dramática, a interação com a plateia e o conteúdo apelativo mobilizam códigos televisivos conhecidos, de teor sensacionalista, na linha dos populares programas de auditório. A estratégia poética é essencialmente provocativa: o formato ordinário de um programa de domingo e a narrativa diabólica de um pistoleiro latino-americano contrastam deliberadamente com o repertório refinado e alienígena de uma plateia branca, culta, cosmopolita. O choque de mundos é previsível. Protegidas pela quarta parede, as perguntas do mundo da arte assumem um tom moralista: “Você consegue dormir à noite?”. “Acredita em Deus?”. “Há algum trabalho que se negue a fazer?”. “Tem pesadelos com as pessoas que mata?”19 19 “¿Puedes dormir en la noche? ¿Crees en Dios? ¿Hay algún trabajo que te niegues a hacer? ¿Tienes pesadillas con la gente que matas?” (tradução do autor). Perguntas do público anotadas pela artista costa-riquenha Lucia Madriz, presente no evento. MADRIZ, Lucia. Op. cit. .

As respostas são francas e brutais. O assassino é um profissional, um empreendedor com a frieza e a empáfia de um economista neoliberal. Confrontado pela plateia sobre o sentimento de culpa, ele explica com simplicidade que se trata de um negócio. O trabalho é feito com qualidade, visando a satisfação do cliente; se algo dá errado, a gangue assume o serviço, preservando “a identidade do contratante”20 20 COSTA, Henrique Bosso da. Um sicário em Kassel: o trabalho sujo contemporâneo revelado por Aníbal López. Parentesis, Florianópolis, jan. 2019 [2018], p. 3. . A tarefa e os lucros são coletivos e se baseiam na divisão do trabalho: “Eu preciso de alguém que limpe a rua, de alguém para ficar na retaguarda”, explica. “Nós ganhamos até 15 mil Quetzals” por empreitada, “mas é preciso pagar aos que me ajudaram”21 21 “Necesito a alguien que despeje la calle, alguien que me cuide la espalda. Ganamos hasta 15.000 Quetzales, pero hay que pagarle a los que me ayudaron” (tradução do autor). Respostas do sicário transcritas em: MADRIZ, Lucia. Op. cit. . Outras perguntas ajudam a esclarecer a violência estrutural de seu entorno: “O que acontece se você não fizer seu trabalho?”. “Me matam”. “Já mataram alguém da sua família?”. “Sim, claro, um primo e uma prima de 15 anos”. “E o que faz a polícia?”. “A polícia é o que há de mais corrupto na Guatemala”. “Você gosta do seu trabalho?”. “Trabalho é trabalho, eu não misturo com sentimentos”22 22 “¿Qué pasa si no haces tu trabajo? Me matan. ¿Te han matado familiares, cómo? Si claro, a un primo y a mi prima de 15 años. ¿Y que hace la policía? La policía es de lo más corrupto que hay en Guatemala ¿Disfrutas tu trabajo? Trabajo es trabajo, yo no le pongo corazón” (tradução do autor). Ibidem. .

A certa altura, um rapaz da plateia faz uma pergunta-chave: “Você acha que desenvolveu um estilo ou que seu trabalho está melhor do que a primeira vez?”. A resposta é direta: “Sim, agora eu sou um criminoso melhor. Eu sou um criminoso dos melhores, um profissional”23 23 “Do you think you've developed a style, or your work is better than the first time?”. “Sí, ahora yo soy un mejor criminal. Ahora yo soy un criminal de los mejores, un profesional” (tradução do autor). Diálogo registrado em: ANÍBAL LÓPEZ (A-1 53167) - Testimonio. Op. cit., 0’06’’ a 0’28’’. . O temerário cruzamento entre a esfera ética (ser um criminoso) e a estética (ser um criminoso “melhor”, mais apto, senhor do próprio ofício) aponta para o risco deliberado que se assume na proposta de Aníbal: a arte como ameaça, o crime como obra de arte. Mas é prudente aquilatar o risco da ameaça em curso. Não se trata da barganha moral implícita na sátira de Thomas de Quincey, de início do século XIX, que pondera o assassinato como uma das belas artes, ou do crime óbvio de Humbert Humbert, personagem de Lolita, que todavia não corresponde ao “delito” poético de Nabokov, para quem a beleza reside na narrativa de um desejo que é um crime (SCHØLLHAMMER, 2013SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Cena do crime: violência e realismo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., p. 12-13); sequer da “estética forense” que atravessa parte da arte contemporânea (SCHØLLHAMMER, 2013SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Cena do crime: violência e realismo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., p. 24), das obras que documentam atos criminosos ou lidam com arquivos judiciais àquelas que, como na famosa curadoria de Ralph Rugoff, entendem, numa chave metafórica, o objeto de arte como uma prova pericial que enfatiza o papel do espectador como um detetive à cata de pistas (RUGOFF, 1997RUGOFF, Ralph. Scene of the crime. Cambridge: MIT Press, 1997.. Para além da imagem da criminalidade e da representação como um perigo moral, a grande questão de Aníbal López é propor, literalmente, a obra de arte como crime.

O empréstimo ou o crime como obra de arte

Vejamos um caso extremo. Na noite de 29 de setembro de 2000, Aníbal López está numa rua da Zona 10, um elegante bairro residencial da Cidade da Guatemala, acompanhado de um amigo com uma câmera de vídeo24 24 LÓPEZ, Aníbal. El préstamo, cartaz, folha única, 116 x 88 cm, 2000, reimpresso em: CAZALI, Rosina (org.). El día que nos hicimos contemporáneos. San José, Costa Rica: Museo de Arte y Diseño Contemporáneo, 2014, catálogo de exposição, p. 86; LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit. 4’41’’. . Ambos estão de olho em um homem de cabelos ralos e castanhos, um pouco acima do peso, na casa dos quarenta anos, “com aparência de classe média”, que está prestes a entrar em um automóvel25 25 “Una persona con aparencia de clase media” (tradução do autor). LÓPEZ, Aníbal. El préstamo. Op. cit.; LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., 4’54’’. . A filmadora está ligada, pronta para a ação. Num rompante, Aníbal põe um revólver na cabeça do homem e anuncia um assalto. “Entra no carro e me passa o que você tem”. O homem entrega algumas notas de dinheiro, depois mais um pouco. “Isso é tudo o que tem?”. “Sim”. Veja, diz o artista, “eu não quero seu cartão, não quero seus cheques, não quero nada. Só isto”26 26 “Métete al carro y dame lo que tienes”; “Y eso es todo lo que tienes?”; “Si”; No quiero tu tarjeta, no quiero tus cheques, no quiero nada. Solo esto” (tradução do autor). LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., entre 4’54’’ e 5’14’’. . A ação rende exatos 874,35 Quetzals, algo próximo de 100 dólares27 27 LÓPEZ, Aníbal. El préstamo. Op. cit. . Antes de fugir com seu amigo, Aníbal esclarece para a vítima: “Isto não é um assalto, é um empréstimo, e eu o devolverei em linguagem visual para os seus filhos”28 28 “Esto no es un asalto, es un préstamo, y se lo devolveré en lenguaje visual para sus hijos” (tradução do autor). Idem. .

O resultado da ação, todavia, não será propriamente “visual”. Filmado à noite e sob tensão, o vídeo não mostra quase nada29 29 LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., 4’32’. . Menos de um mês depois, em 21 de outubro, no vernissage da exposição de Aníbal López na galeria Contexto, a obra O empréstimo é “exibida” por meio de um cartaz sem imagens que narra, numa folha única, os detalhes do assalto, incluindo uma advertência final: “Esta obra está sendo patrocinada pelo homem que foi assaltado, com o qual foram financiados os convites, a montagem e parte do vinho desta exposição”30 30 “Esta obra está siendo patrocinada por el hombre que fue asaltado, con lo qual se ha financiado: las invitaciones, montaje y parte del brindis de esta muestra” (tradução do autor). Idem. . A ação responsável pelo “patrocínio” da única obra exposta é na verdade parte da própria obra, que só se completa com as reações do público de arte. Entre uma taça de vinho e outra, os presentes simplesmente não sabem como reagir à proposta, como nota a curadora Rosina Cazali, presente na abertura31 31 Rosina Cazali apud ESCALÓN, Sebastián. Op. cit. . O primeiro comentário, quase um desabafo, vem, justamente, de uma artista: “E o que vem depois disso, Aníbal, você vai nos sequestrar e nos matar para fazer arte?”32 32 “Y ahora qué, Aníbal, ¿nos vas a secuestrar y a matar para hacer arte?” (tradução do autor). Artista presente na abertura da exposição apud Idem. . A obra é inaceitável. Não se trata apenas de romper a membrana delicada da moral; a ação é demais mesmo para os elásticos códigos éticos do mundo da arte.

Em certo sentido, O empréstimo parece problematizar os limites da ficção; ao invés de se referir à violência, a obra a exerce. Os elementos heterônomos, com algum perigo, são incorporados para além ou aquém da representação, confundindo-se, ao menos para a vítima do assalto, com o trauma do real - para retomar os termos de Hal Foster e Lacan. Mas também há algo de cênico no gesto: a arma está descarregada33 33 LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., 4’47’. ; a cena é filmada, mas o vídeo não a confirma nem nega. Como uma obra de conceito, o que resta é a narrativa e os efeitos que promove. A indignação só é possível se o ato for de fato insuspeito. A situação dos envolvidos é delicada. Diante da história, afirma Rosina Cazali, desponta no espectador “o desejo involuntário e perverso como um fantasma de que o assalto tenha ocorrido”34 34 “Surge en él [...] el deseo involuntario y perverso como un fantasma, de que el asalto sí haya ocorrido” (tradução do autor). Rosina Cazali apud ESCALÓN, Sebastián. Op. cit. . Narrada para um público de arte, a ação é feita para ativar uma resposta moral, que, todavia, não se efetiva como previsto. “Eu ainda me sinto culpado”, afirma Aníbal, “mas era preciso fazer”. Para o artista, a obra “trata da ética e da moral”, mas não da ética em geral, digamos assim, e sim daquela que se pratica no mundo da arte. O que está em questão é a permissividade selvagem da arte contemporânea, onde, em nome da liberdade de expressão, “um artista pode fazer tudo”35 35 “Y todavía me siento culpaple. Pero había que hacerlo, porque trata sobre la ética y la moral. Porque a un artista se le permite hacer todo” (tradução do autor). LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., 5’39’. . Apesar do crime confesso, Aníbal se espanta com o mero espanto alheio: “ninguém jamais denunciou nada. Isso é o pior”. Todas as pessoas “foram beber seu vinhozinho”, pago com o dinheiro de um assalto36 36 “Y nadie jamás denunció nada. Eso es lo peor. Porque me hubieran denunciado. Toda la gente que conoció se fue a tomar su vinito” (tradução do autor). Ibidem, 5’49’. .

E esse vinhozinho que beberam é cumplicidade. Portanto, todos são cúmplices. E aqui ninguém se salva, e o artista, menos ainda. Eu ofereci um sacrifício que ainda me dói, porque não me esqueço. Foi muito forte, mas um sacrifício que implica dizer que o artista não tem o direito de fazer tudo, mas ninguém fez nada para dizer o contrário37 37 “Y esse vinito que se tomaran es complicidad. Entonces todos son cómplices. Y aquí nadie se salva, y el artista, menos. Yo creo que ofrecí un sacrificio que todavía me duele, porque todavía no lo olvido. Fue muy fuerte, pero um sacrificio que implica decir que el artista no tiene derecho a hacer todo, pero nadie hizo nada para decir lo contrario” (tradução do autor). Ibidem, 6’06’. .

Contrabando e Bienal na tríplice fronteira

A cumplicidade criminal do mundo da arte também desponta, compulsória, em outro caso exemplar. Em 2007, Aníbal López é convidado pelo curador Ticio Escobar para participar da mostra Três Fronteiras, que integrará a 6ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. A proposta é realizar uma obra a partir de um período de residência na região internacional da Tríplice Fronteira, na divisa entre Argentina, Brasil e Paraguai38 38 MACIEL, Nahima. Da América do Sul para o mundo. Correio Braziliense, Brasília, 4 maio 2007. . Para tanto, Aníbal passa um tempo na Cidade de Leste, no Paraguai, importante zona franca do país, conhecida pelo intenso turismo comercial. “Tudo por lá era de uma chatice sem fim”, lembra-se o artista, “até que tomei conhecimento do contrabando”39 39 Aníbal López apud MACHADO, Cassiano Elek. O contrabandista de ar. Piauí, nº 13, out. 2007. . Em paralelo às atividades comerciais legalizadas, a região também é famosa pelo comércio internacional ilícito de produtos importados, que vão de eletrônicos a cigarros. À época da visita de Aníbal, o contrabando da Tríplice Fronteira está, em boa medida, nas mãos do crime organizado (SILVA; COSTA, 2018SILVA, Micael; COSTA, Alexandre. A Tríplice Fronteira e a aprendizagem do contrabando: da “era dos comboios” à “era do crime organizado”. In: BARROS, Luciano; LUDWIG, Fernando (orgs.). (Re)Definições de fronteiras: velhos e novos paradigmas. Foz do Iguaçu: IDESF, 2018., p. 1). O contato com contrabandistas é naturalmente difícil, ainda mais se você for um estrangeiro com um papo estranho de artista contemporâneo. Pouco antes de quase desistir do projeto e retornar à Guatemala, Aníbal, já do lado brasileiro da fronteira, em Foz do Iguaçu, comenta com um taxista sobre a dificuldade de arrumar um “bom contrabandista”. “Duas horas depois”, afirma o artista, “eu estava tomando vinho e comendo churrasco com o bando do Moreno”40 40 Aníbal López apud MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit. .

Fiel à abordagem literalista, Aníbal López antevê a potência poética da contravenção penal e convence a Bienal do Mercosul a patrocinar sua proposta. Difícil mesmo é convencer os contrabandistas41 41 Idem. . A ideia é mais simples que a execução. Ao invés de transportar uma obra por vias ilícitas, o que se quer é fazer do próprio contrabando uma obra de arte. Na prática, são quinhentas caixas contrabandeadas do Paraguai até Foz do Iguaçu, e depois transportadas até Porto Alegre, onde serão expostas no Cais do Porto, como parte da Bienal. Mas quinhentas caixas vazias, pois o que importa não é a natureza das mercadorias clandestinas, e sim a clandestinidade da operação que lhes envolve. Mais que uma instalação na Bienal, a obra é uma performance coletiva e transnacional realizada às margens da lei.

500 caixas contrabandeadas do Paraguai ao Brasil tem início na periferia de Foz do Iguaçu. Perto de uma vila, Aníbal López e sua produtora de Porto Alegre, Gabriela Saenger Silva, embrenham-se numa trilha em meio à mata ciliar do Rio Paraná. Jordan, um taxista paraguaio, os aguarda num boteco das redondezas42 42 SILVA, Gabriela Saenger. Op. cit., p. 5. . Ao fim do caminho, na encosta do rio, Aníbal reconhece o local combinado. Os contrabandistas chegam em duas caminhonetes 4x4. “Fica atrás de mim”, diz o artista à produtora. De um dos carros saem dois sujeitos armados, um deles com uma metralhadora nas mãos. O chefe se aproxima: “Olá, artista, como está? Trouxe companhia, então?”43 43 Ibidem, p. 19. . Gabriela leva consigo o dinheiro para pagar os contrabandistas. O homem esclarece os detalhes da operação, os locais, os procedimentos. Só tem uma dúvida sobre as caixas: “Você quer vazia, mesmo? Não quer pôr papel ou plástico dentro para fazer um pesinho?”. É assim mesmo. Aníbal, por seu lado, quer saber se está de pé a possibilidade de fotografar e filmar o processo. “Se não aparecer minha cara, tudo bem”, graceja o chefe. Gabriela, como produtora, esclarece que normalmente é necessário que as pessoas fotografadas assinem um contrato de cessão de direito de imagem. Não vai dar, interrompe o homem, a situação aqui é diferente. Além do mais, “as pessoas vão ficar felizes de se tornarem famosas, mesmo que for passando caixa pelo Paraná”44 44 Ibidem, p. 27. .

No dia marcado, na Cidade de Leste, quatro homens do bando de Moreno dão início aos trabalhos45 45 MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit. . O sol acaba de nascer; tudo será à luz do dia. Aníbal López está com eles, fotografando o processo46 46 As fotografias de Aníbal López foram reproduzidas em: SILVA, Gabriela Saenger. Op. cit., p. 4, 18, 20-21, 26, 28-29; e no vídeo LÓPEZ, Aníbal. A obra contrabandeada de Aníbal López. Canal de Estêvão da Fontoura, vídeo, 2’30’’, 28 ago. 2007. Disponível em: https://youtu.be/B60rrYJKWXM . Ainda desmontadas, as caixas de papelão são retiradas de uma van e transportadas a pé por uma trilha no meio da mata. Ninguém se esconde da câmera. A caminhada termina num ponto ermo, ao lado de alguns barquinhos, à beira do Rio Paraná. Os rapazes começam a montar as caixas com fita adesiva. Todos se ajudam, parece dia de mudança. Depois de fechadas, as caixas são cobertas com sacos de lixo pretos, lacradas com mais fita e levadas até os barcos47 47 SILVA, Gabriela Saenger. Op. cit., p. 27. . Parecem de fato vazias; cada homem carrega seis ou sete volumes de uma vez. Os barcos vão ficando abarrotados. As caixas, somadas ao carregamento próprio dos contrabandistas, saem pelo sul da Cidade de Leste, perto do município de Presidente Franco, atravessam o Rio Paraná e chegam à Foz do Iguaçu, onde ficarão armazenas num depósito até o fim da operação. Na prática, serão vários dias de contrabando fluvial, tudo incluído no preço48 48 Ibidem, p. 27. . Já em território brasileiro, as quinhentas caixas vazias e ensacadas seguem num caminhão de mudança até Porto Alegre, onde ficarão expostas, cuidadosamente empilhadas sobre um estrado de madeira, até o encerramento da Bienal, quando, finalmente, irão para o lixo49 49 Ibidem, p. 4; MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit. .

O paradoxo da crítica institucional

Parte essencial da energia mobilizada por obras como essas deriva da capacidade de instaurar as disposições heterônomas da realidade social não como eventos que se evocam, mas como práticas que se exercem. Antes de ser uma referência simbólica ao crime organizado ou ao consumo cínico do comércio ilegal, 500 caixas contrabandeadas do Paraguai ao Brasil é uma prática social concreta, aliás ilícita, uma infração com pena prevista no Código Penal brasileiro. A obra, a rigor, é um contrabando, e como tal comporta, junto ao senso de aventura, uma certa dose de risco. Por isso a pergunta: se a polícia de fronteira flagrasse os contrabandistas, poderia prendê-los? “Bueno”, ironiza o artista, “se considerassem que eram caixas vazias, creio que não. Mas se chegassem à conclusão de que era uma escultura, talvez fossem todos em cana”50 50 Aníbal López apud MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit. .

Mas isso não é tudo. Fosse apenas um contrabando, bastaria à ação a lança aguda dos juízos morais e dos ordenamentos jurídicos. Para se estabelecer como um dispositivo também discursivo, a operação de Aníbal López requer tanto a reflexividade da linguagem poética quanto um ambiente que lhe enseje a reflexão. É a esse ecossistema semiológico que o gesto, como obra, se dirige. Para dizer com simplicidade, 500 caixas contrabandeadas do Paraguai ao Brasil só se institui efetivamente como um agenciamento poético quando as caixas são expostas na Bienal do Mercosul. A rigor, o mesmo pode ser dito sobre o modo com que as ações Testemunho (sicário) e O empréstimo se relacionam com a Documenta de Kassel e a galeria Contexto, respectivamente. O que não significa que o processo de instituição de uma obra de arte dependa da eventual legitimidade (ou mesmo da existência) do lugar de exposição. A Bienal ou a galeria, nesses casos, são apenas o ponto de encontro material de um sistema de diferenças e valores que nele se exercem e por ele se mobilizam. É através da Bienal do Mercosul ou da Documenta, por exemplo, que Aníbal desempenha o papel de autor, que as ações ganham forma e título, que os registros se tornam públicos, que as narrativas possíveis e os juízos delas derivados são enfim mediados, debatidos, contestados. No limite, trata-se do paradoxo da crítica institucional: ser uma obra que reivindica as determinações da heteronomia (o real traumático, o crime enquanto tal), mas sem deixar de ser um evento heterônomo que aspira ao mundo da arte.

Mas qual o sentido dessa aspiração? Quais os propósitos e os desejos mobilizados por esse retorno crítico à instituição que lhe envolve e publiciza? Ao que parece, não se trata de entender o criminoso como um herói romântico, tampouco de abordar o crime como um gênero narrativo ou uma forma inócua de poesia autônoma. A estratégia, ao contrário, é minar o dispositivo ficcional de modo a fazer do mundo da arte uma espécie de veículo do trauma, ainda que um veículo temporário e contingente. Capturado pelo engenho institucional, o espectador das obras de Aníbal López se vê obrigado a lidar com os efeitos psíquicos de uma realidade sobretudo obscena, no sentido de Hal Foster (2014FOSTER, Hal. O retorno do real: a vanguarda no final do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2014., p. 146). Como nos lembra Arthur Danto, não há como mencionar uma obscenidade sem, de algum modo, exercê-la. Uma vez que não existe distância segura que separe a obscenidade interpretada (por um personagem de teatro, por exemplo) daquela simplesmente dita (por um ator), o obsceno, como categoria discursiva, funciona como “um tipo de solvente” que corrói a fronteira entre imitação e realidade (DANTO, 2014DANTO, Arthur. O descredenciamento filosófico da arte. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 160). Nesses termos, uma arte é perturbadora não apenas porque manipula representações abjetas ou obscenas, mas porque a realidade que ela presentifica é, em si mesma, perturbadora (p. 160). Ao fazer do assassino um performer e do artista um criminoso, as obras de Aníbal aspiram retirar a arte, ainda que institucionalizada, do campo ético do inofensivo. Nelas, a retórica do exagero deve ser amplificada até o ponto, no limite intolerável, em que os recursos retóricos empalideçam e a linguagem, percebida como ato, recupere sua capacidade quase-mágica de afetar, agredir, ameaçar.

O medo, aqui, escapa à fronteira do horror como gênero de arte e entretenimento. Ao menos para os envolvidos, ações como contratar um assassino, realizar um assalto, lidar com o crime organizado ou escapar da polícia de fronteira são operações temerárias que mobilizam riscos reais, não há dúvida. Todavia, é apenas no escopo da instituição que a realidade traumática pode, enquanto jogo de linguagem, ser elaborada como um valor público. Embora antevistos na origem do ato inventivo, os resultados dessa elaboração, na prática, são geralmente múltiplos e dispersivos. De um lado, há o choque, o confronto com o público de museus e galerias, o ataque cáustico aos ritos sofisticados do mundo da arte, com seus lugares de prestígio, seus papéis sociais demarcados, suas regras tácitas de interpretação e valor. É nesse registro, por exemplo, que se compreende o espanto cínico de Aníbal López diante da permissividade da produção artística contemporânea, segundo a qual um artista pode tudo, inclusive assaltar em nome da arte. De outro lado, há o desejo da exemplaridade do gesto poético, a aposta na ocupação institucional como uma forma de reverberação de demandas que no gesto se encarnam e por ele se exemplificam. Nesse viés, a cumplicidade dos que degustam vinho patrocinado pela vítima de um assalto não deixa de ser o emblema moral da cumplicidade de todos nós, como sociedade, diante de traumas coletivos. Face à urgência da vida contemporânea, a estratégia estética é ou deveria ser intempestiva. Não se trata apenas de falar do real - falar do irmão assassinado e desmembrado, da violência e da criminalidade da Guatemala, da memória traumática da guerra civil; antes, é preciso falar “com o real”, assumindo-o como catástrofe, mas também como “modo de alcançar um efeito de presença crítica” (SCHØLLHAMMER, 2013SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Cena do crime: violência e realismo no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., p. 323).

Embora incapaz de mudar o mundo, a arte, nesse registro, está apta a emular os problemas do mundo no interior do seu mundo particular. O resultado é uma aporia curiosa. Em primeiro lugar, a invenção da alteridade heterônoma e extra-artística (a violência, o crime, o trauma) que se mobiliza na crítica institucional pressupõe a divisão a priori do signo em um “mesmo” e um “outro” - divisão essa caraterística do aparato institucional (MORARIU, 2014MORARIU, Vlad Victor. Intitutional critique: a philosophical investigation of its conditions and possibilities. Tese (Doutorado em Filosofia), Loughborough University, 2014., p. 235). Além disso, ao abordar o “outro” (o algoz, o criminoso, a vítima) em termos de invenção, a produção artística o inscreve, em nome da justiça, na ordem discursiva da instituição, da regra, da norma (MORARIU, 2014MORARIU, Vlad Victor. Intitutional critique: a philosophical investigation of its conditions and possibilities. Tese (Doutorado em Filosofia), Loughborough University, 2014., p. 239). O problema básico, nos termos de Jacques Derrida, é que não é possível demandar justiça da instituição e da norma pelo simples fato de que a lei não é justa (DERRIDA, 1992DERRIDA, Jacques [1990]. Force of law: the “mystical foundation of authority”. In: CORNELL, Drucilla; ROSENFELD, Michel; CARLSON, David (eds.). Deconstruction and the possibility of justice. New York: Routledge, 1992., p. 12): a lei apenas codifica a autoridade arbitrária na qual a instituição se baseia. Por outro lado, é na consideração do enquadramento do que seja “arte” que os gestos ainda “artísticos” podem visibilizar o arbítrio fundante da instituição, e com ela reconhecer, meio dentro e meio fora, a legitimidade do “outro” que dela se exclui. Se toda “arte” pressupõe um pensamento livre que opera sobre um material de resistência, é na consciência da resistência institucional que nos habita que podemos, num processo de crítica permanente, não apenas expor a arbitrariedade e as exclusões do mundo da arte e da vida, mas também ampliar as fronteiras do “artístico”, e assim inventar o “outro” e fazer justiça.

Referências

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  • 1
    SILVA, Gabriela Saenger. Aníbal Juarez López [A-1 53167] 472 D.O. - 522 D.O. In: PÉREZ-BARREIRO, Gabriel (org.). 33ª Bienal de São Paulo: afinidades afetivas. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2018, p. 14.
  • 2
    Ibidem, p. 14.
  • 3
    Idem.
  • 4
    Ibidem, p. 3.
  • 5
    ESCALÓN, Sebastián. El artista que contrató a un sicário. Plaza Publica, Universidad Rafael Landívar, Cidade da Guatemala, 24 out. 2014.
  • 6
    No original: “El uso del cuerpo como herramienta artística [...] irrumpe en el espacio público como una metáfora del cuerpo social” (tradução do autor).
  • 7
    No original: “Bueno, ya se firmó la paz. Significa que si hacemos cosas en el espacio público ya no nos van a quebrar el culo. Probemos” (tradução do autor). Aníbal López apud Ibidem.
  • 8
    MADRIZ, Lucia. Testimonio por Aníbal Lopez, Documenta 13. Lucia Madriz, blog, 18 jun. 2012. Disponível em: http://luciamadriz.blogspot.com/2012/06
  • 9
    Como se pode ver nos vídeos: ANÍBAL LÓPEZ (A-1 53167) - Testimonio. The 9.99 Gallery, vídeo, 1’00’’, 6 out. 2014 [2012]. Disponível em: https://youtu.be/jOwm9TCcmOw; ANÍBAL LÓPEZ - Testimonio. fy2099, vídeo, 0’48’’, 8 jun. 2012. Disponível em: https://youtu.be/Ir-Qun7WQWs.
  • 10
    MADRIZ, Lucia. Op. cit.
  • 11
    A conversa é feita “with the killer (unidentifiable to visitors) about his work and profession” (tradução do autor). Texto do guia de visitação da Documenta 13 citado em: Ibidem.
  • 12
    Jorge de León apud SILVA, Gabriela Saenger. Op. cit., p. 16.
  • 13
    Ibidem, p. 16-17.
  • 14
    “En una casa que resulta poseída por fantasmas” (tradução do autor). ESCALÓN, Sebastián. Op. cit.
  • 15
    Idem.
  • 16
    Idem.
  • 17
    “Aníbal López se convierte en el último sobreviviente de la família” (tradução do autor). Idem.
  • 18
    “El sicario cobra: cobra por matar, cobra por viajar, cobra por lo que sea” (tradução do autor). LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones” Aníbal López [entrevista com Aníbal López]. Centro Cultural de España en Guatemala, vídeo, 8’12’’, 10 fev. 2017 [2011]. Disponível em: https://youtu.be/NsrOG2AA9uE, citação aos 7’06’’.
  • 19
    “¿Puedes dormir en la noche? ¿Crees en Dios? ¿Hay algún trabajo que te niegues a hacer? ¿Tienes pesadillas con la gente que matas?” (tradução do autor). Perguntas do público anotadas pela artista costa-riquenha Lucia Madriz, presente no evento. MADRIZ, Lucia. Op. cit.
  • 20
    COSTA, Henrique Bosso da. Um sicário em Kassel: o trabalho sujo contemporâneo revelado por Aníbal López. Parentesis, Florianópolis, jan. 2019 [2018], p. 3.
  • 21
    “Necesito a alguien que despeje la calle, alguien que me cuide la espalda. Ganamos hasta 15.000 Quetzales, pero hay que pagarle a los que me ayudaron” (tradução do autor). Respostas do sicário transcritas em: MADRIZ, Lucia. Op. cit.
  • 22
    “¿Qué pasa si no haces tu trabajo? Me matan. ¿Te han matado familiares, cómo? Si claro, a un primo y a mi prima de 15 años. ¿Y que hace la policía? La policía es de lo más corrupto que hay en Guatemala ¿Disfrutas tu trabajo? Trabajo es trabajo, yo no le pongo corazón” (tradução do autor). Ibidem.
  • 23
    “Do you think you've developed a style, or your work is better than the first time?”. “Sí, ahora yo soy un mejor criminal. Ahora yo soy un criminal de los mejores, un profesional” (tradução do autor). Diálogo registrado em: ANÍBAL LÓPEZ (A-1 53167) - Testimonio. Op. cit., 0’06’’ a 0’28’’.
  • 24
    LÓPEZ, Aníbal. El préstamo, cartaz, folha única, 116 x 88 cm, 2000, reimpresso em: CAZALI, Rosina (org.). El día que nos hicimos contemporáneos. San José, Costa Rica: Museo de Arte y Diseño Contemporáneo, 2014, catálogo de exposição, p. 86; LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit. 4’41’’.
  • 25
    “Una persona con aparencia de clase media” (tradução do autor). LÓPEZ, Aníbal. El préstamo. Op. cit.; LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., 4’54’’.
  • 26
    “Métete al carro y dame lo que tienes”; “Y eso es todo lo que tienes?”; “Si”; No quiero tu tarjeta, no quiero tus cheques, no quiero nada. Solo esto” (tradução do autor). LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., entre 4’54’’ e 5’14’’.
  • 27
    LÓPEZ, Aníbal. El préstamo. Op. cit.
  • 28
    “Esto no es un asalto, es un préstamo, y se lo devolveré en lenguaje visual para sus hijos” (tradução do autor). Idem.
  • 29
    LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., 4’32’.
  • 30
    “Esta obra está siendo patrocinada por el hombre que fue asaltado, con lo qual se ha financiado: las invitaciones, montaje y parte del brindis de esta muestra” (tradução do autor). Idem.
  • 31
    Rosina Cazali apud ESCALÓN, Sebastián. Op. cit.
  • 32
    “Y ahora qué, Aníbal, ¿nos vas a secuestrar y a matar para hacer arte?” (tradução do autor). Artista presente na abertura da exposição apud Idem.
  • 33
    LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., 4’47’.
  • 34
    “Surge en él [...] el deseo involuntario y perverso como un fantasma, de que el asalto sí haya ocorrido” (tradução do autor). Rosina Cazali apud ESCALÓN, Sebastián. Op. cit.
  • 35
    “Y todavía me siento culpaple. Pero había que hacerlo, porque trata sobre la ética y la moral. Porque a un artista se le permite hacer todo” (tradução do autor). LÓPEZ, Aníbal. Serie “Revisiones”. Op. cit., 5’39’.
  • 36
    “Y nadie jamás denunció nada. Eso es lo peor. Porque me hubieran denunciado. Toda la gente que conoció se fue a tomar su vinito” (tradução do autor). Ibidem, 5’49’.
  • 37
    “Y esse vinito que se tomaran es complicidad. Entonces todos son cómplices. Y aquí nadie se salva, y el artista, menos. Yo creo que ofrecí un sacrificio que todavía me duele, porque todavía no lo olvido. Fue muy fuerte, pero um sacrificio que implica decir que el artista no tiene derecho a hacer todo, pero nadie hizo nada para decir lo contrario” (tradução do autor). Ibidem, 6’06’.
  • 38
    MACIEL, Nahima. Da América do Sul para o mundo. Correio Braziliense, Brasília, 4 maio 2007.
  • 39
    Aníbal López apud MACHADO, Cassiano Elek. O contrabandista de ar. Piauí, nº 13, out. 2007.
  • 40
    Aníbal López apud MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit.
  • 41
    Idem.
  • 42
    SILVA, Gabriela Saenger. Op. cit., p. 5.
  • 43
    Ibidem, p. 19.
  • 44
    Ibidem, p. 27.
  • 45
    MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit.
  • 46
    As fotografias de Aníbal López foram reproduzidas em: SILVA, Gabriela Saenger. Op. cit., p. 4, 18, 20-21, 26, 28-29; e no vídeo LÓPEZ, Aníbal. A obra contrabandeada de Aníbal López. Canal de Estêvão da Fontoura, vídeo, 2’30’’, 28 ago. 2007. Disponível em: https://youtu.be/B60rrYJKWXM
  • 47
    SILVA, Gabriela Saenger. Op. cit., p. 27.
  • 48
    Ibidem, p. 27.
  • 49
    Ibidem, p. 4; MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit.
  • 50
    Aníbal López apud MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit.
  • Este texto é resultado de pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq / Bolsa de Produtividade em Pesquisa, processo n. 312500/2021-1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2021
  • Aceito
    04 Nov 2021
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