Acessibilidade / Reportar erro

“El caudillo de los cholos”: reflexões sobre a vida de um homem negro livre na América espanhola em tempos de guerra (1809-1811)

“El caudillo de los cholos”: reflections on the life of a free black man in Spanish America in times of war (1809-1811)

“El caudillo de los cholos”: reflexiones sobre la vida de un hombre negro libre en la América española en tiempos de guerra (1809-1811)

RESUMO

Este estudo analisa o protagonismo de um negro livre conhecido na região andina como Quitacapas, durante o início da guerra de independência no Alto Peru (atual Bolívia), entre 1809 a 1811. Fugido da capitania de Mato Grosso, se transformou na região no porta-voz do povo. Com a intenção de entender até que ponto a trajetória deste sujeito é representativa para pensar a vida de ex-escravizados após a fuga, bem como compreender a participação de negros nos eventos relativos às guerras de independência na América espanhola, traçaremos um panorama das fugas da América portuguesa para a espanhola e, posteriormente, refletiremos as nuances do caso Quitacapas à luz do recrutamento de soldados negros durante o período de guerra. Acreditamos que a partir da sua trajetória seja possível vislumbrar uma massa de homens e mulheres outrora negligenciados e subalternizados.

Palavras-chave:
Mato Grosso; Alto Peru; fugas de escravizados; guerras de independências nas Américas; soldados negros

ABSTRACT

This study analyzes the role of a free black man known in the Andean region as Quitacapas, during the beginning of the war of independence in Alto Peru (present-day Bolivia), between 1809 and 1811. After running away the captaincy of Mato Grosso, the westernmost territory of the Portuguese Empire, he became the region’s spokesman for the people. In order to understand how the trajectory of this subject is representative to think about the life of ex-enslaved after the escape, as to understand the participation of blacks in the events related to the wars of independence in Spanish America, we will draw an overview of the escapes from Portuguese to Spanish America and, later, we will reflect the nuances of the Quitacapas case in light of the recruitment of black soldiers during the war period. We believe that from his trajectory it is possible to visualize a mass of men and women that were once neglected and subordinated.

Keywords:
Mato Grosso; Alto Peru; enslaved escapes; wars of independence in the Americas; black soldiers

RESUMEN

Este estudio analiza el protagonismo de un negro libre conocido en la región andina como Quitacapas, durante el inicio de la guerra de independencia en el Alto Perú (actual Bolivia), entre 1809 y 1811. Escapando de la Capitanía de Mato Grosso, se convirtió en el principal portavoz del pueblo en la región. Con la intención de comprender en qué medida la trayectoria de este sujeto es representativa para pensar la vida de los ex-esclavos después de la fuga, así como entender la participación de los negros en los hechos relacionados con las guerras de independencia en Hispanoamérica, dibujaremos un recorrido por las fugas de la América portuguesa a la española y, más adelante, reflexionaremos los matices del caso Quitacapas a la luz del reclutamiento de soldados negros durante el período bélico. Creemos que a partir de su trayectoria, es posible vislumbrar una masa de hombres y mujeres antes desatendidos y subordinados.

Palabras clave:
Mato Grosso; Alto Perú; fugas de esclavos; guerras de independencia en las Américas; soldados negros

[...] Seus infortúnios não por menos lamentáveis assumem às vezes tons que fazem pensar em letrados dotados de ambiciosas leituras: eu só sei que existo porque sinto (MENDOZA, 1963MARTÍNEZ, Cecilia. De Mato Grosso a Chiquitos: migraciones furtivas en la frontera luso-española. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 40, n. 83, p. 101-123, 2020.).1 1 No original: “Sus ayes no por lastimeros menos caricaturescos assumen a las veces tonos que hacen pensar en letrados urgidos de ávidas lecturas: “Solo se que existo porque siento” (tradução nossa).

Quitacapas foi um ponto de confluência e a reunião de numerosos processos históricos: a colonização no Alto Peru, a singularidade geopolítica da região, a participação popular nos movimentos emancipatórios e, principalmente, a luta incessante da população negra escravizada ou livre contra o cativeiro. Nascido em 1771 no Rio de Janeiro, batizado como Francisco Ríos, foi vendido a Mato Grosso como cativo e, posteriormente, em circunstâncias ainda desconhecidas, fugiu ao Alto Peru (atual Bolívia). Sabemos sobre sua existência após sua “prisão preventiva” em julho de 1809 na cidade de Oruro, quando já era conhecido pela alcunha de “Quitacapas”, devido à suposta habilidade em roubar cavalheiros.2 2 Por entendermos que “Quitacapas” confere maior protagonismo ao sujeito do que o nome de batismo, optamos por adotá-lo ao longo deste texto. Pairava sobre ele a suspeita de que poderia causar tumultos na cidade. Naquele momento, detinha fama um tanto quanto paradoxal: ao passo que era considerado pelas autoridades como um homem desordeiro, poucos meses antes da prisão havia participado dos eventos que depuseram Garcia Pizarro, o então presidente da Real Audiência de Charcas. Entre 25 e 31 de maio de 1809, a despeito dessas controvérsias, foi aclamado e tratado por importantes autoridades da cidade de Chuquisaca como o líder e porta voz da plebe. Segundo o historiador boliviano Gunnar Mendoza, ele entrou e saiu de cena nas páginas da história carregado por aluvião.

Diante de uma trajetória tão peculiar duas são as indagações. Primeiramente, até qual ponto a sua história pode ser ilustrativa para pensar os desdobramentos das fugas empreendidas por escravizados do território português para o espanhol na América do Sul? Em segundo lugar, Quitacapas seria um sujeito representativo para pensarmos a participação de soldados negros nas guerras de independência travadas por toda a América no limiar do século XIX?

A fim de respondermos a essas questões, consultamos as fontes manuscritas elaboradas por autoridades portuguesas e espanholas no século XVIII e primeira década do XIX, e processo-crime produzido contra Quitacapas entre 1809 e 1811. A partir disso, delineamos um panorama das fugas de escravizados do território português ao espanhol, especialmente de Mato Grosso, que foi o ponto de saída do sujeito em questão. Posteriormente, consideramos casos que informam como a vida seguiu aos que conseguiram êxito nas evasões. Em seguida, analisamos a agência de Quitacapas no Alto Peru durante a guerra de independência, em face das possibilidades que detinham homens negros que eram incorporados como soldados às partes em conflito. Acreditamos que o seu percurso seja emblemático porque exemplifica como homens negros organizavam a vida após a fuga do território luso-brasileiro, um aspecto ainda pouco explorado na historiografia brasileira.

Da fuga à vida além dos grilhões: a trajetória de negros fugidos da Capitania de Mato Grosso (América portuguesa)

As fugas talvez tenham sido os elementos mais relevantes de resistência à escravidão em áreas localizadas em zonas fronteiriças. No caso da história luso-brasileira, de norte a sul do território, elas foram registradas por autoridades de ambos os lados.3 3 Para consideração das fugas de escravizados brasileiros das capitanias/províncias do Sul aos territórios da região do Prata, ver a obra organizada por Grinberg (2013). Sobre as fugas da região amazônica para os países vizinhos, como as Guianas, ver Bezerra Neto (2001) e Souza (2015). Acerca das fugas do oeste luso-brasileiro para o Paraguai e Bolívia, ver Rodrigues (2016; 2019); Sena (2013); Lordelo (2019); Cecília Martínez (2020). Quitacapas, o sujeito central da nossa análise, foi uma das centenas de cativos que durante os séculos XVIII e XIX fugiram de Mato Grosso e atravessaram a fronteira entre as coroas portuguesa e espanhola. Não obstante não constarem informações sobre o trajeto percorrido por ele no processo-crime, acreditamos que tenha adentrado no Alto Peru na virada do século XVIII para o XIX, através da via fluvial e, posteriormente, seguido via terrestre pelas missões jesuíticas até chegar a Santa Cruz de la Sierra; e, em algum momento, rumado às cidades da região andina onde construiu gradualmente uma certa “fama” entre as autoridades locais e população indígena e negra.

No mapaque segue, produzido no final do século XVIII, Cuiabá está identificada como a localização “C”, do lado direito. Até Santa Cruz de la Sierra (localização A), podemos observar uma linha pontilhada que segue pelo rio Cuiabá em direção ao Alto Peru. O primeiro povoado é identificado pela letra “P”, o “Pueblo del corazon de Jesus”, e deste segue-se através de vários povoados e estâncias originados de missões jesuíticas até Santa Cruz de la Sierra.

Mapa 1:
A fronteira entre a Capitania de Mato Grosso e o Alto Peru (1789)

Caso Quitacapas tenha seguido esse caminho, ele não teria sido o primeiro. Nos séculos XVIII e XIX numerosos foram os que fugiram de Cuiabá através do rio na direção sul. Em 1772, por exemplo, os Anais do Senado da Câmara de Cuiabá informam uma fuga coletiva de um grupo de escravizados que, após assassinarem o senhor do engenho Manoel Jozé Pinto, em posse de uma canoa e mantimentos, fugiram pelo rio em direção à “Castella”. Apesar da organização de uma bandeira para captura do grupo, a fuga e travessia para o lado espanhol foi bem-sucedida (SUZUKI, 2007AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli (orgs.), Anais de Vila Bela, 1734-1789, Cuiabá MT, Carlini & Caniato, EdUFMT, 2006., p. 101).

As correspondências trocadas entre autoridades portuguesas e espanholas também dão conta de que as travessias de negros escravizados ao lado espanhol fossem regulares no período analisado. Em 1769, em correspondência trocada com o governador de Santa Cruz de la Sierra, o capitão general Luís Pinto manifestava preocupação sobre a evasão de cativos aos domínios espanhol, e o asilo em missões jesuítas. Rogava ao dito governador que negasse a chegada de novos escravos e que devolvesse aqueles que conseguisse identificar. Somava-se ao pedido o compromisso em não castigar os que fossem devolvidos.4 4 APMT, Manuscritos, Estante 1, 1769, C-04. Sobre o conceito de asilo, vale consultar a importante reflexão de Maria Verónica Secreto (2015), na qual a autora analisa a extensa legislação espanhola - constituição do direito de gentes, antecedentes medievais, reais cédulas, entre outros - buscando entender, entre outras coisas, a ideia de “solo livre” aos que fugiam da escravidão, particularmente no século XVIII.

Já em 1773, o então governador de Mato Grosso, Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, em um bando convocou a população da vila de Cuiabá a comparecer perante ao Juiz de Fora para informar as características dos cativos fugidos - sinais, idade, nomes etc. De acordo com o governador, devido ao sucesso com as devoluções da população fugida à Santa Cruz de la Sierra, esperava igual êxito com as tratativas com as autoridades da cidade de Assunção (CÁCERES, 1987Juzgado Criminales, Buenos Aires, 1810-1815, Archivo General de la Nación (AGN), caja 10-27-03-05., p. 40). Em todo caso, vale sublinhar que tanto os que fugiam de Cuiabá para Santa Cruz de la Sierra como para Assunção, o faziam por via fluvial.

Casos como esses mencionados acima são fartamente presentes nos arquivos luso-brasileiros e historiografia lusófona, pois, de fato, a fuga de cativos foi um dos principais elementos de tensão nas áreas fronteiriças. Causava instabilidades internas e obrigava autoridades não indígenas ao diálogo para tratarem de devoluções, asilos e conflitos. A mesma fartura não é observada quando o assunto está relacionado à vida após a fuga. Observa-se uma quantidade menor de registros, mais esparsos e fragmentados. E por razões óbvias: alguém que fugira da escravidão provavelmente se esforçava ao máximo para se ver longe da esfera de alcance do poder escravista ou das cidades e vilas europeias. Quando era registrado, o que se nota é que nesses espaços encontravam algum tipo de proteção, ou porque optaram por correr riscos. Indiscutivelmente Quitacapas era um homem pertencente ao segundo grupo.

Ainda assim, quando o pesquisador direciona a atenção a esses registros aleatórios, consegue reunir pistas sobre como pode ter continuado a vida das centenas que atravessaram a fronteira espanhola. Em 1773 manuscritos abrigados no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso (APMT),5 5 APMT, Manuscritos, Estante 1, C-07, 1773. informam sobre a captura e devolução ao Mato Grosso de três cativos habitantes de uma propriedade nomeada “Fazenda Payla”, localizada na região dos ­Mojos, Alto Peru. Os três, Pedro, Miguel e Fêlix, quando capturados encontravam-se casados. Especialmente Fêlix, era casado com uma mulher negra que havia raptado de Mato Grosso. Após serem trazidos de volta à Capitania, Fêlix conseguiu empreender uma nova fuga. Segundo o redator da carta, provavelmente teria retornado à Fazeda Payla para se encontrar com a esposa. Depois deste episódio não constam mais notícias do casal nos manuscritos do APMT. Certamente devem ter seguido em busca de um asilo mais seguro da possibilidade de captura e devolução à escravidão. De qualquer forma, a história desses três homem e mulher indica um elemento importante: a inserção na estrutura produtiva local, mesmo diante do risco constante da devolução e reescravização.6 6 Vale frisar que as fugas de negros escravizados de Mato Grosso ao Alto Peru/Bolívia seguirão durante todo o século XIX, a despeito da aparente legislação abolicionista adotada no território de asilo. Esse tema, a título de exemplo, proporcionou um importante debate na historiografia afro-americana do oeste luso-brasileiro. Caldeira (2009), ao se ater a cartas constitucionais, código penal e documentação diplomática, aponta a Bolívia como um solo avesso à escravidão, principalmente com rejeição de pedidos de extradição de negros fugidos. Sena (2013), por seu turno, valendo-se de documentação existente nos arquivos de Mato Grosso e Santa Cruz de la Sierra, argumenta não ser possível sustentar a Bolívia como asilo seguro da escravidão aos fugitivos do Brasil, e que a legislação abolicionista adotada seria parte de uma estratégia retórica do Estado boliviano para se apresentar ao mundo após as guerras de independência.

O relato realizado por Viedma das atividades econômicas de Santa Cruz de la Sierra confirma esse elemento. Entre todos os empreendimentos da região, o autor destacou a produção de cana-de-açúcar, fértil e abundante, costumeiramente comercializada com as cidades de Potosi e Chuquisaca. Atribuía esse sucesso principalmente à presença da mão de obra negra, formada majoritariamente por “desertores dos domínios portugueses” (­VIEDMA, 1836CÁCERES, Luiz de Albuquerque de Melo Pereira. Bando de 10 de janeiro de 1773. Revista do Arquivo Público de Mato Grosso, Cuiabá, n. 3, v. 1, 1987., p. 66).

Os eventos transcorridos em agosto de 1809 na cidade de Santa Cruz de la Sierra mostram outro aspecto da vida dos homens negros fugidos de Mato Grosso: o serviço militar. Naquele mês as autoridades da cidade conseguiram sufocar e antecipar um levante organizado por negros escravizados, libertos (evadidos de Mato Grosso) e indígenas Chiriguanaes. O movimento pretendia tomar o comando da cidade, libertar a população escravizada e isentar os povos indígenas ao pagamento de tributos. Delatado, resultou no aprisionado das lideranças. Entre essas, Antonio Gomes informou em um momento do inquérito que, após ter “emigrado do reino de Portugal”, passou a servir à coroa espanhola como “soldado”. Argumentava de forma indignada que achava um absurdo ser ameaçado de devolução a Portugal depois de ter serviço ao rei da Espanha em ações militares contra “bárbaros” e a própria “nação”. Outro aprisionado, Manuel, igualmente informava que era emigrado de Portugal e que servira ao rei da Espanha como soldado.7 7 ABNB, EC1809-8, “Sobre los sucesos de Santa Cruz”, 1809, fl.5-7. Para uma análise do caso, ver o sexto capítulo de Rodrigues (2019).

Se por um lado alguns se incorporavam ou eram incorporados à estrutura produtiva e militar castelhana, por outro lado, havia aqueles que desafiavam a ordem abertamente. Precisamente esse foi o caso do quilombo encontrado na região do Vallegrande e Chilon, localizadas entre Santa Cruz de la Sierra e Cochabamba no ano de 1786. Formado principalmente por homens negros fugidos da Capitania de Mato Grosso, foi objeto de uma campanha militar porque, segundo os moradores da região, os quilombolas frequentemente atacavam as fazendas e tentavam seduzir a população negra escravizada da região a se juntarem com eles.8 8 ABNB, MyCh 195-10, 11, 11v. - sobre escravos minas na Bolívia, 1786. Dois dos capturados, os irmãos Lorenzo Chavez e Ignacio, africanos de origem mina, informaram que haviam fugido de Cuiabá e adentraram no Alto Peru exatamente pela região dos Chiquitos.9 9 Para uma análise específica do quilombo, ver Rodrigues (2021).

Ao voltarmos a atenção a Quitacapas, temos diante de si um sujeito que, embora em algumas passagens tenha tentado se incorporar à estrutura produtiva, ganhou maior notoriedade por enfrentar a ordem estabelecida.10 10 Por exemplo, em um dado momento do processo-crime movido contra Quitacapas, consta que trabalhou na produção de tabaco no Alto Peru. Obviamente essa mudança de “estratégia de vida” não foi uma atitude exclusiva do sujeito analisado, como particularmente notamos acima no caso dos soldados negros que tentaram um levante em Santa Cruz de la Sierra. Em todo caso, na sequência refletiremos este sujeito à luz da presença negra no Alto Peru às vésperas das guerras de independência.

Quitacapas, o “caudillo de los cholos”11 11 Cholo, no Alto Peru, como no restante das Américas, trata-se de uma designação genérica para referir-se a indígenas ou mestiços com traços caucasianos e ameríndios. Enquanto no período colonial se tratava de um termo pejorativo, que classificava de forma simplista o indígena que falava o idioma espanhol; na atualidade tem sido ressignificado, a exemplo do Peru, onde crescentemente os seus habitantes têm se reconhecido como tal. Diversos trabalhos versam sobre a designação. A título de exemplo, recomendamos a leitura de Quijano (1980) e Arguedas (2001).

O processo que nos informa sobre Quitacapas atualmente está disponível no acervo do Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolívia (ABNB).12 12 Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4. É formado por ofícios, ordens de prisão, pareceres e interrogatórios. Surpreendentemente, apesar das informações valiosas para compreender o processo de independência na Bolívia e Américas, especialmente no que tange à participação de setores populares, até a atualidade foi objeto de poucas reflexões.13 13 Sobre essa produção, destacamos quatro trabalhos: o primeiro, realizado junto à transcrição do processo, por Gunnar Mendoza em 1963. O segundo, de autoria de Javier Mendoza Pizarro (2009), que, além de analisar a importância do caso à luz da história nacional boliviana, chama atenção para a especialidade do seu registro perante a escassez documental dos fatos relativos à guerra de independência na região. O autor também destaca que o caso de Quitacapas mostra a participação de “anti-heróis” nos eventos relativos à independência. O terceiro trabalho se trata da análise de Esther Sória em 2010, na qual a autora busca explorar a potencialidade de Quitacapas para repensar o próprio processo de emancipação no Alto Peru, à luz das camadas mais populares. Por fim, o quarto trabalho foi publicado na Afro-Hispanic Review por Jacqueline Álvarez-Rosales (2006). Nele a autora, além de ter realizado uma análise sobre aspectos específicos da causa criminal contra Quitacapas, também fez uma reflexão sobre a construção da imagem da nação relacionada com o discurso criollo.

Antes, pois, de considerá-lo, convém refletir sobre o cenário político em que emergiu Quitacapas, registrado pela primeira vez na noite do 25 de maio de 1809, quando foi encarregado de liderar uma parte da massa popular da cidade de Chuquisaca. Naquela ocasião, a população rumava para casa de Don Ramón García de León y Pizarro, o presidente da Real Audiência de Charcas.14 14 As Audiências na estrutura colonial espanhola consistiam em tribunais que, em termos de importância, apenas estavam abaixo do Conselho das Índias (MALAMUD, 2005, p. 157-158). Pesava sobre o presidente rumores de que, em face da invasão napoleônica na Espanha e vácuo de poder após a abdicação forçada do rei Fernando VII,15 15 O processo que levou Fernando VII à abdicação em 1808 foi gradual, turbulento e contou com vários fatos anteriores. Na sequência enumeramos alguns desses eventos: conflito entre França e Inglaterra pós-Revolução Francesa; assinatura do “Tratado de Fontainebleau”, que garantia passagem das tropas francesas pelo território espanhol, com a finalidade de invasão de Portugal (outubro de 1807); protestos populares contra a presença das tropas espanholas e abdicação de Carlos IV ao trono espanhol em favor de Fernando (março de 1808); convocação da família real espanhola em Bayona e posteriores abdicações de Fernando VII e Carlos IV; e, por fim, nomeação de José Bonaparte, irmão de Napoleão, como rei da Espanha. Sobre esse conjunto de fatos, ver Brancato (1999). ele estaria na iminência de reconhecer Carlota Joaquina como soberana da região. A notícia causou grande furor, conforme aponta Estanislao Just Leo:

Ao entardecer da quinta-feira, 25 de maio de 1809, o povo de La Plata, a capital do distrito da Audiência de Charcas, estava em estado de convulsão. Aos gritos de viva o Rei, traição ou morram os traidores, um número imenso de pessoas aglomerou-se na Plaza Mayor, em frente ao palácio presidencial. Lá, em meio a sons de tiro, gritos e sinos, aconteceu a revolução. Quando o motim parecia diminuir nas primeiras horas do dia seguinte, Chuquisaca apresentava outro aspecto. O presidente García Pizarro havia entregue o comando da Audiência ao arcebispo e havia fugido por medo das turbas, e um novo exército, formado pela população da cidade, que estava vias de formação, a título da defesa do rei e da pátria (JUST LEO, 2007INCH, Marcela. Gunnar Mendoza en el Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia. Notas para su estúdio. Ciencia y Cultura, La Paz, n. 1, 2014., p. 6).16 16 No original: “[...] Al atardecer del jueves 25 de mayo de 1809, el pueblo de la Plata, la capital del distrito de la Audiencia de Charcas, era presa de una conmoción. A los gritos de viva el Rey, traicíón, o mueran los traidores, una inmensa cantidad de gente se agolpó en la Plaza Mayor, frente al palácio presidencial. Alli, entre los ruídos de los tiros, gritos y sones de campanas, se llevó a cabo la revolucion. Cuando la asonada pareció decrecer, a lãs primeras horas de la madrugada del dia seguinte. Chuquisaca presenteaba otro aspecto. El presidente Garcia Pizarro había entregado el mando en la Audiencia, el arzobispo Moxó habia huido por miedo a lãs turbas, y un nuevo ejército, formado por lãs gentes del pueblo, estaba en viaas de formación, a título de defensa de los derechos del rey y de la Patria” (tradução nossa).

No período, Carlota Joaquina, irmã de Fernando VII e esposa de Dom João VI, representava uma possibilidade real ao vácuo de poder causado pela abdicação forçada do rei espanhol. Ao mesmo tempo que questionava a legitimidade do novo monarca, reivindicava para si o direito de falar em nome da dinastia Bourbon (AZEVEDO, 1997ANDREWS, George Reid. América afro-latina, 1880-2000. São Carlos: EdUSCAR, 2007., p. 253).

O roteiro seguido no Alto Peru, em meio a esse contexto, não destoou do restante da América espanhola. Tão logo as informações chegavam da metrópole no ano de 1808, diferentes corpos, vizinhos, autoridades se apuravam para prestar juramento de fidelidade a Fernando VII, reafirmando-se assim o chamado “pacto monárquico” (SOUX, 2009SOUZA, Manoel Azevedo de. Identidade quilombola na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. In: V Reunião Equatorial de Antropologia e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste, Maceió-Alagoas, 2015 (anais eletrônicos).). Conforme os embates seguiam no velho continente, gradualmente surgiram grupos que passaram a reivindicar maior autonomia e ruptura.

Diante dessa disputa, Quitacapas, considerado pelos seus acusadores como “el caudillo de los cholos”, abraçou ambos os caminhos.17 17 Na história latino-americana “caudillo” é termo utilizado para designar liderança política carismática ligada a setores tradicionais da sociedade - como o poder militar ou mundo rural - que teria ganhado espaço devido ao “vazio institucional”. Vale frisar que, nas últimas décadas, a historiografia americana desenvolveu um extenso debate sobre o tema, que aponta as fragilidades na caracterização, como a ideia do “vazio institucional”, que não se sustenta porque a própria legitimidade do caudilho envolvia as instituições formais, de modo que magistrados e funcionários da estrutura administrativa sofriam influências do líder. Sobre o debate, ver Salvatore (1998) e Teles (2015). Inicialmente esteve com as forças leais ao rei Espanhol, encarregado de liderar e controlar parte da população da cidade, identificada como a “plebe”. Posteriormente foi recrutado para lutar junto às forças republicanas. Essa atuação em diferentes flancos, longe de sugerir alienação, indica que o sujeito em questão estivera atento à correlação das forças e a que poderia melhor possibilitar ascensão e protagonismo. Vale ressaltar que, durante os processos de independência na América espanhola, soldados negros estiveram presentes tanto ao lado de tropas realistas como republicanas.

Christine Hünefeldt constata que qualquer que fosse o ângulo do conflito, poderiam haver oportunidades a serem aproveitadas na guerra: enquanto no lado dos criollos os soldados negros ganhavam promessas de alforria, ao lado das tropas realistas, havia o horizonte de cidadania. Em meio a esse contexto, a presença de tropas negras foi não somente sensível, mas decisiva, a exemplo de Nova Granada e Vice-Reinado do Prata. No primeiro, foi responsável pela supremacia realista; e no segundo, requerida desde os primórdios do conflito em 1810, foi de fundamental importância para o êxito das tropas republicanas comandadas por San Martin, vide a marcha da região do Prata ao Chile em 1816.18 18 Na referida marcha, pelo menos metade de um total de 4 mil combatentes eram soldados negros, entre cativos, livres ou milicianos (HÜNEFELDT, 2010, p. 270-289).

Até que ponto essa massa de soldados negros detinha consciência dos projetos políticos europeus ou eurodescendentes em disputa - liberdade, nação, autogoverno, entre outros? É difícil responder com precisão, mas parece razoável supor que a aprendizagem e conscientização desses conceitos se deu mediante a própria luta, no calor dos eventos, e que se efetivou de forma fluida, por vezes contraditória e com diversas variações locais (HÜNEFELDT, 2010GRINBERG, Keila (org.). As fronteiras da escravidão e da liberdade no sul da América. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013., p. 280).

Outrossim, não podemos perder de vista os interesses desses sujeitos, os soldados negros. Segundo George Reid Andrews, a guerra colocou diante da população negra nas Américas três cenários: redução de controle decorrente do tumulto simultâneo ao aumento das possibilidades de fuga; proporcionou a milhares de cativos do sexo masculino a possibilidade de obtenção da liberdade pelo serviço militar; e, por fim, a aprovação gradual de programas de emancipação (ANDREWS, 2007VIEDMA, Francisco, Descripcion Geografica y estadística de la Provincia de Santa Cruz de la Sierra. Buenos Aires: Imprenta del Estado, 1836., p. 88). 19 19 Esse último ponto, em especial, é bastante evidente quando analisamos comparativamente como as diferentes localidades da América espanhola se comportaram em face das demandas dos ex-soldados negros. Ver a tabela “O fim do comércio escravista, ventre livre e abolição na América espanhola” em Andrews (2007, p. 87)

Ao retornar a Quitacapas, vale destacar a sucessão de eventos transcorridos durante 25 a 31 de março, quando foi encarregado de liderar parte da população de Chuquisaca. Pelo que consta em seu processo, isso se fizera já no primeiro dia da marcha que derrubou o presidente da Real Audiência. Em meio a uma multidão que contava com aproximadamente 500 pessoas que gritavam “traidor” a Pizarro em frente à sua residência, ele aparece pela primeira vez liderando cholos na libertação de prisioneiros no presídio da cidade. Encarcerado, ao ser indagado sobre o fato, argumentou que tomara tal decisão porque objetivava aumentar as tropas da cidade para defesa dos direitos do rei Fernando VII.20 20 Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4, folha 18.

Para além dos fartos detalhes trazidos no processo-crime de Quitacapas relativos ao 25 de maio e à trajetória do sujeito em tela, vale sublinhar que a proximidade entre a população negra escravizada ou livre, os povos indígenas e os livres pobres, no período, constituíam um fenômeno comum em toda América Latina. Gabriel Di Meglio, que analisou a atuação popular nas revoluções hispano-americanas entre 1808 e 1812, destaca a convergência de diferentes atores movidos por interesses variados, tais como camponeses, comunidades indígenas, escravizados, artesãos, a plebe da cidade, entre outros, atuando ora de forma autônoma, ora sob direção das elites peninsulares ou crioulas. Embora não tenha existido uma coordenação central para participação desses setores nas guerras de independência, o autor recorda que em certas situações houve criação de “identidades amplas”, como o sugerido no interrogatório do negro Valério de Buenos Aires: ao ser perguntado de que lado estava nos conflitos de independência, afirmou estar do lado dos crioulos, porque “o rei índio e o rei negro eram a mesma coisa” (DI MEGLIO, 2013BRANCATO, Braz Augusto Aquino. Don Pedro I de Brasil de España: una conspiración liberal. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999., p. 105).

Ademais, além das relações com indígenas, o processo-crime de Quitacapas informa o trânsito por um mundo socioeconômico amplo, que abrangia principalmente setores urbanos e, em menor medida, o rural: soldados veteranos, prostitutas, artesãos, assalariados, fabricantes de chicha, entre outros. É notório como esse trânsito causava certo temor nas autoridades. Em 17 de setembro de 1810, durante a acusação, o apresentam da seguinte forma:

[...] um ladrão famoso, ousado e descarado, somente confessou ter roubado uma capa em La Paz, e em Potosí duas mulas e um cavalo a Solares (Tambero). Cometeu muitas mortes, ferimentos, arrombamento de portas, buracos e outros insultos noturnos.21 21 No original: “[...] un ladrón famoso, atrevido y descarado, sólo há confesado el robo de una capa en La Paz, y en Potosí del de dos mulas y un caballo a Solares [Tambero], ha perpetrado muchas muertes, heridas, fracturas de puertas, forados y otros insultos nocturnos” (tradução nossa). Em sua defesa argumentou que sua personalidade divertida perturbava a paz, mas garantia ser um homem verídico, compassivo e humano com os indígenas. Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4, folhas 56-57.

Quanto aos eventos do dia 25 de maio de 1809, logo após a invasão do presídio, a multidão liderada por Quitacapas marchou em direção à casa do Presidente da Real Audiência e, em meio a sobressaltos, invadiu e devastou os móveis e jardim. O Alcade de Cusco, que se encontrava na cidade e apoiava o levante, segundo Quitacapas, agradeceu e o nomeou capitão da Plebe, juntamente com outras três pessoas que seriam encarregadas em vigiar as demais entradas da praça central. Parece-nos ser este o momento em que ele é reconhecido como liderança legítima da plebe. Desde então passa a exercer o papel de pacificador e mediador. Distribui cigarros, armas, aguardente e é cumprimentado por autoridades castelhanos com honrarias de líderes.

Certamente o episódio mais notável da liderança de Quitacapas se passou quando o arcebispo da cidade o procurou temendo o furor dos cholos. Segundo consta no processo, entregou 4 mil pesos a ele, solicitou que distribuísse à plebe a fim de acalmá-la. Francisco repassou metade, e foi acusado de ficar com o restante. Quando o fato começou a sair do controle, pediu às autoridades chuquisaqueñas autorização para ir a La Paz, sob o pretexto de procurar a mulher e trazê-la à cidade. A autorização foi concedida pelos ouvidores, e no dia 31 de maio de 1809 se retirou da cidade. No trajeto, quando passava por Oruru, ante a fama duvidosa e desconfiança que estava na cidade para causar tumultos e que poderia não partir tão cedo, as autoridades da cidade ordenaram a sua prisão, que só findou depois de longos oito meses.

A “fama” construída por Quitacapas fundamentava a prisão preventiva, mas acreditamos que a conjuntura intercontinental e os efeitos da Revolução do Haiti possam também ajudar a compreendê-la. Apesar do medo da população escravizada nas Américas ser verificável em diversos momentos da história, comprovável na proibição do porte de armas e exclusão comum ao acesso a altas patentes militares (BLANCHARD, 2002BARCÍA, María del Carmen. Poder étnico y subversión social: los batallones de pardos y morenos de Cuba. ISLAS, Havana, v. 1, n. 1, 2005., p. 7), os eventos ocorridos no Haiti na passagem do século XVIII para o XIX se constituíram um estopim para proliferação da cultura do terror. Até aquele momento, em nenhuma outra circunstância a população escravizada havia conseguido se organizar, derrubar um sistema e ascender ao poder.22 22 Sobre a Revolução do Haiti, ver “Os jacobinos negros” de C. L.R. James (2000).

Apesar de todos os cuidados tomados para evitar a propagação dos sucessos do Haiti, a notícia circulou em todo o continente, paralelamente às mudanças produzidas pela Revolução Francesa, aumentando, consequentemente, a ideologia do medo e procedimentos de controle. De acordo com Hünefeldt:

[...] Na mente dessas pessoas existia um permanente estado de alerta e ansiedade: a possível reversão da ordem hierárquica estabelecida através da qual os brancos (sobretudo as mulheres) estariam subordinados aos negros. A imagem de uma monarquia africana com homens negros com direitos econômicos, políticos e patriarcais aterrorizou a mais de uma geração de escravistas em muitas partes do continente. A existência conhecida dos quilombos (incluindo os que não eram tão grandes como os do Suriname e Brasil) que poucas vezes puderam ser combatidos pelo vice-reino deu um toque adicional a esses medos porque eram a evidência da capacidade de ação, organização e resistência dos povos negros. E mais, nos casos do Suriname e Brasil, se tratava de populações que representavam o questionamento e desafio a ordem colonial estabelecida (HÜNEFELDT, 2010GRINBERG, Keila (org.). As fronteiras da escravidão e da liberdade no sul da América. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013., p. 273).23 23 No original: “[...] En las mentes de estas personas, existía un estado de alerta y zozobra permanente: la posible reversión de la orden jerárquico establecido a través de cual los blancos (sobre todo las mujeres) estarían subordinados a los negros. La imagen de una monarquia africana con hombres negros con derechos económicos, políticos y patriarcales aterrorizó a más de una generación de esclavistas en muchas partes del continente. La existência conocida de palenques (incluso de los no tan grandes como en Suriman y Brasil) que pocas veces pudieron ser combatidos por el poder virreinal dio un toque adicional a estos miedos porque eran evidencia de la capacidad de acción, organización y resistencia de los pobladores negros. Es más, en los casos de Surinam y Brasil, se trataba de poblaciones que representaban un cuestionamiento y un reto al orden colonial establecido” (tradução nossa).

A Revolução do Haiti, que segundo David Geggus foi o mais importante evento do início da Era Moderna, causou simultaneamente medo e provocou inspirações nas colônias espanholas e portuguesa nas Américas. Ao mesmo tempo que apavorava a sociedade escravista, projetava um novo horizonte de expectativas à população negra livre ou escravizada. As notícias relacionadas ao evento espalharam-se em uma velocidade antes nunca vista, e as reações eram das mais diversas. Em 1795, por exemplo, o governador de Cuba reclamava da constante menção a Jean-François entre os cativos cubanos, tomado como um herói invencível e redentor dos escravizados.24 24 O líder em questão mencionado era Jean-François Papillon, um dos principais generais negros que levaram o Haiti à independência. Já no Rio de Janeiro, em 1805, um grupo de cativos foi encontrado portando retratos de Dessalines, o primeiro chefe de Estado Haitiano após a declaração de independência; e, em 1814, mercadores na Bahia reclamavam que a população escravizada conversava abertamente sobre as rebeliões negras, especialmente a Revolução do Haiti, e a eliminação de brancos e mulatos (GEGGUS, 2001CALDEIRA, Newman di Carlo. Brasil e Bolívia: fugas internacionais de escravos, navegação fluvial e ajustes de fronteira (1822-1867). Fronteiras, Dourados, v. 11, n. 19, p. 249-272, jan./jun. 2009.).

Ainda pairam mistérios em relação à disseminação dessas informações, mas supõe-se que elas fossem transportadas em rotas comerciais marítimas, levadas por refugiados ou por soldados retornados a campanhas militares em outros territórios. Esse último caso pode ser exemplificado com o retorno dos batalhões de soldados ao Pará após a campanha militar que ocupou a Guiana Francesa entre 1809 a 1817, devido ao estado de guerra entre Napoleão e a coroa portuguesa. Esse batalhão era formado majoritariamente por tropas mestiças e, em 1809, havia recebido reforço da “Tropa de Pernambuco”, que, no seio de 800 soldados, contava com uma “Companhia de Pardos e outras de Pretos” (BEZERRA NETO, 2001AZEVEDO, Francisca L. Nogueira, Carlota Joaquina, a herdeira do Império Espanhol na América. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 20, 1997., p. 85). Não é difícil imaginar que posteriormente a essa campanha, o retorno desses soldados fosse acompanhado da disseminação de notícias sobre a situação da população negra nos territórios franceses, incluindo o Haiti, agora na qualidade de país independente.

Em suma, acreditamos ser crível também conceber o medo em torno de Quitacapas à luz do terror continental agravado com a Revolução do Haiti. Não estamos dizendo com isso que o sujeito aqui analisado pudesse ser “pivô” para um evento com a magnitude do ocorrido na ilha de São Domingo, até porque a população escravizada no Alto Peru correspondia percentualmente a cifras muito inferiores.25 25 Estima-se que São Domingo (depois da independência, Haiti), pudesse ter nas vésperas da independência cerca de 500 mil africanos. O Alto Peru, por outro lado, no final do século XVIII contava com uma população negra e mestiça aproximada de 21.010 (SORIA, 2010, p. 237). O que sustentamos é que a atípica atenção a um homem negro como Quitacapas pudesse ser reflexo das resistências da classe senhorial latino-americana em relação à participação da população negra nas disputas políticas. Portanto, a atenção aqui não seria exclusividade, mas sintoma de um fenômeno maior.26 26 Não podemos perder de vista que o conjunto de revoltas populares ocorridas na região andina no final do século XVIII certamente podem ter somado para a desconfiança em relação à participação popular nas disputas políticas. Chamamos atenção, especificamente, para as rebeliões lideradas por Tupac Amaru e Katari, trabalhadas por Scarlett O’phelan Godoy (2012) e Charlie Walker (2014).

De qualquer forma, em março do ano seguinte Quitacapas foi transferido a Chuquisaca, onde amargou mais oito meses de prisão até ser libertado em um novo furor popular, dessa vez orientado por forças “patrióticas” em novembro de 1810. De acordo com o processo, a sua soltura se deu em meio a intenso clamor popular: “[...] por volta da meia-noite uma multidão considerável aproximou-se da prisão pedindo a guarda que libertasse o preso Francisco Ríos. Com a porta fechada, eles golpearam a dita porta e gritavam: “Que soltem o Quitacapas!”27 27 “[...] [...] a cosa de las doce de la noche una multitud considerable se acercó a la audiência pidiendo a la guardia, le soltase al preso Francisco Ríos. Ésta cerró la puerta, ellos golpeaban la puerta dicha y gritaban: “Que se suelte al Quitacapas!” (tradução nossa). Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4, folha 75.

As autoridades cedem ao clamor popular e o libertam. Livre, agora jura lealdade à Junta de Buenos Aires e, novamente, se compromete a acalmar o povo.28 28 Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de ­Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4, folha 73. Interessante notar como Quitacapas, apesar dos temores da elite política andina, era tomado por parte da população como um verdadeiro herói; além do fato das forças políticas que tentavam dominar a região não conseguirem abrir mão do seu carisma e influência junto à população nos momentos mais dramáticos.

A despeito disso, após o tumulto diminuir, as autoridades da cidade decidem novamente encarcerá-lo. Como Quitacapas detinha influência sobre a população, planejaram a prisão longe do alcance dos olhos e ouvidos da cidade: ele foi enviado a uma missão onde supostamente deveria buscar o presidente da Audiência e, quando chegaram ao local, foi aprisionado. O “caudillo de los cholos” só voltaria a respirar o ar da liberdade após longos meses.

Quitacapas, o fim ou um possível recomeço

A última menção a Quitacapas ocorre em abril de 1811, quando lhe foi oferecida a liberdade em troca do alistamento a um dos batalhões de negros ou pardos formados para as guerras de independência na América espanhola. Provavelmente, em face da conclusão que não haveria outra forma de alcançar a liberdade, aceitou a oferta e a partir desse momento o perdemos de vista.29 29 Não descartamos também a hipótese de que o recrutamento de Quitacapas tenha sido compulsório, como fora comum durante as guerras de independência, conforme argumenta Goldberg (2005, p. 205). Segundo a autora, devido à carência de soldados, chegaram a ser alistados até mesmo sujeitos condenados por assassinatos, jogos ilegais, vadiagem, alcoolismo e ociosidade. Essas últimas quatro tipologias eram comumente obrigadas a servir por um período de quatro anos.

Embora fosse comum a existência de batalhões formados por soldados negros na América Ibérica,30 30 Para reflexão da presença de soldados negros junto às tropas oficiais luso-brasileiras, recomendamos a leitura da tese de doutoramento de Fernando Prestes de Souza (2018, p. 59). Segundo o autor, embora seja comprovável a presença de africanos e crioulos na defesa dos territórios luso-americanos desde o século XVI, a incorporação formal desses a unidades militares remonta às guerras contra holandeses travadas nas capitanias da Bahia (1624-1625) e Pernambuco (1630-1635). No que tange à América espanhola, também existem registros da presença dos soldados negros incorporados na defesa de interesses da coroa. De acordo com María Barcía (2005, p. 6-9), participam de forma mais destacada nos séculos XVI e XVII em campanhas militares nas Antilhas (Cuba, Santo Domingo e Porto Rico) contra a ação de piratas que acossavam vilas. A partir do século XVII, por iniciativa do governador de Havana, será criada a “Companhia dos Pardos y Morenos”, que acabou garantindo “vantagens” aos alistados, como acesso a pequenos privilégios e maior mobilidade social. Somente em Cuba, no século XVIII, havia quatro companhias, formadas por centenas de soldados. Sobre o tema, ver também Herbert Klein (1966). especialmente durante as guerras de independência proliferaram em uma velocidade nunca antes vista. Conforme o conflito se prolongava, tanto criollos como peninsulares foram obrigados a recorrerem a soldados negros. Segundo Peter Blanchard, o prolongamento da luta criou uma demanda sem precedentes de soldados:

A disseminação da luta criou uma demanda sem precedentes para os soldados, mais uma vez desafiando as barreiras sociais de longas datas e profundos temores raciais. Da Venezuela ao norte e sul do Rio de La Plata, recrutadores se voltaram para os escravos, oferecendo-lhes a liberdade em troca do serviço militar. Milhares responderam, e o resultado foi que a luta política adquiriu uma dimensão social que poucos (se é que algum) dos líderes revolucionários haviam antecipado. Além disso, esse serviço militar criou um quadro para iniciativas verbais dos escravos (BLANCHARD, 2002BARCÍA, María del Carmen. Poder étnico y subversión social: los batallones de pardos y morenos de Cuba. ISLAS, Havana, v. 1, n. 1, 2005., p. 508).31 31 No original: “The spread of fighting created an unprecedented demand for soldiers, once again challenging long-held social barriers and deeply felt racial fears. From Venezuela in the north to the Rio de la Plata in the south recruiters turned to slaves, offering them their freedom in return for military service. Thousands responded, with the result that the political struggle acquired a social dimension that few, if any, of the revolutionary leaders had anticipated. Moreover, that military service created the framework for the slaves verbal initiative” (tradução nossa).

Esse recrutamento, a depender do lugar, poderia ser marcado por diferentes nuances. Em áreas cujas forças políticas estavam mais inclinadas à defesa do rei espanhol, um oficial do exército viajava a vilas e povoados, classificava os habitantes do lugar encontrado, conversava com comerciantes e fazendeiros, e oferecia vantagens em troca do alistamento do cativo. Um fator que pode ter favorecido a participação negra nesses recrutamentos seria a imobilidade das tropas, que costumeiramente prestavam serviços no lugar de nascimento ou trabalho.32 32 Precisamente essa era a situação de 65,7% dos soldados por volta do ano 1800 (HÜNEFELDT, 2010, p. 277).

Em todo caso, conforme as mais diferentes localidades da América espanhola eram arrastadas aos conflitos, soldados negros eram incorporados. Florencia Guzmán, em um balanço historiográfico sobre os afro-argentinos nas primeiras décadas do século XIX, observa que entre 1810 e 1860, ao menos na Argentina, não houve um só batalhão que não contasse com a presença de soldados de cor (GUZMÁN, 2013GOLDBERG, Marta Beatriz. Coraje bantu en las guerras de independencia argentina. Revista del CESLA, Varsóvia-Polônia, n. 7, p. 197-217, 2005., p. 8). Já Goldberg (2005DI MEGLIO, Gabriel. La participación popular en las revoluciones hispanoamericanas, 1808-1816. Un ensayo sobre sus rasgos y causas. Almanack, Guarulhos, n. 5, p. 97-122, 1º sem. 2013., p. 201-202) acrescenta que, nesse contexto, com a guerra disseminada a variadas partes do território do antigo Vice-Reino da Prata, e com derrotas sofridas ao norte, as forças militares foram obrigadas a aceitar quase todos os homens com idade entre 18 e 60 anos, incluindo a população negra; inicialmente de forma sistemática e, em um segundo momento, de forma gradual, pois havia temor em armá-los e a preocupação com o direito de propriedade senhorial.

Em meio a esse contexto é preciso observar a colaboração irregular dos senhores de escravizados. George Reid Andrews menciona diversos casos em que senhores de cativos tentam burlar a política de recrutamento de negros escravizados, principalmente na Venezuela, Colômbia e Peru, lugares em que o trabalho escravo era a principal força de trabalho de plantation e mineração (caso específico da Colômbia). Na região de Cauca, por exemplo, fazendeiros escondiam seus cativos em florestas próximas. Já no Peru, a resistência ao alistamento de escravizados por parte da classe senhorial estava tão cristalizada que San Martin chegou a estabelecer aos que se recusavam a alistar cativos punição com o confisco da propriedade e, em caso de reincidência, exílio (HÜNEFELDT, 2010GRINBERG, Keila (org.). As fronteiras da escravidão e da liberdade no sul da América. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.; ANDREWS, 2007VIEDMA, Francisco, Descripcion Geografica y estadística de la Provincia de Santa Cruz de la Sierra. Buenos Aires: Imprenta del Estado, 1836., p. 92).

A reação da população negra, diante dessa política de recrutamento, foi diversa e ambígua. Enquanto havia aqueles que se aliavam a senhores para evitar a participação na guerra, outros procuravam o alistamento. No Peru um recrutador de soldados negros destacou que se existiam fazendas onde quinze ou vinte negros se apresentavam para o conflito, em outras o número não passava de dois ou três. Nessas últimas, o argumento comumente apresentado era de que “não podiam abandonar os seus senhores” (ANDREWS, 2007VIEDMA, Francisco, Descripcion Geografica y estadística de la Provincia de Santa Cruz de la Sierra. Buenos Aires: Imprenta del Estado, 1836., p. 93). Situação inversa se passou no Chile em 1811: antes do anúncio da política de recrutamento, trezentos escravizados contrataram um advogado em Santiago e peticionaram ao governador o direito de se incorporarem às forças patrióticas, sob ameaça de rebelião caso o pedido fosse negado. No Peru, na década de 1820, as próprias mães procuravam agentes recrutadores para o alistamento dos filhos à guerra (ANDREWS, 2007VIEDMA, Francisco, Descripcion Geografica y estadística de la Provincia de Santa Cruz de la Sierra. Buenos Aires: Imprenta del Estado, 1836., p. 92).

A história de Cipriano Suares é excepcionalmente emblemática. Pelo que consta nos registros dispostos no Archivo General de la Nación (AGN) da Argentina, em 22 de julho ele, após fuga, peticionou à justiça a liberação da escravidão para alistamento junto às forças patrióticas. Afirmava em carta escrita por ele mesmo que detinha consciência da necessidade de soldados e afirmava possuir “sentimento patriótico”. Contra o seu requerimento Francisco Eliseo, o dito proprietário, tentou toda sorte de argumentos: disse que Cipriano havia fugido por desavenças pessoais com sua esposa; que só havia sido castigado uma única vez; chegando até a alegar que o próprio ato de um “criado” peticionar já deveria ser objeto de repreensões, pois estimulava a outros servos a se transformarem em “inimigos domésticos”. Apesar dos argumentos, Cipriano ganhou o direito ao alistamento pagando a indenização de 300 pesos.33 33 Juzgado Criminales, Buenos Aires, 1810-1815, Archivo General de la Nación (AGN), caja 10-27-03-05.

Sobre o possível fim de Quitacapas, cabe perguntar: teria ele perecido em frente de combate ou sobrevivido ao alistamento e depois conseguido finalmente a liberdade? Não é possível afirmar com exatidão, sobretudo porque as diferentes listas de soldados negros alistados nos batalhões do Vice-Reinado do Prata apontam diversos fins para os soldados negros identificados pelo nome “Francisco”.

No AGN, constam listas de batalhões diversos, entre eles as companhias formadas por “Pardos y Morenos”. Na consulta dessas fontes localizamos menções a soldados negros com o nome Francisco em três ocasiões, junto às segunda, terceira e quarta companhias, de 1811 em diante.34 34 Vale chamar atenção sobre a riqueza de informações sobre os soldados negros nesses registros. Neles é possível localizar dados sobre a mortalidade, possibilidades de os soldados sobreviverem aos conflitos, formas de recrutamento, taxas de deserção, entre outros. Sobre as fontes consultadas, ver no Division Nacional, Batallón Pardos y Morenos, Buenos Aires, Archivo General de la Nación (AGN), Caja 2, Lec. 22. No segundo batalhão são mencionados três soldados negros com o nome Francisco em um grupo de 50 soldados. Essa companhia marchava para a Argentina, mas o sobrenome dos três registrado é diferente do nosso sujeito: Pizarro, Paredes e Fernando. Na terceira companhia, com registros referentes aos meses de 1812, embora haja menção a um soldado chamado Francisco R(sic)s, não existem dados que permitam saber o seu destino. O quarto batalhão, que se deslocava ao Peru desde abril de 1812, informa que entre os seus soldados havia um chamado Francisco “Frios”, e que esse era o 1º cabo.35 35 Division Nacional, Batallón Pardos y Morenos, Buenos Aires, Archivo General de la Nación (AGN), Caja 2, Lec. 22.

A pesquisa precisa prosseguir para afirmar se Quitacapas seria um desses Franciscos identificados acima. Por ora, diante das fontes disponíveis, é possível aventar a possibilidade de ter sobrevivido ao menos nos primeiros anos do conflito, e quem sabe até ter ascendido a postos superiores na hierarquia militar em vista do carisma que lhe iluminava.

À guisa de conclusões

Indelevelmente o exame de um sujeito excepcional como Quitacapas tensiona numerosas reflexões, a começar pela necessidade de se pensar a história da América latina por meio de sujeitos outrora negligenciados.36 36 No caso da historiografia da Bolívia, Soria (2010, p. 246) argumenta que, apesar de haver um considerável conjunto de obras na historiografia boliviana que versam sobre os eventos da independência, ainda prevalece uma perspectiva centrada em setores dominantes - ouvidores, arcebispos, setores letrados, burocráticos e universitários. Sobre obras que trataram da independência no Alto Peru, indicamos aqui uma considerada clássica na historiografia nacionalista, e duas mais recentes: Moreno (2003); Soux (2010); e Roca (2007). Não podemos perder de vista a singularidade do sujeito aqui analisado, que lança luz simultaneamente sobre setores subalternizados que organizaram as suas estratégias e alianças em meio aos conflitos políticos, e permite, através do seu microuniverso, perceber movimentos políticos locais e intercontinentais.

Entendemos que a trajetória de Quitacapas seja ilustrativa para pensar os desdobramentos das fugas realizadas por homens e mulheres escravizados do Mato Grosso/América portuguesa; e importante para refletir a agência negra diante das guerras de independência travadas nas Américas. Como vimos acima, ele foi um dos tantos indivíduos que, diante da escravidão e guerra, escolheu agir e tomar partido. Não temos dúvida que foi motivado pelo desejo de uma vida distante dos grilhões e que concluiu ser a guerra uma oportunidade para consolidar a liberdade, ao menos melhores oportunidades de ganhos.

Ao fim e ao cabo, esperamos que esta breve reflexão possa estimular a continuidade dos estudos sobre essa massa de homens e mulheres que fugiu da escravidão nos mais variados pontos do continente americano, atravessou fronteiras e tentou recomeçar a vida por meio da inserção em atividades econômicas e militares, ou na tessitura de alianças.

Fontes primárias - Arquivo Público do Estado de Mato Grosso (APMT)

  • APMT, Manuscritos, Estante 1, 1769, C-04.
  • APMT, Manuscritos, Estante 1, C-07, 1773

Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia (ABNB)

  • ABNB, MyCh 195-10, 11, 11v. - sobre escravos minas na Bolívia, 1786.
  • ABNB, EC1809-8, “Sobre los sucesos de Santa Cruz”, 1809
  • Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4.

Archivo General de la Nación (AGN)

  • Division Nacional, Batallón Pardos y Morenos, Buenos Aires, Archivo General de la Nación (AGN), Caja 2, Lec. 22
  • Juzgado Criminales, Buenos Aires, 1810-1815, Archivo General de la Nación (AGN), caja 10-27-03-05.

Fontes publicadas

  • AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli (orgs.), Anais de Vila Bela, 1734-1789, Cuiabá MT, Carlini & Caniato, EdUFMT, 2006.
  • CÁCERES, Luiz de Albuquerque de Melo Pereira. Bando de 10 de janeiro de 1773. Revista do Arquivo Público de Mato Grosso, Cuiabá, n. 3, v. 1, 1987.
  • SUZUKI, Yumiko. Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá (1719‐1830) Cuiabá: Entrelinhas; Arquivo Público de Mato Grosso, 2007.
  • VIEDMA, Francisco, Descripcion Geografica y estadística de la Provincia de Santa Cruz de la Sierra Buenos Aires: Imprenta del Estado, 1836.

Referências

  • ÁLVAREZ-ROSALES, Jacqueline. Formación de la alteridad afroandina en expedientes coloniales del Alto Perú. Estudio del proceso criminal contra Francisco Ríos, alias “El Quitacapas”. Afro-Hispanic Review, v. 25, n. 2, p. 9-31, 2006.
  • ANDREWS, George Reid. América afro-latina, 1880-2000 São Carlos: EdUSCAR, 2007.
  • ARGUEDAS, José. Todas las sangres Lima: Peisa, 2001.
  • AZEVEDO, Francisca L. Nogueira, Carlota Joaquina, a herdeira do Império Espanhol na América. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 20, 1997.
  • BARCÍA, María del Carmen. Poder étnico y subversión social: los batallones de pardos y morenos de Cuba. ISLAS, Havana, v. 1, n. 1, 2005.
  • BEZERRA NETO, José Maia. Ousados e insubordinados: protesto e fugas de escravos na província do Grão-Pará, 1840-1860. Topoi, Rio de Janeiro, p. 73-112, 2001.
  • BLANCHARD, Peter, The language of liberation: slave voices in the wars of Independence. Hipanic American Historical Review, Duarham, n. 82, 2002.
  • BRANCATO, Braz Augusto Aquino. Don Pedro I de Brasil de España: una conspiración liberal Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.
  • CALDEIRA, Newman di Carlo. Brasil e Bolívia: fugas internacionais de escravos, navegação fluvial e ajustes de fronteira (1822-1867). Fronteiras, Dourados, v. 11, n. 19, p. 249-272, jan./jun. 2009.
  • DI MEGLIO, Gabriel. La participación popular en las revoluciones hispanoamericanas, 1808-1816. Un ensayo sobre sus rasgos y causas. Almanack, Guarulhos, n. 5, p. 97-122, 1º sem. 2013.
  • GEGGUS, David, The sounds and echoes of freedom: the impact of the hatian revolution on Latin America. In: GEGGUS, David (org.). The Impact of the Haitian Revolution in the Atlantic World Columbia: University Press of South Carolina, 2001.
  • GOLDBERG, Marta Beatriz. Coraje bantu en las guerras de independencia argentina. Revista del CESLA, Varsóvia-Polônia, n. 7, p. 197-217, 2005.
  • GRINBERG, Keila (org.). As fronteiras da escravidão e da liberdade no sul da América Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.
  • GUZMÁN, Florencia. Afroargentinos, guerra y politica, durante las primeiras décadas del siglo XIX. Una aproximación hacia una historia social de la revolución. Estudios Historicos, Rivera-Uruguai, ano V, n. 11, dez. 2013.
  • HÜNEFELDT, Christine. Esclavitud, percepciones raciales y lo político: la población negra en la era independentista en Hispanoamérica. In: BONILLA, Heraclio Bonilla (org.). Indios, negros y mestizos en la Independencia Bogotá: Editorial Planeta-Universidad Nacional de Colombia, 2010.
  • INCH, Marcela. Gunnar Mendoza en el Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia. Notas para su estúdio. Ciencia y Cultura, La Paz, n. 1, 2014.
  • JAMES, C. L. R. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a Revolução de São Domingos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.
  • JUST LEO, Estanislao. La revolución del 25 de mayo de 1809 en Chiquisaca. Universidad San Francisco Xavier, 2007.
  • KLEIN, Herbert, The colored militia of Cuba 1518-1868. Caribbean Studies, Puerto Rico, n. 2, v. 6, 1966.
  • LANDAVAZO, Marco Antonio. La sacralización del rey: Fernando VII, la insurgência novohispana y el derecho divino de los reys. Revista de Indias, Madrid, v. 61, n. 221, 2001.
  • LORDELO, Monique. Indígenas, escravizados negros e homens livres na fronteira do Mato Grosso, Bolívia e Paraguai: fugas, contrabando e resistência (1750-1850). Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, 2019.
  • MALAMUD, Carlos. Historia de America Madrid: Alianza Editorial, 2005.
  • MARTÍNEZ, Cecilia. De Mato Grosso a Chiquitos: migraciones furtivas en la frontera luso-española. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 40, n. 83, p. 101-123, 2020.
  • MORENO, Gabriel Rene. Ultimos dias coloniales en Alto Peru Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2003.
  • MENDOZA, Gunnar, Prólogo. In: MENDOZA, Mendoza (org.). Causa criminal contra Francisco Ríos. Años 1809-1811 Sucre, Bolívia: Universidad Mayor de San Francisco Xavier de Chuquisaca, 1963.
  • O’PHELAN GODOY, Scarlett. Un siglo de rebeliones anticoloniales: Perú y Bolívia, 1700-1783. Lima: IEP, 2012.
  • PEÑA HASBÚN, Paula. La guerra de Independencia en Santa Cruz La Paz, Bolívia: Museo de Historia UAGRM, 2015.
  • PEÑA HASBÚN, Paula. La permanente construcción de lo cruceño: un estúdio sobre la identidad en Santa Cruz de la Sierra. La Paz: FUNDACIÓN PIEB, 2003.
  • PIZARRO, Javier Mendoza. Quitacapas: los sucesos revolucionarios de 1809 en el Alto Peru atraves de la participación de un antihéroe ignorado. 1. ed. La Paz, Bolívia: Plural, 2009.
  • PRADA, Antonio Moliner. De las Juntas a la Regencia. La difícil articulación del poder en la España de 1808. Historia Mexicana, El Colegio de México, Cidade do México, n. 1, v. 58, p. 135-177, 2008.
  • ROCA, José Luis. Ni con Lima ni con Buenos Aires La Paz: Plural-IFEA, 2007.
  • RODAS, Alberto Crespo. Esclavos negros en Bolivia La Paz: Academia Nacional de Ciencias de Bolivia, 1977.
  • RODRIGUES, Bruno Pinheiro. Sedutores da liberdade: a história de um palenque formado no Alto Peru com negros fugidos do Mato Grosso (1783). In: SENA, Ernesto; BORGES, A. C.; RODRIGUES, Bruno (orgs.). Histórias afro-indígenas nas fronteiras Maringá, Paraná: Uniedusul, 2021.
  • RODRIGUES, Bruno Pinheiro. “Homens de ferro, mulheres de pedra”: o itinerário de resistências de africanos escravizados entre a África centro‐ocidental e América espanhola: fugas, formação de quilombos e conspirações urbanas (1720‐1809). Curitiba: Appris, 2019.
  • RODRIGUES, Bruno Pinheiro. O trânsito de cativos do oeste da América portuguesa para espanhola: fugas, sequestros e a busca por liberdade (século XVIII). Fronteiras: Revista de História, Dourados, v. 18, p. 357-374, 2016.
  • SALVATORE, Ricardo; GOLDMAN, Noemí. Caudillismos rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Eudeba, 1998.
  • SECRETO, Maria Verónica. Asilo: direito de gentes. Escravos refugiados no Império espanhol. Revista de História, São Paulo, n. 172, p. 197-219, 2015.
  • SENA, Ernesto Cerveira de. Fugas e reescravizações em região fronteiriça - Bolívia e Brasil nas primeiras décadas dos Estados nacionais. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, n. 1, v. 39, p. 82-98, 2013.
  • SORIA, Esther, El mulato Francisco Rios: líder y plebe (25 de mayo de 1809 - noviembre de 1810). In: BONILLA, Heraclio (org.). Indios, negros y mestizos en la independência Bogotá: Editorial Planeta Colombiana S. A., 2010.
  • SOUZA, Fernando Prestes de. Pardos livres em um campo de tensões: milícia, trabalho e poder (São Paulo, 1797-1831). Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de São Paulo, 2018.
  • SOUZA, Manoel Azevedo de. Identidade quilombola na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. In: V Reunião Equatorial de Antropologia e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste, Maceió-Alagoas, 2015 (anais eletrônicos).
  • SOUX, Maria Luisa. El complejo proceso hacia la independencia de Charcas (1808-1826) Guerra, ciudadanía, conflictos locales y participación indígena en Oruro. La Paz: IFEA; Plural Editores; ASDI; IEB, 2010.
  • SOUX, Maria Luisa. El tema de la soberanía en el discurso de los movimientos juntistas de La Plata y La Paz en 1809. Revista Ciencia y Cultura, La Paz, p. 22-23, 2009.
  • TELES, Luciano Everton Costa. Caudilhismo e clientelismo na América Latina: uma discussão conceitual. Faces de Clio, Juiz de Fora, n. 2, p. 100-114, 2015.
  • QUIJANO, Aníbal. Dominación y cultura: lo cholo y el conflicto cultural en el Perú. Lima: Mosca Azul Editores, 1980.
  • WALKER, Charlie. The Tupac Amaru Rebellion Cambridge, Massachussetts: Harvard University Press, 2014.
  • 1
    No original: “Sus ayes no por lastimeros menos caricaturescos assumen a las veces tonos que hacen pensar en letrados urgidos de ávidas lecturas: “Solo se que existo porque siento” (tradução nossa).
  • 2
    Por entendermos que “Quitacapas” confere maior protagonismo ao sujeito do que o nome de batismo, optamos por adotá-lo ao longo deste texto.
  • 3
    Para consideração das fugas de escravizados brasileiros das capitanias/províncias do Sul aos territórios da região do Prata, ver a obra organizada por Grinberg (2013). Sobre as fugas da região amazônica para os países vizinhos, como as Guianas, ver Bezerra Neto (2001) e Souza (2015). Acerca das fugas do oeste luso-brasileiro para o Paraguai e Bolívia, ver Rodrigues (2016; 2019); Sena (2013); Lordelo (2019); Cecília Martínez (2020).
  • 4
    APMT, Manuscritos, Estante 1, 1769, C-04. Sobre o conceito de asilo, vale consultar a importante reflexão de Maria Verónica Secreto (2015), na qual a autora analisa a extensa legislação espanhola - constituição do direito de gentes, antecedentes medievais, reais cédulas, entre outros - buscando entender, entre outras coisas, a ideia de “solo livre” aos que fugiam da escravidão, particularmente no século XVIII.
  • 5
    APMT, Manuscritos, Estante 1, C-07, 1773.
  • 6
    Vale frisar que as fugas de negros escravizados de Mato Grosso ao Alto Peru/Bolívia seguirão durante todo o século XIX, a despeito da aparente legislação abolicionista adotada no território de asilo. Esse tema, a título de exemplo, proporcionou um importante debate na historiografia afro-americana do oeste luso-brasileiro. Caldeira (2009), ao se ater a cartas constitucionais, código penal e documentação diplomática, aponta a Bolívia como um solo avesso à escravidão, principalmente com rejeição de pedidos de extradição de negros fugidos. Sena (2013), por seu turno, valendo-se de documentação existente nos arquivos de Mato Grosso e Santa Cruz de la Sierra, argumenta não ser possível sustentar a Bolívia como asilo seguro da escravidão aos fugitivos do Brasil, e que a legislação abolicionista adotada seria parte de uma estratégia retórica do Estado boliviano para se apresentar ao mundo após as guerras de independência.
  • 7
    ABNB, EC1809-8, “Sobre los sucesos de Santa Cruz”, 1809, fl.5-7. Para uma análise do caso, ver o sexto capítulo de Rodrigues (2019).
  • 8
    ABNB, MyCh 195-10, 11, 11v. - sobre escravos minas na Bolívia, 1786.
  • 9
    Para uma análise específica do quilombo, ver Rodrigues (2021).
  • 10
    Por exemplo, em um dado momento do processo-crime movido contra Quitacapas, consta que trabalhou na produção de tabaco no Alto Peru.
  • 11
    Cholo, no Alto Peru, como no restante das Américas, trata-se de uma designação genérica para referir-se a indígenas ou mestiços com traços caucasianos e ameríndios. Enquanto no período colonial se tratava de um termo pejorativo, que classificava de forma simplista o indígena que falava o idioma espanhol; na atualidade tem sido ressignificado, a exemplo do Peru, onde crescentemente os seus habitantes têm se reconhecido como tal. Diversos trabalhos versam sobre a designação. A título de exemplo, recomendamos a leitura de Quijano (1980) e Arguedas (2001).
  • 12
    Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4.
  • 13
    Sobre essa produção, destacamos quatro trabalhos: o primeiro, realizado junto à transcrição do processo, por Gunnar Mendoza em 1963. O segundo, de autoria de Javier Mendoza Pizarro (2009), que, além de analisar a importância do caso à luz da história nacional boliviana, chama atenção para a especialidade do seu registro perante a escassez documental dos fatos relativos à guerra de independência na região. O autor também destaca que o caso de Quitacapas mostra a participação de “anti-heróis” nos eventos relativos à independência. O terceiro trabalho se trata da análise de Esther Sória em 2010, na qual a autora busca explorar a potencialidade de Quitacapas para repensar o próprio processo de emancipação no Alto Peru, à luz das camadas mais populares. Por fim, o quarto trabalho foi publicado na Afro-Hispanic Review por Jacqueline Álvarez-Rosales (2006). Nele a autora, além de ter realizado uma análise sobre aspectos específicos da causa criminal contra Quitacapas, também fez uma reflexão sobre a construção da imagem da nação relacionada com o discurso criollo.
  • 14
    As Audiências na estrutura colonial espanhola consistiam em tribunais que, em termos de importância, apenas estavam abaixo do Conselho das Índias (MALAMUD, 2005, p. 157-158).
  • 15
    O processo que levou Fernando VII à abdicação em 1808 foi gradual, turbulento e contou com vários fatos anteriores. Na sequência enumeramos alguns desses eventos: conflito entre França e Inglaterra pós-Revolução Francesa; assinatura do “Tratado de Fontainebleau”, que garantia passagem das tropas francesas pelo território espanhol, com a finalidade de invasão de Portugal (outubro de 1807); protestos populares contra a presença das tropas espanholas e abdicação de Carlos IV ao trono espanhol em favor de Fernando (março de 1808); convocação da família real espanhola em Bayona e posteriores abdicações de Fernando VII e Carlos IV; e, por fim, nomeação de José Bonaparte, irmão de Napoleão, como rei da Espanha. Sobre esse conjunto de fatos, ver Brancato (1999).
  • 16
    No original: “[...] Al atardecer del jueves 25 de mayo de 1809, el pueblo de la Plata, la capital del distrito de la Audiencia de Charcas, era presa de una conmoción. A los gritos de viva el Rey, traicíón, o mueran los traidores, una inmensa cantidad de gente se agolpó en la Plaza Mayor, frente al palácio presidencial. Alli, entre los ruídos de los tiros, gritos y sones de campanas, se llevó a cabo la revolucion. Cuando la asonada pareció decrecer, a lãs primeras horas de la madrugada del dia seguinte. Chuquisaca presenteaba otro aspecto. El presidente Garcia Pizarro había entregado el mando en la Audiencia, el arzobispo Moxó habia huido por miedo a lãs turbas, y un nuevo ejército, formado por lãs gentes del pueblo, estaba en viaas de formación, a título de defensa de los derechos del rey y de la Patria” (tradução nossa).
  • 17
    Na história latino-americana “caudillo” é termo utilizado para designar liderança política carismática ligada a setores tradicionais da sociedade - como o poder militar ou mundo rural - que teria ganhado espaço devido ao “vazio institucional”. Vale frisar que, nas últimas décadas, a historiografia americana desenvolveu um extenso debate sobre o tema, que aponta as fragilidades na caracterização, como a ideia do “vazio institucional”, que não se sustenta porque a própria legitimidade do caudilho envolvia as instituições formais, de modo que magistrados e funcionários da estrutura administrativa sofriam influências do líder. Sobre o debate, ver Salvatore (1998) e Teles (2015).
  • 18
    Na referida marcha, pelo menos metade de um total de 4 mil combatentes eram soldados negros, entre cativos, livres ou milicianos (HÜNEFELDT, 2010, p. 270-289).
  • 19
    Esse último ponto, em especial, é bastante evidente quando analisamos comparativamente como as diferentes localidades da América espanhola se comportaram em face das demandas dos ex-soldados negros. Ver a tabela “O fim do comércio escravista, ventre livre e abolição na América espanhola” em Andrews (2007, p. 87)
  • 20
    Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4, folha 18.
  • 21
    No original: “[...] un ladrón famoso, atrevido y descarado, sólo há confesado el robo de una capa en La Paz, y en Potosí del de dos mulas y un caballo a Solares [Tambero], ha perpetrado muchas muertes, heridas, fracturas de puertas, forados y otros insultos nocturnos” (tradução nossa). Em sua defesa argumentou que sua personalidade divertida perturbava a paz, mas garantia ser um homem verídico, compassivo e humano com os indígenas. Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4, folhas 56-57.
  • 22
    Sobre a Revolução do Haiti, ver “Os jacobinos negros” de C. L.R. James (2000).
  • 23
    No original: “[...] En las mentes de estas personas, existía un estado de alerta y zozobra permanente: la posible reversión de la orden jerárquico establecido a través de cual los blancos (sobre todo las mujeres) estarían subordinados a los negros. La imagen de una monarquia africana con hombres negros con derechos económicos, políticos y patriarcales aterrorizó a más de una generación de esclavistas en muchas partes del continente. La existência conocida de palenques (incluso de los no tan grandes como en Suriman y Brasil) que pocas veces pudieron ser combatidos por el poder virreinal dio un toque adicional a estos miedos porque eran evidencia de la capacidad de acción, organización y resistencia de los pobladores negros. Es más, en los casos de Surinam y Brasil, se trataba de poblaciones que representaban un cuestionamiento y un reto al orden colonial establecido” (tradução nossa).
  • 24
    O líder em questão mencionado era Jean-François Papillon, um dos principais generais negros que levaram o Haiti à independência.
  • 25
    Estima-se que São Domingo (depois da independência, Haiti), pudesse ter nas vésperas da independência cerca de 500 mil africanos. O Alto Peru, por outro lado, no final do século XVIII contava com uma população negra e mestiça aproximada de 21.010 (SORIA, 2010, p. 237).
  • 26
    Não podemos perder de vista que o conjunto de revoltas populares ocorridas na região andina no final do século XVIII certamente podem ter somado para a desconfiança em relação à participação popular nas disputas políticas. Chamamos atenção, especificamente, para as rebeliões lideradas por Tupac Amaru e Katari, trabalhadas por Scarlett O’phelan Godoy (2012) e Charlie Walker (2014).
  • 27
    “[...] [...] a cosa de las doce de la noche una multitud considerable se acercó a la audiência pidiendo a la guardia, le soltase al preso Francisco Ríos. Ésta cerró la puerta, ellos golpeaban la puerta dicha y gritaban: “Que se suelte al Quitacapas!” (tradução nossa). Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4, folha 75.
  • 28
    Causa Criminal seguida contra Francisco Ríos, Sucre, 1809-1811, Archivo y Biblioteca Nacionales de ­Bolivia, Sucre (ABNB), Fondo Emanciapión, ficha 4, folha 73.
  • 29
    Não descartamos também a hipótese de que o recrutamento de Quitacapas tenha sido compulsório, como fora comum durante as guerras de independência, conforme argumenta Goldberg (2005, p. 205). Segundo a autora, devido à carência de soldados, chegaram a ser alistados até mesmo sujeitos condenados por assassinatos, jogos ilegais, vadiagem, alcoolismo e ociosidade. Essas últimas quatro tipologias eram comumente obrigadas a servir por um período de quatro anos.
  • 30
    Para reflexão da presença de soldados negros junto às tropas oficiais luso-brasileiras, recomendamos a leitura da tese de doutoramento de Fernando Prestes de Souza (2018, p. 59). Segundo o autor, embora seja comprovável a presença de africanos e crioulos na defesa dos territórios luso-americanos desde o século XVI, a incorporação formal desses a unidades militares remonta às guerras contra holandeses travadas nas capitanias da Bahia (1624-1625) e Pernambuco (1630-1635). No que tange à América espanhola, também existem registros da presença dos soldados negros incorporados na defesa de interesses da coroa. De acordo com María Barcía (2005, p. 6-9), participam de forma mais destacada nos séculos XVI e XVII em campanhas militares nas Antilhas (Cuba, Santo Domingo e Porto Rico) contra a ação de piratas que acossavam vilas. A partir do século XVII, por iniciativa do governador de Havana, será criada a “Companhia dos Pardos y Morenos”, que acabou garantindo “vantagens” aos alistados, como acesso a pequenos privilégios e maior mobilidade social. Somente em Cuba, no século XVIII, havia quatro companhias, formadas por centenas de soldados. Sobre o tema, ver também Herbert Klein (1966).
  • 31
    No original: “The spread of fighting created an unprecedented demand for soldiers, once again challenging long-held social barriers and deeply felt racial fears. From Venezuela in the north to the Rio de la Plata in the south recruiters turned to slaves, offering them their freedom in return for military service. Thousands responded, with the result that the political struggle acquired a social dimension that few, if any, of the revolutionary leaders had anticipated. Moreover, that military service created the framework for the slaves verbal initiative” (tradução nossa).
  • 32
    Precisamente essa era a situação de 65,7% dos soldados por volta do ano 1800 (HÜNEFELDT, 2010, p. 277).
  • 33
    Juzgado Criminales, Buenos Aires, 1810-1815, Archivo General de la Nación (AGN), caja 10-27-03-05.
  • 34
    Vale chamar atenção sobre a riqueza de informações sobre os soldados negros nesses registros. Neles é possível localizar dados sobre a mortalidade, possibilidades de os soldados sobreviverem aos conflitos, formas de recrutamento, taxas de deserção, entre outros. Sobre as fontes consultadas, ver no Division Nacional, Batallón Pardos y Morenos, Buenos Aires, Archivo General de la Nación (AGN), Caja 2, Lec. 22.
  • 35
    Division Nacional, Batallón Pardos y Morenos, Buenos Aires, Archivo General de la Nación (AGN), Caja 2, Lec. 22.
  • 36
    No caso da historiografia da Bolívia, Soria (2010, p. 246) argumenta que, apesar de haver um considerável conjunto de obras na historiografia boliviana que versam sobre os eventos da independência, ainda prevalece uma perspectiva centrada em setores dominantes - ouvidores, arcebispos, setores letrados, burocráticos e universitários. Sobre obras que trataram da independência no Alto Peru, indicamos aqui uma considerada clássica na historiografia nacionalista, e duas mais recentes: Moreno (2003); Soux (2010); e Roca (2007).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2021
  • Aceito
    19 Out 2021
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org