Acessibilidade / Reportar erro

A Física nuclear em comparação: César Lattes e físicos do Hemisfério Norte nos anos 1930 e 1940

Nuclear Physics in Comparison: César Lattes and Physicists from the Northern Hemisphere, 1930s-1940s

Física nuclear en comparación: César Lattes y los físicos del hemisferio norte en las décadas de 1930 y 1940

RESUMO

Entre 1946 e 1948, o físico brasileiro César Lattes teve participação central na observação experimental dos mésons. Manuseando instrumentos disponíveis nos laboratórios das Universidades de Bristol e de Berkeley, após se formar na Universidade de São Paulo, Lattes teve contato com estilos de pensamento distintos, dos quais apropriou habilidades específicas na Física nuclear. Analisarei inscrições produzidas por cientistas desses laboratórios em seus estudos sobre o núcleo, comparando suas práticas e valores. Dedicarei atenção ao saber não verbal que Lattes desenvolveu e foi portador, essencial para pensar arranjos instrumentais e identificar evidências visuais da existência dos mésons. Evidencia-se, ao longo do trabalho, sua fácil adaptação a laboratórios e sua sensibilidade para extrair dos instrumentos e teorias disponíveis o melhor que podiam dar.

Palavras-chave:
César Lattes; mésons; Cecil Powell; Ernest Lawrence; emulsão nuclear

ABSTRACT

Between 1946 and 1948, Brazilian physicist César Lattes played a central role in the experimental observation of mesons. After earning his bachelor’s degree from the University of São Paulo, Lattes developed specific skills sets in nuclear physics, and later handled instruments at laboratories associated with the University of Bristol and the University of California, Berkeley. This article analyzes records produced by scientists from these laboratories during their studies of nuclei, and compares their practices and values. It gives special attention to the non-verbal experimental knowledge that Lattes developed and promoted, which was essential for creating instrumental sets and identifying visual evidence of the existence of mesons. Throughout this work, Lattes adapted easily to laboratories and extracted the most he possibly could from available instruments and theories.

Keywords:
César Lattes; Mesons; Cecil Powell; Ernest Lawrence; Nuclear Emulsion

RESUMEN

Entre 1946 y 1948, el físico brasileño César Lattes tuvo una participación destacada en la observación experimental de los Mesones. Manipulando instrumentos disponibles en los laboratorios de las Universidades de Bristol y de Berkeley, después de graduarse en la Universidad de São Paul, Lattes tuvo contacto con estilos de pensamiento distintos, de los cuales se apropió de habilidades específicas en la Física nuclear. Analizaré inscripciones producidas por científicos de estos laboratorios en sus estudios sobre el núcleo, comparando sus prácticas y valores. Daré atención al saber no verbal que Lattes desarrolló y fue portador, especial para pensar acuerdos instrumentales e identificar evidencias visuales de la existencia de los Mesones. Se evidencia a lo largo del trabajo, su fácil adaptación a laboratorios y su sensibilidad para extraer de los instrumentos y teorías disponibles lo mejor que podían dar.

Palabras clave:
César Lattes; Mesón; Cecil Powell; Ernest Lawrence; emulsion nuclear

A Física nuclear ganha o mundo

Os grupos que investigavam a fronteira da Física nuclear nos anos 1930 e 1940 são marcados pelas especificidades culturais dos locais nos quais estavam instaladas suas instituições. Esses grupos não eram fechados. Por seu interior circulavam instrumentos, ideias e pessoas que iam e vinham para e de outros lugares, estabelecendo uma rede de conhecimento cujo fluxo era o do tempo das cartas, dos navios e, de quando em quando, o dos telegramas e aviões (TAVARES, 2020bTAVARES, Heráclio. O historiador, a memória e o arquivo: vestígios de práticas científicas pelo Brasil e EUA. In: TAVARES, Heráclio (org.). Transnacionalismo científico no século XX: cientistas, instrumentos e ideias (Dossiê). Em Construção: arquivos de epistemologia histórica e estudos da ciência, Rio de Janeiro, n. 7, p. 28-36, 2020a.). No início dos anos 1930, a Física nuclear começou seu processo de disciplinarização, proclamando sua independência da Física de radiação com a realização, em 1931, em Roma, na Itália, da conferência “Il Fisica Nucleare”. Em 1932, Leningrado, atual São Petersburgo, na Rússia, sediou sua primeira conferência nacional em Física nuclear, enquanto que, no ano seguinte, ocorreu o Congresso de Solvay, na Bélgica, em Bruxelas, intitulado “The Structure and Properties of Atomic Nuclei”, que confirmou o processo em curso, coroado na Londres inglesa, em 1934, na conferência “Nuclear Physics”. Nesse período, físicos de várias partes do mundo propuseram teorias sobre o funcionamento das forças que regem o núcleo e construíram instrumentos para investigá-lo experimentalmente, acarretando, a partir de diferentes perspectivas, a consolidação do campo (­HUGHES, 1993HUGHES, Jeff. Radioactivists: Community, Controversy and the Rise of Nuclear Physics. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidade de Cambridge, Cambridge, 1993.), e ofertando as condições para que diferentes estilos de pensamento na Física nuclear surgissem.1 1 Ludwik Fleck diz que o estilo de pensamento é uma: “percepção direcionada em conjunção com o processamento correspondente no plano mental e objetivo. Esse estilo é marcado por características comuns dos problemas que interessam a um coletivo de pensamento; dos julgamentos, que considera como evidentes e dos métodos, que aplica como meios do conhecimento” (FLECK, 2010, p. 149).

O decaimento beta (N → P e- v-)2 2 Um nêutron decaindo em um próton, um elétron e um neutrino, respectivamente. levou o alemão Werner Heisenberg a postular uma força desconhecida, resultante do campo criado pelas partículas leves (e- v-) neste processo. Com a circulação da proposta de Heisenberg, o até então incógnito físico japonês Hideki Yukawa entendeu que o alcance das forças em uma teoria de campo equivalia ao inverso da massa trocada, oferecendo como possível solução à compreensão dessa situação a existência de uma partícula não conhecida, que ele chamou de heavy quanta, com massa equivalente a 200 vezes a do elétron. Yukawa publicou sua teoria em inglês, em 1935, em um periódico japonês, e a enviou a revistas ocidentais, sendo solenemente ignorado até 1937, quando o estadunidense Robert Oppenheimer publicou nota na Physical Review indicando a pertinência do heavy quanta (BROWN; RECHENBERG, 1996BROWN, Laurie; RECHENBERG, Helmut. The Origin of the Concept of Nuclear Forces. Londres; Bristol: Institute of Physics Publishing, 1996.). Para investigar experimentalmente essa dimensão do núcleo, eram necessárias colisões entre partículas a altas energias, alcançáveis, naquele momento, apenas por raios cósmicos.

Na primeira metade dos anos 1930, os estadunidenses não direcionaram grandes financiamentos públicos à prática científica, o que não chegou a abalá-la, sobremaneira. Havia uma tradição nos EUA de que o livre mercado era quem, primordialmente, orientava a concessão de verbas à pesquisa (JOSEPHSON, 2002JOSEPHSON, Paul. Science, Ideology, and the State: Physics in the Twentieth Century. In: NYE, May Jo (ed.). The Cambridge History of Science. The Modern Physical and Mathematical Sciences. v. 5. Cambridge: Cambridge University Press , 2002. p. 579-597., p. 590). Ernest Lawrence foi um dos representantes desse movimento. Ele buscou apoio financeiro para a construção de seus aceleradores de partículas justificando-os na intersecção da Biomedicina com a Física nuclear, fazendo propaganda de bombardeamentos de nêutrons em carcinomas de coelhos e ratos, que iam servir à pesquisa para o tratamento de câncer (KEVLES, 1987KEVLES, Daniel. The Physicists: The History of a Scientific Community in Modern America. Cambridge; Massachusetts; London: Harvard University Press, 1987., p. 270-274).3 3 COMPTON para Lawrence. [Correspondência], 16 de set. 1938. Lawrence revela a Compton que realizava tratamento de leucemia em humanos em: LAWRENCE para Compton. [Correspondência], 19 de set. 1938. ­Lawrence oferecia à Fundação Rockefeller [FR], entre 1939 e 1941, expectativas de resultados, segundo ele, históricos: “Como este é um instrumento que aumentará a fronteira da ciência para além do que imaginamos”, dizia ele aos conselheiros da FR, “ele marcará época e ligará os nomes dos que estiverem relacionados a este feito aos de Newton e Einstein”4 4 Trad. livre do autor: “As this is an instrument which will enlarge the frontier of Science almost beyond belief it should be something epoch-making and will link the names of those connected with it alongside of Newton and Einstein”. (HEILBRON; SEIDEL, 1989HEILBRON, John; SEIDEL, Robert. Lawrence and his Laboratory. A History of the Lawrence Berkeley Laboratory. v. I. Berkeley: University of California Press, 1989., p. 474). Este saber técnico, orientado por uma lógica de construção material de meios para se alcançar um fim, é marcante nos EUA nos anos 1920 e 1930, legando a seus físicos certa dependência de teóricos europeus.

Líderes experimentais estadunidenses, como, por exemplo, Robert Millikan e Arthur Compton, identificaram a quase inexistência de físicos teóricos em seu país nos anos 1920 e, após a apresentação do problema às Fundações Guggenheim, Carnegie e Rockefeller, conseguiram bolsas de estudos para recém-doutores passarem temporadas na Europa e voltarem para os EUA com posições de ensino asseguradas. Este cenário ainda foi reforçado pela imigração de físicos teóricos judeus que fugiam do nazifascismo crescente na Europa e conseguiam abrigo em universidades estadunidenses (KEVLES, 1987KEVLES, Daniel. The Physicists: The History of a Scientific Community in Modern America. Cambridge; Massachusetts; London: Harvard University Press, 1987., p. 281-286). O resultado foi que, nos EUA, teóricos e experimentais passaram a atuar juntos na realização de experiências com raios cósmicos e aceleradores na produção e análise de dados ao longo dos anos 1930 (SCHWEBER, 1986SCHWEBER, Sam. The Empiricist Temper Regnant: Theoretical Physics in the United States 1920-1950. Historical Studies in the Physical and Biological Sciences, v. 17, n. 1, p. 55-98, 1986., p. 56-57).

A investigação da estrutura nuclear usando raios cósmicos floresceu nos anos 1920 e 1930 no Instituto Arcetri, na Itália, no grupo em torno de Bruno Rossi. Giuseppe ­Occhialini, um de seus assistentes italianos, recebeu treinamento para construção e montagem de arranjos de contadores Geiger-Müller em coincidência,5 5 O funcionamento deste equipamento consistia na indução do efeito cascata, que ocorre quando uma partícula carregada se choca com átomos de um gás contido em um tubo metálico a 1/10 da pressão atmosférica, e o ioniza, liberando uma descarga elétrica. Essa descarga é direcionada por um fio metálico, que atravessa o tubo com o gás ionizado, a um aparelho que mede a passagem de corrente elétrica chamado de eletroscópio. Quando um contador Geiger-Müller é sobreposto a outro (para identificar a passagem de uma partícula em uma dada trajetória), diz-se que eles estão em coincidência. aperfeiçoando-os ao acoplá-los a câmaras de Wilson6 6 Conhecida também como câmara de nuvens. Seu funcionamento ocorre quando uma partícula carregada passa pelo vapor supersaturado em seu interior (produzido, por exemplo, com álcool) e ioniza as moléculas que estão na sua trajetória, levando as gotículas de álcool à condensação, o que forma um traço ao longo de sua passagem. Os físicos fotografavam e estudavam o comportamento desses traços. ao longo de uma temporada no Cavendish Laboratory, na Universidade de ­Cambridge, Inglaterra, trabalhando com Patrick Blackett. A ideia era automatizar os registros fotográficos das passagens das partículas pela câmara de nuvens usando contadores Geiger-Müller. Occhialini trouxe esse conhecimento instrumental para o Brasil quando convidado pelo ítalo-ucraniano Gleb Wataghin, em 1937, líder do departamento de Física da recém-criada Universidade de São Paulo (USP), onde um promissor grupo de jovens se reunia em seu entorno, para atuar como professor assistente. Trazendo Occhialini para a USP, Wataghin, amigo de seu pai, o também físico Raffaele Occhialini, o afastava do crescente fascismo italiano, que punha sua integridade física em risco devido à sua posição política, e passava a contar com um experimental a par dos últimos desenvolvimentos instrumentais na Europa. Apesar de a Física não receber grandes aportes financeiros no Brasil, os conteúdos tratados, a postura científica implementada por Wataghin e Occhialini e os resultados positivos alcançados em poucos anos ajudaram a entrelaçar a USP na rede transnacional nuclear que se estabelecia (TAVARES; BAGDONAS; VIDEIRA, 2020TAVARES, Heráclio; BAGDONAS, Alexandre; VIDEIRA, Antonio Augusto. Transnationalism as Scientific Identity: Gleb Wataghin and Brazilian Physics, 1934-1949. Historical Studies in the Natural Sciences, v. 50, n. 3, p. 248-301, 2020.).

Nos EUA, em 1936, na Caltech University, Carl Anderson e Seth Neddermeyer, ambos estadunidenses, encontraram traços que teriam sido, segundo eles, provocados por par­tículas que não seguiam o comportamento esperado de elétrons, por conta de seu poder de penetração, nem o de prótons, devido ao grau de curvatura sofrido na ação do campo magnético (ANDERSON; NEDDERMEYER, 1937ANDERSON, Carl; ANDERSON, Herbert. Unraveling the Particle Content of Cosmic Rays. In: BROWN, Laurie; HODDESON, Lillian(orgs.). The Birth of Particle Physics. Based on the lectures and round table discussion of the International Symposium on the History of Particle Physics, held at Fermilab. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. p. 131-154.). As fotografias com essas evidências, batizadas de mesotrons, foram obtidas com uma câmara de Wilson, equipada com ímã e com placas de chumbo (para causar desintegrações de partículas), exposta a raios cósmicos. Os físicos a essa época entendiam que a interação com a matéria se dava apenas através da força eletromagnética, o que os afastava da possibilidade de tomar o mesotron como sendo o heavy quanta proposto por Yukawa, que obedecia à força nuclear, e era apresentado ao Ocidente por Oppenheimer naquele momento (ANDERSON; ANDERSON, 1983ANDERSON, Carl; ANDERSON, Herbert. Unraveling the Particle Content of Cosmic Rays. In: BROWN, Laurie; HODDESON, Lillian(orgs.). The Birth of Particle Physics. Based on the lectures and round table discussion of the International Symposium on the History of Particle Physics, held at Fermilab. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. p. 131-154., p. 146-150). Para se investigar o heavy quanta, era necessário sair do paradigma instrumental vigente, que possuía a câmara de Wilson e o contador Geiger para detecção de partículas, equipados com câmeras fotográficas, ímãs e placas de chumbo. O surgimento e aperfeiçoamento dos aceleradores de partículas propiciou, aos poucos, o controle das colisões entre núcleons. Entretanto, até a segunda metade dos anos 1930, esses detectores forneciam dados que não permitiam o estudo detalhado do nível subnuclear. À época, ninguém sabia ao certo quais deviam ser as características técnicas dos instrumentos para investigar a dimensão subnuclear, pois as especificidades daquilo que se deduzia existir, obviamente, eram desconhecidas.

Do outro lado do Atlântico, físicos do Henry Herbert Wills Laboratory (H. H. Wills), da Universidade de Bristol, liderados por Cecil Powell, pensavam em maneiras de conseguir proeminência internacional, tendo em vista o desempenho de outros grupos de laboratórios ingleses e nos EUA, que, além de possuírem câmaras de nuvens, possuíam pequenos aceleradores de partículas e alcançavam relativo destaque no campo nuclear (THOMPSON, 1992THOMPSON, Norman. The History of the Department of Physics in Bristol-1948 to 1988. Out. 1992. Disponível em:Disponível em:http://www.bristol.ac.uk/physics/media/histories/07-thompson.pdf . Acesso em:21 out. 2021.
http://www.bristol.ac.uk/physics/media/h...
, p. 11). A solução encontrada foi usar os mesmos instrumentos que esses laboratórios possuíam, o que levou Powell a construir um gerador de feixe de partículas de alta tensão de 700 KeV, por volta de 1937 (HEILBRON; SEIDEL, 1989HEILBRON, John; SEIDEL, Robert. Lawrence and his Laboratory. A History of the Lawrence Berkeley Laboratory. v. I. Berkeley: University of California Press, 1989., p. 327), e a planejar a retomada do uso da câmara de nuvens de seu laboratório para o final de julho de 1938.7 7 POWELL. [Caderno de bancada], 3 fev. 1938, p. 10 e 41. Vale anotar que os cadernos de laboratório são fontes primárias pouco exploradas na História das Ciências. Existia um regime de escrita científica que obedecia às características industriais que a Física experimental adquiria nos EUA pós-Segunda Guerra. Múltiplas caligrafias, espaços em branco preenchidos com informações coletadas posteriormente e colagens de cartas recebidas de físicos de outros laboratórios dão pistas de que os mesmos cadernos do Radiation Laboratory eram manuseados por vários membros da equipe, servindo ainda como espaço concentrador de sugestões externas (TAVARES; GURGEL; VIDEIRA, 2020, p. 1-5). Os cadernos de Powell do final dos anos 1930 revelam um regime de escrita de uma Física experimental feita com mais características artesanais se comparados aos que ele usou no período imediatamente após a Segunda Guerra. Aqueles cadernos possuem uma escrita autoral, contando apenas com entradas feitas por suas mãos, ultrapassando as descrições das experiências, contendo listas de instrumentos, relatos de conversas com outros físicos, planejamentos de pesquisas etc. Um mesmo caderno servia para registrar tudo o que ocorria no laboratório, fugindo de categorizações que engessam seus conteúdos, como, por exemplo, as de “caderno de protocolo” e “diário”, que aparecem em Santos, Borges e Lourenço (2019). Tais categorizações podem levar historiadores a restringirem suas buscas, supondo que as informações que imaginam existir estão enquadradas nas classificações dadas pelos arquivistas. Pós-Segunda Guerra, havia cadernos específicos para cada um dos físicos e analistas de emulsão, conhecidas como microscopistas, o que indica o crescimento da equipe de Powell. Seus conteúdos estavam restritos às atividades de cada um, revelando uma divisão de tarefas. Reflexões interessantes sobre o uso de cadernos de laborató-rio como fontes históricas podem ser encontradas em Geison (1995), enquanto que um ensaio sobre a busca pelos cadernos do Radiation Laboratory em arquivos pelos EUA está em Tavares (2020a). Sua preocupação era com o bom funcionamento do seu conjunto de instrumentos - câmara de nuvens, máquina fotográfica, acelerador de partículas -, tendo em mente a quantidade e a qualidade das fotografias que podia obter,8 8 POWELL. [Caderno de bancada], 19 a 23 fev. 1938, p. 20 e 21. já que elas eram seus dados brutos. Ou seja, Powell pensava no seu toolkit (KRIEGER, 1984KRIEGER, Martin. Doing Physics: How Physicists Take Hold of the World. Indianapolis: Indiana University Press, 1984., p. xviii) tendo em vista a natureza dos dados que ele podia gerar.

Revolução instrumental e novas informações sobre o núcleo

Em meio a esse cenário de preocupação com as condições de produção e análise de dados, Hans Heitler, físico alemão instalado em Bristol e colaborador de Powell, colocou-lhe a seguinte questão: “Por que não disparar um feixe de prótons de hidrogênio tangencialmente em uma chapa de filme e estudar seu alcance e o possível espalhamento [de partículas?]. Talvez seja possível observar a concentração de grãos com um microscópio com foco de alta resolução”.9 9 POWELL. [Caderno de bancada], 2 jun. 1938, p. 44. Trad. livre do autor: “Why not shot beam a hydrogen protons into film tangentially and investigate range and also, possible scattering [sic.]. Might be possible to get space concentration of grains with high power microscope by focusing”. Essa entrada no caderno de Powell acompanha referências a trabalhos de ­Marietta Blau e Hertha Wambacher, publicados nos relatórios da Academia de Ciências de Viena, ainda antes de saírem na Nature (BLAU; WAMBACHER, 1937BLAU, Marietta; WAMBACHER, Hertha. Disintegration Processes by Cosmic Rays with the Simultaneous Emission of Several Heavy Particles. Nature, v. 140, p. 585, 1937.).10 10 Antes de Powell começar a usar chapas fotográficas como detectores, a física austríaca Marietta Blau, ao longo dos anos 1920 e 1930, foi a responsável por retirá-las do ostracismo. Blau listava aspectos técnicos que podiam ser melhorados e os encaminhava à Ilford, companhia que as produzia (VIEIRA, 2009, p. 74). Contudo, Blau não deu prosseguimento às suas investigações, pois alguns de seus colegas no Radium Institute, em Viena, na Áustria, onde trabalhava, a perseguiram, em 1937, por ser judia (SIME, 2013). Seguindo a sugestão de Heitler, Powell não teve dificuldades para adquirir chapas fotográficas halftone, vendidas em lojas comuns, e realizar a exposição. Rapidamente, Powell se deu conta que possuía em mãos um instrumento que podia lhe dar acesso a aspectos da dimensão subnuclear que outros detectores não eram capazes de alcançar, mostrando-se interessado na ampliação de seu uso. Acompanhemos os pensamentos de Powell através de seus registros:

Com o método de emulsão, pode ser possível observar um grande número de traços com um microscópio (…). Mas talvez seja necessário examinar cada um dos traços sucessivamente. Para valores absolutos a respeito do espalhamento [de partículas], resultados da câmara de nuvens permitem estimar a média de traços através da contagem de alguns deles em poucas fotografias; mas, com o método de emulsão, os traços devem ser contados individualmente. Os resultados obtidos a partir dos traços de partículas alfa sugerem que certamente será possível chegarmos ao nível subatômico através do ajuste de foco [do microscópio].11 11 POWELL. [Caderno de bancada], 18 jun. 1938, p. 46. Trad. livre do autor: “With the emulsion method it may be possible to look large numbers of tracks in the field of means of the microscope (…). But it may be necessary to examine each track in succession. For absolute values of the scattering the expansion chamber results enable one to estimate the number of tracks by counting the tracks on a relatively few photographs and estimating a mean but with the emulsion method the individual tracks must be counted. The results with the alpha tracks suggest [sic] that it will certainly be possible to obtain spatial sub atoms by the focusing method”.

A percepção de Powell do que era possível fazer com os dados produzidos pela halftone mostra o potencial desse detector. Naquele junho de 1938, ele antecipou que as passagens de partículas pelas chapas iam gerar traços distintos uns dos outros, de acordo com suas energias e massas. Foi em meio a esse sentimento de futuro desejado que ele planejou seus experimentos seguintes: “alguns experimentos podem ser mais bem realizados com a técnica de emulsão”, anotou o físico inglês, considerando que:

nos experimentos de desintegração nuclear é necessário produzir apenas algumas desintegrações para obter as informações necessárias. Talvez seja possível inserir na emulsão [da chapa] alguns sais sem afetar seriamente suas propriedades fotográficas. Uma fotografia, então, mostrará todos os traços resultantes da desintegração.12 12 POWELL. [Caderno de bancada], 29 jun. 1938, p. 48. Trad. livre do autor: “some experiments can certainly be best done by the emulsion technique (…) experiments in nuclear disintegration in which it is necessary only to produce a few disintegrations to obtain the required information. It may be possible to impregnate the emulsion with certain salts without seriously affecting the photographic properties. A photograph will then show all the tracks resulting from the disintegration”.

Powell percebeu que a câmera fotográfica devia ser adaptada para capturar os eventos localizados nas chapas. As fotografias podiam ser transportadas, reproduzidas, publicadas etc. com a diferença que elas não iam ser mais o suporte primário dos dados, como ocorria quando a câmera era acoplada à câmara de nuvens, mas, sim, a reprodução em 2D de um trecho ínfimo da halftone, que, essa sim, ia conter a informação bruta, aquela analisada pelos cientistas diretamente ao microscópio. Em parceria com Heitler, Powell enviou, em julho de 1938, placas halftone ao Monte Jungfraujoch, na Suíça, para coletar dados de colisões provocadas por raios cósmicos. Quando ele as recebeu de volta, decidiu usar seu acelerador de partículas, que, diferentemente dos raios cósmicos, proporcionava condições controláveis de experiência: “Deve-se fazer o seguinte: 1-Medir o número de grãos/cm dos traços de partículas alfa e de prótons de alta energia obtidos com o acelerador”.13 13 Ibidem, p. 76. Trad. livre do autor: “Following must be done: 1-Measure number of grains/cm in tracks from alfa particles and from high energy protons obtained with H[igh]. V[olt]. set”. O princípio que justifica esta ação é simples: testar a confiabilidade do método de detecção com chapas fotográficas através da sua exposição a diferentes colisores de partículas e comparar seus resultados.

Algumas semanas após o retorno das chapas expostas no Jungfraujoch, ao longo da análise dos traços causados pelas partículas, Powell percebeu que teria que aperfeiçoar os microscópios disponíveis em seu laboratório, para melhor analisar os traços que elas continham.14 14 POWELL. [Caderno de bancada], 15 jan. 1939, p. 76. O microscópio era o instrumento que dava a ver ao físico. Era ele que agia como extensão da sua visualização, propiciando a apreensão sensória da natureza. Com isso em mente, o líder do H. H. Wills listou os microscópios, objetivas e oculares que possuía, indicando suas características técnicas e os eventuais reparos de que precisavam,15 15 POWELL. [Caderno de bancada], 2 out. 1939, p. 129-130. trazendo à luz aspectos da dialética entre instrumentos, dados e observador (ACKERMANN, 1985ACKERMANN, Robert. Data, Instruments and Theory. Princeton: Princeton University Press, 1985., p. 31). Nos meses seguintes, Powell batalhou para fazer seu acelerador funcionar diante de problemas na fonte de elétrons e no tubo que os conduzia ao alvo,16 16 POWELL. [Caderno de bancada], 17-22 jun. 1939, p. 121-122. e esboçou uma divisão do trabalho, repartindo as emulsões em áreas semelhantes e distribuindo-as entre seus colaboradores.17 17 POWELL. [Caderno de bancada], 28 nov. 1939, p. 136. Chamamos a atenção para a variedade instrumental com que Powell operava, enquanto algo muito diferente ocorria nos EUA.

A postura empreendedora de Lawrence, voltada para construção de máquinas, diz muito do ambiente de pesquisa em seu país no período em que ele se destacou, recebendo o Nobel de Física de 1939 pela construção do cíclotron. Talvez, o reconhecimento de seu trabalho tenha contribuído para que a FR se convencesse, em 1941, de que um cíclotron de grandes proporções, capaz de gerar energias que, teoricamente, podiam alcançar a dimensão mesônica, devesse ser construído. Esse comportamento se diferenciava do que foi observado, desde os anos 1930, entre os físicos ingleses. Incentivados por Rutherford, o grupo inglês do ­Cavendish Laboratory, mais interessado em fazer Física do que na engenharia dos instrumentos que a viabilizava, variava os tipos de detectores e os alvos contra os quais projetava seus feixes de partículas de baixa energia, diferentemente dos construtores de cíclotrons estadunidenses, que dedicavam seu tempo a alcançar energias mais elevadas e poucos esforços direcionavam ao estudo do núcleo em si. O foco estadunidense no desenvolvimento de aceleradores nos anos 1930 se justifica pela expectativa de seu uso medicinal no combate ao câncer além do controle de patentes de alguns componentes desenvolvidos para seu bom funcionamento, como, por exemplo, o gerador de raios X de alta voltagem, que interessava a empresas como General ­Eletric, Westinghouse e Kelley-Koett (HEILBRON; SEIDEL, 1989HEILBRON, John; SEIDEL, Robert. Lawrence and his Laboratory. A History of the Lawrence Berkeley Laboratory. v. I. Berkeley: University of California Press, 1989., p. 103-126).

No Brasil, enquanto isso, o grupo em torno de Wataghin e Occhialini publicava resultados sobre a composição dos raios cósmicos, lidando com os cliques gerados pelos contadores Geiger, que indicavam as passagens de partículas carregadas, e registrando os movimentos da agulha do eletroscópio, que media suas energias (POMPEIA; SOUZA; WATAGHIN, 1940aPOMPEIA, Paulus; SOUZA, Marcello Damy; WATAGHIN, Gleb. Simultaneous Penetrating Particle in the Cosmic Radiation. Physical Review, v. 57, p. 61, 1940a., 1940bPOMPEIA, Paulus; SOUZA, Marcello Damy; WATAGHIN, Gleb. Simultaneous Penetrating Particle in the Cosmic Radiation II. Physical Review, v. 57, p. 339, 1940b., 1941POMPEIA, Paulus; SOUZA, Marcello Damy; WATAGHIN, Gleb. Showers of Penetrating Particles. Physical Review, v. 59, p. 902-903, 1941.). Essas eram as naturezas dos dados que fundamentaram os resultados alcançados pelo grupo da USP e que propiciaram aproximações com a FR (SILVA; ­FREIRE, 2014SILVA, Indianara; FREIRE, Olival Jr. Diplomacia e ciência no contexto da Segunda Guerra Mundial: a viagem de Arthur Compton ao Brasil em 1941. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 34, n. 67, p. 181-201, 2014.), revelando que até o final dos anos 1930 não existia investigação em Física nuclear no Brasil que produzisse dados visuais. Occhialini ia tentar mudar essa situação, como veremos adiante. Essas pesquisas sobre o núcleo ocorriam em meio às circunstâncias de uma guerra, que as legitimavam através da expectativa de aplicação militar da energia nuclear.

A guerra dos físicos

A Segunda Guerra Mundial foi um dos condicionantes centrais no processo que analisamos. Se as instituições brasileiras abrigaram cientistas em êxodo da Europa, seja fugindo da ascensão de regimes de caráter nazifascista, seja em missão oficial desses mesmos governos (BERTONHA, 2000BERTONHA, João. Divulgando o duce e o fascismo em terra brasileira: a propaganda italiana no Brasil, 1922-1943. Revista de História Regional, v. 5, n. 2, p. 83-112, 2000.), carregando suas expertises para a USP, nos EUA, os físicos se de­dicavam a construir instrumentos de grande dimensão, dando indícios da importância que a cultura material possuía em suas práticas. Diferentemente dessas experiências americanas, a guerra deixou a Inglaterra em um estado de escassez de comida, livros e físicos para a realização de pesquisas, sendo este um dos motivos que levou Lattes a receber o convite, em 1945, para trabalhar no laboratório da Universidade de Bristol.

A compreensão do funcionamento da estrutura nuclear intrigava os físicos e a produção, captura e identificação do mesotron era considerada por Lawrence, no início dos anos 1940, como “o mais fundamental dos problemas experimentais que se pode formular na atualidade”18 18 Trad. livre do autor: “the most fundamental experimental problem that one can formulate at the present time”. (HEILBRON; SEIDEL, 1989HEILBRON, John; SEIDEL, Robert. Lawrence and his Laboratory. A History of the Lawrence Berkeley Laboratory. v. I. Berkeley: University of California Press, 1989., p. 479). A comunidade de físicos legitimava essa afirmação. O Seventh Washington Conference on Theoretical Physics: Elementary Particles teve como um dos temas centrais a teoria dos mesotrons. Oppenheimer tratou o assunto na tarde de 22 de maio de 1941, e uma das conclusões foi a de que os mesotrons deviam ser investigados experimentalmente através do uso tanto de raios cósmicos como de aceleradores (KEVLES, 1987KEVLES, Daniel. The Physicists: The History of a Scientific Community in Modern America. Cambridge; Massachusetts; London: Harvard University Press, 1987., p. 284).

Powell passou algumas semanas do mês de janeiro de 1939 em Liverpool e teve contatos diários com o físico inglês James Chadwick, que recebera o Nobel em 1935 por seu trabalho sobre o nêutron. Em um desses encontros, ocorreu uma conversa que oferece indícios sobre as mudanças da época, quando a fissão nuclear já era uma realidade, mas seu controle não. De acordo com Powell, Chadwick afirmou, reproduzindo informação de terceiros, que ­Lawrence “tem o dinheiro (£500.000) para construir um cíclotron de 100’’ na encosta de uma colina, com o painel de controle a ½ milha de distância”. Chadwick se referia à negociação entre Lawrence e a FR. O próximo trecho dos registros de Powell é bastante signi­ficativo sobre o que estava verdadeiramente em jogo.

Chadwick entende que a Física nuclear fará mudanças revolucionárias constantemente. Ele diz que Rutherford frequentemente voltava de Londres dizendo que alguém de um comitê qualquer disse que era um absurdo perder tempo com certas pesquisas sobre o núcleo e que ele deveria se dedicar à Física clássica.

Diante desse fluxo de informações trocadas entre Chadwick e Rutherford, Powell se posiciona: “como se a natureza fosse ‘realmente’ clássica ou que a Física ‘quântica’ fosse uma moda que desapareceria”. Em sua leitura:

O motivo da resistência à pesquisa nuclear é que o pessoal mais velho está tão arraigado na Física clássica que não vê motivo para se esforçar e aprender a Física moderna. Ao menos que haja um aumento na oferta de verba para a Física e outras ciências neste país, nós rapidamente ficaremos atrás dos desenvolvimentos dos EUA e da Rússia.19 19 POWELL. [Caderno de bancada], 10 jan. 1940, p. 143. Trad. livre do autor: “has the Money (£ 500,000) to build an 100” cyclotron to be built in the side of a hill, with control panel ½ mile away. (…) Chadwick understands that nuclear physics will make revolutionary changes in whole evening. He says that Rutherford frequently came back from London saying that somebody on this or that committee had said that it was absurd to be playing about with the nucleus, and that he ought to devote himself to classical physics. (…) as if nature was ‘realy’ [sic] classical o[r] that ‘quantum’ physics was realy [sic] a fashion which would die out. (…) reason for resistance to nuclear research is that some of the older people are entrenched in classical physics and don’t see why they should sweat to learn modern physics. Unless the allocation of money to physical and other sciences in this country is much increased we should begin to fade rapidly behind the developments in the U.S.A and Russia”.

Apesar de Powell, com poucos recursos, construir instrumentos, ele acreditava que a investigação do núcleo exigia verbas de que não havia exemplo no passado, e urgia pela participação do governo inglês, o que já ocorria em outros países, como, nos EUA, onde físicos participavam do Projeto Manhattan emprestando seu conhecimento à produção de um artefato militar.

Com a crescente hostilidade em todo o mundo, quando ocorreram o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, e os torpedeamentos alemães de navios brasileiros atracados em nossa costa ao longo de 1942, Brasil e EUA entraram formalmente no conflito contra os países do Eixo. Em consequência, as pesquisas na USP foram praticamente suspensas para que os físicos brasileiros desenvolvessem o sonar em um projeto secreto junto à Marinha. Wataghin, italiano por escolha, portanto, inimigo do Estado brasileiro, foi proibido de participar deste esforço e destituído da direção do departamento. Ele manteve seu cargo como professor e só não foi expulso do país porque tornou pública sua posição contra a Itália (SILVA; FREIRE, 2014SILVA, Indianara; FREIRE, Olival Jr. Diplomacia e ciência no contexto da Segunda Guerra Mundial: a viagem de Arthur Compton ao Brasil em 1941. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 34, n. 67, p. 181-201, 2014., p. 192-194). Com Occhialini, italiano de nascimento, a situação foi diferente. Apesar de ser um declarado antifascista, assinar documentos contra seu país para manter sua posição na USP poderia gerar consequências fatais contra sua família em solo italiano (OCCHIALINI, 1971aOCCHIALINI, Giuseppe. Giuseppe Occhialini [Entrevista], 5 abr. 1971a. Niels Bohr Library & Archives, American Institute of Physics, College Park, MD, USA. Disponível em: https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/31789-1. Acesso em:21 out. 2021.). Ele preferiu perder seu cargo e viver incógnito, trabalhando como guia nas montanhas do Parque Nacional de Itatiaia, na divisa dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (BUSTAMANTE, 2006BUSTAMANTE, Martha Cecília. Giuseppe Occhialini and the History of Cosmic-ray Physics in the 1930s: from Florence to Cambridge. In: REDONDI, P.; SIRONI, G.; TUCCI, P.; VEGNI, G. (eds.). The Scientific Legacy of Beppo Occhialini. Bologna: Springer-Verlag , 2006. p. 35-52., p. 47).

No ano anterior à entrada brasileira na guerra, César Lattes ingressou como estudante na USP, vivenciando a rotina do departamento de Física em seu ápice. Um dos aspectos de antes da entrada do Brasil no conflito de que ele se recordava era o envolvimento de professores e discentes na construção dos instrumentos utilizados, o que pode ter ajudado a despertar seu interesse pela área experimental.20 20 WATAGHIN para Ellis [Correspondência], 5 out. 1939. Lattes conta que a estrutura do departamento de Física era bastante simples: “Era o Wataghin, o [Mário] Schenberg escrevendo, o [­Marcello] Damy soldando e o Guidolino Bentivoglio, mecânico, trabalhando no torno”.21 21 LATTES. [Entrevista], [s.d.], p. 7. Lattes aprendeu Física consultando artigos originais da biblioteca do departamento e conversando com estudantes que realizavam pesquisas: “O que eu aprendi, eu aprendi fazendo, com os colegas, lendo revistas e tal”.22 22 Ibidem, p. 8. Ver também Tavares, Gurgel e Videira (2020, p. 4). Esse método e ambiente de aprendizagem prezavam pelo contato direto com a natureza. “Nunca vi o Occhialini escrever uma fórmula”, recorda-se Lattes, “era tudo na intuição. Ele até as conhecia, mas nunca entrava em detalhes teóricos”.23 23 LATTES. [Entrevista], [s.d.], p. 14.

Os refugiados alemães que estavam na Inglaterra, entre eles, Heitler, tiveram que deixar a portuária e militarmente estratégica Bristol quando ela foi considerada “área protegida” pelo governo inglês, em junho de 1940,24 24 POWELL. [Caderno de bancada], jun. 1940, p. 177. momento em que teve início a Blitzkrieg aérea alemã. Powell mostrou resiliência. Ele e Isobel, sua esposa, pedalaram mais de 50 quilômetros até cruzarem a fronteira com o País de Gales, levando dois microscópios, para se encontrar com Heitler. Lá, improvisaram um laboratório em um estábulo e continuaram o trabalho de análise dos traços de partículas nas halftones. Antes de sair de Bristol, Powell contratara um grupo de pessoas para analisá-las. Ele conseguiu deixar com a senhorita Lennard, membro deste grupo, um microscópio para que ela trabalhasse em casa. Ao que os registros indicam, supomos que Lennard adoeceu ou foi trabalhar no hospital da cidade, afastando-se de suas funções. Restava a Powell lamentar: “nossa equipe de observadores treinados está, desta forma, completamente dispersa”.25 25 POWELL. [Caderno de bancada], 6 jul. 1940, p. 177. Trad. livre do autor: “our team of trained observers is thus completely disperse”.

Ao registrar a análise, feita na última semana de julho de 1940, de cerca de 1.600 traços de prótons causados por feixes de várias energias, Powell anotou que “experimentos com [feixes de] energias diferentes são para diferenciar os traços de p - d + α”.26 26 POWELL. [Caderno de bancada], 22 a 29 jul. 1940, p. 180-184. Trecho extraído da p. 184. As letras representam próton, deutério e partícula alfa, respectivamente. Trad. livre do autor: “experiments at different energies [are] to distinguish p - d + α tracks”. O acúmulo de observações das identidades visuais dos traços podia levar ao desenvolvimento da habilidade para identificar as partículas que os causavam. O problema é que era grande a incerteza sobre a localização do término do traço na halftone. Ao longo dos registros dessas experiências, Powell deixou testemunhos de suas condições de trabalho: “Aviões alemães passam, ao longo da semana, sobre onde estou instalado para bombardear o Gales do Sul”.27 27 POWELL. [Caderno de bancada], 9 jul. 1940, p. 179. Trad. livre do autor: “German air-craft pass directly over the house on work days in their way to bomb South-Wales”. South-Wales é a região do País de Gales que faz fronteira com Bristol. Por mais que Powell tenha se recusado a participar diretamente do esforço de guerra, ela o alcançava, seja através de bombardeios, seja porque os físicos de Liverpool vinculados ao Tube Alloys, projeto científico militar inglês, queriam estudar colisões provocadas por nêutrons lentos usando chapas fotográficas com o intuito de melhor compreender os processos de fissão nuclear (GALISON, 1997GALISON, Peter. Image and Logic. A Material Culture of Microphysics. Chicago: The University of Chicago Press, 1997., p. 178-186; WEINER, 1972WEINER, Charles. Postwar Nuclear Theory. In: EXPLORING THE HISTORY OF NUCLEAR PHYSICS, Session II, 1967, Brookline. Proceedings of the American Institute of Physics and American Academy of Arts and Sciences Conferences on the History of Nuclear Physics, 1972. p. 197-238., p. 231). O resultado desta aproximação foi que, como veremos, o governo inglês agiu para que a indústria de filme fotográfico solucionasse os problemas para o uso da halftone em Física nuclear.

No Brasil, Occhialini desceu da região montanhosa onde ficou até 1943 e ofereceu na USP um curso sobre o uso da técnica de raios-X em Física, onde o único estudante matriculado foi Lattes (ANDRADE, 2006ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. Occhialini’s Trajectory in Latin America. In: REDONDI, P.; SIRONI, G.; TUCCI, P.; VEGNI, G. (eds.). The Scientific Legacy of Beppo Occhialini. Bologna: Springer-Verlag, 2006. p. 51-70., p. 54),28 28 Nessa situação, Occhialini recebeu uma oferta de bolsa da FR para ir para a Universidade de Ohio, nos EUA, mas preferiu ficar no Brasil e esperar seu salvo conduto para ir para a Inglaterra (GARIBOLDI, 2006, p. XIX). que lembra como foram essas aulas:

O Occhialini finalmente voltou para São Paulo, quando eu estava terminando o curso, em [19]43, e deu início ao curso sobre raios X. Não me deu aula. Somente chegava com filme molhado, que tinha acabado de revelar e dizia: “Destrincha isso aí.” O sujeito tinha que, através de perguntas, entender mais ou menos o que que era. (…) Era um método estranho de ensinar, mas era extremamente rico.29 29 LATTES. [Entrevista], 1976, p. 4 e 5.

Occhialini iniciou, com este curso, o contato com métodos visuais entre físicos brasileiros. Sua relação com Lattes se estreitou e um pouco antes de Occhialini deixar o Brasil em direção à Inglaterra, em 1945, ele se recorda de que:

Eu deixei minha câmara de Wilson montada com o Lattes. Eu ainda lamento ter passado meus últimos dez dias e noites montando esta câmara e deixando-a empacotada quando eu tive que deixar o laboratório [às pressas]. Portanto, quando fui embora, a câmara de Wilson estava funcionando.30 30 OCCHIALINI. [Entrevista], 1971b. Trad. livre do autor: “I had left Lattes my Wilson chamber fully mounted. I had spent — still I do regret — before leaving Brazil I had spent the last ten days and practically all the ten nights in mounting again this Wilson chamber which had been packed up at the moment which I had been obliged to leave the lab. So that when I went away the Wilson chamber was working”.

Lattes diz que ainda precisou fazer ajustes para que ela funcionasse,31 31 WATAGHIN. [Lista contendo gastos das experiências], 1945. É possível ler nesta documentação: “Construção e material para 2 pequenas câmaras de Wilson - Crs$ 1.500,00” e “films e material fotográfico - Crs$ 500,00”. Ainda: “Despesas varias, feitas por C. Lattes - Crs$ 1.500,00”, que, acredito, estão relacionadas aos reparos na câmara deixada por Occhialini. disponibilizando no Brasil o até então principal instrumento para o estudo do núcleo na tradição visual.32 32 Prática de investigação nuclear que surgiu no início do século XX, na Inglaterra, com a invenção da câmara de nuvens por Charles Wilson. A tradição visual usa instrumentos cujos dados produzidos dependem de sua visualização por parte dos físicos (GALISON, 1997). Como as mudanças instrumentais nesse período eram muito rápidas, a câmara ia servir para mostrar sua própria obsolescência alguns meses depois.

Reorganizando os laboratórios no pós-guerra

Com o término da guerra, cientistas estadunidenses foram realocados do Laboratório de Los Alamos, local das instalações do projeto Manhattan no Novo México, para laboratórios de universidades em seu país.33 33 LAWRENCE para Compton, Oppenheimer e Urey. [Correspondência], 11 out. 1945. Compton elaborou os termos gerais para que os jovens cientistas vinculados ao Projeto Manhattan fossem liberados para voltar a seus postos de pesquisa ou continuar seu treinamento científico. COMPTON para o presidente dos EUA. [Correspondência], 5 out. 1945. Lawrence foi mais enfático, salientando que a razão principal na proposta devia ser “fortalecer os recursos científicos da nação na organização de cursos universitários nas várias instituições, (…) através da designação destes homens a vários campi universitários”. Trad. livre do autor: “strengthening the nation’s scientific resources by organization of university courses at the various establishments, (…) by assignment of men to various university campuses”. Robert Serber, Eugene Gardner e Edwin ­McMillan são três exemplos desta iniciativa que receberam convites do Radiation Laboratory, liderado por Lawrence, na Universidade de Berkeley, para trabalhar nos ajustes do cíclotron financiado pela FR. Enquanto Serber assumiu a chefia da divisão teórica, McMillan liderou a adaptação do grande ímã do Laboratório da Universidade de Chicago, usado para a separação de isótopos no Projeto Manhattan, ao cíclotron com o intuito de criar campos magnéticos para orientar as trajetórias das partículas. A Gardner foi dada a chefia da condução dos experimentos e, em 1o novembro de 1946, ele anotou em seu caderno: “11:43pm - conseguimos um feixe”,34 34 GARDNER. [Relatório], 4 nov. 1946. Este documento também indica que Gardner expôs uma câmara de nuvens ao feixe do acelerador para testá-lo. Trad. livre do autor: “11:43pm - we got a beam”. indicando que a máquina estava pronta para ser usada, o que teve início já no dia seguinte. Após quase duas décadas de uso de cíclotrons nos EUA, parece que sua comunidade de físicos estava mais acostumada a fazê-los funcionar com precisão do que a usá-los em pesquisas, sendo necessário, ainda em 1946, oferecer cursos de Física nuclear a parte de seu staff.35 35 CURSO em Física nuclear para engenheiros. [Apostila], maio 1946.

Diante da expectativa pelo fim da guerra e dos contínuos problemas que a halftone criava em suas pesquisas, Powell tentou convencer a Ilford a realizar as mudanças que ele sugeria, mas não teve sucesso: “conversas com a Ilford sobre a melhoria das chapas têm que esperar o fim da guerra”.36 36 POWELL. [Caderno de bancada], 28 jan. 1945, p. 214. Trad. livre do autor: “conversation with Ilford on improved plates - must wait for the end of war”. Após esta recusa da Ilford, Occhialini foi enviado por Patrick Blackett, presidente do comitê científico do novo governo trabalhista inglês, eleito em julho de 1945 (ROCHESTER, 1982ROCHESTER, George Dixon. The Development and Use of Nuclear Emulsions in England in the Years 1945-50. Journal de Physique Colloques, v. 43, n. C8, p. C8-89-C8-90, 1982.), para trabalhar no H. H. Wills, ajudando Powell a aperfeiçoar a halftone.37 37 Occhialini chegou a Bristol em setembro de 1945 (GARIBOLDI, 2006, p. XIX). Occhialini estava em Bristol quando a adição de brometo de prata foi novamente sugerida aos representantes da Ilford. De acordo com suas lembranças: “A segunda parte em Bristol é sobre a vinda do pessoal da Ilford e a discussão a respeito da produção de emulsões que tinham a característica de ser bem mais [densas]. (…) foi feito um pedido de aumento da concentração dos [grãos] de prata”.38 38 OCCHIALINI. [Entrevista], 1971b. Trad. livre do autor: “The second part in Bristol is the coming of the Ilford people and the discussion about the production of more emulsions which had the characteristic of being much more [dense]. (…) it was put forward a plea for increasing the concentration of silver”.

O primeiro teste com a nova halftone melhorada, ou emulsão nuclear (com quatro tamanhos de grãos diferentes, de A a D, e três sensibilidades, de 1 a 3), como passou a ser chamada, ocorreu em 18 de outubro do mesmo ano, quando Powell anotou: “Distribuição mais densa de grãos. Nós a expomos [ao feixe] de partículas alfa e de prótons. (…) Partículas alfa de polônio + estrelas de tório na nova emulsão ‘halftone concentrada’ da Ilford. Grande avanço técnico”.39 39 POWELL. [Caderno de bancada], 18 out. 1945, p. 216. Trad. livre do autor: “Denser grain distribution. We expose to alfa particles and protons. (…) Polonium alfa particles + thorium stars in new Ilford emulsion ‘concentrated half tone’. Great technical advance”. Apesar dos avanços, o trabalho ao microscópio ainda era extenuante: “Fim da varredura! Graças a Deus”,40 40 OCCHIALINI. [Caderno de bancada], [s.d.], [s.p.]. Trad. livre do autor: “End of scan[!] Thank God”. anotou Occhialini após um dia de trabalho. Por conta disso, Powell considerava que as pessoas que atuavam na análise dos traços não podiam ser expostas a estresse. O mínimo sinal de fadiga podia comprometer a capacidade de identificação de um evento. Com isso em mente, Powell criou a função de microscopista para realizar esta etapa da investigação. Via de regra, eram mulheres, relativamente jovens, que repassavam seus achados aos estudantes e físicos recém-formados contratados pelo laboratório (­GALISON, 1997GALISON, Peter. Image and Logic. A Material Culture of Microphysics. Chicago: The University of Chicago Press, 1997.).41 41 A partir de meados de 1939, Powell passou a contratar mulheres, a maioria sem conhecimentos formais em Física (TYNDALL, 1971, p. 557), para compor a equipe que se dedicaria à análise das emulsões. Era o próprio Powell quem treinava essas pessoas para a execução da tarefa. Ao menos uma dessas mulheres, Rosemary Brown, era estudante de Física quando contratada e concluiu sua graduação. A maneira que elas aparecem nos registros chama atenção. L. Mercer, amigo de Powell, fez parte dessa equipe de análise de emulsões em seus primórdios, deixando sobre suas composições, em seu diário, os registros: “C. F. P., Fertel Stobbe and girl” e “Cox, Fertel and the little girl” (apud FRANK; PERKINS, 1971, p. 546) omitindo os nomes das mulheres enquanto indicava os dos homens. Jennifer Light menciona a equipe de mulheres que realizou o trabalho de análise das emulsões no H. H. Wills lembrando que elas não eram vistas em suas identidades individuais, mas, sim, através de nomes coletivos, amalgamados ou pelo do líder do laboratório ou pelos dos instrumentos que usavam. Cecil’s beauty Chorus, scanner girls ou microscopistas eram as denominações usadas à época para identificar as mulheres envolvidas no trabalho de análise de emulsões que escancaram a estrutura de invisibilização então existente (LIGHT, 1999, p. 459). Situação semelhante é encontrada em Dung et al. (2019), que analisam a invisibilização da mulher nas pesquisas em computação biológica. Exemplo de artigo que oferece um panorama sobre a divisão de trabalho na perspectiva de gênero é Robinson (2018), enquanto Rossiter (1980) especifica o tema no campo da ciência. Logo, por mais que Powell tenha desenvolvido o método, ele não passava horas ao microscópio como fizera no passado. No pós-guerra, ele estava inclinado a atuar como administrador científico, já que eram necessários instrumentos com características técnicas que somente alianças com a indústria e o governo podiam prover. Essa dedicação a esferas não necessariamente científicas teve consequências, como o fato de Powell não ter conduzido a calibração das novas emulsões da Ilford.

A presença de Occhialini em Bristol nesse momento foi crucial. Ele havia acabado de receber carta de Lattes, que lhe enviava fotografias obtidas com a câmara de nuvens que o italiano deixara em São Paulo. Em resposta à sua carta, Lattes lembra que Occhialini

me mandou uma foto micrografia que usava a nova “emulsão concentrada”. O Occhialini tinha muita imaginação e a emulsão que o Powell estava usando era aquela comum de fotografia [halftone], na qual os riscos dos prótons tinham de ser olhados com muito cuidado, pois havia muita interferência de fundo. O Occhialini via risco de próton onde não tinha. Então, ele se encheu e foi ao técnico responsável na Ilford. E eles fizeram uma emulsão mais concentrada. (…) Aí sim, dava para ver prótons e tal. Quando recebi essa fotografia, percebi que, com a câmara de Wilson, seria necessário duas mil vezes mais tempo para fazer a mesma coisa.42 42 LATTES. [Entrevista], [s.d.], p. 17.

Junto às microfotografias da emulsão, Occhialini enviou um convite a Lattes para que ele fosse trabalhar no H. H. Wills, o que foi prontamente aceito. Lattes assumiu a responsabilidade de calibração da emulsão B1 assim que chegou à Inglaterra, em fevereiro de 1946. Diante do exposto, podemos nos perguntar: se este instrumento era central para a produção de dados, por que delegar sua calibração a um novato? “Quando cheguei em Bristol”, recorda-se Lattes, “o Powell, que era o dono da bola, tinha deixado a chapa em cima da mesa e o Occhialini[,] com tradição em raios cósmicos[,] estava fazendo scattering (…) em chapas velhas. Quer dizer, não aprendi nada com eles, a não ser inglês”.43 43 LATTES. [Entrevista], 1996, p. 24 e 25.

Ao longo de seu trabalho, Lattes desenvolveu habilidades experimentais para pensar estratégias de detecção de partículas (THOMAS, 2012THOMAS, William. Strategies of Detection: Interpretive Methods in Experimental Particle Physics, 1930-1950. Historical Studies in the Natural Sciences, v. 42, n. 5, p. 389-431, 2012.) usando o mesmo conjunto de instrumentos com o qual Powell trabalhava desde 1937. A diferença é que enquanto Powell os aperfeiçoou tecnicamente, Lattes trabalhou para operá-los com maestria, dando especial ênfase à percepção das formas dos traços ao microscópio. Era do contato entre o observador e o traço que as medidas de seu alcance e a contagem do número de grãos ionizados ao longo de seu comprimento por uma dada área surgiam. Esses eram os dados que iam alimentar as equações. Esta observação era uma habilidade incorporada. Nesta perspectiva, o observador deve ser entendido como a pessoa que desenvolvia uma percepção visual para identificar as características do traço como semelhantes, ou não, à expectativa daquilo que buscava encontrar (FLECK, 1986bFLECK, Ludwik [1935]. Scientific Observation and Perception in General. In: COHEN, Robert; SCHNELLE, Thomas (eds.). Cognition and Facts: Materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel , 1986b. p. 59-78., p. 59-60).

Observando os inobserváveis: percepção e ação de Lattes

Ao longo da primeira metade dos anos 1940, ainda não havia entendimento sobre os mesotrons. Físicos italianos realizaram, em 1945, experiências com contadores Geiger e blocos de ferro magnetizados, e identificaram mesotrons com cargas diferentes. Estes resultados lhes permitiam considerar que um deles seria a partícula observada por Anderson e ­Neddermeyer, em 1937, e, o outro, o heavy quanta de Yukawa (MONALDI, 2005MONALDI, Daniela. Life of μ: The Observation of the Spontaneous Decay of Mesotrons and its Consequences, 1938-1947. Annals of Science, v. 62, n. 4, p. 419-455, 2005.). A natureza destes dados, porém, não lhe dava mais informações. Em Bristol, Lattes adquiria experiência com o uso de microscópios e se familiarizava com a aparência de traços de partículas alfa e prótons ao longo da calibração da emulsão B1 (TAVARES; GURGEL; VIDEIRA, 2020TAVARES, Heráclio; GURGEL, Ivã; VIDEIRA, Antonio Augusto. César Lattes e as técnicas de produção e detecção de mésons: a prática científica como objeto histórico. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 42, p. e20200330-e20200330-23, 2020.). Neste processo, as microscopistas do laboratório de Powell ganhavam proeminência, já que elas eram as responsáveis pela varredura das chapas.

No outono de 1946, Lattes teve a ideia de carregar as emulsões com boro e pediu que Occhialini as expusesse nos Pirineus franceses, no escopo de investigações que o brasileiro fazia sobre a energia do nêutron cósmico, a parte das pesquisas do H. H. Wills. Segundo Lattes, após Occhialini ter voltado com essas emulsões,

uma moça chamada Rosemary Brow encontrou que era fácil de ver a diferença entre o que se conhecia como mesotron na época, que tinha sido descoberto por [Carl] Anderson, [Seth] Neddermeyer. (…) Então é fácil de ver, o méson, ele era bem mais fino, a densidade de grãos variava mais rapidamente e ela era muito mais espalhada.44 44 LATTES. [Entrevista], 1996, p. 12.

As microscopistas faziam o trabalho de identificação a partir de uma expertise adquirida de forma prática, passando as informações aos jovens físicos do laboratório (ver Figura 1), que faziam as medidas seguintes. Havia uma hierarquia na rotina de pesquisa em ­Bristol cujas habilidades para condução não alcançavam os físicos mais experientes. É possível ­observar essa divisão de tarefas nos cadernos usados para o registro das medidas. No de Marieta Kurtz, por exemplo, há entradas de suas varreduras das placas expostas no Pic du Midi por Occhialini.45 45 KURTZ. [Caderno de bancada], [s.d.], [s.p.]. Entre dezembro de 1946 e março de 1947, o grupo de observadores encontrou seis ou sete eventos nestas placas que, hipoteticamente, teriam sido provocados por mesotrons (ver Figura 2). Porém, um destes eventos era bem diferente do que se esperava encontrar. O grupo de Bristol observou um traço causado por uma partícula que, claramente, não havia sido deixado por um próton e também não possuía as características que, supostamente, um mesotron provocaria. Este traço estranho tinha características de uma partícula um pouco mais pesada do que se esperava de um mesotron e, após ter percorrido alguns mícrons, se transformava no traço daquilo que eles estavam chamando de mesotron (Figura 3), que acabou sendo fotografado e publicado (Figura 4).

Figura 1:
The Cosmic Ray Group, 1948-55. É possível ver que o grupo do H. H. Wills é formado em sua maioria por físicos jovens e mulheres, excluindo-se Powell, sentado à extrema esquerda, e Occhialini, sentado na primeira fila, segundo da direita para a esquerda. Lattes está no centro desta foto, sentado na segunda fileira, próximo à senhorita Rosemary Brown, também sentada.

Figura 2:
O evento número 44, com data de 24 de janeiro de 1947, possui ao seu lado o número 5, que o indica como quinto suposto mesotron encontrado, ideia que é reforçada por ele também conter a indicação de que foi fotografado.

Figura 3:
Evento com esta particularidade visual não havia sido observado anteriormente. Ele foi interpretado como o traço completo do decaimento de um mesotron pesado (traço inferior, entrando na emulsão da direita para a esquerda) em um leve. É possível perceber que há uma mudança na espessura dos traços feitos pela observadora, que buscou a semelhança ao que era visto ao longo da trajetória da partícula, que perdia energia conforme avançava sobre os grãos de brometo de prata (processo de ionização) e escurecia uma área (vista como traço) mais larga. Evento número 19.

Figura 4:
Microfotografia do evento estranho (Figura 3) em seu aspecto na emulsão.

Essas foram as primeiras observações do traço completo do então desconhecido decaimento do mesotron pi, o pesado, de Yukawa, no mi, o leve, observado por Anderson e Neddermeyer em 1937. Esta hipótese foi reforçada pelo achado de um evento similar, mas incompleto, pois o traço causado pelo suposto mesotron leve extravasava o limite da emulsão, impedindo a medida completa de seu alcance. Como o grupo de Bristol trabalhava com a suposição de os mesotrons serem produzidos naturalmente na atmosfera, a altitude da exposição da emulsão era importante para sua captura. Lattes procurou um local mais alto do que os cerca de 2.200 metros acima do nível do mar do Pic du Midi, encontrou o monte Chacaltaya, em La Paz, na Bolívia, com cerca de 5.500 metros de altitude, e organizou uma expedição para fazer uma nova exposição.46 46 WATAGHIN para embaixador da Bolívia no Brasil. [Correspondência], 2 jun. 1947. Wataghin agiu junto a autoridades bolivianas para conseguir um voo de ida e volta de São Paulo para La Paz, em junho de 1947, para que Lattes levasse e recuperasse as chapas em Chacaltaya.

A identificação visual de poucos casos de mesotrons era insuficiente para convencer a comunidade científica. Por outro lado, coligir uma quantidade significativa de eventos não era trivial. Isso porque a exposição de emulsões a raios cósmicos não é uma experiência controlável. Somente com o retorno de Lattes para Bristol com as emulsões expostas em Chacaltaya e a realização de um minucioso trabalho de análise ao microscópio que ganhou força a hipótese de que o decaimento do mesotron pesado no leve era um processo fundamental, com a identificação de cerca de mais trinta processos completos. Ao acompanharmos os detalhes dessa etapa da investigação, presentes nas inscrições dos cadernos de bancada da equipe, é possível perceber, pela ausência, uma informação importante. O nome de Isobel Powell, Occhialini, senhoritas Irene Roberts, Margaret Andrews, Marieta Kurtz e o de ­Lattes aparecem constantemente nos registros de medidas e de contagens de grãos. O de Cecil Powell, não.

Quando olhamos com atenção para os detectores utilizados em Berkeley, vemos que os físicos nos EUA começaram a usar emulsões e microscópios no final de 1946, o que mostra que eles, nesse momento, ainda organizavam as condições para usar essa técnica de detecção.47 47 Nos registros do Radiation Laboratory, há vários pedidos de emulsões B1, C1, C2, e D1 feitos à Ilford. O mais antigo tem data de 4 dez. 1946. Gardner solicitou a aquisição de microscópios junto às empresas Silge & Kuhne e Spencer. As requisições de compra estão em: GARDNER. [Pedidos de compra], 4 dez. 1946. Em maio de 1947, Gardner recebeu de Joseph Rotblat, da Universidade de Liverpool, boas referências técnicas do microscópio modelo M.4.000 modificado, produzido pela Cooke, Troughton & Simms, revelando que o estadunidense considerava sugestões dos ingleses. ROTBLAT para Dr. Pickavance. [Correspondência], 24 maio 1947. O modelo M.4000 surgiu em 1945 e foi desenvolvido especialmente para o estudo de partículas carregadas em emulsões nucleares. Ele contava com um ajuste da posição da platina da ordem de mícrons, o que era importante para fornecer precisão às medidas dos rastros ou na contagem de grãos (MUNRO, 1980). Ao longo de 1947, é perceptível em Berkeley, por um lado, a reorientação das pesquisas visando a produção, captura e detecção de mesotrons ao mesmo tempo em que, por outro, eles não tinham ideia de como observá-los. Entendendo o domínio da técnica de análise de emulsões em Bristol, não é difícil perceber por que nos relatórios mensais do grupo de Gardner encontramos passagens como: “Trabalho teórico recente indica que é possível fazer mesotrons com as energias agora disponíveis no cíclotron de 184’’. A seção de choque prevista, no entanto, é tão pequena que os mesotrons podem não estar sendo observados, embora eles estejam sendo produzidos”.48 48 RADIATION LABORATORY, book 9, p. 211. Trad. livre do autor: “Recent theoretical work indicates that there is a possibility of making mesotrons at the energies now available from the 184” cyclotron. The cross section predicted, however, are so small that the mesotrons might not have been observed even though they are being made”. Seção de choque é a probabilidade que uma partícula possui de estar sendo produzida. No final do relatório de dezembro de 1947, o resultado foi o mesmo: “Nenhuma evidência da produção de mesotron foi encontrada até agora”.49 49 RADIATION LABORATORY, book 10, p. 280. Trad. livre do autor: “No evidence of mesotron production has yet been found”.

É notório que havia uma expectativa para o alcance do resultado que gerou a construção da máquina. Para que isso fosse concretizado, no entanto, era necessário não apenas deduzir matematicamente a produção dos mesotrons, mas identificá-los experimentalmente. Esta identificação era feita, em um primeiro momento, através da percepção de formas. Todavia, como identificá-las se os físicos do Radiation Laboratory não possuíam experiência suficiente para formar uma referência visual de traços de outras partículas, como os que eram causados por deutérios e partículas alfa, e, a partir da diferença (FLECK, 1986aFLECK, Ludwik [1929]. On the Crisis of Reality. In: COHEN, Robert; SCHNELLE, Thomas (eds.). Cognition and Facts: Materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986a. p. 47-58.), perceber aquele causado por um mesotron? Além disso, em Berkeley, diferentemente de Bristol, não havia um grupo de pessoas trabalhando exclusivamente ao microscópio.50 50 Lattes diz em entrevista: “Lá [em Berkeley] estava o Gardner que era um ótimo físico, mas que não podia passar mais do que vinte minutos no microscópio e não tinha microscopistas” (LATTES. [Entrevista], 1996, p. 15). Por mais que cartas e manuais sobre o método de detecção nas emulsões circulassem (POWELL; OCCHIALINI, 1947POWELL, Cecil; OCCHIALINI, Giuseppe P. S. Nuclear Physics in Photographs. Tracks of Charged Particles in Photographic Emulsions. Oxford: Clarendon Press, 1947.), a presença humana era necessária para compartilhar o saber corporificado de reconhecimento do mesotron (POLANYI, 1962POLANYI, Michael. Personal Knowledge. Towards a Post-critical Philosophy. London: Routledge, 1962.). Este saber estava disponível àquela época, mas concentrado no grupo de Bristol. Lattes era um dos sujeitos históricos que possuía os atributos para agir como seu portador.

A transferência de Lattes para Berkeley ocorreu em fevereiro de 1948 e esteve ligada a discussões de Lattes com Wataghin e Niels Bohr sobre a então recente sugestão teórica de uso da Energia de Fermi para a produção de mesotrons com o cíclotron (TAVARES; ­GURGEL; VIDEIRA, 2020TAVARES, Heráclio; BAGDONAS, Alexandre; VIDEIRA, Antonio Augusto. Transnationalism as Scientific Identity: Gleb Wataghin and Brazilian Physics, 1934-1949. Historical Studies in the Natural Sciences, v. 50, n. 3, p. 248-301, 2020.). Poucos dias após sua chegada, Lattes identificou mesotrons negativos nas emulsões expostas ao cíclotron. Os registros dos cadernos do Radiation Laboratory dão informações sobre o que sua presença causou de diferente: “Quando Lattes encontrou os primeiros traços de mesotrons no último sábado à noite, a interferência de fundo era muito grande”.51 51 RADIATION LABORATORY, book 13, p. 27. Trad. livre do autor: “When Mr. Lattes found the first mesotron tracks last Saturday night, the background was terrible”. Mesmo em meio ao considerável ruído imagético, Lattes conseguiu identificar os traços de mesotrons, que já eram produzidos antes de sua chegada.

Além de ter disponibilizado este saber ver, Lattes possuía condições de pensar estratégias de detecção usando os aparatos do Radiation Laboratory. O eletroímã, que fora usado para defletir o mesotron negativo, foi pensado por Lattes para criar um campo magnético para direcionar mesotrons negativos e positivos conjuntamente, em um arranjo no qual ambos alcançavam a mesma emulsão.52 52 RADIATION LABORATORY, book 12, p. 154. Há um rascunho feito por Gardner do arranjo experimental sugerido por Lattes para a captura dos mesotrons positivo e negativo. Esse arranjo foi utilizado pela equipe de Gardner e rendeu resultados satisfatórios, sendo diagramado na publicação com o resultado principal (­BURFENING; GARDNER; LATTES, 1949BURFENING, John; GARDNER, Eugene; LATTES, César M. G. Positive Mesons Produced by the 184-Inch Berkeley Cyclotron. Physical Review, v. 75, n. 3, p. 382-387, 1949.). Logo, o físico brasileiro, literalmente, usava o acelerador. “Lattes foi uma das primeiras pessoas no que hoje é a ‘tradição de usuário de aceleradores’ na Física”,53 53 PANOFSKY. [Entrevista], 8 abr. 2004. Trad. livre do autor: “He was one of the early people in what is now the ‘user tradition’ in physics”. relembra Wolfgang Panofsky, que trabalhou com Lattes em Berkeley.

Considerações finais

A impressão que Lattes desenvolveu sobre Powell, em retrospecto, ao longo de seu tempo em Bristol era de que ele “era conservador, preguiçoso mais que conservador, simpaticíssimo, mas preguiçoso”.54 54 LATTES. [Entrevista], 1996, p. 11. Em outra oportunidade, Lattes diz que Powell “não tinha iniciativa. Foi preciso o Occhialini e eu chegarmos lá para tirá-lo de 20 anos de trabalho com emulsões fotográficas que você pode comprar na loja”.55 55 LATTES. [Entrevista], [s.d.], p. 19. Esse conservadorismo era no sentido científico que, nesse caso, remete a um apego desmesurado à pesquisa realizada ainda nos anos 1930. Faltava a Powell o ímpeto para inovar. Entendemos que o adjetivo “preguiçoso” usado por Lattes indica que Powell, apesar de ter percebido o potencial das chapas e criticado os físicos ingleses que não se dedicavam à Física moderna, não se interessava pela realização de novas frentes de trabalho. Sabendo que enquanto a Inglaterra era bombardeada na Segunda Guerra, Powell não parou de analisar chapas fotográficas, o que explica sua mudança de comportamento no pós-guerra?

Mostramos que ocorreu uma reestruturação no laboratório de Powell em 1945. Se no final dos anos 1930, ele trabalhava com poucos colaboradores, em uma lógica artesanal, a situação mudou no pós-guerra, quando houve uma aproximação a uma perspectiva industrial de se fazer Física. Os princípios que passaram a organizar a prática científica eram os mesmos em Bristol e em Berkeley: divisão de tarefas, especialização das funções, numerosa equipe e contratos com setores da indústria. O que emerge desta configuração é uma reorganização não apenas do conhecimento sobre a matéria, mas também da forma de investigá-la. O cientista que concebia a agenda de pesquisa a partir deste momento não era o mesmo que a executava. Isso ajuda a entender porque Powell não realizou a calibração da nova emulsão, já que era uma tarefa manual, cujo domínio gerou a inesperada habilidade de identificação da partícula que causava o traço somente ao olhá-lo, a partir de suas características específicas, sem ter que, para isso, executar medições (TAVARES, 2022). A postura administrativa de Powell lhe custou o domínio das habilidades práticas de pesquisa, o que não o impediu de ganhar o Nobel de 1950, pelo desenvolvimento do método fotográfico que “o” possibilitou descobrir os mesotrons, e não constrangeu o mestre de cerimônias da entrega do prêmio a ler um discurso com trechos escritos na voz passiva para não enunciar quem, de fato, realizou as investigações.56 56 LINDH. [Discurso], 1950.

Enquanto nos EUA ocorreu uma crescente na construção de máquinas de grande porte para o estudo nuclear, com foco no alcance de meios energéticos para produzir colisões, na Inglaterra testemunhamos ações em torno do conjunto de instrumentos, considerando tanto a produção do dado como suas possibilidades de análise. Parece-nos que no estilo de pensamento estadunidense havia uma ideia de pioneirismo aliada a pretensões de grandiosidade, que perpassou o final dos anos 1930 e a década de 1940, com forte cultura material, mas carente de recursos de análise de dados. Os interesses estadunidenses se voltavam mais à exploração comercial e menos à Física, tanto que, desde o final dos anos 1930, já se observava a inexperiência do grupo de Berkeley com detectores (HEILBRON; SEIDEL, 1989HEILBRON, John; SEIDEL, Robert. Lawrence and his Laboratory. A History of the Lawrence Berkeley Laboratory. v. I. Berkeley: University of California Press, 1989., p. 141), apresentando-se, no pós-guerra, como uma defasagem temporal para o desenvolvimento de sua percepção visual na técnica de emulsões, se a compararmos à do grupo de Bristol. Com a entrega da emulsão mais densa pela Ilford em 1945, a produção de dados sofreu uma alteração qualitativa e Powell não acompanhou as possibilidades que o uso de uma rede de laboratórios pelo mundo oferecia. Parece-me pertinente dizer que adotar como referência os valores que regiam a prática estadunidense levou Powell a dar espaço para que um jovem físico brasileiro se apropriasse de seus instrumentos e desenvolvesse habilidades que não existiam à época, incorporando-as.

Tendo em vista que Lattes, através de Wataghin, tinha acesso a laboratórios com instrumentos que podiam compor toolkits capazes de produzir dados sem precedentes sobre a dimensão subnuclear, ele resolveu usar o saber que carregava em outros espaços. Treinado em um ambiente de escassez de recursos instrumentais em São Paulo, o que não impedia a oferta de um ensino teórico sólido, Lattes aprendeu a criar soluções de acordo com a situação em que se encontrava. Foi assim que ele pôs em funcionamento a câmara de Wilson de Occhialini e que percebeu o potencial de produção de dados que a emulsão nuclear possuía ao olhar suas microfotografias. Pensar uma expedição ao coração da América Latina para usar a altitude de Chacaltaya para tensionar a hipótese de decaimento natural dos mesotrons e apostar na previsão teórica da energia de Fermi para produzi-los com o cíclotron, aliada à possibilidade de controlar um campo magnético para direcionar suas trajetórias, representam a maturidade de uma linhagem de pensamento que zelou pelo processo criativo, e perdura até hoje na figura de “usuário” de aceleradores.

Filho de uma escola que tem como marco fundador a circulação por centros científicos que ofereciam condições ideais de pesquisa, Lattes soube usar essa característica a seu favor. Foi a capacidade de percepção das especificidades científicas de diferentes locais, aliada à extrema abertura para mobilidade, que marcaram o estilo de pensamento do físico brasileiro, que, na realidade, era de posse coletiva em São Paulo. Havia uma componente no pensamento experimental de Lattes que o levava à busca constante de soluções quando diante de problemas. Estes, quando surgiam, eram derivados dos novos instrumentos disponíveis. Assim, as soluções que Lattes propôs foram formuladas a partir de relações entre os novos instrumentos, a posse de habilidades para manuseá-los e a antecipação da possibilidade de alcance de dados. Para conjugar esses elementos na Física nuclear, e ocupar um dos lugares principais no surgimento da Física de partículas, o responsável tinha que ser jovem, com excelente educação teórica na Física dos anos 1920 e 1930 e com iniciação profissional nos novos instrumentos do pós-guerra. Não ter vínculos profundos com velhos paradigmas, mas conhecê-los bem, e estar em constante contato com dados sem precedentes permitiram que Lattes percebesse vinculações entre o que já circulava, mas não era apreendido.

Não quero dizer com isso que os mesotrons, que hoje conhecemos como mésons, não seriam observados experimentalmente se não fosse a presença de Lattes. Quero, sim, dizer que no momento em que os mesotrons foram observados, 1947 e 1948, Lattes era o sujeito histórico, talvez o único, que possuía os elementos epistêmicos, tanto teóricos como experimentais, capazes de trazê-los à luz devido às tradições de pensamento e de ação científica às quais se vinculou. Provavelmente, na ausência de físicos da escola de São Paulo, seriam necessários mais alguns meses, ou, quem sabe, anos, para que os mesotrons fossem produzidos e detectados experimentalmente.

Agradecimentos

O desenvolvimento da pesquisa que resultou neste artigo seria impossível sem que eu desfrutasse do ambiente do Instituto de Física da USP, no grupo de Teoria e História dos Conhecimentos, liderado por Ivã Gurgel, a quem sou grato pela acolhida intelectual. Raquel Campos e Antonio Augusto Passos Videira, mais do que críticas à elaboração deste manuscrito, talvez sem perceber, fizeram-se presentes com seus afetos ao longo dos mais de três anos que passei entre São Paulo, Berkeley e Bristol. À FAPESP, agradeço a subvenção do pós-doutorado, processo 2018-05959-8.

Fontes documentais

  • COMPTON, Arthur. [Correspondência]. Destinatário: Ernest Lawrence. 16 set. 1938. Ernest O. Lawrence Papers, BANC MSS 72/117 c; BANC FILM 2248, The Bancroft Library, University of California, Reel 6, carton 4, folder 11: Arthur Compton.
  • COMPTON, Arthur. [Correspondência-rascunho]. Destinatário: Presidente dos EUA. 5 out. 1945. Ernest O. Lawrence Papers, BANC MSS 72/117 c; BANC FILM 2248, The Bancroft Library, University of California, Reel 6, carton 4, folder 11: Arthur Compton.
  • CURSO em Física Nuclear para engenheiros. [Apostila], maio 1946. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Research Group, Research and Development Records and Administrative Files of Eugene Gardner, 1946-1950, box 2, folder 26 [untitled].
  • GARDNER, Eugene. [Relatório]. 4 nov. 1946. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Research Group, Research and Development Records and Administrative Files of Eugene Gardner, 1946 1950, box 1, folder 8: 184” Cyclotron progress reports.
  • GARDNER, Eugene. [Pedidos de compra]. 4 dez. 1946 e outros. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Research Group, Research and Development Records and Administrative Files of Eugene Gardner, 1946-1950, box 2, folder 31 [untitled].
  • KURTZ, Marietta. [Caderno de bancada], [s.d.] Cecil Powell Papers, Special Collections, University of Bristol, DM 1888/ 2/ 15/ 1.
  • LATTES, César. César Lattes [Entrevista], 11 dez. 1976. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 5, documento 5.
  • LATTES, César. César Lattes [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor, 1996. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 5, documento 6.
  • LATTES, César. César Lattes [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor, [s.d.]. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 5, documento 7.
  • LAWRENCE, Ernest. [Correspondência]. Destinatário: Arthur Compton. 19 set. 1938. Ernest O. Lawrence Papers, BANC MSS 72/117 c; BANC FILM 2248, The Bancroft Library, University of California, Reel 6, carton 4, folder 11: Arthur Compton.
  • LAWRENCE, Ernest. [Correspondência]. Destinatários: Arthur Compton, J. R. Oppenheimer e H. Urey. 11 out. 1945. Ernest O. Lawrence Papers, BANC MSS 72/117 c; BANC FILM 2248, The Bancroft Library, University of California, Reel 6, carton 4, folder 11: Arthur Compton.
  • LINDH, A. E. [Discurso]. Discurso de apresentação do agraciado Cecil Powell na cerimônia de entrega do prêmio Nobel de Física de 1950. Dez. 1950. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1950/ceremony-speech/. Acesso em:21 out. 2021.
  • OCCHIALINI, Giuseppe. [Caderno de bancada], sem número de páginas e datas de registros. Abr.-ago. 1945. Cecil Powell Papers, Special Collections, University of Bristol, DM 517/28. Physics notebook 43.
  • OCCHIALINI, Giuseppe. Giuseppe Occhialini [Entrevista], 5 abr. 1971a. Niels Bohr Library & Archives, American Institute of Physics, College Park, MD, USA. Disponível em: https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/31789-1. Acesso em:21 out. 2021.
  • OCCHIALINI, Giuseppe. Giuseppe Occhialini [Entrevista], 18 nov. 1971b. Niels Bohr Library & Archives, American Institute of Physics, College Park, MD, USA. Disponível em: https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/31789-5. Acesso em:21 out. 2021.
  • PANOFSKY, Wolfgang. Wolfgang Panofsky[Entrevista], 8 abr. 2004. Niels Bohr Library & Archives, American Institute of Physics, College Park, MD, USA. Disponível em https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/39783-2 Acesso em:21 out. 2021.
    » https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/39783-2
  • POWELL, Cecil. [Caderno de bancada]. Cecil Powell Papers, Special Collections, University of Bristol, DM 517/76, 1937-1947.
  • RADIATION LABORATORY. [Caderno de bancada]. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Logbooks of Meson detection experiments by Gardner Research Group, 1945-1955, box 5, book 9.
  • RADIATION LABORATORY. [Caderno de bancada]. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Logbooks of Meson detection experiments by Gardner Research Group, 1945-1955, box 6, book 10.
  • RADIATION LABORATORY. [Caderno de bancada]. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Logbooks of Meson detection experiments by Gardner Research Group, 1945-1955, box 6, book 13.
  • RADIATION LABORATORY. [Caderno de bancada]. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Logbooks of Meson detection experiments by Gardner Research Group, 1945-1955, box 7, book 12.
  • ROTBLAT, Joseph. [Correspondência]. Destinatário: Dr. Pickavance. 24 maio 1947. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Research Group, Research and Development Records and Administrative Files of Eugene Gardner, 1946 1950, box 1, folder 6: photoemulsion method of meson detection.
  • THE COSMIC RAY GROUP. [Fotografia], 1948-1955. Cecil Powell Papers, Special Collections, University of Bristol, DM 1137/ A 110.
  • WATAGHIN, Gleb. [Correspondência]. Destinatário: embaixador da Bolívia no Brasil. 2 jun. 1947. Repositório digital do Arquivo do Departamento de Física da FFCL/USP. Disponível em: http://acervo.if.usp.br/index.php/carta-de-gleb-wataghin-ao-embaixador-da-bolivia Acesso em:21 out. 2021.
    » http://acervo.if.usp.br/index.php/carta-de-gleb-wataghin-ao-embaixador-da-bolivia
  • WATAGHIN, Gleb. [Lista contendo gastos das experiências], 1945. Repositório digital do Arquivo do Departamento de Física da FFCL/USP. Disponível em: Disponível em: http://acervo.if.usp.br/index.php/lista-de-gastos-de-experiencias Acesso em:21 out. 2021.
    » http://acervo.if.usp.br/index.php/lista-de-gastos-de-experiencias
  • WATAGHIN, Gleb. [Ofício]. Destinatário: Alfredo Ellis Jr., 5 de out. 1939. Repositório digital do Arquivo do Departamento de Física da FFCL/USP. Disponível em Disponível em http://acervo.if.usp.br/index.php/oficio-de-gleb-wataghin-a-alfredo-ellis-jr Acesso em:21 out. 2021.
    » http://acervo.if.usp.br/index.php/oficio-de-gleb-wataghin-a-alfredo-ellis-jr

Referências

  • ACKERMANN, Robert. Data, Instruments and Theory Princeton: Princeton University Press, 1985.
  • ANDERSON, Carl; ANDERSON, Herbert. Unraveling the Particle Content of Cosmic Rays. In: BROWN, Laurie; HODDESON, Lillian(orgs.). The Birth of Particle Physics Based on the lectures and round table discussion of the International Symposium on the History of Particle Physics, held at Fermilab. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. p. 131-154.
  • ANDERSON, Carl; NEDDERMEYER, Seth. Note on the Nature of Cosmic-ray Particles, Physical Review, v. 51, p. 884, maio 1937.
  • ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. Occhialini’s Trajectory in Latin America. In: REDONDI, P.; SIRONI, G.; TUCCI, P.; VEGNI, G. (eds.). The Scientific Legacy of Beppo Occhialini Bologna: Springer-Verlag, 2006. p. 51-70.
  • BERTONHA, João. Divulgando o duce e o fascismo em terra brasileira: a propaganda italiana no Brasil, 1922-1943. Revista de História Regional, v. 5, n. 2, p. 83-112, 2000.
  • BLAU, Marietta; WAMBACHER, Hertha. Disintegration Processes by Cosmic Rays with the Simultaneous Emission of Several Heavy Particles. Nature, v. 140, p. 585, 1937.
  • BROWN, Laurie; RECHENBERG, Helmut. The Origin of the Concept of Nuclear Forces Londres; Bristol: Institute of Physics Publishing, 1996.
  • BURFENING, John; GARDNER, Eugene; LATTES, César M. G. Positive Mesons Produced by the 184-Inch Berkeley Cyclotron. Physical Review, v. 75, n. 3, p. 382-387, 1949.
  • BUSTAMANTE, Martha Cecília. Giuseppe Occhialini and the History of Cosmic-ray Physics in the 1930s: from Florence to Cambridge. In: REDONDI, P.; SIRONI, G.; TUCCI, P.; VEGNI, G. (eds.). The Scientific Legacy of Beppo Occhialini Bologna: Springer-Verlag , 2006. p. 35-52.
  • DUNG, Samantha Kristin et al Illuminating Women’s Hidden Contribution to Historical Theoretical Population Genetics. Genetics, v. 211, n. 2, p. 363-366, 2019.
  • FLECK, Ludwik. Gênese e desenvolvimento de um fato científico Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.
  • FLECK, Ludwik [1929]. On the Crisis of Reality. In: COHEN, Robert; SCHNELLE, Thomas (eds.). Cognition and Facts: Materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986a. p. 47-58.
  • FLECK, Ludwik [1935]. Scientific Observation and Perception in General. In: COHEN, Robert; SCHNELLE, Thomas (eds.). Cognition and Facts: Materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel , 1986b. p. 59-78.
  • GALISON, Peter. Image and Logic A Material Culture of Microphysics. Chicago: The University of Chicago Press, 1997.
  • GARIBOLDI, Leonardo; TUCCI, Pasquale. Giuseppe Paolo Stanislao Occhialini (1907-1993). A Short Biography. In: REDONDI, P.; SIRONI, G.; TUCCI, P.; VEGNI, G. (eds.). The Scientific Legacy of Beppo Occhialini Bologna: Springer-Verlag , 2006. p. XI-XXXVIII.
  • GEISON, Gerald. The Private Science of Louis Pasteur New Jersey: Princeton University Press, 1995.
  • HEILBRON, John; SEIDEL, Robert. Lawrence and his Laboratory A History of the Lawrence Berkeley Laboratory. v. I. Berkeley: University of California Press, 1989.
  • HUGHES, Jeff. Radioactivists: Community, Controversy and the Rise of Nuclear Physics. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidade de Cambridge, Cambridge, 1993.
  • JOSEPHSON, Paul. Science, Ideology, and the State: Physics in the Twentieth Century. In: NYE, May Jo (ed.). The Cambridge History of Science The Modern Physical and Mathematical Sciences. v. 5. Cambridge: Cambridge University Press , 2002. p. 579-597.
  • KEVLES, Daniel. The Physicists: The History of a Scientific Community in Modern America. Cambridge; Massachusetts; London: Harvard University Press, 1987.
  • KRIEGER, Martin. Doing Physics: How Physicists Take Hold of the World. Indianapolis: Indiana University Press, 1984.
  • LATTES, César; MUIRHEAD, Hugh; OCCHIALINI, Giuseppe P. S.; POWELL, Cecil. Process involving Charged Mesons. Nature, v. 159, p. 694-697, maio 1947.
  • LIGHT, Jennifer S. When Computers were Women. Technology and Culture, v. 40, n. 3, p. 455-483, 1999.
  • MONALDI, Daniela. Life of μ: The Observation of the Spontaneous Decay of Mesotrons and its Consequences, 1938-1947. Annals of Science, v. 62, n. 4, p. 419-455, 2005.
  • MUNRO, John. A History of Vickers Instruments’ Microscopes. Microscopy (Journal of the Queckett Microscopical Club), v. 34, p. 81-101, jul.-dec.1980.
  • POLANYI, Michael. Personal Knowledge Towards a Post-critical Philosophy. London: Routledge, 1962.
  • POMPEIA, Paulus; SOUZA, Marcello Damy; WATAGHIN, Gleb. Showers of Penetrating Particles. Physical Review, v. 59, p. 902-903, 1941.
  • POMPEIA, Paulus; SOUZA, Marcello Damy; WATAGHIN, Gleb. Simultaneous Penetrating Particle in the Cosmic Radiation. Physical Review, v. 57, p. 61, 1940a.
  • POMPEIA, Paulus; SOUZA, Marcello Damy; WATAGHIN, Gleb. Simultaneous Penetrating Particle in the Cosmic Radiation II. Physical Review, v. 57, p. 339, 1940b.
  • POWELL, Cecil; OCCHIALINI, Giuseppe P. S. Nuclear Physics in Photographs Tracks of Charged Particles in Photographic Emulsions. Oxford: Clarendon Press, 1947.
  • ROBINSON, KATHRYN. Sex and Gender Roles, Division of Labor. In: CALLAN, Hilary (ed.). The International Encyclopedia of Anthropology Hoboken: Wiley Blackwell, 2018.
  • ROCHESTER, George Dixon. The Development and Use of Nuclear Emulsions in England in the Years 1945-50. Journal de Physique Colloques, v. 43, n. C8, p. C8-89-C8-90, 1982.
  • ROSSITER, Margaret W. “Women’s Work” in Science, 1880-1910. Isis, v. 71, n. 3, 1980.
  • SANTOS, Paulo Roberto Elian dos; BORGES, Renata Silva; LOURENÇO, Francisco dos Santos. Documentos de arquivo produzidos pela atividade científica: uma análise dos cadernos de laboratório do Instituto Oswaldo Cruz. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 3, p. 1013-1025, 2019.
  • SCHWEBER, Sam. The Empiricist Temper Regnant: Theoretical Physics in the United States 1920-1950. Historical Studies in the Physical and Biological Sciences, v. 17, n. 1, p. 55-98, 1986.
  • SILVA, Indianara; FREIRE, Olival Jr. Diplomacia e ciência no contexto da Segunda Guerra Mundial: a viagem de Arthur Compton ao Brasil em 1941. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 34, n. 67, p. 181-201, 2014.
  • SIME, Ruth. Marietta Blau: Pioneer of Photographic Nuclear Emulsions and Particle Physics, Physics in Perspective, v. 15, n. 1, p. 3-32, 2013.
  • TAVARES, Heráclio; BAGDONAS, Alexandre; VIDEIRA, Antonio Augusto. Transnationalism as Scientific Identity: Gleb Wataghin and Brazilian Physics, 1934-1949. Historical Studies in the Natural Sciences, v. 50, n. 3, p. 248-301, 2020.
  • TAVARES, Heráclio; GURGEL, Ivã; VIDEIRA, Antonio Augusto. César Lattes e as técnicas de produção e detecção de mésons: a prática científica como objeto histórico. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 42, p. e20200330-e20200330-23, 2020.
  • TAVARES, Heráclio. O conhecimento não verbal na história das ciências: o saber-fazer de César Lattes. Estudos Avançados, v. 37, n. 107, p. 253-274, 2023.
  • TAVARES, Heráclio. O historiador, a memória e o arquivo: vestígios de práticas científicas pelo Brasil e EUA. In: TAVARES, Heráclio (org.). Transnacionalismo científico no século XX: cientistas, instrumentos e ideias (Dossiê). Em Construção: arquivos de epistemologia histórica e estudos da ciência, Rio de Janeiro, n. 7, p. 28-36, 2020a.
  • TAVARES, Heráclio(org.). Transnacionalismo científico no século XX: cientistas, instrumentos e ideias (Dossiê). Em Construção: arquivos de epistemologia histórica e estudos da ciência, Rio de Janeiro, n. 7, 2020b.
  • THOMAS, William. Strategies of Detection: Interpretive Methods in Experimental Particle Physics, 1930-1950. Historical Studies in the Natural Sciences, v. 42, n. 5, p. 389-431, 2012.
  • THOMPSON, Norman. The History of the Department of Physics in Bristol-1948 to 1988 Out. 1992. Disponível em:Disponível em:http://www.bristol.ac.uk/physics/media/histories/07-thompson.pdf Acesso em:21 out. 2021.
    » http://www.bristol.ac.uk/physics/media/histories/07-thompson.pdf
  • TYNDALL, Arthur. Early Trajectory of C. F. Powell’s Contribution to the Study of Nuclear Processes by the Photographic Method. (Appendix). In: FRANK, F. C.; PERKINS, D. H. Cecil Frank Powell (1903-1969). Biographical Memoirs of Fellows of the Royal Society, London, v. 17, p. 541-563, 1971.
  • VIEIRA, Cássio Leite. Um mundo inteiramente novo se revelou: uma história da técnica das emulsões nucleares. Tese (Doutorado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia) - Programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
  • WEINER, Charles. Postwar Nuclear Theory. In: EXPLORING THE HISTORY OF NUCLEAR PHYSICS, Session II, 1967, Brookline. Proceedings of the American Institute of Physics and American Academy of Arts and Sciences Conferences on the History of Nuclear Physics, 1972. p. 197-238.
  • 1
    Ludwik Fleck diz que o estilo de pensamento é uma: “percepção direcionada em conjunção com o processamento correspondente no plano mental e objetivo. Esse estilo é marcado por características comuns dos problemas que interessam a um coletivo de pensamento; dos julgamentos, que considera como evidentes e dos métodos, que aplica como meios do conhecimento” (FLECK, 2010, p. 149).
  • 2
    Um nêutron decaindo em um próton, um elétron e um neutrino, respectivamente.
  • 3
    COMPTON para Lawrence. [Correspondência], 16 de set. 1938. Lawrence revela a Compton que realizava tratamento de leucemia em humanos em: LAWRENCE para Compton. [Correspondência], 19 de set. 1938.
  • 4
    Trad. livre do autor: “As this is an instrument which will enlarge the frontier of Science almost beyond belief it should be something epoch-making and will link the names of those connected with it alongside of Newton and Einstein”.
  • 5
    O funcionamento deste equipamento consistia na indução do efeito cascata, que ocorre quando uma partícula carregada se choca com átomos de um gás contido em um tubo metálico a 1/10 da pressão atmosférica, e o ioniza, liberando uma descarga elétrica. Essa descarga é direcionada por um fio metálico, que atravessa o tubo com o gás ionizado, a um aparelho que mede a passagem de corrente elétrica chamado de eletroscópio. Quando um contador Geiger-Müller é sobreposto a outro (para identificar a passagem de uma partícula em uma dada trajetória), diz-se que eles estão em coincidência.
  • 6
    Conhecida também como câmara de nuvens. Seu funcionamento ocorre quando uma partícula carregada passa pelo vapor supersaturado em seu interior (produzido, por exemplo, com álcool) e ioniza as moléculas que estão na sua trajetória, levando as gotículas de álcool à condensação, o que forma um traço ao longo de sua passagem. Os físicos fotografavam e estudavam o comportamento desses traços.
  • 7
    POWELL. [Caderno de bancada], 3 fev. 1938, p. 10 e 41. Vale anotar que os cadernos de laboratório são fontes primárias pouco exploradas na História das Ciências. Existia um regime de escrita científica que obedecia às características industriais que a Física experimental adquiria nos EUA pós-Segunda Guerra. Múltiplas caligrafias, espaços em branco preenchidos com informações coletadas posteriormente e colagens de cartas recebidas de físicos de outros laboratórios dão pistas de que os mesmos cadernos do Radiation Laboratory eram manuseados por vários membros da equipe, servindo ainda como espaço concentrador de sugestões externas (TAVARES; GURGEL; VIDEIRA, 2020, p. 1-5). Os cadernos de Powell do final dos anos 1930 revelam um regime de escrita de uma Física experimental feita com mais características artesanais se comparados aos que ele usou no período imediatamente após a Segunda Guerra. Aqueles cadernos possuem uma escrita autoral, contando apenas com entradas feitas por suas mãos, ultrapassando as descrições das experiências, contendo listas de instrumentos, relatos de conversas com outros físicos, planejamentos de pesquisas etc. Um mesmo caderno servia para registrar tudo o que ocorria no laboratório, fugindo de categorizações que engessam seus conteúdos, como, por exemplo, as de “caderno de protocolo” e “diário”, que aparecem em Santos, Borges e Lourenço (2019). Tais categorizações podem levar historiadores a restringirem suas buscas, supondo que as informações que imaginam existir estão enquadradas nas classificações dadas pelos arquivistas. Pós-Segunda Guerra, havia cadernos específicos para cada um dos físicos e analistas de emulsão, conhecidas como microscopistas, o que indica o crescimento da equipe de Powell. Seus conteúdos estavam restritos às atividades de cada um, revelando uma divisão de tarefas. Reflexões interessantes sobre o uso de cadernos de laborató-rio como fontes históricas podem ser encontradas em Geison (1995), enquanto que um ensaio sobre a busca pelos cadernos do Radiation Laboratory em arquivos pelos EUA está em Tavares (2020a).
  • 8
    POWELL. [Caderno de bancada], 19 a 23 fev. 1938, p. 20 e 21.
  • 9
    POWELL. [Caderno de bancada], 2 jun. 1938, p. 44. Trad. livre do autor: “Why not shot beam a hydrogen protons into film tangentially and investigate range and also, possible scattering [sic.]. Might be possible to get space concentration of grains with high power microscope by focusing”.
  • 10
    Antes de Powell começar a usar chapas fotográficas como detectores, a física austríaca Marietta Blau, ao longo dos anos 1920 e 1930, foi a responsável por retirá-las do ostracismo. Blau listava aspectos técnicos que podiam ser melhorados e os encaminhava à Ilford, companhia que as produzia (VIEIRA, 2009, p. 74). Contudo, Blau não deu prosseguimento às suas investigações, pois alguns de seus colegas no Radium Institute, em Viena, na Áustria, onde trabalhava, a perseguiram, em 1937, por ser judia (SIME, 2013).
  • 11
    POWELL. [Caderno de bancada], 18 jun. 1938, p. 46. Trad. livre do autor: “With the emulsion method it may be possible to look large numbers of tracks in the field of means of the microscope (…). But it may be necessary to examine each track in succession. For absolute values of the scattering the expansion chamber results enable one to estimate the number of tracks by counting the tracks on a relatively few photographs and estimating a mean but with the emulsion method the individual tracks must be counted. The results with the alpha tracks suggest [sic] that it will certainly be possible to obtain spatial sub atoms by the focusing method”.
  • 12
    POWELL. [Caderno de bancada], 29 jun. 1938, p. 48. Trad. livre do autor: “some experiments can certainly be best done by the emulsion technique (…) experiments in nuclear disintegration in which it is necessary only to produce a few disintegrations to obtain the required information. It may be possible to impregnate the emulsion with certain salts without seriously affecting the photographic properties. A photograph will then show all the tracks resulting from the disintegration”.
  • 13
    Ibidem, p. 76. Trad. livre do autor: “Following must be done: 1-Measure number of grains/cm in tracks from alfa particles and from high energy protons obtained with H[igh]. V[olt]. set”.
  • 14
    POWELL. [Caderno de bancada], 15 jan. 1939, p. 76.
  • 15
    POWELL. [Caderno de bancada], 2 out. 1939, p. 129-130.
  • 16
    POWELL. [Caderno de bancada], 17-22 jun. 1939, p. 121-122.
  • 17
    POWELL. [Caderno de bancada], 28 nov. 1939, p. 136.
  • 18
    Trad. livre do autor: “the most fundamental experimental problem that one can formulate at the present time”.
  • 19
    POWELL. [Caderno de bancada], 10 jan. 1940, p. 143. Trad. livre do autor: “has the Money (£ 500,000) to build an 100” cyclotron to be built in the side of a hill, with control panel ½ mile away. (…) Chadwick understands that nuclear physics will make revolutionary changes in whole evening. He says that Rutherford frequently came back from London saying that somebody on this or that committee had said that it was absurd to be playing about with the nucleus, and that he ought to devote himself to classical physics. (…) as if nature was ‘realy’ [sic] classical o[r] that ‘quantum’ physics was realy [sic] a fashion which would die out. (…) reason for resistance to nuclear research is that some of the older people are entrenched in classical physics and don’t see why they should sweat to learn modern physics. Unless the allocation of money to physical and other sciences in this country is much increased we should begin to fade rapidly behind the developments in the U.S.A and Russia”.
  • 20
    WATAGHIN para Ellis [Correspondência], 5 out. 1939.
  • 21
    LATTES. [Entrevista], [s.d.], p. 7.
  • 22
    Ibidem, p. 8. Ver também Tavares, Gurgel e Videira (2020, p. 4).
  • 23
    LATTES. [Entrevista], [s.d.], p. 14.
  • 24
    POWELL. [Caderno de bancada], jun. 1940, p. 177.
  • 25
    POWELL. [Caderno de bancada], 6 jul. 1940, p. 177. Trad. livre do autor: “our team of trained observers is thus completely disperse”.
  • 26
    POWELL. [Caderno de bancada], 22 a 29 jul. 1940, p. 180-184. Trecho extraído da p. 184. As letras representam próton, deutério e partícula alfa, respectivamente. Trad. livre do autor: “experiments at different energies [are] to distinguish p - d + α tracks”.
  • 27
    POWELL. [Caderno de bancada], 9 jul. 1940, p. 179. Trad. livre do autor: “German air-craft pass directly over the house on work days in their way to bomb South-Wales”. South-Wales é a região do País de Gales que faz fronteira com Bristol.
  • 28
    Nessa situação, Occhialini recebeu uma oferta de bolsa da FR para ir para a Universidade de Ohio, nos EUA, mas preferiu ficar no Brasil e esperar seu salvo conduto para ir para a Inglaterra (GARIBOLDI, 2006, p. XIX).
  • 29
    LATTES. [Entrevista], 1976, p. 4 e 5.
  • 30
    OCCHIALINI. [Entrevista], 1971b. Trad. livre do autor: “I had left Lattes my Wilson chamber fully mounted. I had spent — still I do regret — before leaving Brazil I had spent the last ten days and practically all the ten nights in mounting again this Wilson chamber which had been packed up at the moment which I had been obliged to leave the lab. So that when I went away the Wilson chamber was working”.
  • 31
    WATAGHIN. [Lista contendo gastos das experiências], 1945. É possível ler nesta documentação: “Construção e material para 2 pequenas câmaras de Wilson - Crs$ 1.500,00” e “films e material fotográfico - Crs$ 500,00”. Ainda: “Despesas varias, feitas por C. Lattes - Crs$ 1.500,00”, que, acredito, estão relacionadas aos reparos na câmara deixada por Occhialini.
  • 32
    Prática de investigação nuclear que surgiu no início do século XX, na Inglaterra, com a invenção da câmara de nuvens por Charles Wilson. A tradição visual usa instrumentos cujos dados produzidos dependem de sua visualização por parte dos físicos (GALISON, 1997).
  • 33
    LAWRENCE para Compton, Oppenheimer e Urey. [Correspondência], 11 out. 1945. Compton elaborou os termos gerais para que os jovens cientistas vinculados ao Projeto Manhattan fossem liberados para voltar a seus postos de pesquisa ou continuar seu treinamento científico. COMPTON para o presidente dos EUA. [Correspondência], 5 out. 1945. Lawrence foi mais enfático, salientando que a razão principal na proposta devia ser “fortalecer os recursos científicos da nação na organização de cursos universitários nas várias instituições, (…) através da designação destes homens a vários campi universitários”. Trad. livre do autor: “strengthening the nation’s scientific resources by organization of university courses at the various establishments, (…) by assignment of men to various university campuses”.
  • 34
    GARDNER. [Relatório], 4 nov. 1946. Este documento também indica que Gardner expôs uma câmara de nuvens ao feixe do acelerador para testá-lo. Trad. livre do autor: “11:43pm - we got a beam”.
  • 35
    CURSO em Física nuclear para engenheiros. [Apostila], maio 1946.
  • 36
    POWELL. [Caderno de bancada], 28 jan. 1945, p. 214. Trad. livre do autor: “conversation with Ilford on improved plates - must wait for the end of war”.
  • 37
    Occhialini chegou a Bristol em setembro de 1945 (GARIBOLDI, 2006, p. XIX).
  • 38
    OCCHIALINI. [Entrevista], 1971b. Trad. livre do autor: “The second part in Bristol is the coming of the Ilford people and the discussion about the production of more emulsions which had the characteristic of being much more [dense]. (…) it was put forward a plea for increasing the concentration of silver”.
  • 39
    POWELL. [Caderno de bancada], 18 out. 1945, p. 216. Trad. livre do autor: “Denser grain distribution. We expose to alfa particles and protons. (…) Polonium alfa particles + thorium stars in new Ilford emulsion ‘concentrated half tone’. Great technical advance”.
  • 40
    OCCHIALINI. [Caderno de bancada], [s.d.], [s.p.]. Trad. livre do autor: “End of scan[!] Thank God”.
  • 41
    A partir de meados de 1939, Powell passou a contratar mulheres, a maioria sem conhecimentos formais em Física (TYNDALL, 1971, p. 557), para compor a equipe que se dedicaria à análise das emulsões. Era o próprio Powell quem treinava essas pessoas para a execução da tarefa. Ao menos uma dessas mulheres, Rosemary Brown, era estudante de Física quando contratada e concluiu sua graduação. A maneira que elas aparecem nos registros chama atenção. L. Mercer, amigo de Powell, fez parte dessa equipe de análise de emulsões em seus primórdios, deixando sobre suas composições, em seu diário, os registros: “C. F. P., Fertel Stobbe and girl” e “Cox, Fertel and the little girl” (apud FRANK; PERKINS, 1971, p. 546) omitindo os nomes das mulheres enquanto indicava os dos homens. Jennifer Light menciona a equipe de mulheres que realizou o trabalho de análise das emulsões no H. H. Wills lembrando que elas não eram vistas em suas identidades individuais, mas, sim, através de nomes coletivos, amalgamados ou pelo do líder do laboratório ou pelos dos instrumentos que usavam. Cecil’s beauty Chorus, scanner girls ou microscopistas eram as denominações usadas à época para identificar as mulheres envolvidas no trabalho de análise de emulsões que escancaram a estrutura de invisibilização então existente (LIGHT, 1999, p. 459). Situação semelhante é encontrada em Dung et al. (2019), que analisam a invisibilização da mulher nas pesquisas em computação biológica. Exemplo de artigo que oferece um panorama sobre a divisão de trabalho na perspectiva de gênero é Robinson (2018), enquanto Rossiter (1980) especifica o tema no campo da ciência.
  • 42
    LATTES. [Entrevista], [s.d.], p. 17.
  • 43
    LATTES. [Entrevista], 1996, p. 24 e 25.
  • 44
    LATTES. [Entrevista], 1996, p. 12.
  • 45
    KURTZ. [Caderno de bancada], [s.d.], [s.p.].
  • 46
    WATAGHIN para embaixador da Bolívia no Brasil. [Correspondência], 2 jun. 1947. Wataghin agiu junto a autoridades bolivianas para conseguir um voo de ida e volta de São Paulo para La Paz, em junho de 1947, para que Lattes levasse e recuperasse as chapas em Chacaltaya.
  • 47
    Nos registros do Radiation Laboratory, há vários pedidos de emulsões B1, C1, C2, e D1 feitos à Ilford. O mais antigo tem data de 4 dez. 1946. Gardner solicitou a aquisição de microscópios junto às empresas Silge & Kuhne e Spencer. As requisições de compra estão em: GARDNER. [Pedidos de compra], 4 dez. 1946. Em maio de 1947, Gardner recebeu de Joseph Rotblat, da Universidade de Liverpool, boas referências técnicas do microscópio modelo M.4.000 modificado, produzido pela Cooke, Troughton & Simms, revelando que o estadunidense considerava sugestões dos ingleses. ROTBLAT para Dr. Pickavance. [Correspondência], 24 maio 1947. O modelo M.4000 surgiu em 1945 e foi desenvolvido especialmente para o estudo de partículas carregadas em emulsões nucleares. Ele contava com um ajuste da posição da platina da ordem de mícrons, o que era importante para fornecer precisão às medidas dos rastros ou na contagem de grãos (MUNRO, 1980).
  • 48
    RADIATION LABORATORY, book 9, p. 211. Trad. livre do autor: “Recent theoretical work indicates that there is a possibility of making mesotrons at the energies now available from the 184” cyclotron. The cross section predicted, however, are so small that the mesotrons might not have been observed even though they are being made”. Seção de choque é a probabilidade que uma partícula possui de estar sendo produzida.
  • 49
    RADIATION LABORATORY, book 10, p. 280. Trad. livre do autor: “No evidence of mesotron production has yet been found”.
  • 50
    Lattes diz em entrevista: “Lá [em Berkeley] estava o Gardner que era um ótimo físico, mas que não podia passar mais do que vinte minutos no microscópio e não tinha microscopistas” (LATTES. [Entrevista], 1996, p. 15).
  • 51
    RADIATION LABORATORY, book 13, p. 27. Trad. livre do autor: “When Mr. Lattes found the first mesotron tracks last Saturday night, the background was terrible”.
  • 52
    RADIATION LABORATORY, book 12, p. 154. Há um rascunho feito por Gardner do arranjo experimental sugerido por Lattes para a captura dos mesotrons positivo e negativo.
  • 53
    PANOFSKY. [Entrevista], 8 abr. 2004. Trad. livre do autor: “He was one of the early people in what is now the ‘user tradition’ in physics”.
  • 54
    LATTES. [Entrevista], 1996, p. 11.
  • 55
    LATTES. [Entrevista], [s.d.], p. 19.
  • 56
    LINDH. [Discurso], 1950.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2021
  • Aceito
    03 Abr 2022
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org