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Editorial

Editorial

O terceiro número do ano de 2015 chega aos leitores com uma boa e importante notícia: a Revista Brasileira de Estudos da Presença teve seu ingresso recentemente aprovado no sistema Scielo, um dos mais importantes indexadores de publicações acadêmicas da América Latina. Trata-se de um conquista realmente singular, já que o ingresso da Revista no sistema Scielo inscreve o periódico, a partir de agora, em outros espaços qualificados de circulação e, consequentemente, de debate. Trata-se, ainda, de uma importante conquista para a área, pois somos o primeiro periódico na área de Artes Cênicas a ingressar nesse indexador. Assim, além de informarmos sobre a conquista - que agora coloca a Revista em novas esferas de divulgação -, gostaríamos de agradecer aos nossos colaboradores, já que muito desse resultado se mostra como efeito de um trabalho igualmente importante de diálogo e trocas, realizado ao longo dos últimos quatro anos.

A Revista Brasileira de Estudos da Presença traz como tema de destaque a Pesquisa em Artes Cênicas. A seção temática conta com cinco artigos, provindos de diferentes países e, com efeito, com um universo singular e múltiplo de discussão sobre o ato mesmo de fazer pesquisa em Artes Cênicas. De discussões mais de cunho teórico àquelas que se valem de uma abordagem mais pragmática, temos aqui reunidos textos que não apenas apresentam bases de um debate sobre o ato investigativo no/do campo, mas também que visam, igualmente, relançar, de outros modos, abordagens e perspectivas teórico-metodológicas. Para dizer de outra forma, os textos aqui reunidos, menos do que se proporem a servir de meros manuais, convidam-nos a pensar e a, a partir deles, criar.

Assim, o texto de abertura da seção, intitula-se As Dinâmicas Criativas de um Patrimônio Imaterial: a função do processo de transmissão oral no teatro-dança Bharata-Nâtyam em Mysore (Índia), de Katia Légeret, apresenta-nos uma discussão baseada num estudo de caso sobre o estilo Bharata-Nâtyam de Mysore, da Índia. Com base na descrição detalhada e cuidadosa de movimentos, posições e gestualidades, a autora nos apresenta, ainda, um elemento central de sua análise: a observação participante do pesquisador-artista para dar conta da vitalidade de uma herança que aqui depende, de maneira definidora, da criatividade de cada transmissão local e individual, e não das obras ditas acabadas e reconhecidas. Com isso, a autora coloca em discussão, a um só tempo, a herança de um estilo particular (no caso, claro, daquele que se torna aqui mote do texto) e também as formas tão complexas pelas quais certas manifestações merecem ser analisadas.

No texto O Processo BPI e suas Especificidades Epistemológicas, Flavio Campos Correio e Graziela Estela Fonseca Rodrigues apresentam elementos fundamentais do método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI). Nesse sentido, o texto não apenas coloca em discussão, de maneira rigorosa, o histórico de uma metodologia de formação e criação cênica singular, como também debate um conjunto significativo de materiais que, da mesma forma, se voltam para o método BPI no Brasil nos últimos trinta anos. Além de trazer as definições do método BPI, sua singularidade, sua forma de organização, bem como as dimensões que o estruturam, o texto mostra sua potência na medida em que tece, de maneira criteriosa, um conjunto significativo de materiais, abrindo possibilidades variadas de ampliação e desdobramento do tema.

O terceiro texto da seção, de autoria de Isabel Pinto, intitula-se História do Teatro e Performance: a insurreição do arquivo como método. Nele, a autora parte do conceito de arquivo, de Jacques Derrida, propondo o uso da performance como método de pesquisa. Esse movimento investigativo e de pensamento permite à autora outro tipo de interação com as fontes históricas (sobretudo aquelas nas quais se sustenta a História do Teatro). Toda a discussão teórica proposta por Isabel Pinto faz-se inseparável de uma discussão pragmática, nesse caso, de três performances que dinamizam esse movimento investigativo. Essa discussão é feita na tentativa tanto de propor outra vivência do legado cultural que assumimos como, consequentemente, de problematizar o presente e o futuro.

O quarto texto, Sobre a Pesquisa nas Artes: um discurso amoroso, de Victoria Pérez Royo, baseia-se na obra Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Rolland Barthes, para construir, de certa forma, algumas bases ontológicas para proposição de uma nova política de pesquisa artística. Assim, o texto vale-se, de modo criativo e original, das figuras de amor propostas por Barthes como elementos de inteligibilidade das relações entre pesquisador e objeto de estudo. A analogia proposta por Victoria Pérez Royo permite, assim, encontrar parâmetros de qualidade baseados em uma escala de valores diferentes daqueles hoje tão hegemônicos na academia (produtividade, competitividade e inovação).

Por fim, e fechando a seção Pesquisa em Artes Cênicas, temos o texto Entrevistar e Escrever: procedimentos para palavras encarnadas de dança, de Cássia Navas Alves de Castro. O texto toma como ponto de partida uma longa trajetória em pesquisa, na qual vemos articulados exemplos, descrições, propostas e discussões sobre a investigação em dança. Para a análise e a discussão desse tão vasto percurso, o texto assume como foco dois elementos centrais de experiência: aquele da entrevista e o da escrita. Mais do que isso, pensar os métodos de perguntar (inquirir), bem como aqueles de produção de escrita, permite à autora a criação de um modo singular de ampliação do debate sobre métodos, processos e sistemas metodológicos nas artes da cena contemporânea. Efetiva-se, então, por meio da criação conceitual que circula entre os procedimentos do inquirir-se - como a pergunta-stick - e os formatos de sua escritura - como a entre-escritura -, uma contribuição para a discussão sobre caminhos metodológicos oriundos desse mesmo campo do conhecimento.

Além do tema de destaque, este número da Revista Brasileira de Estudos da Presença conta também com outros textos, relativos ao trabalho de divulgação mais amplo das discussões do campo e que nos chegam continuamente.

O texto de Marvin Carlson, intitulado Teatro Pós-dramático e Performance Pós-dramática, traz ao leitor o conceito de teatro pós-dramático tal como formulado pelo teórico alemão Hans-Thies Lehmann. Para isso, o autor toma as obras recentes de vários diretores internacionais relevantes - Ivo van Hove, Punchdrunk, Signa, entre outros -, assumidos como exemplos singulares de performance pós-dramática. Para Marvin Carlson, tais discussões, tal como operadas nessas obras, tensionam, de maneira radical, o conceito tradicional de mimese, bem como o que coloca o universo teatral como construto fictício separado da vida cotidiana e de suas circunstâncias.

O texto Os Estados Tônicos como Fundamento dos Estados Corporais em Diálogo com um Processo Criativo em Dança, de Carolina Dias Laranjeira, busca colocar em debate o conceito de estados corporais na dança a partir de investigações artístico-acadêmicas com as corporalidades e as danças da manifestação popular pernambucana do Cavalo Marinho. Para tanto, a autora vale-se de um trabalho efetivamente pragmático de análise, no qual uma imersão que consiste, a um só tempo, na observação e na aprendizagem da dança fez-se aqui fundamental para a construção de um consistente diálogo com abordagens teóricas sobre gesto e percepção. No texto, os conceitos de pré-movimento e de estados tônicos se mostram de grande valor para a compreensão de um processo criativo fundamentado na relação entre percepção, memória, imaginação, estados e movimentos.

Uma nova Abordagem Psicofísica na Pedagogia Teatral Contemporânea, de Vezio Ruggieri e Lea Walter, tem como objetivo apresentar a forma como as contribuições do modelo psicofisiológico bioexistencialista foi desenvolvida por Vezio Ruggieri e seus colaboradores. O texto assume como elemento central a discussão sobre os processos subjacentes do jogo do ator, como a presença cênica, o processo de identificação com um personagem e o mecanismo complexo da prosódia. Defende-se aqui o modo como esse contexto teórico compõe, de modo inseparável, corpo-mente; mais do que isso, o contexto toma tais dimensões a partir de uma relação circular, sustentada por lógicas que operam com bases fisiológicas da percepção e da imaginação, bem como com o papel fundamental que a estrutura muscular desempenha na construção desses fenômenos.

Por fim, no texto A Construção de Presença e a Cena Teatral Multimidiática: a hegemonia de uma presença imanente, Juarez Nunes e Stephan Baumgartel valem-se de uma discussão sobre a copresença de artistas e espectadores na cena contemporânea. Com base na discussão do problema da expressão em Deleuze e Espinosa, bem como na crítica à produção de sentido em Gumbrecht, os autores desenvolvem o debate sobre dois modos de presença: presença emanativa e presença imanente. A partir dessas discussões, pretende-se aqui pensar sobre um dispositivo multimidiático, com as possibilidades de uma intermidialidade, e sobre seus respectivos efeitos no jogo de imanência e transcendência.

Assim, com esse conjunto significativo de materiais, relativos a experiências tão singulares de investigação e tão originais no sentido de pensar e debater a tarefa mesma de construir pesquisas em artes cênicas, desejamos dar continuidade à tarefa de dinamizar, a partir das mais diferentes proposições, o debate no campo. Desejamos a todos uma boa leitura.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015
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