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O Jogo Ritual e os Estados Alterados de Consciência: os processos psicofísicos no trabalho de criação do ator

RESUMO

Este artigo discute os processos psicofísicos do ator a partir de uma prática laboratorial desenvolvida junto ao Grupo Arkhétypos. A reflexão apresentada é fruto do encontro de dois pesquisadores, um da área de Artes Cênicas e outro da Fisiologia, gerando uma discussão de caráter interdisciplinar sobre o Teatro Ritual. O artigo analisa dois processos de criação vividos pelos autores e propõe uma aproximação com a teoria da hipofrontalidade transitória. O recorte metodológico se estrutura a partir da evidência anedótica e de um rigoroso estudo bibliográfico. Os resultados parciais da pesquisa ajudam a compreender o que acontece com a fisiologia cerebral do ator que adentra ao jogo ritual.

Palavras-chave:
Jogo Ritual; Estados Alterados de Consciência; Neurociência; Processo de Criação; Ator

ABSTRACT

This article discusses the psychophysical processes of the actor from a laboratory practice developed with the Arkhétypos Group. The exposition presented is the result of the meeting of two researchers, one from the Performing Arts area and the other from Physiology, generating an interdisciplinary discussion about the Ritual Theater. This article analyzes two creative processes experienced by the authors and proposes an approximation with the theory of transient hypofrontality. The methodological approach is based on the anecdotal evidence and a rigorous bibliographic study. The partial results of the research help us understand what happens to the cerebral physiology of the actor who enters the ritual play.

Keywords:
Ritual Play; Altered States of Consciousness; Neuroscience; Creation Process; Actor

RÉSUMÉ

Cet article discute les processus psychophysiques de l'acteur à partir d'une pratique de laboratoire développée avec le Groupe Arkhétypos. La réflexion présentée est le résultat de la rencontre de deux chercheurs, l'un du domaine des arts de la scène et l'autre de la physiologie, générant une discussion interdisciplinaire sur le Théâtre Rituel. L'article analyse deux processus créatifs vécus par les auteurs et propose une approximation avec la théorie de l'hypofrontalité transitoire. L'approche méthodologique est basée sur les preuves anecdotiques et une étude bibliographique rigoureuse. Les résultats partiels de la recherche nous aident à comprendre ce qui arrive à la physiologie cérébrale de l'acteur qui entre dans le jeu rituel.

Mots-clés:
Jeu Rituel; États Modifiés de Conscience; Neuroscience; Processus de Création; Acteur

Introdução

O presente artigo nasceu do encontro entre dois pesquisadores de duas áreas de conhecimento e dois tipos de saber diferentes que se articularam e continuam se articulando a partir da prática artística desenvolvida no âmbito do Arkhétypos Grupo de Teatro da UFRN1 1 O Arkhétypos é um Grupo de Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), vinculado ao Departamento de Artes, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Desde sua criação, em 2010, o Grupo atua nas áreas da pesquisa e da extensão, desenvolvendo processos criativos e produzindo espetáculos teatrais que almejam estabelecer proximidade na relação entre a comunidade e o meio artístico-acadêmico. Produziu onze espetáculos, tendo sido tema de cinco projetos de pesquisa, dezessete trabalhos de conclusão de curso, sete dissertações de mestrado e uma tese de doutorado, além de também ser tema de um livro, três capítulos de livro e doze artigos científicos (para maiores informações, pode-se consultar a página do Grupo. Disponível: <https://arkhetyposgrupodet.wixsite.com/arkhetypos>. Acesso em: 01 mar. 2020. . O Grupo trabalha há dez anos sob uma perspectiva ritualística da cena e desenvolveu uma proposta de Teatro Ritual que vem sendo difundida através de publicações e experimentos práticos pelos integrantes e ex-integrantes do mesmo.

A proposta de Teatro Ritual desenvolvida pelo Grupo tem sido fortemente influenciada pelo pensamento do pesquisador polonês Jerzy Grotowski, que propõe um retorno às origens míticas e ritualísticas da cena. A pesquisadora Joice Aglae Brondani (2015)BRONDANI, Joice Aglae (org.). Grotowski: estados alterados de consciência: teatro, máscara, ritual. São Paulo: Giostri, 2015. em seu texto Estados Alterados In/Conscientes vem nos lembrar da importância de Grotowski nos estudos sobre o ritual:

Grotowski trouxe/traz à tona a cultura popular xamânica/ritualística como arte de única qualidade, capaz de elevar o ator e o espectador a um nível categórico que os transportam a um 'espaço' místico/mítico de encontro com o divino - como acontecia nos primórdios do teatro. [...] A partir de Grotowski o ritual passou a ser mais visionado como potência de uma possibilidade de transcendência do/no teatro (Brondani, 2015BRONDANI, Joice Aglae (org.). Grotowski: estados alterados de consciência: teatro, máscara, ritual. São Paulo: Giostri, 2015., p. 146-147).

O Teatro Ritual trabalhado no Grupo Arkhétypos constitui-se como um ato coletivo, cerimonioso, simbólico e performático executado diante e com o público, que torna-se testemunha da ação ritualística: "O Teatro Ritual é um ato de sacrifício, de doação do ator daquilo que há de mais íntimo no seu ser. O Teatro Ritual mobiliza uma série de habilidades do ator, trabalhando os aspetos psíquicos, físicos, emocionais energéticos e simbólicos do ser" (Haderchpek, 2019HADERCHPEK, Robson Carlos. As Epistemologias do Sul e os Saberes Interculturais: teatro, ritual e performance. Anais ABRACE, Campinas, v. 20, n. 1, p. 01-17, 2019., p. 15).

No Teatro Ritual não há separação entre palco e plateia, entre ator e público, e na proposta desenvolvida pelo Grupo Arkhétypos, os atores e o público constituem uma ensemble que partilham de um momento de conexão simbólica, que traz para o foco da cena a reencarnação do mito sob a perspectiva arquetípica do rito. Partindo de uma abordagem artaudiana Cassiano Quilici (2004, p. 46, grifo nosso)QUILICI, Cassiano Sydow. Antonin Artaud: teatro e ritual. São Paulo: Ed. Annablume; Fapesp, 2004., lembra-nos que:

O rito permite recuperar a ideia da ação teatral como um 'acontecimento' que envolve e inclui artistas e público, instaurando uma nova realidade, que deve desestabilizar os padrões de percepção e as representações já cristalizados. [...] O teatro ritual se opõe ao teatro como espetáculo, rompendo a distância que institui o espectador.

O caráter de celebração do Teatro Ritual desenvolvido pelo Grupo Arkhétypos envolve os seus participantes num momento de comunhão, possibilitando assim, a afirmação de uma identidade coletiva que reverbera no indivíduo e permite-lhe um processo de reflexão acerca de si e dos seus atos simbólicos:

O Teatro Ritual tem se mostrado como uma forma de resistência nestes tempos em que estamos vivendo porque ele trabalha uma dimensão do ser que nos vem sendo negada, vilipendiada: a nossa dimensão pessoal, íntima, espiritual, dimensão esta que nos diferencia enquanto seres únicos, mas que nos aproxima enquanto seres comunitários, pertencentes e interdependentes (Haderchpek, 2019HADERCHPEK, Robson Carlos. As Epistemologias do Sul e os Saberes Interculturais: teatro, ritual e performance. Anais ABRACE, Campinas, v. 20, n. 1, p. 01-17, 2019., p. 15).

Vários grupos no Brasil trabalham sob a perspectiva de um teatro ritualístico, dentre eles podemos citar o Grupo de Teatro Ói Nóis Aqui Traveiz, do Rio Grande do Sul, o Grupo Totem, de Pernambuco, o Grupo Sonhus Teatro Ritual, de Goiás e o Grupo Tabihuni, do Amazonas, cada qual com o seu recorte, cada qual com a sua pesquisa de linguagem e cada qual com uma proposta estética. No caso da pesquisa desenvolvida pelo Grupo Arkhétypos no Rio Grande do Norte, os aspectos ritualísticos da cena estão voltados para o processo de feitura, ou seja, para as práticas laboratoriais executadas durante o processo de criação:

Os laboratórios se constituem excelentes espaços para se trabalhar os aspectos humanos e emocionais do ator, contudo, o objetivo final do processo, que traz em si um caráter de revelação não é apenas terapêutico. O objetivo do processo é criar um resultado artístico, que evidencie a sua completude, que considere cada etapa do processo e que seja autêntico justamente por isso. Daí torna-se fundamental a organização do material cênico e a criação de uma dramaturgia (Haderchpek, 2016HADERCHPEK, Robson Carlos. A Dramaturgia dos Encontros e o Jogo Ritual: revoada e a conferência dos pássaros. Revista Encontro Teatro, Goiânia, n. 3, p. 38-58, 2016., p. 52-53).

Assim, seguimos buscando trabalhar este aspecto transcendente do teatro ritualístico a partir da prática laboratorial. Entretanto, desde 2017 com essa aproximação entre os dois pesquisadores e autores deste texto, em muitos momentos nos perguntamos: o que há para além da imersão laboratorial? O que de fato acontece com a atividade cerebral do ator2 2 Ao longo deste artigo empregaremos o uso da terminologia ator para designar o trabalho do ator/performer/bailarino que atua dentro do Teatro Ritual. Às vezes no fluxo da escrita utilizaremos variações do termo como ator/performer, mas esclarecemos que o nosso objetivo aqui é a análise do fenômeno psicofísico e não a discussão da terminologia, portanto, faz-se mister elucidar que todas as três formas empregadas no texto referem-se ao participante do jogo ritual. durante os movimentos realizados? Quais são os processos psíquicos que são ativados a partir desta prática laboratorial de natureza ritualística? O ator/performer/bailarino tem algum controle sobre esses processos ou eles acontecem de modo totalmente inconsciente?

Porém, antes de iniciarmos nosso diálogo sobre o assunto é importante salientar que um dos autores não havia tido qualquer outra experiência ou participação no Teatro Ritual antes do que será mencionado no decorrer desse texto. Ele advém das Ciências da Saúde, campo de conhecimento quantitativo que considera os dados estatísticos como principal fonte de comprovação científica, considerando pouco as percepções dos sujeitos envolvidos na experiência, algo bastante comum no campo das Artes, por isso, a construção de cada fase dos processos de criação artística também passou por um processo de reconstrução individual.

Assim, todo o desenvolvimento deste ator/performer enquanto artista se desdobrou em um processo constante de autoconhecimento, negação e afirmação. Esse processo de experimentação foi a base para formação de um entrelaçado de áreas de conhecimentos que se unem para formar uma nova visão acerca dos processos psicofísicos analisados pelos autores para justificar as percepções individuais vivenciadas, por uma ótica subjetiva, porém pautada nas explicações neurocientíficas que pudessem relacionar-se e dar à luz a cada experimentação anotada em nossos diários de bordo durante os processos de criação expostos a seguir.

Convém destacar, no entanto, que a metodologia de criação do Grupo Arkhétypos tem sido difundida através de livros3 3 Aqui citamos os livros: Haderchpek (2017a); e Hauser-Dellefant (2019). , artigos e pesquisas de mestrado e doutorado. Os elementos construtivos da metodologia ora apresentada são a poética dos elementos (Vargas; Haderchpek, 2017VARGAS, Rocio del Carmen Tisnado; HADERCHPEK, Robson Carlos. O Sul Corpóreo e a Poética dos Elementos: práticas para a descolonização do imaginário. Revista ILINX, Campinas, n. 10, p. 77-87, 2017.; Haderchpek, 2017bHADERCHPEK, Robson Carlos. A Poética dos Elementos e a Imaginação Material nos Processos de Criação do Ator: Diálogos Latino-Americanos. In: MEMÓRIA ABRACE XVI - CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS, 9., 2017, Uberlândia. Anais... Uberlândia: UFU, 2017b. p. 2645-2664.), a dramaturgia dos encontros (Haderchpek, 2016HADERCHPEK, Robson Carlos. A Dramaturgia dos Encontros e o Jogo Ritual: revoada e a conferência dos pássaros. Revista Encontro Teatro, Goiânia, n. 3, p. 38-58, 2016.; 2019HADERCHPEK, Robson Carlos. As Epistemologias do Sul e os Saberes Interculturais: teatro, ritual e performance. Anais ABRACE, Campinas, v. 20, n. 1, p. 01-17, 2019.; Coutinho; Haderchpek, 2019COUTINHO, Karyne Dias; HADERCHPEK, Robson Carlos. Pedagogia de Si: poética do aprender no teatro ritual. Revista de Pesquisa em Artes, Natal, v. 6, n. 1, p. 01-21, 2019.) e o jogo ritual (Haderchpek, 2015HADERCHPEK, Robson Carlos. O Ator, o Corpo Quântico e o Inconsciente Coletivo. Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, p. 119-135, 2015.; 2018HADERCHPEK, Robson Carlos. O Jogo Ritual e as Pedagogias do Sul: práticas pedagógicas para a descolonização do ensino do teatro. Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, p. 55-65, 2018.; 2019HADERCHPEK, Robson Carlos. As Epistemologias do Sul e os Saberes Interculturais: teatro, ritual e performance. Anais ABRACE, Campinas, v. 20, n. 1, p. 01-17, 2019.; Almeida; Haderchpek, 2020ALMEIDA, Saulo Vinícius; HADERCHPEK, Robson Carlos. O Axis Mundi e o Jogo Ritual: Deslocamento da realidade imanente para se alcançar a Hierofania. Urdimento, Florianópolis, v. 2, n. 38, p. 01-25, set. 2020. ), sendo este último, o foco da nossa análise neste artigo.

Dessa forma, para tratar sobre esse entrelaçado de conhecimentos e sua relação com o teatro ritualístico desenvolvido dentro do grupo, traremos uma evidência anedótica dessas vivências a partir das experiências pessoais dos autores4 4 Nas experiências citadas, um dos autores atuou como diretor do processo, e o outro como ator/performer. Aquele que dirigiu os processos possui Graduação, Mestrado e Doutorado na área de Artes Cênicas, é professor do Curso de Teatro da UFRN e fundador do Grupo Arkhétypos e aquele que atuou como ator/performer é professor do Curso de Dança da UFRN, com Graduação em Fisioterapia, Especialização em Neuroreabilitação, Mestrado em Educação Física e Doutorado na área de Saúde Coletiva. desse texto, evidência essa elaborada durante os processos de criação ora analisados. Ademais, utilizaremos como base para tal os referenciais teóricos sobre o processo de criação publicados pelo Grupo Arkhétypos, assim como faremos um paralelo com outras referências do campo de pesquisa da neurociência e psicobiologia para apresentar uma hipótese teórica através da qual podemos deduzir o que se passa com um performer que adentra aos estados alterados de consciência nas práticas do jogo ritual.

Laboratórios de Criação do Jogo Ritual: análise das experiências

Após duas experiências conjuntas no Grupo Arkhétypos, os pesquisadores e autores deste texto decidiram partilhar as reflexões decorrentes desse encontro em forma de artigo. A primeira experiência aqui citada trata-se do processo de montagem do trabalho Mi Casa su Casa5 5 Mi casa su casa é uma novela cênica encenada em três capítulos: La Familia, El día que me quiera, e La Revelación. A trama é inspirada na lenda da Lhorona, uma lenda trágica que percorre toda a América Latina. O espetáculo encenado em três dias distintos traz um si uma pesquisa sobre ancestralidade, sobre o dia de Mortos celebrado no México. O processo de criação do espetáculo teve duração de um ano, com laboratórios de criação semanais. O trabalho estreou no Departamento de Artes da UFRN nos dias 03, 04 e 05 de dezembro de 2018. Para maiores detalhes consultar a página do Grupo. Disponível em: <https://arkhetyposgrupodet.wixsite.com/arkhetypos/mi-casa-su-casa>. Acesso em: 01 mar. 2020. , novela cênica apesentada em três capítulos desenvolvidos a partir de uma prática laboratorial denominada de jogo ritual:

No nosso caso, como trabalhamos na perspectiva do Teatro Ritual, nós criamos num limiar entre a dança e o teatro, entre o teatro e a música e entre todos estes e o ritual, por isso o termo 'jogo ritual' tem refletido a nossa busca cênica e a nossa proposta pedagógica. O 'jogo ritual' retoma a origem primitiva do jogo e o coloca numa categoria anterior à divisão entre jogo dramático e jogo teatral (Haderchpek, 2018HADERCHPEK, Robson Carlos. O Jogo Ritual e as Pedagogias do Sul: práticas pedagógicas para a descolonização do ensino do teatro. Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, p. 55-65, 2018., p. 61).

O jogo ritual em si se dá por meio de uma prática laboratorial de criação cênica guiada pelo viés do simbólico, do lúdico e do inconsciente. Quando trabalhamos com o jogo ritual nós não trabalhamos com uma lógica linear, trabalhamos a partir dos estados alterados de consciência:

No Jogo Ritual, tanto o ator como o público operam a partir de estados alterados de consciência, e tal preceito atua como um facilitador no processo de ressignificação do espaço. Operando a partir desta relação com o inconsciente e com o imaginário, o espaço da sala de ensaio ou da apresentação ganham um novo sentido. No Jogo Ritual o espaço-tempo não é linear e as espacialidades se sobrepõem (Almeida; Haderchpek, 2020ALMEIDA, Saulo Vinícius; HADERCHPEK, Robson Carlos. O Axis Mundi e o Jogo Ritual: Deslocamento da realidade imanente para se alcançar a Hierofania. Urdimento, Florianópolis, v. 2, n. 38, p. 01-25, set. 2020. , p. 10).

No livro Grotowski: estados alterados de consciência: teatro, máscara e ritual (2015) organizado por Joice Aglae Brondani (2015)BRONDANI, Joice Aglae (org.). Grotowski: estados alterados de consciência: teatro, máscara, ritual. São Paulo: Giostri, 2015. há um capítulo intitulado A Arte do Ator e a Possessão: Os Estados Alterados de Consciência (ASC) nas suas inter-relações com o Teatro, escrito pelo professor e pesquisador Giuliano Campo da Universidade de Ulster na Irlanda do Norte. Neste capítulo o pesquisador menciona 14 tipos de transe e alguns deles estão diretamente relacionados com os estados alterados de consciência do trabalho do ator.

Analisando a proposta do citado autor, identificamos que as práticas do Grupo Arkhétypos estão em sua maioria relacionadas com o transe avançado de segundo tipo, onde o sujeito adota uma postura ativa dentro do jogo e "[...] é dirigido por um guia que o conduz a um estado de transe físico e, ao mesmo tempo, mental, gradualmente" (Campo, 2015CAMPO, Giuliano. A Arte do Ator e a Possessão: os estados alterados de consciência (ASC) nas suas inter-relações com o teatro. In: BRONDANI, Joice Aglae (org.). Grotowski: estados alterados de consciência: teatro, máscara, ritual. São Paulo: Giostri, 2015. P. 52-143., p. 87).

Esse estado de transe físico conecta o ator/performer com os seus pulsos e impulsos, contraindo e dilatando o seu corpo e a sua consciência e criando uma fricção entre o mental e o físico, entre o interno e o externo, sempre numa perspectiva de reorganização do espaço-tempo.

No caso da novela cênica Mi Casa su Casa acontecia exatamente isso, durante os laboratórios de criação os atores/performers atuavam a partir de estados alterados de consciência e ressignificavam simbolicamente a dimensão do espaço-tempo, indo e vindo nos tempos da memória, do devaneio e da realidade. Vejamos a Figura 1 a seguir:

Figura 1
Jason Gabriel, Leônidas de Oliveira, Valéria Chaves e Yogi Brito no espetáculo Mi Casa su Casa, Brasil, 2018.

A segunda experiência foi a residência artística Juego Ritual y Ancestralidad6 6 A residência artística buscou investigar o ritual do Día de Muertos no México e foi promovida conjuntamente por três instituições: 1) o Instituto de Estudios Superiores en Artes Escénicas de Oaxaca (IESAEO), representado pela atriz e professora mexicana Rocío del Carmen Tisnado Vargas e pelos estudantes Bety Robles Reyes, Betsy Gina Montes e Galaxis Maldonado; 2) a Licenciatura em Teatro do Centro Moralense de las Artes (CMA), representada pelo artista e professor chileno Javíer Díaz Dalannais; e 3) o Arkhétypos Grupo de Teatro da UFRN, representado por quatro de seus integrantes, todos brasileiros: o diretor do grupo, Robson Haderchpek, professor do Departamento de Artes; Karyne Dias Coutinho, professora do Centro de Educação; Leônidas Oliveira Neto, professor do curso de Dança; e Ana Clara Veras, licencianda em Teatro. que resultou na performance ritualística Encontros Ancestrais Cempasúchil, apresentada no México em 2018 com artistas do Brasil, do México e do Chile (Figura 2).

Figura 2
Galaxis Maldonado, Karyne Dias Coutinho, Bety Robles Reyes, Rocio del Carmen Tisnado Vargas, Betsy Gina Vargas e Leônidas Oliveira Neto na Performance Ritualística Encontros Ancestrais Cempasúchil, México, 2018.

Nos dois processos de criação supracitados, fomos introduzidos em temáticas de discussão sobre a cultura mexicana, em especial, a visão/crença que os povos originários do México mantêm sobre a vida após a morte e sua relação com a vida dos seus descendentes. Segundo a crença mexicana, nós temos duas mortes: a primeira é nossa morte carnal em terra, a segunda é quando deixamos de ser lembrados em terra e, então, deixaremos de existir também no plano espiritual.

Compreendido isso e tomando como ponto de análise o trabalho do ator/performer, fomos estimulados a buscar imagens, gravuras ou figuras que pudessem desenvolver alguma relação que resgatasse as memórias dos nossos ancestrais, podiam ser fotos dos parentes já falecidos ou até mesmo imagens que fizessem um paralelo com algum sentimento que acordasse memórias sobre os nossos ancestrais. No caso específico de um dos autores deste texto, a imagem escolhida para o processo do Mi Casa su Casa foi a de um momento de conexão com o seu filho, e a imagem escolhida para a residência artística no México foi a de um pai ausente.

Vejamos as duas imagens (Figura 3 e Figura 4):

Figura 3
O Pai. Foto: Registrada por Leônidas de Oliveira Neto e utilizada como parte do processo artístico do teatro ritual.

Figura 4
Conexão com o Filho. Foto: Registrada por Leônidas de Oliveira Neto e utilizada como parte do processo artístico do teatro ritual.

A partir das vivências decorrentes dessas experiências, pudemos refletir sob os aspectos psicofísicos do processo de criação do ator, usando como aporte, os dois processos de criação, a percepção dos sujeitos envolvidos nas práticas cênicas e a capacidade de análise dos pesquisadores, tomando como base suas respectivas áreas de formação: as artes cênicas e a neurociência, sempre enfatizando os processos psíquicos do ator.

Dito isso, convidamos o leitor a embarcar conosco nesse processo de conversão dos processos ritualísticos para a criação de uma nova compreensão sobre uma perspectiva psicofísica do Teatro Ritual, um teatro feito a partir da relação íntima do ator consigo mesmo e com o seu imaginário, e que se inicia com uma busca pelo universo simbólico das temáticas pesquisadas. Em nossos processos de criação sempre partimos de uma temática que é trabalhada pelo viés do inconsciente. Assim, o ator deve escolher uma imagem, figura ou gravura; algo que remeta às características oníricas que de alguma forma fazem relação com a proposta que será desenvolvida no jogo ritual.

Perspectivas Psicofísicas do Processo de Criação: estímulos a partir de símbolos

Como apresentado anteriormente, o início do processo de criação dos atores se dava pela escolha de uma imagem, e essa seria a desencadeadora de uma série de movimentos e emoções, permitindo ao ator um mergulho em determinado universo simbólico. Iniciar os estímulos na busca por essa imersão em uma realidade ficcional a partir de estímulos simbólicos nos parece uma via de acesso absolutamente plausível, visto que a reflexão sobre o uso de símbolos e metáforas promove a conexão entre o consciente e o inconsciente (Gunnarsson; Eklund, 2009GUNNARSSON, A. Birgitta; EKLUND, Mona. The Tree Theme Method as an intervention in psychosocial occupational therapy: client acceptability and outcomes. Australian Occupational Therapy Journal, Carlton, v. 56, n. 3, p. 167-176, 2009. ; Hanes, 1997HANES, Michael Joseph. Utilizing the circus phenomenon as a drawing theme in art therapy. The Arts in Psychotherapy, Amsterdam, v. 24, n. 4, p. 375-384, 1997.; Isaksson; Norlén; Englund; Lindqvist, 2009ISAKSSON, Cristine; NORLÉN, Ann-Katrin; ENGLUND, Birgitta; LINDQVIST, Rafael. Changes in self-images as seen in tree paintings. The Arts in Psychotherapy, Amsterdam, v. 36, p. 304-312, 2009.; Martin, 1997MARTIN, Elaine. The symbolic graphic life-line: Integrating the past and present through graphic imagery. Art Therapy, Mundelein, v. 14, n. 4, p. 261-267, 1997.; McNamee, 2004MCNAMEE, Carolee M. Using both sides of the brain: experiences that integrate art and talk therapy through scribble drawings. Art Therapy, Mundelein, v. 21, n. 3, p. 136-142, 2004.; Meijer-Degen; Lansen, 2006MEIJER-DEGEN, Fiety; LANSEN, Johan. Alexithymia - A challenge to art therapy. The Story of Rita. The Arts in Psychotherapy, Amsterdam, v. 33, p. 167-179, 2006.). Assim, é possível hipotetizar o porquê? que os processos criativos artísticos se comunicam de forma simbólica ou metafórica e dão forma a experiências não verbalizadas, emoções ou fantasias externalizadas ou não pelos atores/performers.

Após a escolha dessa imagem7 7 Vale ressaltar que tanto no processo de criação do espetáculo Mi Casa su Casa como na residência artística Juego Ritual y Ancestralidad as imagens dialogaram com a temática da ancestralidade e foi por isso que escolhemos fazer uma aproximação entre as duas experiências. que seria utilizada na construção dos espetáculos, o ator, o performer ou o bailarino era estimulado a transportar essa imagem para o corpo deixando que ela encontrasse o seu fluxo. Quais sentimentos essa imagem nos trazia? Quais cheiros, cores e gostos ela nos fazia lembrar? Todo esse universo simbólico era constantemente estimulado a ser resgatado enquanto nos movíamos intensamente.

Expressar pensamentos, sentimentos e experiências em cores, formas e símbolos oferece uma oportunidade de contar a história de alguém e promover um entendimento de si mesmo na situação atual da vida (Gunnarsson; Eklund, 2009GUNNARSSON, A. Birgitta; EKLUND, Mona. The Tree Theme Method as an intervention in psychosocial occupational therapy: client acceptability and outcomes. Australian Occupational Therapy Journal, Carlton, v. 56, n. 3, p. 167-176, 2009. ; Gunnarsson; Jansson; Eklund, 2006GUNNARSSON, A. Birgitta; JANSSON, Jan-Ake; EKLUND, Mona. The Tree Theme Method in psychosocial occupational therapy: a case study. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, Oslo, v. 13, n. 4, p. 229-240, 2006.; Henderson; Rosen; Mascaro, 2007HENDERSON, Patti; ROSEN, David; MASCARO, Nathan. Empirical study on the healing nature of mandalas. Psychology of Aesthetics, Creativity and the Arts, New York, v. 1, n. 3, p. 148-154, 2007.; Luzzatto; Sereno; Capps, 2003LUZZATTO, Paola; SERENO, Valerie; CAPPS, Roy. A communication tool for cancer clients with pain: the art therapy technique of the body outline. Palliative and Supportive Care, Cambridge, v. 1, p. 135-142, 2003.; Monti et al., 2006MONTI, Daniel A. et al. A randomized, controlled trial of mindfulness-based art therapy (MBAT) for women with cancer. Psycho-Oncology, Chichester, v. 15, n. 5, p. 363-373, 2006.; Trombetta, 2007TROMBETTA, Robert. Art therapy, men and the expressivity gap. Art Therapy, Mundelein, v. 24, n. 1, p. 29-32, 2007.). Assim, cada vez que um ator/performer escolhia algum símbolo, alguma cor, ele expressava algum sentimento ou pensamento, ainda que simbolicamente, e criava uma possibilidade de canal de abertura do seu mundo interior com o meio externo; e de alguma maneira aquilo falava muito sobre quem nós éramos, implicitamente ou explicitamente. Saber disso e pensar sobre isso talvez tenha sido a principal barreira inicial para o processo de criação, pois nós éramos alimentados por questões que nos fizeram refletir Quem dos tantos eus eu quero externalizar aqui hoje?, Vou ficar com vergonha do que eu vou externalizar?, O que o público que assistir ao espetáculo irá pensar sobre esse eu que está sendo apresentado?.

Essa informação é de suma importância para que o leitor compreenda a natureza do processo, pois se o ator e/ou o bailarino não adentrar o universo mágico-simbólico do jogo ritual ele não acontece, e estamos tratando aqui de um estado alterado de consciência, ou um tipo de transe consciente:

De fato não há uma perda da consciência, o que acontece é uma imersão tão grande do ator/bailarino nessa suspensão do tempo que ele deixa de seguir a sua lógica convencional cotidiana e passa a adotar uma lógica ficcional, uma lógica ancestral, que transcende a ideia da personalidade, do eu interior e atinge uma dimensão arquetípica, universal (Haderchpek, 2018HADERCHPEK, Robson Carlos. O Jogo Ritual e as Pedagogias do Sul: práticas pedagógicas para a descolonização do ensino do teatro. Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, p. 55-65, 2018., p. 61).

No próximo tópico retomaremos essa questão da lógica ancestral a partir dos estudos da liminaridade propostos por Victor Turner (1974)TURNER, Victor W. O Processo Ritual: estrutura e anti-estrutura. Tradução de Nancy Campi de Castro. Petrópolis: Vozes, 1974., contudo, por ora, o que nos interessa é entender que dentro do jogo ritual o ator/performer passa a agir partir de uma lógica não convencional, quebrando com as leis, normas e padrões da realidade cotidiana.

Diluindo o Autojulgamento como Porta para a Imersão num Estado Alterado de Consciência

Para participar deste jogo ritual proposto durante os processos de criação dos espetáculos nós tínhamos primeiramente que nos desnudar de quaisquer preconceitos, medos, receios e pré-julgamentos. E talvez uma das nossas primeiras barreiras tenha sido a racionalização constante de todos os movimentos e sentimentos percebidos. Questões como Estou me movimentando como gostaria de ser observado?, Por que escolhi movimentar essa parte do corpo?, perseguiam-nos constantemente, como uma voz interior que pudesse nos julgar e ela era alimentada pelos nossos receios e preconceitos, ou era dilacerada pelos nossos olhares artísticos, a fim de que assim pudéssemos jogar.

Para dissolver esses julgamentos conscientes dentro do jogo ritual, nós precisamos atuar a partir dos estados alterados de consciência, pois são esses estados que transportam o ator/performer/bailarino para o que antropólogo britânico Victor Turner (1974, p. 117)TURNER, Victor W. O Processo Ritual: estrutura e anti-estrutura. Tradução de Nancy Campi de Castro. Petrópolis: Vozes, 1974., vai chamar de liminaridade:

As entidades liminares não se situam aqui nem lá; estão no meio e entre as posições atribuídas e ordenadas pela lei, pelos costumes, convenções e cerimonial. Seus atributos ambíguos e indeterminados exprimem-se por uma rica variedade de símbolos, naquelas várias sociedades que ritualizam as transições sociais e culturais.

Estudando os rituais de algumas tribos africanas Victor Turner (1974)TURNER, Victor W. O Processo Ritual: estrutura e anti-estrutura. Tradução de Nancy Campi de Castro. Petrópolis: Vozes, 1974. pôde identificar que os participantes dos ritos adentravam um espaço-tempo liminar, criando uma fissura no espaço-tempo convencional e adotando uma lógica liminar, uma lógica que suprimia o julgamento moral e que suspendia temporariamente as leis, os costumes e convenções sociais da comunidade. Do mesmo modo, quando o ator/performer/bailarino adentra o jogo ritual ele suspende provisoriamente a lógica do cotidiano e o seu julgamento moral, passando a adotar uma lógica liminar, não racional e ancestral, guiada pelos estados alterados de consciência. E este talvez seja o maior desafio do processo de criação, pois "[...] se o ator e/ou o bailarino não estiverem abertos para o 'jogo ritual' ele não acontece" (Haderchpek, 2018HADERCHPEK, Robson Carlos. O Jogo Ritual e as Pedagogias do Sul: práticas pedagógicas para a descolonização do ensino do teatro. Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, p. 55-65, 2018., p. 61). E essa abertura depende inicialmente da disponibilidade física e psíquica que o ator/performer terá para se entregar à lógica liminar.

Voltando à premissa neurocientífica, podemos compreender esse eu que julga como Self Waraness. De fato, esse julgamento constante que conseguimos fazer está relacionado à capacidade que nosso cérebro tem de processar dados racionalmente sobre informações periféricas que o nosso corpo oferta a ele. Essa racionalização depende da capacidade de foco que damos às informações que processamos.

Segundo Tenenbaum (2001)TENENBAUM, Gershon. A social-cognitive perspective of perceived exertion and exertion tolerance. In: SINGER, Robert; HAUSEBLAS, Heather; JANELLE, Christopher (ed.). Handbook of sport psychology. New York: Willey, 2001. P. 810-822. quando realizamos uma prática motora qualquer, como uma caminhada ou corrida, a todo momento nós temos uma voz consciente que nos fala sobre o esforço desprendido para aquela energia. Quando realizamos uma atividade leve ainda temos a capacidade de pensar sobre quaisquer outras coisas ao nosso redor, como as pessoas, o ambiente, ou qualquer outro pensamento que possa nos desligar da prática realizada - inclusive os pensamentos de julgamento. À essa situação denominamos de pensamentos dissociativos.

Por outro lado, quando aumentamos a intensidade da atividade proposta nós não conseguimos mais focar em outra coisa que não esteja relacionada à própria atividade motora que esteja sendo realizada, como a dor muscular, o cansaço, o esforço associado aos movimentos realizados. A essa situação nos referimos como pensamento associativo. No ápice da exaustão física, quaisquer tentativas de racionalizar o que está acontecendo tendem a ser diluídas em meio a tanta informação. Isso acontece, pois o cérebro tem uma capacidade limitada e o corpo tende a interpretar as informações que podem ser mais prejudiciais ao organismo, como um mediador do colapso fisiológico, aumentando a atenção focal nas alterações fisiológicas decorrentes do esforço máximo, como a frequência cardíaca e a respiratória. Por isso, durante o treinamento energético (Burnier, 2009BURNIER, Luís Otávio. A Arte de Ator: da Técnica à Representação. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. ) e dentro do jogo ritual (Haderchpek, 2015HADERCHPEK, Robson Carlos. O Ator, o Corpo Quântico e o Inconsciente Coletivo. Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, p. 119-135, 2015.; 2016HADERCHPEK, Robson Carlos. A Dramaturgia dos Encontros e o Jogo Ritual: revoada e a conferência dos pássaros. Revista Encontro Teatro, Goiânia, n. 3, p. 38-58, 2016.; 2018HADERCHPEK, Robson Carlos. O Jogo Ritual e as Pedagogias do Sul: práticas pedagógicas para a descolonização do ensino do teatro. Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, p. 55-65, 2018.; 2019HADERCHPEK, Robson Carlos. As Epistemologias do Sul e os Saberes Interculturais: teatro, ritual e performance. Anais ABRACE, Campinas, v. 20, n. 1, p. 01-17, 2019.; Almeida; Haderchpek, 2020ALMEIDA, Saulo Vinícius; HADERCHPEK, Robson Carlos. O Axis Mundi e o Jogo Ritual: Deslocamento da realidade imanente para se alcançar a Hierofania. Urdimento, Florianópolis, v. 2, n. 38, p. 01-25, set. 2020. ) quaisquer julgamentos tendem a ser diluídos, pois ambos exigem uma prática corporal exaustiva.

Perspectivas Psicofísicas do Processo de Criação: em busca da exaustão

A fim de estimular o processo de criação do ator/performer/bailarino, além das relações simbólicas utilizadas para atingirmos esse estado de imersão, outro aspecto utilizado reiteradas vezes nos processos ora analisados foi o trabalho corporal estimulado pelo diretor. Neste trabalho psicofísico, os movimentos são ritmados e gradativamente vão variando o uso do peso, da frequência e do tempo. Esses estímulos eram mantidos até chegarmos a um ponto de exaustão, onde não conseguíamos mais controlar voluntariamente esses movimentos e muito menos pensar sobre eles. Este trabalho inicial é realizado com base no treinamento energético. Segundo Luís Otávio Burnier (2009, p. 140)BURNIER, Luís Otávio. A Arte de Ator: da Técnica à Representação. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. :

O treinamento energético, ao provocar esta espécie de expurgo das energias primeiras do ator, dinamiza energias potenciais, induz e provoca o contato do ator consigo mesmo e ensina-o a reconhecer, na escuridão, após uma caminhada cada vez mais profunda em seu interior, recantos desconhecidos, esquecidos, que podem vir a ser uma das fontes para a criação da sua arte.

O intuito de se dinamizar a energia do ator é tirá-lo do registro do cotidiano e alçá-lo à lógica liminar, à esfera do extracotidiano, eliminando o lapso de tempo entre o impulso e a ação, tal como defendia Grotowski (1992, p. 14-15)GROTOWSKI, Jerzy. Em Busca de um Teatro Pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.:

Não educamos um ator, em nosso teatro, ensinando-lhe alguma coisa: tentamos eliminar a resistência de seu organismo a este processo psíquico. O resultado é a eliminação do lapso de tempo entre impulso interior e reação exterior, de modo que o impulso se torna já uma reação exterior. Impulso e ação são concomitantes: o corpo se desvanece, queima e o espectador assiste a uma série de impulsos visíveis. Nosso caminho é uma via negativa, não uma coleção de técnicas, e sim erradicação de bloqueios.

Ao realizar o treinamento energético o ator/performer/bailarino deixa de racionalizar o processo, e deixa de julgar a si mesmo e às suas ações, eliminando a resistência do seu organismo a este processo psíquico. Adicionalmente, vale observar que durante o movimento corporal, trabalhado nas práticas laboratoriais do jogo ritual, faz-se necessário acionar uma gama de grupos musculares contraídos para colocar o ator/bailarino/performer em movimento. O cérebro, regente desta coordenada atividade muscular, por sua vez, tem à sua disposição uma limitada capacidade metabólica para gerenciar todo esse processo. Por este motivo, ele abre mão temporariamente da ativação de algumas regiões específicas para que aquelas áreas intimamente relacionadas com o movimento, como as áreas sensoriais, motoras e autônomas, tenham à sua disposição o fluxo energético capaz de garantir a manutenção da atividade proposta (Stoll; Alfermann; Pfeffer, 2010 apud Schmid, 2017SCHMID, Jörg. Contact Improvisation as an Art of living [part 3]. Tradução de Bruno Garrote M. Urdimento, Florianópolis, v. 3, n. 30, p. 112-139, 2017., p. 40).

A Hipofrontalidade Transitória no Trabalho de Criação do Ator

Dentre as estruturas que reduzem a sua atividade temporariamente para que os recursos sejam direcionados às áreas alvos, destaca-se a região cortical frontal. O neurocientista Arne Dietrich (2006)DIETRICH, Arne. Transient hypofrontality as a mechanism for the psychological effects of exercise. Psychiatry Research, Oxford, v. 145, n. 1, p. 79-83, 2006. foi pioneiro em propor essa hipótese teórica denominada de hipofrontalidade transitória.

O córtex frontal é responsável pelo funcionamento dos centros cognitivos mais elevados, como memória e atenção. Assim, quando estamos em uma prática de atividade corporal constante, como a que ocorre no jogo ritual, perdemos a capacidade desta região cerebral responsável pela percepção espaço-temporal. Essa pode ser vista como uma explicação plausível para os fenômenos da percepção de alteração do espaço-tempo e ausência de consciência-do-Eu (Dietrich, 2007DIETRICH, Arne. Introduction to consciousness. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2007.).

Para completar a linha de raciocínio, o lobo frontal participa do processo de julgamento consciente que cria as percepções afetivas individuais através de símbolos, imagens, objetos e situações disponíveis à manipulação da mente, permitindo-nos a atividade de pensar, optar ou decidir (Soussumi, 2006SOUSSUMI, Yusaku. Tentativa de integração entre algumas concepções básicas da psicanálise e da neurociência. Psicologia clínica, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 63-82, 2006.). Suprimir essa área explica os motivos pelos quais por alguns momentos nós nos esquecíamos dos julgamentos e criávamos um elo de ação com os demais atores/performers/bailarinos.

Usando essa perspectiva psicofísica como referência, nós podemos relacionar a citada teoria com o que acontece dentro das práticas laboratoriais do jogo ritual, permitindo que o nosso corpo atue numa dimensão artística e poética a partir de uma redução gradativa da capacidade de racionalização dos fatos. Neste sentido, identificamos nos diários de bordo dos performers, tanto no processo de criação do Mi Casa su Casa quanto na performance ritualística Encontros Ancestrais Cempasúchil, desenvolvida no México, relatos que nos fazem refletir sobre essa aproximação com a teoria da hipofrontalidade transitória:

Seguimos dançando por toda aquela sala por quase uma hora numa conexão tão inexplicável que os movimentos iam se sucedendo uns aos outros tal como se aquela dança tivesse sido ensaiada e executada muitas e muitas vezes antes; no entanto, estávamos 'apenas' improvisando; e nos foi impossível conter a emoção, e chorei, e nem pensei e estava chorando, e minhas lágrimas corriam felizes e silenciosas enquanto bailávamos. Foi como uma mágica, como se eu estivesse sentindo o meu corpo de novo pela primeira vez em sua integração total, como se todas as suas partes fossem uma coisa só em plena harmonia; e meu corpo se movia livremente e por ele mesmo, em sintonia com a leveza e a paz que lhe constituíam no momento. Aquele arranjo de movimentos que meu corpo foi capaz de fazer por si só, sem que eu tivesse controle sobre ele, autogerava uma agradável e prazerosa sensação de pertencimento, numa completa e impossível relação de pertinência ao conjunto de tudo o que existe no universo, como se tudo estivesse de acordo, com total ausência de conflito entre meu corpo e o mundo, como se meu corpo fosse o mundo e pudesse abarcar todos os espaços de forma etérea, sublime, celestial (Diário de bordo de Karyne Dias Coutinho, Cuernevaca, México, 30 de outubro de 2018)8 8 O trecho diz respeito ao segundo laboratório de criação do processo, desenvolvido a partir do jogo ritual. .

Como podemos notar em seu depoimento, a atriz relata que dançou por quase uma hora sentindo o seu corpo livre. Ela enfatiza também que o seu corpo agia por si só, sem que ela tivesse o controle sobre ele, trazendo à tona uma questão central em que as emoções são gatilhos para a movimentação corporal apresentada.

Bem diferente dos estudos que analisam a hemodinâmica cerebral em esteira ou bicicleta, as práticas corporais realizadas no jogo ritual nos permitem uma possibilidade de movimentação global e, de fato, nos levam ao máximo de uma exaustão física. Nossas análises, neste sentido, partem da experiência anedótica, e assim nós vamos tecendo reflexões a partir dos relatos dos atores/performers. Ademais, convém ressaltar que o exercício físico por si só não promove necessariamente estímulos emocionais que sejam inerentes à prática motora desempenhada, em especial nos estudos que buscam estudar a atividade cerebral com o foco na exaustão.

Evidências demonstram que, dentre as estruturas cerebrais, o córtex insular (CI) é uma das principais áreas responsáveis pela consciência de sentimentos subjetivos do corpo (Craig, 2002CRAIG, A. D. Bud. How do you feel? Interoception: the sense of the physiological condition of the body. Nature Reviews Neuroscience, London, v. 3, n. 8, p. 655-666, 2002.; Craig, 2009CRAIG, A. D. Bud. How do you feel - now? The anterior insula and human awareness. Nature Reviews Neuroscience, London, v. 10, n. 1, p. 59-70, 2009.). Sabe-se ainda que o CI recebe sinais aferentes homeostáticos, que fornecem a base para o fluxo insular de integração acerca do autoconsciente (Craig, 2011CRAIG, A. D. Bud. Interoceptive cortex in the posterior insula: comment on Garcia-Larrea et al. 2010 Brain 133, 2528. Brain, Oxford, v. 134, n. 4, p. e166, 2011.). Por isso, a literatura apresenta que a permanência em uma atividade motora exaustiva, com base na força de vontade, deve proporcionar a sensação subjetiva de engajamento subjacente à sensação de esforço (Craig, 2009CRAIG, A. D. Bud. How do you feel - now? The anterior insula and human awareness. Nature Reviews Neuroscience, London, v. 10, n. 1, p. 59-70, 2009.; Craig, 2011CRAIG, A. D. Bud. Interoceptive cortex in the posterior insula: comment on Garcia-Larrea et al. 2010 Brain 133, 2528. Brain, Oxford, v. 134, n. 4, p. e166, 2011.). Assim, estímulos nessa região poderiam ser uma nova proposta para elucidar os efeitos do CI como modulador das sensações corporais e a capacidade de permanecer num dado esforço exaustivo (Okano et al. 2013OKANO, Alexandre Hideki et al. Brain stimulation modulates the autonomic nervous system, rating of perceived exertion and performance during maximal exercise. British Journal of Sports Medicine, London, v. 49, n. 18, p. 1213-1218, 2013. ).

Deste modo, é possível hipotetizar adicionalmente, a partir do estudo do movimento, que o grande diferencial do jogo ritual seja justamente atingir o ápice de uma exaustão física associada a estímulos emocionais, que são reiterados pelo diretor durante o processo de criação com frases como: Lembre da imagem que você trouxe, Coloque para fora os movimentos que essa imagem/figura te fazem lembrar. Portanto, analisamos esse fenômeno como um diferencial alcançado pelo teatro, uma janela de possibilidade de modular áreas cerebrais profundas e responsáveis pelas sensações inerentes às práticas motoras exaustivas desempenhadas durante o jogo ritual.

Além disso, indivíduos de níveis diferentes de condicionamento podem apresentar uma adaptação e/ou eficiência na regulação cerebral. Por isso, encontrar esses elos com as estruturas límbicas, que nos fornecem os estímulos emocionais, pode abrir caminho para essa hipofrontalidade transitória e assim, auxiliar nesse processo de realidade imersiva (lógica liminar) vivida constantemente no jogo ritual.

Perspectivas Psicofísicas do Processo de Criação: outras observações

Após a imersão dentro do jogo ritual algumas questões às vezes emergiam: Quais os motivos que me fizeram escolher a imagem/símbolo utilizado no teatro ritual?. É difícil identificar como esses símbolos são escolhidos, se há uma aleatoriedade, se não há, se pensamos na melhor imagem ou se foi a primeira que nos veio à cabeça. O fato é que essa fase de escolha da imagem ocorre e ela fica de alguma forma gravada em nosso corpo durante todo o processo.

Após alguns laboratórios, identificamos ações que se tornam recorrentes e essas passam a integrar o vocabulário poético do ator. Isso talvez tenha marcado o início do nosso processo de imersão no teatro ritualístico, pois ao invés de nos confrontar com o que estava acontecendo nós queríamos entender o porquê de estarmos nos expressando daquela forma peculiar que não se relacionava com nenhuma outra pessoa conhecida, nenhum referencial previamente dado. Não era uma imitação, era algo criado de dentro pra fora, a partir do nosso inconsciente.

Dentro do laboratório, essas ações eram repetidas inúmeras vezes e decorriam de um estado alterado de consciência. Como num ritual a ação conecta o participante a uma atmosfera onírica e o transporta para uma dimensão liminar no tempo presente. O ator/performer/bailarino está na sala de ensaio jogando, mas é como se estivesse em outro lugar, num espaço mágico-ficcional que lhe permite ser quem ele/ela quiser ser: um anjo, um demônio, um animal, um ancestral desconhecido, um herói, um vilão, um guerreiro, uma guerreira, uma bruxa, uma mãe, um avô, ou uma força da natureza.

Quando estávamos na residência artística sobre Juego Ritual y Ancestralidad, algo inesperado aconteceu durante a apresentação da performance ritualística Encontros Ancestrais Cempasúchil. Ao longo do processo que estávamos vivendo na residência artística sobre Juego Ritual y Ancestralidad, começamos a repetir inconscientemente movimentos e emoções vivenciadas no processo de construção do espetáculo Mi Casa, Su Casa iniciado no Brasil.

Sobre esse fato, vale destacar do ponto de vista da neurociência que através de múltiplas repetições o ator/performer/bailarino muda gradualmente a atividade dos sistemas neurológicos explícitos, flexíveis e amplamente pré-frontais, através dos quais conscientemente inicia cada movimento. Fazendo isso o ator ativa o sistema implícito de desempenho, incluindo o cerebelo; isso se dá quando a habilidade gradualmente se torna tão incorporada através das vias sinápticas que são formadas e reforçadas nos permitindo realizar movimentos sem consciência (Dietrich 2006DIETRICH, Arne. Transient hypofrontality as a mechanism for the psychological effects of exercise. Psychiatry Research, Oxford, v. 145, n. 1, p. 79-83, 2006.). Assim, podemos dizer, que intuitivamente aqueles padrões motores que nós havíamos reproduzido nos processos laboratoriais tinham se transformado em engramas e começaram a relacionar as memórias afetivas com as motoras, talvez mais fortemente consolidadas pela relação desempenhada entre o movimento, as emoções e as imagens.

Considerações Finais

Entender os processos psicofísicos do ator/performer/bailarino podem ser extremamente importantes para quem estuda o jogo ritual e a cena ritualística. Talvez em cena essa informação seja irrelevante para ele, mas conhecer os meandros do processo de criação por um viés neurocientífico pode ajudar o ator a compreender o porquê dos seus julgamentos prévios, o sentido da escolha das imagens, a razão do treinamento energético (exaustivo) e a necessidade de se trabalhar com os estados alterados de consciência.

Essa teoria da hipofrontalidade transitória vem sendo utilizada para justificar diversos estudos sobre os estados alterados de consciência em atividades de trabalho e atividades esportivas, e o nosso intuito é fazer essa aproximação com as atividades artísticas também, focando especificamente no Teatro Ritual desenvolvido pelo Grupo Arkhétypos, que é a base da nossa vivência. Cremos ser possível estabelecer essa relação com outros tipos de teatro e outras atividades artísticas interligadas às artes visuais, à dança e à música, contudo, para o momento limitamo-nos a falar da nossa experiência.

Por fim, acreditamos que a referida teoria nos ajuda a compreender o que acontece com a fisiologia cerebral do ator dentro de uma prática laboratorial de natureza ritualística. A nosso ver, os processos psíquicos que são ativados no ator/performer/bailarino a partir desta prática são determinantes para que ele elimine o mecanismo de controle e julgamento de suas ações, se permitindo jogar de forma livre, sem que tenha que racionalizar cada ação.

A partir da análise dos processos Mi Casa su Casa e Encontros Ancestrais Cempasúchil nós pudemos compreender também a importância dos estados alterados de consciência no processo de criação do ator e ainda mais, a necessidade de se trabalhar com o viés do inconsciente. Mapeamos ainda os processos cerebrais deste ator e refletimos sobre a relevância dos símbolos, do treinamento energético e dos processos de exaustão dentro da prática do jogo ritual.

E, nessa construção do muro do conhecimento que alicerça os processos de criação nas artes cênicas, trazer essa interlocução com a neurociência acrescenta um tijolo tão simbólico quanto a temática aqui debatida. Como todo muro, janelas também são expostas para nos lembrar que não nos fechamos em dois lados, mas criamos aberturas ao diálogo.

Notas

  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • 1
    O Arkhétypos é um Grupo de Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), vinculado ao Departamento de Artes, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Desde sua criação, em 2010, o Grupo atua nas áreas da pesquisa e da extensão, desenvolvendo processos criativos e produzindo espetáculos teatrais que almejam estabelecer proximidade na relação entre a comunidade e o meio artístico-acadêmico. Produziu onze espetáculos, tendo sido tema de cinco projetos de pesquisa, dezessete trabalhos de conclusão de curso, sete dissertações de mestrado e uma tese de doutorado, além de também ser tema de um livro, três capítulos de livro e doze artigos científicos (para maiores informações, pode-se consultar a página do Grupo. Disponível: <https://arkhetyposgrupodet.wixsite.com/arkhetypos>. Acesso em: 01 mar. 2020.
  • 2
    Ao longo deste artigo empregaremos o uso da terminologia ator para designar o trabalho do ator/performer/bailarino que atua dentro do Teatro Ritual. Às vezes no fluxo da escrita utilizaremos variações do termo como ator/performer, mas esclarecemos que o nosso objetivo aqui é a análise do fenômeno psicofísico e não a discussão da terminologia, portanto, faz-se mister elucidar que todas as três formas empregadas no texto referem-se ao participante do jogo ritual.
  • 3
    Aqui citamos os livros: Haderchpek (2017a)HADERCHPEK, Robson Carlos (org.). Arkhétypos Grupo de Teatro: encontros e atravessamentos. Natal: Fortunella Casa Editrice, 2017a.; e Hauser-Dellefant (2019)HAUSER-DELLEFANT, Angelika et al. Understanding Without Words. 1. ed. Vienna: Publisher & media owner, 2019..
  • 4
    Nas experiências citadas, um dos autores atuou como diretor do processo, e o outro como ator/performer. Aquele que dirigiu os processos possui Graduação, Mestrado e Doutorado na área de Artes Cênicas, é professor do Curso de Teatro da UFRN e fundador do Grupo Arkhétypos e aquele que atuou como ator/performer é professor do Curso de Dança da UFRN, com Graduação em Fisioterapia, Especialização em Neuroreabilitação, Mestrado em Educação Física e Doutorado na área de Saúde Coletiva.
  • 5
    Mi casa su casa é uma novela cênica encenada em três capítulos: La Familia, El día que me quiera, e La Revelación. A trama é inspirada na lenda da Lhorona, uma lenda trágica que percorre toda a América Latina. O espetáculo encenado em três dias distintos traz um si uma pesquisa sobre ancestralidade, sobre o dia de Mortos celebrado no México. O processo de criação do espetáculo teve duração de um ano, com laboratórios de criação semanais. O trabalho estreou no Departamento de Artes da UFRN nos dias 03, 04 e 05 de dezembro de 2018. Para maiores detalhes consultar a página do Grupo. Disponível em: <https://arkhetyposgrupodet.wixsite.com/arkhetypos/mi-casa-su-casa>. Acesso em: 01 mar. 2020.
  • 6
    A residência artística buscou investigar o ritual do Día de Muertos no México e foi promovida conjuntamente por três instituições: 1) o Instituto de Estudios Superiores en Artes Escénicas de Oaxaca (IESAEO), representado pela atriz e professora mexicana Rocío del Carmen Tisnado Vargas e pelos estudantes Bety Robles Reyes, Betsy Gina Montes e Galaxis Maldonado; 2) a Licenciatura em Teatro do Centro Moralense de las Artes (CMA), representada pelo artista e professor chileno Javíer Díaz Dalannais; e 3) o Arkhétypos Grupo de Teatro da UFRN, representado por quatro de seus integrantes, todos brasileiros: o diretor do grupo, Robson Haderchpek, professor do Departamento de Artes; Karyne Dias Coutinho, professora do Centro de Educação; Leônidas Oliveira Neto, professor do curso de Dança; e Ana Clara Veras, licencianda em Teatro.
  • 7
    Vale ressaltar que tanto no processo de criação do espetáculo Mi Casa su Casa como na residência artística Juego Ritual y Ancestralidad as imagens dialogaram com a temática da ancestralidade e foi por isso que escolhemos fazer uma aproximação entre as duas experiências.
  • 8
    O trecho diz respeito ao segundo laboratório de criação do processo, desenvolvido a partir do jogo ritual.

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Editado por

Editor-responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2020
  • Aceito
    28 Dez 2020
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