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Ressignificando a Ação de Conduzir na Dança de Salão: uma revisão bibliográfica de produções acadêmicas

Redefinir l'Action de Conduire en Danse de Salon: une revue de litterature des productions academiques

RESUMO

Ressignificando a Ação de Conduzir na Dança de Salão: uma revisão bibliográfica de produções acadêmicas – O artigo apresenta reflexões decorrentes de uma investigação situada no campo da Pedagogia da Dança, desenvolvida na perspectiva de ressignificação dos modelos de Dança de Salão tradicionalmente praticados na nossa cultura. Na busca pela compreensão das possibilidades e interseções entre diferentes pesquisas sobre a comunicação da dupla na Dança de Salão, realiza-se uma revisão bibliográfica da produção científica brasileira contemporânea sobre o tema. Os resultados evidenciam o avanço quantitativo e qualitativo das pesquisas sobre Dança de Salão relacionadas às ações de conduzir e deixar-se conduzir, mas apontam a carência de trabalhos relacionados às pedagogias desse gênero de dança, o que se considera um entrave à reflexão e atualização das formas difundidas nos ambientes de ensino e prática da Dança de Salão.

Palavras-chave:
Dança de Salão; Pedagogia da Dança; Revisão de Literatura; Condução; Contraconduta

RÉSUMÉ

L'article présente des réflexions issues d'une enquête située dans le domaine de la Pédagogie de la Danse, développée dans la perspective de redefinir les modèles de danse de salon traditionnellement pratiqués dans notre culture. Une revue de littérature de la production scientifique brésilienne contemporaine sur le sujet est réalisée pour tenter de comprendre les possibilités et les intersections entre les différentes études sur la communication du duo en Danse de Salon. Les résultats montrent l'avancée quantitative et qualitative des études sur la Danse de Salon liées aux actions de conduire et de se laisser conduire, mais soulignent le manque d'études sur les pédagogies de ce genre de danse, ce qui est considéré comme un obstacle à la réflexion et à l'actualisation des formes diffusées dans les environnements d'enseignement et de pratique de la Danse de Salon.

Mots-clés:
Salon Dance; Pedagogie de la Danse; Revue de Literature; Conduit; Contre-conduit

ABSTRACT

Resignifying the Action of Conducting in Ballroom Dance: a bibliographical review of academic productions – The article presents reflections arising from a study within the field of Dance Education based on the perspective of resignifying the traditional Ballroom Dance models that are practiced in our culture. A literature review of contemporary Brazilian scientific research on the subject was conducted to understand the possibilities and intersections between different studies on communication between the duos in Ballroom Dance. The results show the quantitative and qualitative progress of research on Ballroom Dance related to the actions of conducting and being conducted. However, they also point to the lack of studies related to dance education in this genre, which is considered to be an obstacle to reflecting on and updating the forms expressed in spaces where Ballroom Dance is taught and practiced.

Keywords:
Ballroom Dance; Dance Education; Literature Review; Conduction; Counter-conduct

Introdução

As reflexões apresentadas neste artigo decorrem de uma investigação de doutorado em andamento, que se propõe a criar e implementar modos alternativos de ensinar Dança de Salão na perspectiva de evidenciar e difundir práticas educativas que subvertam o heteropatriarcado e contribuam para a atualização dos modos de ensino e a transformação dos ambientes em que a Dança de Salão se desenvolve. A ideia central da pesquisa é ressignificar ações didático-pedagógicas tradicionais de Dança de Salão como forma de viabilizar a criação de pedagogias não binárias desse tipo de manifestação sociocultural, incentivando uma dança mais equânime, assim como a naturalização da interação entre pessoas do mesmo gênero, de forma a respeitar a diversidade e promover a acessibilidade e a democratização dos espaços onde se aprende e pratica a Dança de Salão.

A opção pela adoção do termo Dança de Salão, dentre outros que se costumam utilizar, como dança social ou danças a dois, tem por base os estudos da pesquisadora Maristela Zamoner (2012)ZAMONER, Maristela. Conceitos e Definição de Dança de Salão. Lecturas: Educación Física y Deportes, Buenos Aires, n. 172, Sep. 2012. Available at: http://www.efdeportes.com/efd172/conceitos-e-definicao-de-danca-de-salao.htm. Accessed on: 1 Feb. 2023.
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, autora de livros e artigos científicos sobre esse gênero de dança. Em uma produção acadêmica voltada à conceituação dessa manifestação cultural, a autora sugere que, nos âmbitos científico, profissional e educacional, a expressão Dança de Salão seja grafada com iniciais maiúsculas, por constituir um nome próprio, e no singular, conforme a sua utilização pela Fundação Biblioteca Nacional1 1 Órgão responsável pela captação, guarda, preservação e difusão da produção intelectual do país. , pela Agência Brasileira do ISBN2 2 É um padrão numérico, cujo objetivo é possibilitar a identificação de publicações monográficas, livros, artigos e apostilas. e pelas publicações mais citadas da área.

Visamos compreender os limites, as possibilidades e as interseções entre os diferentes modos de comunicação entre a dupla na Dança de Salão e incentivar o pensamento crítico acerca da atualização, da pesquisa e da criação de pedagogias acessíveis e inclusivas à prática desse gênero de dança. Para isso, realizamos neste artigo uma revisão bibliográfica de publicações nacionais provenientes de pesquisas científicas no campo da Dança, especificamente voltadas à Dança de Salão, que problematizam as ações de conduzir e deixar-se conduzir, próprias dessa manifestação artístico-cultural.

Como um aspecto geral da revisão apresentada, destaca-se o considerável salto na produção acadêmica nacional na área de Dança na última década, não apenas em volume, mas também em qualidade, compreendido aqui como reflexo da proliferação e consolidação de cursos de pós-graduação em Dança e Artes Cênicas no Brasil diante da restrita quantidade de livros, teses e dissertações específicos sobre a Dança de Salão, aspecto evidenciado no levantamento realizado pelos professores e pesquisadores Bruno Nunes e Flávia Nascimento (2020)NUNES, Bruno Blois; NASCIMENTO, Flávia Marchi. Produção de Conhecimento sobre Danças de Salão: um levantamento de livros, teses e dissertações no Brasil. Revista da FUNDARTE, Montenegro, n. 41, p. 1-20, 2020. junto ao Catálogo de Teses e Dissertações e à Fundação Biblioteca Nacional.

Desse modo, ainda que se priorizem as dissertações e teses, mencionam-se, de antemão, alguns exemplos de trabalhos de conclusão de curso e artigos acadêmicos (e suas respectivas autorias) de inegável relevância à reflexão acerca das ações de conduzir e deixar-se conduzir. Nós os destacamos aqui: Discussões sobre gênero nas danças de salão: vamos dialogar? (Monteiro, 2021MONTEIRO, Lívia Marafiga. Discussões sobre Gênero nas Danças de Salão: vamos dialogar? Polêmica – Revista Eletrônica da UERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 83-96, 2021.); Condução e danças de salão: conducorporificação (Lorandi; Mancini, 2019); Condução e contracondução na dança de salão (Polezi; Martins, 2019POLEZI, Carolina; MARTINS, Anderson. Condução e Contracondução na Dança de Salão. Horizontes, Itatiba, v. 37, p. 1-14, 2019.); Dança de salão e novos conceitos de condução: uma análise através da sexualidade, comunicação proxêmica e relações de poder (Nunes, 2019NUNES, Bruno Blois. Dança de Salão e Novos Conceitos de Condução: uma análise através da sexualidade, comunicação proxêmica e relações de poder. In: SOUSA, Ivan Vale de (Org.). A Produção do Conhecimento nas Letras, Linguísticas e Artes 3. Ponta Grossa: Atena, 2019. P. 312-324.); Um novo olhar sobre a condução na dança de salão: questões de gênero e relações de poder (Nunes; Froehlich, 2018NUNES, Bruno Blois; FROEHLICH, Marcia. Educação, Artes e Inclusão, Florianópolis, v. 14, n. 2, 2018.); Para além de damas e cavalheiros: uma abordagem queer das normas de gênero na dança de salão (Pazetto; Samways, 2018PAZETTO, Debora; SAMWAYS, Samuel. Para Além de Damas e Cavalheiros: uma abordagem queer das normas de gênero na dança de salão. Educação, Artes e Inclusão, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 157-179, 2018.); Salão compartilhado: um estudo sobre a condução compartilhada entre dama e cavalheiro na dança de salão (Moreira, 2018MOREIRA, Aline de Nazaré de Paula. Salão Compartilhado: um estudo sobre a condução compartilhada entre dama e cavalheiro na dança de salão. 2018. 82 p. Undergraduate thesis (Bachelor in Dance) – Escola de Teatro e Dança, Instituto de Ciências da Arte, Universidade Federal do Pará, Belém, 2018. Available at: https://bdm.ufpa.br/jspui/handle/prefix/2129. Accessed on: 2 Feb. 2023.
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); Dança a dois: a proposta para um diálogo ampliando as possibilidades (Wittmer, 2017WITTMER, Brigitte. Dançar a Dois: a proposta para um diálogo ampliando as possibilidades. 2017. 25 f. Undergraduate thesis (Bachelor in Dance) – Faculdade Angel Vianna, Rio de Janeiro, 2017. Available at: https://www.academia.edu/34554282/DAN%C3%87AR_A_DOIS_A_PROPOSTA_PARA_UM_DI%C3%81LOGO_Ampliando_as_possibilidades. Accessed on: 1 Aug. 2022.
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); Condução, diferentes possibilidades a cada dança (Zamoner, 2013bZAMONER, Maristela. Condução, Diferentes Possibilidades a Cada Dança. Dança em Pauta, Curitiba, 2013b. Available at: https://www.dancaempauta.com.br/conducao-diferentes-possibilities-a-cadadanca/#:~:text=When%20estamos%20em%20um%20sal%C3%A3o,n%C3%A3o%2C%20a%20idea%20about%20condu%C3%A7%C3%A3o. Accessed on: 1 Feb. 2023.
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); Condução e prazer (Zamoner, 2013aZAMONER, Maristela. Condução e Prazer. Dança em Pauta, Curitiba, 17 Sep. 2013a. Available at: https://www.dancaempauta.com.br/conducao-e-prazer/. Accessed on: 1 Feb. 2023.
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); E se as damas conduzissem (Zamoner, 2011ZAMONER, Maristela. E se as Damas Conduzissem. Dança em Pauta, Curitiba, 14 Mar. 2011. Available at: https://www.dancaempauta.com.br/e-se-as-damas-conduzissem/. Accessed on: 1 Feb. 2023.
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).

Para dimensionar a produção de pesquisas acadêmicas sobre Dança de Salão em nível de mestrado e doutorado no Brasil, realizou-se uma busca no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES3 3 Plataforma que objetiva possibilitar o acesso a teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação do país, assim como disponibilizar informações estatísticas dessas produções acadêmicas. no início do ano de 20214 4 Ano de início da realização da pesquisa. . Logo, estão incluídos nesse mapeamento trabalhos publicados até o ano de 2020, abrangendo aqueles disponibilizados na plataforma no momento da consulta. Entretanto, também estão incluídos no artigo trabalhos disponibilizados após o levantamento inicial no banco de dados, considerados particularmente relevantes à compreensão da produção científica do campo do ensino da Dança de Salão.

As buscas no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES principiaram pelo descritor Dança de Salão, a partir do qual foram identificados 65 trabalhos que continham o termo no título. Um segundo recorte levou em conta as produções publicadas nos últimos 10 anos, ou seja, entre 2011 e 2020, a partir do qual foram identificados 52 trabalhos. Na análise preliminar dos 52 resultados encontrados, observou-se que alguns trabalhos não se relacionavam à Dança de Salão ou que apareciam mais de uma vez na consulta, o que implicou a redução do número de pesquisas para 44, sendo 11 teses e 33 dissertações.

O procedimento seguinte envolveu a leitura dos títulos, dos resumos e das palavras-chave dos 44 trabalhos, bem como a categorização das temáticas recorrentes nas pesquisas. Nesse processo, alguns achados surpreenderam, como o fato de 23 trabalhos, ou seja, o equivalente a mais da metade das pesquisas encontradas, relacionarem-se à saúde física ou à qualidade de vida dos praticantes de Dança de Salão. A maior parte desses estudos desenvolve-se em programas de pós-graduação da área da Educação Física ou da Medicina, refletindo investigações sobre a Dança de Salão como atividade física e levando em conta suas contribuições no tratamento de pacientes com diferentes diagnósticos, assim como para a melhoria da qualidade de vida dos praticantes dessa manifestação artístico-cultural.

Uma parte menor dos trabalhos levantados, ou seja, seis deles, aborda aspectos sociais da Dança de Salão, enfocando o processo de socialização dos praticantes em bailes ou em aulas desse gênero de dança. Outras seis pesquisas abrangem temáticas variadas, relacionadas a processos de criação em dança, à análise de movimentos ou a discussões referentes a áreas específicas, como a Psicologia, a Sociologia e a Educação Física.

Das produções acadêmicas identificadas, oito abordam temáticas relacionadas a questões de gênero ou às ações de conduzir e deixar-se conduzir, concentrando-se, em sua maior parte, no campo da Sociologia e das Artes. Por fim, apenas quatro trabalhos se dedicam à discussão dos aspectos didático-pedagógicos da Dança de Salão, sendo dois deles oriundos de pós-graduação em Artes, e os demais, de programas de Educação e de Educação Física.

Um aspecto discrepante do levantamento diz respeito aos objetivos das investigações refletidas nas teses e dissertações encontradas, ou seja, as análises evidenciaram uma grande quantidade de pesquisas que buscam revelar ou comprovar benefícios causados pela prática da Dança de Salão ao bemestar físico, psicológico ou social dos seus praticantes em contraposição à quantidade reduzida de investigações que abordam aspectos didático-pedagógicos da Dança de Salão. De modo geral, as pesquisas têm por propósito contribuir para a qualidade de vida e saúde física e mental dos sujeitos envolvidos nessas práticas, especialmente pessoas a partir dos 60 anos de idade, demonstrando pouco interesse ou ênfase nos modos e nas condições em que os seus processos se desenvolvem. Nesse sentido, o levantamento realizado aponta a necessidade de discussão e reflexão crítica acerca da qualidade do ensino da Dança de Salão, implicada diretamente na manutenção e difusão dessa manifestação artístico-cultural tão praticada em nosso país.

Uma das ideias implicadas nessa discussão a ser problematizada é a visão utilitarista da Dança de Salão, que compreende esse tipo de manifestação como mera ferramenta ou meio para propiciar benefícios aos seus praticantes. Os estudos de Isabel Marques e Fábio Brazil (2012, p. 41)MARQUES, Isabel; BRAZIL, Fábio. Arte em Questões. São Paulo: Cortez, 2012. ampliam esse entendimento ao afirmar que as linguagens artísticas constituem “[...] visões de mundo, formas de pensar, produzir e discutir ideias, sentidos e sensações no/do mundo [...]”.

Apesar de os autores se referirem ao contexto da educação formal, essa compreensão pode ser estendida para os espaços não formais de ensino, onde as aulas de Dança de Salão tendem a uma abordagem inclusiva ou acessível. Sob essa perspectiva, as pedagogias de Dança de Salão tendem a significar experiências sensoriais de autoconhecimento e de percepção do outro pelos movimentos gerados na interação entre os corpos dos seus praticantes.

Nos subcapítulos seguintes, propõe-se uma interlocução teórica com produções intelectuais atuais que problematizam as ações de conduzir e deixar-se conduzir. Esse diálogo contribui para a reflexão acerca dos aspectos didático-pedagógicos da Dança de Salão.

Concepções tradicionais acerca da comunicação na Dança de Salão

Nos debates que cercam o campo da Dança de Salão, as ações de conduzir e deixar-se conduzir costumam gerar debates acalorados, que colocam, de um lado, teorias e práticas tradicionais acerca dessa manifestação artístico-cultural e, do outro, ideias ampliadas, que problematizam as formas conservadoras desse gênero de dança.

Partimos de uma visão não linear da relação entre a dupla na Dança de Salão, contrária, portanto, à ideia de estímulo/resposta e de correspondência obrigatória entre emissor e receptor, os quais, na Dança de Salão tradicional, são representados, respectivamente, pelo cavalheiro/condutor e pela dama/conduzida. Assim, este trabalho refere-se às ações de conduzir e deixar-se conduzir em conjunto, compreendendo-as como um processo de comunicação.

Essa compreensão se fundamenta no modelo de codificação/decodificação elaborado por Stuart Hall (1973). Segundo o autor, o significado da mensagem não é determinado pelo emissor, mas acontece em meio a um processo coletivo de construção de sentido entre o emissor e o receptor à medida que o emissor codifica a mensagem para enviar ao receptor, tendo este um papel ativo na decodificação com base no seu contexto, bem como na devolução ao emissor em forma de feedback (Hall, 2003HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.).

Na Dança de Salão tradicional, a dupla de dançarinos é composta de um homem e uma mulher, que recebem as clássicas denominações cavalheiro e dama, relacionadas, respectivamente, às atribuições de conduzir e deixar-se conduzir. Tal nomenclatura não se refere apenas à interação dos movimentos dos dançarinos e aos seus deslocamentos no espaço, mas também aos seus comportamentos, pois implica que o homem se comporte com virilidade, assumindo uma postura de protetor, e que a figura feminina esteja atenta às movimentações daquele que a conduz enquanto se move de forma delicada e graciosa.

Zamoner (2013)ZAMONER, Maristela. Condução e Prazer. Dança em Pauta, Curitiba, 17 Sep. 2013a. Available at: https://www.dancaempauta.com.br/conducao-e-prazer/. Accessed on: 1 Feb. 2023.
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define a condução como a “[...] proposição de movimentos ou silêncios5 5 Pequenos momentos em que a pessoa condutora para de conduzir e permite que a pessoa conduzida execute uma ideia. Nas concepções tradicionais de Dança de Salão, a proposição de silêncios é rara ou não acontece. que o Cavalheiro faz para a Dama que acata e responde de forma personalizada, influenciando as conduções seguintes e estabelecendo uma comunicação que se mantém durante toda a dança” (Zamoner, 2013c, p. 99ZAMONER, Maristela. Dança de Salão: conceitos e definições fundamentais. Quatro Barras: Protexto, 2013c.).

No entendimento usual da condução, cabe ao homem o papel de pensar e propor a dança, o que implica conduzir a sua parceira com firmeza e precisão, cabendo à mulher responder adequadamente às movimentações conduzidas, isto é, deixar-se conduzir pelo parceiro com prontidão e fluidez. Caroline Silva (2011)SILVA, Caroline. A Dança de Salão como Possibilidade de Qualificação das Relações (Intra) Interpessoais na Empresa. 2011. Dissertation (Masters in Education) – Programa de Pós-graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011., em sua dissertação sobre a importância da Dança de Salão nas relações interpessoais, justifica essa tradição e sua manutenção na atualidade:

[...] o homem é o condutor na Dança de Salão, por tratar-se de uma dança que surgiu no século XV, na França [...] onde não caberia o homem ser conduzido pela mulher, característica mantida até os dias atuais. Contudo, é preciso esclarecer que essa não é uma relação de submissão, uma vez que alguém precisa conduzir, sendo impossível uma condução de ambos os dançarinos. Por convenção, essa é uma função masculina, mas que conta com o papel fundamental da dama, tendo em vista que havendo um condutor, é preciso que alguém permita essa condução (Silva, 2011, p. 36-37SILVA, Caroline. A Dança de Salão como Possibilidade de Qualificação das Relações (Intra) Interpessoais na Empresa. 2011. Dissertation (Masters in Education) – Programa de Pós-graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.).

Observe-se que a justificativa da autora em defesa da concepção binária da Dança de Salão sob o argumento de que a ação de conduzir é um papel masculino por convenção, determinado historicamente, parece desprezar as profundas modificações sociais atreladas às questões de gênero ao longo dos tempos e suas implicações nas relações entre praticantes desse gênero de dança na atualidade.

Apesar de incentivar o debate sobre a origem da condução na Dança de Salão, Zamoner (2007)ZAMONER, Maristela. Sexo e Dança de Salão. Curitiba: Protexto, 2007. parece estar de acordo com as ideias de Silva, uma vez que compreende a dama e o cavalheiro como personagens com responsabilidades pré-determinadas que podem ser interpretados por praticantes de diferentes gêneros. Na sua visão, o fato de as damas serem conduzidas por cavalheiros é uma mera característica da Dança de Salão, desvinculada de questões ideológicas:

É uma questão de historicidade da techné e não de ideologia. [...] Hoje, o cavalheiro permanece conduzindo a dama na Dança de Salão, por razões históricas que na sociedade atual foram superadas. [...] É nosso dever debater a origem do fenômeno da condução, esclarecendo que, embora a condução exista na Dança de Salão, o que deu origem a ela não existe mais (Zamoner, 2007, p. 131-133ZAMONER, Maristela. Sexo e Dança de Salão. Curitiba: Protexto, 2007. apud Strack, 2017, p. 37STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017.).

Apesar de o monopólio da condução pelos homens ser coerente com o espaço-tempo em que a cultura da Dança de Salão emergiu, é inconsistente afirmar que essa conduta é neutra, uma vez que não existe posicionamento livre de ideologias. Ainda, mesmo reconhecendo a ascensão social das mulheres, discorda-se da autora, pois o domínio do gênero masculino sobre o feminino está longe de ser superado.

Num posicionamento similar ao de Zamoner, Tiago Tonial (2011)TONIAL, Tiago. Dança de Salão e Lazer na Sociedade Contemporânea: um estudo sobre academias de Belo Horizonte. 2011. Dissertation (Masters in Leisure) – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., em sua dissertação que tematiza a Dança de Salão como atividade de lazer na sociedade contemporânea belorizontina, considera que os homens e as mulheres se sentem confortáveis com os papéis determinados pela Dança de Salão tradicional:

Os homens e mulheres aceitam seus papéis pré-definidos. Eles acabam por se acostumar com isso e de certa forma gostam, pois estão em um meio em que todos fazem, e em que o bom condutor e a boa conduzida são exaltados. Por isso, assumem esses papéis sem questionar. Os que questionam, geralmente, o fazem por dificuldade. Assim, as pessoas se preocupam em seguir essas regras do jogo que são preestabelecidas. O ponto fundamental é que uma Dança de Salão deixa de existir caso não tenha interação entre o par, pois esta não é uma dança individual (Tonial, 2011, p. 148TONIAL, Tiago. Dança de Salão e Lazer na Sociedade Contemporânea: um estudo sobre academias de Belo Horizonte. 2011. Dissertation (Masters in Leisure) – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.).

O autor explica a sua compreensão acerca do processo de interação entre o par:

[...] esse processo de condução, na medida em que se sofistica, não pode mais ser visto como algo unilateral, onde o condutor é o agente e o conduzido é passivo. Existe na verdade um processo de indução que acontece em mão dupla, onde ambos são constantemente condutor e conduzido. Porém, as decisões e o ponto inicial do estímulo sempre vão ser de um ator, o cavalheiro. E isso foi entendido como algo funcional na Dança de Salão e não algo que se liga ao machismo (Tonial, 2011, p. 148TONIAL, Tiago. Dança de Salão e Lazer na Sociedade Contemporânea: um estudo sobre academias de Belo Horizonte. 2011. Dissertation (Masters in Leisure) – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.).

A ideia de indução é compreendida como um avanço em relação à compreensão da condução tradicional, pois considera o papel ativo do conduzido na relação com o par, diferentemente das visões conservadoras que o subjugam a um papel passivo na dança. Entretanto, o autor defende que a iniciativa e o poder de decisão são atribuições daquele que conduz, colocando mais uma vez o homem como o responsável por propor na Dança de Salão.

Com um argumento semelhante ao de Tonial, Leonardo Siqueira (2017)SIQUEIRA, Leonardo. O Tango Livre: considerações de um tangueiro (dançarino e professor) ao método de Rodolfo Dinzel. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2017., autor de uma dissertação sobre o método de ensino dos professores argentinos Glória e Rodolfo Dinzel, substitui o termo condução por diálogo e justifica a sua adoção por considerar o papel ativo daquele que se permite conduzir:

A condução é um conceito em desuso, que deu lugar a ideia de diálogo, afinal, o proponente apenas sugestiona o primeiro movimento, o que vier adiante disso são improvisações e percepções de ambos. A mulher não se torna mais submissa à vontade do homem, e este, por sua vez, aguça os sentidos para perceber sua parceira e adaptar-se às suas proposições. Lembremos que esse diálogo deve ser respeitoso, nenhum dos participantes pode instaurar um monólogo, pois, caso isso aconteça, a unidade do casal se perde (Siqueira, 2017, p. 97SIQUEIRA, Leonardo. O Tango Livre: considerações de um tangueiro (dançarino e professor) ao método de Rodolfo Dinzel. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2017.).

O termo diálogo (de origem grega), etimologicamente composto dos elementos dia, que significa por intermédio de, e logos, que significa palavra, remete ao compartilhamento de verdades mais profundas de alguém (Ronqui, 2021RONQUI, Maikel. Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor. Jornal de Barretos Regional Online, Barretos, 18 mar. 2021. Available at: https://jornaldebarretos.com.br/artigos/fraternidade-e-dialogo-compromisso-deamor/. Accessed on: 4 Aug. 2022.
https://jornaldebarretos.com.br/artigos/...
); e o uso do termo para definir a relação estabelecida entre a dupla na Dança de Salão pressupõe, portanto, dois corpos interagindo de modo visceral, compartilhando intimidades pela palavra, que, neste caso, é a própria dança.

Sob essa ótica, transpor a ideia de diálogo para a Dança de Salão permite compreender o papel ativo das ações de conduzir e de deixar-se conduzir. Numa conversa, em que duas pessoas se alternam entre escutas e falas, quem escuta reage às falas da pessoa interlocutora com expressões faciais e corporais, gestos ou mesmo com a palavra propriamente dita. Na Dança de Salão, o corpo da pessoa que se deixa conduzir reage aos movimentos propostos pelo outro corpo, ou seja, teoricamente, tem liberdade para interpretar, por meio da sua corporeidade, a proposição de movimentos da pessoa que conduz. Contudo, a adoção de outra nomenclatura não implica, necessariamente, uma mudança na prática da Dança de Salão; pelo contrário, de modo geral, nas práticas conservadoras da Dança de Salão, espera-se da pessoa conduzida movimentos que correspondam exatamente às propostas da pessoa condutora, sendo essa exatidão o parâmetro para qualificar o seu desempenho na dança.

A substituição do termo condução pelo termo diálogo, quando não limitada ao discurso, constitui, de fato, uma mudança de paradigma, refletindo-se na dança das pessoas que conduzem nos bailes de Dança de Salão, bem como na práxis pedagógica dos docentes desse gênero de dança. Uma dança dialógica pressupõe que as pessoas que conduzem e as que se deixam conduzir sejam estimuladas, respectivamente, a sentirem uma à outra e a tomarem iniciativa. O discurso é efetivo quando dança com a prática.

Os estudos de Júlia Vieira (2019)VIEIRA, Julia. Sobre Aplicação do Princípio de Interação entre os Corpos da Dança Samba de Gafieira a Processos Criativos Teatrais. 2019. Dissertation (Master in Performing Arts) – Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, Universidade de Brasília, Brasília, 2019. acerca das potencialidades artísticas da dança Samba de Salão ampliam a ideia de diálogo na Dança de Salão, na medida em que compreendem a responsabilidade da comunicação na dança como algo a ser compartilhado entre os seus agentes – a pessoa que conduz e a que se deixa conduzir:

A condutora precisa saber quais são as possibilidades que ela tem para propor à conduzida com segurança, além de conhecer as possibilidades de resposta da conduzida, mesmo sabendo que pode vir alguma resposta diferente das que ela já conhece. [...] A pessoa que está sendo conduzida também precisa preparar seu corpo para estar atenta durante toda a dança e conhecer as suas possibilidades de resposta a fim de responder rapidamente, trazendo ou propondo outras dinâmicas para a dança (Vieira, 2019, p. 67VIEIRA, Julia. Sobre Aplicação do Princípio de Interação entre os Corpos da Dança Samba de Gafieira a Processos Criativos Teatrais. 2019. Dissertation (Master in Performing Arts) – Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, Universidade de Brasília, Brasília, 2019.).

Em outra perspectiva, Jonas Feitoza (2011)FEITOZA, Jonas Karlos de Souza. Danças de Salão: os corpos iguais em seus propósitos e diferentes em suas experiências. 2011. Dissertation (Masters in Dance) – Faculdade de Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011. defende a existência de um sistema de ações intencionais, no qual a dupla de dançarinos atua em coo-peratividade para um objetivo em comum, e propõe a superação da dualidade conduzir e deixar-se conduzir. O autor reflete sobre a interação entre a dupla na Dança de Salão a partir do procedimento que denominou cocondução, compreendido:

[...] como uma igualdade de propósitos, ou seja, as ações de ambos os corpos, mesmo com suas singularidades e distinções, objetivam a realização da dança (a dois). Para uma melhor compreensão dos processos cooperativos que ocorrem no corpo nas danças de salão, proponho a noção de corpohomólogo conjuntamente com o de cocondução como uma complementação para a formulação da hipótese de que quando dois corpos estão dançando juntos há uma cooperatividade em ambos para a ação da dança (Feitoza, 2011, p. 9-10FEITOZA, Jonas Karlos de Souza. Danças de Salão: os corpos iguais em seus propósitos e diferentes em suas experiências. 2011. Dissertation (Masters in Dance) – Faculdade de Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.).

O entendimento do ato de conduzir como uma ação cooperativa possibilita uma nova forma de interação entre quem conduz e quem se deixa conduzir. A dança se desenvolve como uma conversa, na qual uma pessoa fala e outra responde com uma nova proposição, em acréscimo ou contraposição, àquela que iniciou o diálogo, conforme o excerto a seguir:

Se dança é comunicação corporal, então supõe-se que há troca de ideias. Se há esta troca, então os dois falam. Há um proponente e outro que recebe esta proposta e a contrapõe ou acrescenta algo a ela. Isso gera uma nova proposta, que pede uma contraproposta e assim por diante. Assim é que, homem e mulher se revezam nos papéis de condutor e conduzido; ou líder e seguidor. É como uma conversa, uma troca de ideia realmente (Nogueira, 2009 apud Feitoza, 2011, p. 25FEITOZA, Jonas Karlos de Souza. Danças de Salão: os corpos iguais em seus propósitos e diferentes em suas experiências. 2011. Dissertation (Masters in Dance) – Faculdade de Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.).

De acordo com Feitoza (2011)FEITOZA, Jonas Karlos de Souza. Danças de Salão: os corpos iguais em seus propósitos e diferentes em suas experiências. 2011. Dissertation (Masters in Dance) – Faculdade de Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011., a hierarquização entre os papéis na Dança de Salão não faz sentido, pois a movimentação de um dos agentes da dupla interfere na do outro. Nessa perspectiva, tem-se uma pesquisa de doutorado realizada pelo professor Rodrigo Vecchi (2012)VECCHI, Rodrigo. O Ensino da Dança de Salão Pautado na Teoria do ‘Teaching for Understanding’ (TfU). 2012. Thesis (Doctorate in Physical Education) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2012., que compreende que a Dança de Salão acontece no encontro de dois corpos, na disponibilidade, comunicação e expressão dos agentes da dupla em uma única linguagem. Segundo o autor:

Na Dança de Salão ou Dança Social, todo esse contexto relacionado às expressões individualizadas deve dar lugar ao dançar a dois, cuja relação entre um ‘eu’ e um ‘tu’ faz com que o corpo necessite trocar sentimentos, a fim de construir uma única linguagem, vivida em ambas as posições (condutor e conduzido). Quando estabelecido esse contato unidual pelo casal, ambos devem se preocupar, um com o outro, nas formas de se expressarem e se comunicarem. O movimento, que por sua vez é criado com o ato de dançar, passa a ser construído pela relação com o parceiro, e esse corpo único tornase agente construtor desses movimentos (Vecchi, 2012, p. 7VECCHI, Rodrigo. O Ensino da Dança de Salão Pautado na Teoria do ‘Teaching for Understanding’ (TfU). 2012. Thesis (Doctorate in Physical Education) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2012.).

A ideia de corpo unidual, descrito por Vecchi (2012)VECCHI, Rodrigo. O Ensino da Dança de Salão Pautado na Teoria do ‘Teaching for Understanding’ (TfU). 2012. Thesis (Doctorate in Physical Education) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2012., como viabilizador do ato de dançar a dois pode ser compreendida de forma aproximada do que se costuma denominar conexão: relação causal entre a dupla, que se dá por meio de um jogo de ação e reação, que viabiliza que ambos os componentes se comuniquem e se movam por meio do contato físico (Santos, 2016SANTOS, Sérgio. A Conexão Dançante: ampliação das possibilidades de condução em danças a dois. 2016. 24 f. Undergraduate thesis (Bachelor of Education in Dance) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. Available at: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/34568. Accessed on: 1 Aug. 2022.
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).

De modo geral, os estudos realizados permitem inferir que as funções de conduzir e deixar-se conduzir tendem a ser problematizadas e ressignificadas pelos profissionais da Dança de Salão, que atualmente as compreendem como cooperativas e complementares. Entretanto, mesmo reconhecendo esse progresso, pesquisadores do campo da Dança, a partir de uma perspectiva feminista, problematizam o fato de a condução ainda ser um monopólio dos homens na Dança de Salão tradicional.

Com o intuito de subverter a lógica heteropatriarcal da Dança de Salão tradicional, desenvolvem-se formas alternativas de comunicação e expressão dessa manifestação sociocultural, apresentadas, em linhas gerais, no tópico seguinte.

Formas alternativas de comunicação na Dança de Salão

Como reflexo do avanço dos estudos de gênero e sexualidade, assim como das conquistas sociais das mulheres no mundo, pesquisadores, em sua maioria mulheres, dedicam-se a criar propostas artísticas e pedagógicas com o intuito de desconstruir, ou, pelo menos, minimizar concepções e posturas machistas impregnadas nas práticas tradicionais da Dança de Salão.

Os pesquisadores Carolina Polezi e Anderson Martins (2019)POLEZI, Carolina; MARTINS, Anderson. Condução e Contracondução na Dança de Salão. Horizontes, Itatiba, v. 37, p. 1-14, 2019. se utilizam do conceito de contraconduta6 6 Entendida aqui como uma abertura de novas possibilidades, que, apesar do estranhamento, pode se opor às condutas estabelecidas, a contraconduta pode ser considerada um ato de resistência e liberdade, não somente para os parâmetros sociais, mas também sobre nós mesmos (Polezi; Martins, 2019, p. 9-10). (Foucault, 1995FOUCAULT, Paul Michael. O Sujeito e o Poder. In: RABINOW, Paul; HUBERT, Dreyfus; FOUCAULT, Paul Michael. Uma Trajetória Filosófica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 231-249.) para denominar o conjunto de iniciativas de pesquisadores e docentes que visam à subversão da lógica binária da Dança de Salão tradicional. Apesar das particularidades de cada proposta, cada uma delas visa à construção de uma Dança de Salão mais equânime para mulheres e homens. De acordo com os autores:

[...] o conceito de contraconduta pode ser explorado de três formas. A primeira buscar ‘escapar’ das condutas conhecidas dos movimentos padrão de cada ritmo, ampliando a criatividade e trazendo outras vivências e experiências para essas danças. A segunda é de contraconduzir os discursos incutidos na Dança de Salão estereotipando essa prática e não permitindo a evolução crítica da mesma, que se mantém estruturalmente inalterada há mais de um século. Por fim, o conceito de contraconduta é a oposição a uma estrutura desigual de gênero e sexista perpetuada pelas estruturas da Dança de Salão ao colocar a mulher sob um papel secundário na criação e proposição dos movimentos, da musicalidade, da espacialização e da expressão. Por outro lado, a contraconduta também tem um sentido pessoal de reflexão interior de não aceitar o hábito, a repetição, a cópia e a ordem estabelecida. Ao modificar a conduta e com o corpo desenhar uma nova forma de dançar, expressamos através de movimentos nossa visão de mundo naquele instante efêmero do movimento. Isso quer dizer que a contraconduta na Dança de Salão pode ser utilizada como uma prática de se conduzir diferente do conhecido e como exercício de análise dos atravessamentos discursivos aos quais os corpos estão subordinados na dança, possibilitando a multiplicação de discursos e abertura para novas possibilidades de criação (Polezi; Martins, 2019, p. 10-11POLEZI, Carolina; MARTINS, Anderson. Condução e Contracondução na Dança de Salão. Horizontes, Itatiba, v. 37, p. 1-14, 2019.).

Muitas são as iniciativas de contraconduta relacionadas a modos particulares de ensinar ou praticar a Dança de Salão criados e desenvolvidos no Brasil; e o mapeamento desse amplo conjunto, no tempo e espaço, escapa aos propósitos deste trabalho, que opta por considerar apenas as iniciativas registradas em produções acadêmicas.

Uma dessas iniciativas considerada particularmente interessante é proposta pela dançarina e professora de Dança de Salão Sheila Santos (2013)SANTOS, Sheila. O Diálogo Dançante da Dama Contemporânea. Dança em Pauta, 20 May 2013. Available at: http://www.dancaempauta.com.br/site/artigo/o-dialogo-dancante-da-dama-contemporanea/. Accessed on: 7 Aug. 2022.
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, que, a partir da inquietude de ter seus movimentos determinados por outras pessoas, experimenta um papel mais ativo na dança com o seu parceiro, o que lhe possibilita autonomia para se expressar através de movimentações não conduzidas. Com o intuito de ensinar outras mulheres a se relacionarem de forma mais propositiva na Dança de Salão, Santos sistematiza um método, composto por quatro estágios, que possibilitam ao cavalheiro e à dama (nomenclatura que ela conserva) exercitarem-se em diferentes formas de condução.

No estágio 1, o cavalheiro conduz todas as movimentações da dama, a quem cabe executar precisamente as propostas, sem realizar qualquer enfeite7 7 Termo utilizado para denominar movimentações não conduzidas, realizadas pela pessoa conduzida com objetivo estético, sem interferir na movimentação da pessoa condutora. Exemplo: deslizar a mão pelo cabelo enquanto realiza um giro no forró. Também se utiliza o termo adorno. . No estágio 2, o cavalheiro conduz, criando variações nos contatos, direções e dinâmicas, cabendo à dama, além da execução precisa da movimentação correspondente à proposta, a realização de enfeites envolvendo as partes do corpo que estiverem disponíveis, sem interferir no tempo da música e na proposta do condutor. No estágio 3, o cavalheiro propõe alguns silêncios de condução, possibilitando espaços às proposições da dama, que pode, por exemplo, optar por usar mais tempo para realizar enfeites. Finalizada a proposta da dama, o condutor retoma a condução, e assim por diante. Por fim, no estágio 4, a dama interfere na dança do cavalheiro, solicitando mais tempo para realizar determinado enfeite ou modificando a proposta inicial do seu parceiro. O cavalheiro, por sua vez, deve estar preparado para entender e respeitar essas interferências, inclusive modificar a sua ideia inicial, de modo a corresponder a uma proposta da dama, ou seja, ambos devem estar atentos para observar a finalização de cada proposta e retomar a condução.

Reconhecendo os avanços da proposta de Santos em relação aos modelos tradicionais, a pesquisadora Míriam Strack (2017)STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017., em trabalho dedicado à análise dos modos de comunicação alternativos na Dança de Salão, problematiza algumas questões:

Essa proposta, apesar de já trazer alguns aspectos divergentes do tradicional, como fazer com que o Cavalheiro fique atento aos movimentos corporais da Dama para conseguir atender aos seus pedidos de tempo e movimento, ainda enquadra-se dentro da dominação masculina. O Cavalheiro ao fazer ‘silêncios’ na condução para a Dama e ao ‘deixar’ que ela utilize um pouco mais de tempo, ou modifique um movimento, ainda está controlando-a, pois é ele quem decide quando e como dar esse espaço a ela. A Dama recebe, ou pede, um pequeno espaço/tempo para expressar-se livremente. Espaço/tempo esses que logo em seguida lhe são tirados novamente (Strack, 2017, p. 64STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017.).

Apesar dos limites apontados por Strack (2017)STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017. em relação à proposta de Santos (2013)SANTOS, Sheila. O Diálogo Dançante da Dama Contemporânea. Dança em Pauta, 20 May 2013. Available at: http://www.dancaempauta.com.br/site/artigo/o-dialogo-dancante-da-dama-contemporanea/. Accessed on: 7 Aug. 2022.
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, considera-se o desenvolvimento dos quatro estágios, em que a conduzida vai adquirindo autonomia à medida que avança de nível, uma estratégia significativa para o ensino de uma Dança de Salão que amplie o protagonismo das mulheres. Contudo, cabe salientar que esse protagonismo está relacionado a uma atitude mais propositiva da própria conduzida, e não ao fato de ela ser a responsável por trazer beleza à dança, conforme apregoa o discurso dominante sobre a Dança de Salão tradicional.

De modo geral, esses discursos reforçam valores de uma sociedade patriarcal, pois dita modos de como as pessoas devem se comportar e se relacionar nos espaços onde a Dança de Salão se pratica. Ou seja, a ação de conduzir é monopolizada pelo homem, enquanto a mulher é submetida a um papel passivo, de segui-lo, realizando movimentações próprias apenas nos momentos em que ele permite. Nesse sentido, Polezi e Silveira (2017)POLEZI, Carolina; SILVEIRA, Paola. Contracondutas no Ensino e Prática da Dança de Salão: a dança de salão queer e a condução compartilhada. Presencia, Montevideo, n. 2, p. 67-83, 2017. consideram que a condução “[...] impõe um padrão de movimento ao mesmo tempo em que insere nos estereótipos de gênero aqueles que dançam e como essa relação de poder deve ser estabelecida” (Polezi; Silveira, 2017, p. 68POLEZI, Carolina; SILVEIRA, Paola. Contracondutas no Ensino e Prática da Dança de Salão: a dança de salão queer e a condução compartilhada. Presencia, Montevideo, n. 2, p. 67-83, 2017.). Segundo as autoras:

A relação de poder dos homens sobre as mulheres na Dança de Salão é expressada principalmente através da condução, que é o ato de o homem levar a mulher a realizar os movimentos dancísticos, enquanto ela responde aos estímulos. Ao observar a comunicação entre os corpos, percebemos uma dança rígida, ou seja, fechada, cuja base se constitui através dos movimentos e estímulos aprendidos no início do século XX, quando a Dança de Salão se estruturava pela primeira vez no formato que atualmente carrega (Polezi; Silveira, 2017, p. 68POLEZI, Carolina; SILVEIRA, Paola. Contracondutas no Ensino e Prática da Dança de Salão: a dança de salão queer e a condução compartilhada. Presencia, Montevideo, n. 2, p. 67-83, 2017.).

Em contraposição ao modelo tradicional de comunicação na Dança de Salão, Polezi propõe a chamada Condução Compartilhada, forma alternativa de relação entre a dupla, motivada por situações práticas vivenciadas pela própria autora nas quais, em função da crença de que a Dança de Salão deve ser pensada exclusivamente pelos homens, teve a sua criatividade inibida pelo parceiro (Polezi; Silveira, 2017POLEZI, Carolina; SILVEIRA, Paola. Contracondutas no Ensino e Prática da Dança de Salão: a dança de salão queer e a condução compartilhada. Presencia, Montevideo, n. 2, p. 67-83, 2017.). De acordo com Polezi e Silveira (2017)POLEZI, Carolina; SILVEIRA, Paola. Contracondutas no Ensino e Prática da Dança de Salão: a dança de salão queer e a condução compartilhada. Presencia, Montevideo, n. 2, p. 67-83, 2017., a Condução Compartilhada:

[...] tem como principal objetivo ampliar a participação artística da mulher na dança e também desenvolver maior sensibilidade no homem, que deverá mesclar ação (sua condução do movimento) com a resposta ao estímulo da dama. Nessa pedagogia, a mulher participa ativamente da composição e criação da dança uma vez que ela também se torna condutora e propositora de movimentos, ou seja, a condução seria compartilhada entre homem e mulher de forma igualitária (Polezi; Silveira, 2017, p. 76POLEZI, Carolina; SILVEIRA, Paola. Contracondutas no Ensino e Prática da Dança de Salão: a dança de salão queer e a condução compartilhada. Presencia, Montevideo, n. 2, p. 67-83, 2017.).

O compartilhamento da condução possibilita a experiência de conduzir e de deixar-se conduzir a ambos agentes da dupla. Nesse sentido, ainda que a condução não seja compartilhada de forma igualitária, o exercício de desenvolvê-la pode aprimorar a habilidade de escuta da pessoa condutora, assim como a busca de espaços para interferir na dança por parte de quem se permite conduzir.

Os estudos de Brigitte Wittmer (2017)WITTMER, Brigitte. Dançar a Dois: a proposta para um diálogo ampliando as possibilidades. 2017. 25 f. Undergraduate thesis (Bachelor in Dance) – Faculdade Angel Vianna, Rio de Janeiro, 2017. Available at: https://www.academia.edu/34554282/DAN%C3%87AR_A_DOIS_A_PROPOSTA_PARA_UM_DI%C3%81LOGO_Ampliando_as_possibilidades. Accessed on: 1 Aug. 2022.
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propõem a ampliação do diálogo entre as duplas de dançarinos na Dança de Salão a partir da quebra dos vínculos entre os estereótipos de gênero e determinados passos a eles associados. De acordo com a pesquisadora:

Através de um diálogo corporal constante realizado entre o par que está dançando é ‘negociado’, em comunhão, quem propõe e quem segue, isso com a possibilidade de mudança a qualquer instante e/ou constantemente. Esse diálogo dá liberdade para os dois de dizerem sim e não (Wittmer, 2017, p. 17WITTMER, Brigitte. Dançar a Dois: a proposta para um diálogo ampliando as possibilidades. 2017. 25 f. Undergraduate thesis (Bachelor in Dance) – Faculdade Angel Vianna, Rio de Janeiro, 2017. Available at: https://www.academia.edu/34554282/DAN%C3%87AR_A_DOIS_A_PROPOSTA_PARA_UM_DI%C3%81LOGO_Ampliando_as_possibilidades. Accessed on: 1 Aug. 2022.
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).

Da ampliação da ideia de diálogo decorre uma proposta de comunicação em que a condução é mais igualitária, significando maior liberdade expressiva para a Dança de Salão, uma vez que dissolve os papéis de condutor e conduzido em uma dança fluida, na qual não é possível determinar um condutor. Trata-se da denominada condução mútua, definida como:

[...] uma prática de comunicação na Dança de Salão que rompe com as estruturas hierárquicas, inclusive com àquelas subjacentes aos papéis definidos de “condutor/a’’ e ‘conduzido/a’ [...] Ou seja, para além da alternância dos papéis e de seu descolamento em relação ao gênero, nesse modelo ambos são conduzidos e conduzem simultaneamente. Entendemos que esse modelo ‘evita operar com os dualismos, que acabam por manter a lógica da subordinação’ (LOURO, 2001, p. 552LOURO, Guacira Lopes. Teoria Queer: uma política pós-identitária para a educação. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 541-553, 2001.), pois ele suprime até mesmo o dualismo condutorconduzido, uma vez que impossibilita, no fluxo da dança, a identificação de quem origina os movimentos (Pazetto; Samways, 2018, p. 175-176PAZETTO, Debora; SAMWAYS, Samuel. Para Além de Damas e Cavalheiros: uma abordagem queer das normas de gênero na dança de salão. Educação, Artes e Inclusão, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 157-179, 2018.).

A condução mútua exige uma formação específica dos dançarinos para que os corpos consigam se comunicar simultaneamente. A metodologia utilizada para a preparação corporal desses intérpretes envolve técnicas de consciência corporal, educação somática, artes marciais e contatoimprovisação, o que diferencia suas práticas daquelas tradicionalmente propostas nas aulas de Dança de Salão.

Defendida por seus proponentes como uma estratégia educativa queer, a condução mútua tende a contribuir para a ressignificação da cultura da Dança de Salão, na medida em que promove uma comunicação entre corpos únicos, singulares e provisórios que é livre, portanto, de imposições de movimentos, estilos e papéis de gênero predefinidos (Pazetto; Samways, 2018PAZETTO, Debora; SAMWAYS, Samuel. Para Além de Damas e Cavalheiros: uma abordagem queer das normas de gênero na dança de salão. Educação, Artes e Inclusão, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 157-179, 2018.).

Na busca por uma Dança de Salão mais igualitária, destaca-se a Dança de Salão Queer, que não é propriamente um método, mas “[...] uma nova maneira de produzir e pensar a Dança de Salão, uma constante experimentação desses possíveis modos de dançar a dois, respeitando a instabilidade e a fluidez das identidades que nela se constroem” (Polezi; Silveira, 2017, p. 75POLEZI, Carolina; SILVEIRA, Paola. Contracondutas no Ensino e Prática da Dança de Salão: a dança de salão queer e a condução compartilhada. Presencia, Montevideo, n. 2, p. 67-83, 2017.).

Para além das fronteiras da Dança de Salão que se desenvolve nos bailes e nas escolas de dança, destaca-se a proposta cênica de Dança Salão Queer do Coletivo Casa 4 de Salvador (BA), constituído por dançarinos gays, cujos espetáculos são criados a partir de vivências pessoais. Com o intuito de problematizar o machismo e a homofobia impregnados no ambiente da Dança de Salão, a proposta do coletivo rompe com o binarismo clássico da Dança de Salão tradicional, uma vez que parte do gestual dessa dança, sem se limitar a ele.

Entende-se que a Dança de Salão desenvolvida a partir de uma perspectiva queer contribui para que homens e mulheres sejam capazes de desempenhar as ações de conduzir e deixar-se conduzir, assim como para que pessoas do mesmo gênero possam dançar juntas, significando novas formas de expressão, especialmente para as mulheres, que têm a sua criatividade frequentemente tolhida na Dança de Salão tradicional. As reflexões de Silveira (2018)SILVEIRA, Paola. Os Papéis de Gênero na Dança de Salão: pela urgência do fim da boa dama. In: CONGRESSO DA ABRACE, 10., 2018, Natal. Annals [...]. Natal: ABRACE, 2018. p. 1-18. sobre a sua arte ilustram essa perspectiva ampliada de compreensão dos corpos femininos:

Eu tenho buscado propor uma trans-Dança de Salão onde seja possível vivenciar, esses estados de compartilhamento para além dos corpos visíveis, onde se possa instaurar experiências entre os participantes. Todavia, acredito que mesmo que haja esse desejo de conexão entre os corpos que independe do gênero, percebo a importância de acessarmos outras qualidades de movimento enquanto mulheres durante a dança a dois. Trago isso principalmente depois de perceber os corpos de dançarinas que passaram anos em processos formativos que convocavam apenas a leveza e a graciosidade. O que torna mais difícil o acesso desses corpos a experiências de aterramento e enraizamento (Silveira, 2018, p. 15SILVEIRA, Paola. Os Papéis de Gênero na Dança de Salão: pela urgência do fim da boa dama. In: CONGRESSO DA ABRACE, 10., 2018, Natal. Annals [...]. Natal: ABRACE, 2018. p. 1-18.).

A Dança de Salão Queer, assim como outras práticas que visam à subversão dos papéis da Dança de Salão tradicional, inspiram-se no movimento denominado Tango Queer, iniciado em Buenos Aires (AR), em meados dos anos 2010. De acordo com Maria Liska (2019, p. 2):

[...] a proposta queer foca seu olhar no aspecto sócio-comunicativo que, como os estudos queer, rejeita a discriminação causada pelas regulamentações de construção dos gêneros. Possui um discurso verbal a partir do qual se sustenta um ensino que não pressupõe a orientação sexual de quem dança ou a obrigação de ocupar determinado papel no casal, criando a possibilidade de dançar sem se enquadrar nas normas sociais do tango tradicional (tradução nossa).

Esse tipo de proposta objetiva a ampliação das formas de comunicação e conduta na Dança de Salão, contribuindo para a superação do discurso dominante de práticas sustentadas pelo modelo binário de gênero. Para Louro (2004)LOURO, Guacira. Lopes. Um Corpo Estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., as teorias queer possibilitam refletir acerca da ambiguidade, da multiplicidade e da fluidez das identidades sexuais e de gênero, permitindo pensar novas formas de trabalhar a cultura e a educação.

Nesse sentido, cabe mencionar algumas artistas de outros campos que trabalham na perspectiva de questionamento do binarismo de gênero. A escritora, atriz e cantora argentina Susy Shock se reconhece como artista trans sudaca8 8 Termo depreciativo utilizado para se referir a pessoas nascidas na América do Sul. e tem uma obra que reflete sobre corporeidades dissidentes da norma, que costumam ser desconsideradas pela Dança de Salão tradicional. Shock contribui para a cena queer pelo ativismo da sua arte, caracterizado na citação a seguir:

Eu, reivindico o meu direito de ser um monstro, nem macho nem fêmea, nem XXY nem H2o, monstro do meu desejo, carne de cada uma das minhas pinceladas, tela azul do meu corpo, pintor da minha caminhada, não quero mais títulos para carregar, não quero mais postes ou cacifos para caber ou o nome certo que qualquer ciência me reserva, sou uma borboleta alheia à modernidade, à pósmodernidade e à normalidade (Shock, 2021, p. 91, tradução nossa).

Em âmbito nacional, destacam-se as investigações dos docentes e artistas Dodi Leal e André Rosa (2020, p. 11)LEAL, Dodi; ROSA, André. Transgeneridades em Performance: desobediências de gênero e anticolonialidades das artes cênicas. Revista Brasileira Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 10, n. 3, 2020., que compreendem o corpo como “[...] uma forma de intervir, agir e criar práticas críticas de reconhecimento de subjetividades [...]”. Eles despontam algumas artistas da área da música, cujas propostas afetam o universo da Dança de Salão, na medida em que ex-trapolam os enquadramentos da sociedade cis-heteronormativa. O pioneirismo da multiartista Alice Marcone, da cidade de Valinhos (SP), na criação do estilo Travanejo, ; a estética do cangaço trans da cantora Isis Broken, de Aracaju (SE); o trabalho da cantora e pastora evangélica baiana Ventura Profana, que compreende sua atuação artística como um manifesto a favor das vidas dissidentes; a dupla Irmãs de Pau, formada pelas multiartistas Isma Almeida, de Uberlândia (MG), e Vita Pereira, de Araraquara (SP); e a premiada cantora de rap Jup do Bairro, de São Paulo (SP), são representativos de um intenso movimento de pessoas transexuais e não binárias que contribui para a desmistificação dos corpos nos ambientes onde se ensina a Dança de Salão, demandando pedagogias que contemplem a diversidade dos modos de ser e de existir dos seus praticantes.

Um exemplo de pedagogia não binária com base no pensamento queer desenvolve-se na escola Ata-me, de Belo Horizonte (MG), iniciativa idealizada pela professora de dança Laura James, mulher transexual e ativista queer, organizadora do Forró Queer, na qual os praticantes são estimulados a aprender ambos os papéis e a formar pares de dança independentes de gênero (Pazetto; Samways, 2018PAZETTO, Debora; SAMWAYS, Samuel. Para Além de Damas e Cavalheiros: uma abordagem queer das normas de gênero na dança de salão. Educação, Artes e Inclusão, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 157-179, 2018.).

Outra proposta no sentido da ampliação do protagonismo feminino na Dança de Salão é desenvolvida por Strack (2017)STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017. pela sistematização de estágios, denominados territórios, que visam à autonomia crescente das mulheres no processo de comunicação entre a dupla de dançarinos. A noção de território, conforme concebida por Strack, contribui para pensar as diferentes possibilidades de comunicação e expressão na Dança de Salão.

Primeiro território: condução tradicional: os homens/Cavalheiros decidem os passos a serem feitos e as mulheres/Damas apenas seguem. [...] Segundo território: com enfeites. As mulheres/Damas ganham autorização para realizar enfeites, desde que não atrapalhem a condução do homem/Cavalheiro. Terceiro território: silêncios na condução: os homens/Cavalheiros podem fazer silêncios na condução para que as mulheres/Damas possam utilizar mais tempo em seus enfeites (SANTOS, 2016SANTOS, Sérgio. A Conexão Dançante: ampliação das possibilidades de condução em danças a dois. 2016. 24 f. Undergraduate thesis (Bachelor of Education in Dance) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. Available at: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/34568. Accessed on: 1 Aug. 2022.
https://repositorio.ufrn.br/handle/12345...
). Quarto território: influência da Dama: as mulheres/Damas podem utilizar seus próprios movimentos para influenciar as próximas conduções dos homens/Cavalheiros, bem como os devidos deslocamentos, dinâmica de movimentos e musicalidade. Esses, por sua vez, podem inclusive permitir que elas proponham passos, mas sempre retomando a condução para si em algum momento. Quinto território: tango queer. Os papéis de quem conduz e de quem é conduzido não são mais associados ao gênero. Homens e mulheres aprendem os dois papéis e podem escolher qual dos dois utilizar ao dançar. Sexto território: diálogo corporal com ambas as pessoas do par sabendo propor e seguir, é possível estabelecer um diálogo corporal ao dançar. Não é mais necessário definir quem irá desempenhar qual papel, pois o mesmo será naturalmente cambiante durante a dança, de acordo com a vontade do par. Sétimo território: comunhão (dissolução total da condução). Aqui há uma dissolução total de qualquer tipo de condução ou proposição. Nesse ponto o par atinge experiências de fluxo e não sabem mais dizer quem foi que iniciou o passo. A sensação é de duas pessoas dançando como um corpo só (Strack, 2017, p. 101-102STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017.).

Os sete territórios delimitados por Strack (2017)STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017. apresentam, em certa medida, um panorama das formas possíveis de comunicação entre a dupla de dançarinos. Os territórios são organizados de forma progressiva: à medida que o estágio avança, mais equânime se torna a dança. O primeiro território se constitui em uma dança completamente conduzida, enquanto o último propõe a total dissolução da condução, momento em que os papéis de condutores e conduzidos são extintos.

No intuito de contribuir com aqueles que se identificam com uma abordagem feminista na Dança de Salão, Strack (2017)STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017. compartilha aspectos que considera relevantes na prática e no ensino desse gênero de dança: valorização dos repertórios corporais preexistentes; compreensão do erro como possibilidade; ensino das ações de conduzir e deixar-se conduzir a homens e mulheres; favorecimento da possibilidade de troca ou ausência de papéis; adoção de uma nova terminologia; desenvolvimento da comunicação corporal e da conexão consigo próprio, com o par, com o espaço (incluindo os outros pares) e com a música (Strack, 2017STRACK, Miriam. Dança de Salão: cartografia de uma abordagem feminista. 2017. Dissertation (Masters in Arts) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2017.).

As propostas mencionadas até aqui constituem uma mostra da diversidade de formas de comunicação entre a dupla na Dança de Salão, cuja intenção não é esgotar o tema, mas propiciar a interlocução com pesquisadores que discutem novas possibilidades de comunicação na Dança de Salão, a fim de contribuir para uma dança equânime e acessível para pessoas de diferentes gêneros, biotipos, faixas-etárias, orientações sexuais, dentre outros grupos identitários.

Para além das padronizações: gênero e suas interseções

A Dança de Salão em geral, como prática de caráter social ou como atividade artística, é atravessada por discursos relacionados à corporeidade, à sexualidade e a questões de gênero e de faixa etária, entre outros, cujos significados nem sempre são compreendidos ou conscientizados pelos seus praticantes. Nesse sentido, considera-se que o planejamento e a criação de pedagogias que se pretendam acessíveis e inclusivas de Dança de Salão não podem prescindir da reflexão crítica sobre esses discursos.

De modo geral, a problematização das ações de conduzir e deixar-se conduzir na Dança de Salão evidencia o sexismo latente nas concepções tradicionais desse gênero de dança. Logo, compreender a Dança de Salão a partir do binarismo de gênero não apenas limita a comunicação entre as duplas, como também reduz a capacidade expressiva dos agentes.

Em oposição ao discurso determinista de que o gênero é definido pelo sexo biológico, Judith Butler (2003)BUTLER, Judith Pamela. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Translation: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. refere-se ao gênero como uma performance culturalmente construída a partir da repetição de ações estilizadas, opondo-se aos discursos dominantes que consideram o gênero uma disposição natural ou uma essência do ser humano.

Ampliando a conceituação de Butler (2003)BUTLER, Judith Pamela. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Translation: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., Paul Preciado (2014)PRECIADO, Beatriz. Manifesto Contrassexual. São Paulo: N-1 edições, 2014. considera que [...] “[...] o gênero não é simplesmente performativo (isto é, um efeito das práticas culturais linguístico-discursivas)”, mas “[...] antes de tudo, prostético, ou seja, não se dá senão na materialidade dos corpos. É puramente construído e ao mesmo tempo, inteiramente orgânico” (Preciado, 2014, p. 29PRECIADO, Beatriz. Manifesto Contrassexual. São Paulo: N-1 edições, 2014.).

O conceito de gênero como performance (Butler, 2003BUTLER, Judith Pamela. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Translation: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.), fruto de construções sociais que se mantêm pela repetição de padrões, supera largamente a noção determinista dos papéis de gênero, reforçada pelas visões conservadoras de Dança de Salão. Da mesma forma, a noção de materialidade do gênero (Preciado, 2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto Contrassexual. São Paulo: N-1 edições, 2014.) amplia esse entendimento por também considerar que as pessoas que não se identificam com o sexo designado a elas ao nascer.

Essa compreensão é especialmente relevante à problematização dos ambientes de Dança de Salão tradicional, nos quais a identidade transgênera, principalmente das pessoas sem passabilidade9 9 Refere-se ao reconhecimento de uma pessoa que transicionou, ou que está em processo de transição de gênero, ao gênero com o qual ela se identifica. , é frequentemente desconsiderada. Um exemplo disso costuma ocorrer em salas de aula de escolas de dança, onde mulheres transexuais ou travestis, identificadas arbitrariamente pelo sexo biológico, e não pelo gênero com que se identificam, são constrangidas a desempenhar a função de conduzir. Para a psicóloga, ativista e professora Jaqueline Gomes de Jesus, a adequação dos corpos das pessoas transexuais ao gênero ocorre:

[...] de forma autônoma e desassociada do sexo. As identidades pessoais e sociais de mulheres e homens transexuais, diferentemente das de mulheres e homens biológicos, não estão de acordo com o que socialmente se esperaria de seus sexos, ou mais especificamente, de seus órgãos genitais (Jesus, 2010, p. 3JESUS, Jaqueline Gomes. Pessoas Transexuais como Reconstrutoras de Suas Identidades: reflexões sobre o desafio do direito ao gênero. In: SIMPÓSIO GÊNERO E PSICOLOGIA SOCIAL: DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES, 1., 2010, Brasília. Electronic Annals [...]. Brasília: UnB, 2010. p. 80-89. Available at: http://generoepsicologiasocial.org/wpcontent/uploads/Anais_do_Simposio_Genero_e_Psicologia_Social2010.pdf. Accessed on: 8 Feb. 2023.
http://generoepsicologiasocial.org/wpcon...
).

De modo geral, observa-se que as concepções contemporâneas de Dança de Salão defendem a desconstrução da estrutura cis-heteropatriarcal, principalmente no que se refere à expectativa em relação aos modos de mover e de se relacionar na dança, o que tende a contribuir para que os ambientes da Dança de Salão se tornem acolhedores para as pessoas dissidentes da norma. Porém, na grande maioria das práticas de Dança de Salão, as formas de como seus praticantes se movimentam ainda tendem a um conservadorismo atrelado a estereótipos de gênero com base no sexo biológico, o que se revela especialmente limitador para os corpos femininos.

No convívio cotidiano com artistas, professoras, pesquisadoras e dançarinas de salão, é possível constatar que nem toda mulher se sente confortável para se movimentar de maneira sensual e graciosa, como costumam determinar as formas tradicionais culturalmente difundidas e solidificadas pelas pedagogias binárias de Dança de Salão. Por exemplo, posicionar as mãos na cintura ou exibir-se, acariciando partes do corpo com elas, não são considerados movimentos expressivos por todas as mulheres, o que leva a pensar que, independentemente do gênero performado, a expressividade na Dança de Salão é uma experiência particular para cada pessoa.

Além do modo como se move, cada mulher desenvolve formas próprias de se comunicar com o seu parceiro ou parceira: algumas delas preferem ser apenas conduzidas, deixando-se levar pelas propostas de quem as conduz; outras necessitam participar mais ativamente do processo de condução, compartilhando ou propondo movimentações; outras, ainda, conseguem expressar sua dança somente na total dissolução da condução.

Nesse sentido, Silveira (2018)SILVEIRA, Paola. Os Papéis de Gênero na Dança de Salão: pela urgência do fim da boa dama. In: CONGRESSO DA ABRACE, 10., 2018, Natal. Annals [...]. Natal: ABRACE, 2018. p. 1-18., dançarina, professora e pesquisadora de Dança de Salão Queer, relata sua experiência com a Dança de Salão tradicional:

Um corpo inquieto que nunca se sentiu parte desse universo, por desejar mais possibilidades de se relacionar com o outro ao dançar, para além do estado de ter que ser conduzida. Esse fato, no primeiro momento, parecia ser algo apenas referente ao formato de como a dança era feita. Ao longo dos anos, essa questão foi ganhando densidade e implicações políticas no meu corpo, pois foi ficando nítido que os incômodos e inquietações presenciadas decorriam de uma experiência de dançar vinda de um corpo de mulher (Silveira, 2018, p. 1SILVEIRA, Paola. Os Papéis de Gênero na Dança de Salão: pela urgência do fim da boa dama. In: CONGRESSO DA ABRACE, 10., 2018, Natal. Annals [...]. Natal: ABRACE, 2018. p. 1-18.).

Infelizmente, experiências semelhantes à relatada por Silveira (2018)SILVEIRA, Paola. Os Papéis de Gênero na Dança de Salão: pela urgência do fim da boa dama. In: CONGRESSO DA ABRACE, 10., 2018, Natal. Annals [...]. Natal: ABRACE, 2018. p. 1-18. são recorrentes nos ambientes de Dança de Salão tradicional. Mulheres e homens que não correspondem aos estereótipos de gênero são alvos frequentes de críticas em aulas ou bailes frequentados pelo público conservador. A estrutura heteropatriarcal da sociedade não apenas oprime as mulheres, mas também afeta os homens em alguma medida.

Apesar do privilégio social dos homens em relação às mulheres, alguns deles também são alvo de discriminação e preconceito devido à forma como se comunicam ou se expressam pela Dança de Salão. Logo, o machismo que afeta as mulheres também fere os homens que não correspondem ao padrão heteronormativo ditado pela sociedade.

O cavalheiro padrão é o homem que performa masculinidade e que conduz a dama (mulher) com precisão pelo salão. O foco daquele que conduz deve ser fazer a dama se mover, enquanto sua dança pessoal deve ser discreta, sem adornos. Os homens que não correspondem a esse perfil, além de terem seu desempenho desvalorizado, são alvo de piadas e deboches, assim como acontece com as mulheres dissidentes da norma.

A problematização desse padrão não tem o intuito de colocar os homens em um papel de vítima; pelo contrário, objetiva reconhecer o seu lugar de privilégio em uma sociedade patriarcal e, ao mesmo tempo, compreender que alguns grupos sociais de homens também são atingidos por esse mesmo sistema opressivo.

Um exemplo disso é o relato do pesquisador e professor Alisson Moreira (2021)MOREIRA, Alisson George do Nascimento. A Padronização do Corpo Gay nas Danças de Salão. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DESFAZENDO GÊNERO, 5., 2021, Campina Grande. Electronic Annals [...]. Campina Grande: Realize, 2021. Available at: https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/79371. Accessed on: 8 Aug. 2022.
https://editorarealize.com.br/artigo/vis...
, um dos integrantes do coletivo Casa 4, sobre a opressão sofrida por um grupo de dançarinos assumidamente gays da cidade de Salvador (BA):

Os corpos viados desses integrantes levantaram debates, viraram tema de trabalhos acadêmicos e até mesmo viraram processo judicial, tudo provocado única e exclusivamente pelo incômodo causado nos espaços onde a tradição do masculino e do feminino, do cavalheiro e da dama, de quem conduz e de quem será conduzido foi questionada. Cenários como esse demonstram como, ainda hoje, as danças de salão são ambientes com a presença marcante do machismo e outros movimentos que tendem a excluir parcelas da população (Moreira, 2021, p. 6MOREIRA, Alisson George do Nascimento. A Padronização do Corpo Gay nas Danças de Salão. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DESFAZENDO GÊNERO, 5., 2021, Campina Grande. Electronic Annals [...]. Campina Grande: Realize, 2021. Available at: https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/79371. Accessed on: 8 Aug. 2022.
https://editorarealize.com.br/artigo/vis...
).

Nesse sentido, a opressão de gênero não pode ser debatida com base apenas na identidade de gênero, como se a opressão fosse igual para todas as pessoas que performam o mesmo gênero. Cada sujeito é composto de diferentes identidades sociais, que, sobrepostas, os submetem a diferentes sistemas de opressão.

A compreensão dessa sobreposição identitária e dos seus modos de opressão faz-se mediada pelo conceito de interseccionalidade, cunhado pela intelectual afro-estadunidense Kimberlé Crenshaw (1980), que reflete sobre diferentes identidades das mulheres negras e que passou a constituir uma estratégia de distinção e visibilidade das suas causas em relação ao movimento feminista branco e às lutas antirracistas com foco no homem negro, que costumam desconsiderar a especificidade da mulher negra.

De acordo com Carla Adriana da Silva Santos (2019)SANTOS, Carla Adriana da Silva. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019., militante, pesquisadora e professora do tema feminismo negro no Brasil, o conceito de interseccionalidade objetiva:

[...] dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais (Santos, 2019, p. 14SANTOS, Carla Adriana da Silva. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019.).

Neste trabalho, a adoção do conceito de interseccionalidade contribui para a compreensão de que a opressão de gênero não afeta os indivíduos pertencentes a um mesmo gênero da mesma forma. Além das diferentes identidades de gênero, a raça, a orientação sexual, a faixa etária, o biotipo e outras características influenciam diretamente os modos como as pessoas são vistas e tratadas na sociedade e, consequentemente, nos ambientes em que se pratica a Dança de Salão.

Apesar de o machismo estrutural estar impregnado no ser masculino, as outras camadas identitárias que o compõem fazem com que homens heterossexuais e homens gays, por exemplo, relacionem-se com a opressão de gênero e sexual de diferentes formas na sociedade. Inclusive, até entre os homens homossexuais há diferença, por exemplo: numa Dança de Salão, social ou artística, provavelmente um homem homossexual com comportamento viril e másculo terá uma experiência mais próxima daquela vivenciada por um homem heterossexual do que de um homem gay com traços de comportamento ou gestos que, de alguma forma, identificam a sua orientação sexual.

Numa aproximação entre os estudos feministas e os estudos culturais, Louro (1997)LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997. compreende que mulheres e homens são constituídos pelo sentimento de pertencimento a diferentes grupos – étnicos, sexuais, de classe, de gênero, entre outros –, assim como por suas identidades plurais e múltiplas, que se transformam, pois não são fixas nem permanentes.

Sob essa ótica, as propostas de Dança de Salão que subvertem o binarismo de gênero legitimam-se na medida em que consideram as identidades entrecruzadas dos seus agentes. Do mesmo modo que a discussão sobre gênero se esvazia na medida em que as demais especificidades que constituem os corpos em interação na Dança de Salão são negligenciadas. Nesse sentido, cabe considerar a multiplicidade de identidades de gênero e sexualidade, incluindo a cisgeneridade e a transgeneridade, bem como a forma identitária não-binária, a assexualidade e a panssexualidade, atualmente abarcadas pela sigla LGBTQIAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais e outros grupos e variações de sexualidade e gênero).

Entretanto, nas práticas de Dança de Salão tradicionalmente difundidas em nossa cultura, essas questões não costumam ser debatidas nem mesmo consideradas. De modo geral, o gênero costuma ser determinante do como e com quem se deve dançar; as identidades sexuais e afetivas que escapam ao padrão heteronormativo e cisgênero são tidas como inconvenientes. Mesmo a formação de duplas alternativas ao clássico par homem-mulher costuma ser malvista, gerando desconfortos e inseguranças. Tais distorções estão na base da sociedade heteronormativa, que compreende o sexo como:

[...] uma tecnologia de dominação heterossocial que reduz o corpo a zonas erógenas em função de uma distribuição assimétrica de poder entre os gêneros (feminino/masculino), fazendo coincidir certos afetos com determinados órgãos, certas sensações com determinadas reações anatômicas (Preciado, 2014, p. 25PRECIADO, Beatriz. Manifesto Contrassexual. São Paulo: N-1 edições, 2014.).

Assim, a compreensão equivocada de alguns adeptos da Dança de Salão, que se pautam pela necessidade de correspondência afetiva ou sexual entre a dupla de dançarinos, ou seja, que escolhem/aceitam seu par e com ele se relacionam visando a interesses alheios à dança, tende a tornar os bailes e as aulas de Dança de Salão espaços pouco convidativos, inacessíveis a um público mais amplo, plural e diverso.

Considerações finais

Neste estudo, realizamos uma revisão bibliográfica de pesquisas de Dança de Salão encontradas no banco de Dissertações e Teses da CAPES. Isso possibilitou constatar um avanço qualitativo e quantitativo da produção acadêmica de Dança de Salão no Brasil nos últimos dez anos, apesar de ainda ser reduzida em comparação a outras áreas do conhecimento.

Uma das descobertas mais impactantes no mapeamento realizado é o fato de muitas produções se dedicarem a revelar ou comprovar os benefícios da prática da Dança de Salão ao bem-estar físico, psicológico ou social dos praticantes, em contraste com o número reduzido de pesquisas que se interessam pelas pedagogias da Dança de Salão. Nesse sentido, o trabalho evidencia a necessidade de reflexão e crítica especializada acerca do ensino e a aprendizagem da Dança de Salão como forma de contribuição para a ressignificação dessa cultura.

Apesar de reconhecer o avanço das pesquisas sobre Dança de Salão, sobretudo em relação às ações de conduzir e deixar-se conduzir, é fundamental para a consolidação desse campo de pesquisa aprofundar os conceitos de expressão e comunicação em pesquisas futuras visando à criação de pedagogias acessíveis de Dança de Salão.

Considera-se que a interlocução com a produção científica de Dança de Salão contribui para a construção de um panorama acerca de diferentes modos de comunicação entre a dupla de dançarinos, assim como evidencia os limites, as possibilidades e as interseções entre os diferentes modos de comunicação entre a dupla na Dança de Salão, permitindo vislumbrar novos caminhos para uma Dança de Salão mais inclusiva e acessível.

O artigo levanta alguns aspectos questionáveis da Dança de Salão tradicional, que concorrem para a discriminação ou até mesmo para a exclusão de pessoas dissidentes da norma dos bailes e das escolas de dança. Ao mesmo tempo, esse levantamento revela possibilidades para uma dança mais equânime e acessível a partir dos trabalhos revisados e à luz da teoria queer, representada por artistas disruptivos, que contribuem para modificações estruturais na sociedade e, consequentemente, na Dança de Salão.

Finalizando a reflexão, cabe considerar que o machismo, o preconceito, a discriminação e a exclusão sofrida na Dança de Salão por alguns grupos identitários não é a essência dessa cultura, e sim uma construção social, fruto de uma sociedade heteropatriarcal. Ou seja, a Dança de Salão apenas reproduz as características do meio em que é desenvolvida, daí a urgência de qualificar o debate entre profissionais, docentes, artistas, e praticantes que compõem a comunidade da Dança de Salão.

Longe da intenção de desenvolver métodos fechados, ou de fazer oposição à cultura da Dança de Salão, as propostas de prática e pedagogia queer aqui enfatizadas têm em vista contribuir para a desconstrução do binarismo de gênero impregnado no discurso dominante da Dança de Salão, insurgindo-se como alternativa pedagógica e política para abranger múltiplas categorias de gênero e orientação sexual e, consequentemente, tornar os ambientes educacionais e comunitários em que se aprende e pratica a Dança de Salão mais acessíveis, diversos e democráticos.

Notas

  • 1
    Órgão responsável pela captação, guarda, preservação e difusão da produção intelectual do país.
  • 2
    É um padrão numérico, cujo objetivo é possibilitar a identificação de publicações monográficas, livros, artigos e apostilas.
  • 3
    Plataforma que objetiva possibilitar o acesso a teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação do país, assim como disponibilizar informações estatísticas dessas produções acadêmicas.
  • 4
    Ano de início da realização da pesquisa.
  • 5
    Pequenos momentos em que a pessoa condutora para de conduzir e permite que a pessoa conduzida execute uma ideia. Nas concepções tradicionais de Dança de Salão, a proposição de silêncios é rara ou não acontece.
  • 6
    Entendida aqui como uma abertura de novas possibilidades, que, apesar do estranhamento, pode se opor às condutas estabelecidas, a contraconduta pode ser considerada um ato de resistência e liberdade, não somente para os parâmetros sociais, mas também sobre nós mesmos (Polezi; Martins, 2019, p. 9-10POLEZI, Carolina; MARTINS, Anderson. Condução e Contracondução na Dança de Salão. Horizontes, Itatiba, v. 37, p. 1-14, 2019.).
  • 7
    Termo utilizado para denominar movimentações não conduzidas, realizadas pela pessoa conduzida com objetivo estético, sem interferir na movimentação da pessoa condutora. Exemplo: deslizar a mão pelo cabelo enquanto realiza um giro no forró. Também se utiliza o termo adorno.
  • 8
    Termo depreciativo utilizado para se referir a pessoas nascidas na América do Sul.
  • 9
    Refere-se ao reconhecimento de uma pessoa que transicionou, ou que está em processo de transição de gênero, ao gênero com o qual ela se identifica.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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Editado por

Editor responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2022
  • Aceito
    13 Fev 2023
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