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Características dos primeiros casos de microcefalia possivelmente relacionados ao vírus Zika notificados na Região Metropolitana de Recife, Pernambuco

Características de los primeros casos de microcefalia, posiblemente relacionadas con el virus Zika reportados en la Región Metropolitana de Recife

Resumo

OBJETIVO:

descrever os primeiros casos de microcefalia possivelmente relacionados ao vírus Zika em nascidos vivos notificados na Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil.

MÉTODOS:

estudo descritivo de tipo série de casos (notificados de 1º de agosto a 31 de outubro de 2015), com dados obtidos dos registros médicos e de questionário aplicado às mães.

RESULTADOS:

foram confirmados 40 casos com microcefalia, distribuídos em oito municípios da Região Metropolitana do Recife, com maior concentração no Recife (n=12); a mediana do perímetro cefálico foi de 29 cm, do perímetro torácico, 31 cm, e do peso, 2.628 gramas; 21/25 casos apresentaram calcificação cerebral, ventriculomegalia ou lisencefalia; entre as 40 mães, 27 referiram exantema na gestação, 20 no primeiro trimestre e sete no segundo, além de prurido, cefaleia, mialgia e ausência de febre.

CONCLUSÃO:

a maioria dos casos apresentou características de infecção congênita; a maioria das mães apresentou quadro sugestivo de infecção pelo vírus Zika na gestação.

Palavras-chave:
Microcefalia; Vírus Zika; Anormalidades Congênitas; Epidemiologia Descritiva; Brasil

Resumen

OBJETIVO:

describir los primeros casos de microcefalia en nacidos vivos reportados al Departamento de Salud del Estado de Pernambuco, en la región metropolitana de Recife, Pernambuco, 2015.

MÉTODOS:

estudio epidemiológico descriptivo de serie de casos (reportados de 1 de agosto a 31 de octubre de 2015), con datos obtenidos de registros médicos y cuestionarios aplicados a las madres.

RESULTADOS:

40 casos fueron confirmados con microcefalia, en ocho municipios de la región metropolitana de Recife, con mayor concentración de casos en Recife (n=12); la circunferencia media de la cabeza fue 29 cm, perímetro torácico 31 cm y peso 2.628 gramos; exámenes revelaron que 21/25 casos mostraron calcificación, dilatación ventricular o lisencefalia; de las 40 madres, 27 (68%) informan exantema durante la gestación, 20 (74%) en el primer trimestre y siete (26%) en la segunda, además de prurito, dolor de cabeza, mialgia y ausencia de fiebre.

CONCLUSIÓN:

la mayoría de los casos presenta características de infección congénita; la mayoría de las madres mostró características que sugieren infección por el virus Zika en el embarazo.

Palabras-clave:
Microcefalia; Virus Zika; Anomalías Congénitas; Epidemiología Descriptiva; Brasil

Abstract

OBJECTIVE:

to describe the first cases of microcephaly possibly related to Zika virus in live born babies reported in the Metropolitan Region of Recife, Pernambuco State, Brazil.

METHODS:

this was a descriptive case series study (cases reported between August 1st and October 31st 2015), using medical record data and data from a questionnaire answered by the mothers of the babies.

RESULTS:

40 microcephaly cases were confirmed, distributed in eight municipalities within the Metropolitan Region, with Recife itself having the highest concentration of cases (n=12); median head circumference was 29 cm, median chest girth was 31 cm and median weight was 2,628 grams; 21/25 cases had brain calcification, ventriculomegaly or lissencephaly; 27 of the 40 mothers reported rash during pregnancy, 20 in the first trimester and 7 in the second trimester, as well as itching, headache, myalgia and absence of fever.

CONCLUSION:

the majority of the cases bore the characteristics of congenital infection; the clinical condition of the majority of mothers suggested Zika virus infection during pregnancy.

Key words:
Microcephaly; Zika Virus; Congenital Abnormalities; Epidemiology, Descriptive; Brazil

Introdução

O vírus Zika, um arbovírus isolado pela primeira vez em Uganda no ano de 1947,11. Balm MN, Lee CK, Lee HK, Chiu L, Koay ES, Tang JW. A diagnostic polymerase chain reaction assay for Zika virus. J Med Virol. 2012 Sep;84(9):1501-5. foi identificado no Brasil por método de biologia molecular em maio de 2015.22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Confirmação do Zika vírus no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde, 2015 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/svs/noticias-svs/17702-confirmacao-do-zika-virus-no-brasil
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Desde então, sua circulação foi confirmada em 18 estados brasileiros, inicialmente na região Nordeste.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 47, 2015. Bol Epidemiol. 2015;46(42):1-9. A febre do vírus Zika pode se manifestar com quadro de exantema pruriginoso, acompanhado ou não de febre baixa e outros sintomas inespecíficos, como mialgia, cefaleia, artralgia e hiperemia conjuntival.44. Heang V, Yasuda CY, Sovann L, Haddow AD, Rosa APT, Tesh RB, et al. Zika virus infection, Cambodia, 2010. Emerging Infect Dis. 2012 Feb;18(2):349-51.)-(66. Centres for Disease Control and Prevention. National Center for Emerging and Zoonotic Infectious Diseases. Division of Vector-Borne Diseases. Sintomas, diagnóstico e tratamento [Internet]. Atlanta: Centres for Disease Control and Prevention; 2016 [citado 2016 jul 12]. Disponível em: Disponível em: http://portugues.cdc.gov/zika/symptoms/index.html
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Até a ocorrência da epidemia da febre do vírus Zika no Brasil, o conhecimento sobre a história natural dessa doença era limitado a sua ocorrência esporádica em forma de surtos, sendo que o maior já registrado ocorreu na Polinésia Francesa.77. European Centre for Disease Prevention and Control. Rapid risk assessment: Zika virus infection outbreak, French Polynesia. Stockholm: European Centre for Disease Prevention and Control; 2014. Inicialmente, acreditava-se que a febre do vírus Zika era benigna e autolimitada;44. Heang V, Yasuda CY, Sovann L, Haddow AD, Rosa APT, Tesh RB, et al. Zika virus infection, Cambodia, 2010. Emerging Infect Dis. 2012 Feb;18(2):349-51.)-(66. Centres for Disease Control and Prevention. National Center for Emerging and Zoonotic Infectious Diseases. Division of Vector-Borne Diseases. Sintomas, diagnóstico e tratamento [Internet]. Atlanta: Centres for Disease Control and Prevention; 2016 [citado 2016 jul 12]. Disponível em: Disponível em: http://portugues.cdc.gov/zika/symptoms/index.html
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) entretanto, naquele surto, já se relatava a ocorrência de manifestações neurológicas pós-infecção, como a síndrome de Guillain-Barré (SGB).77. European Centre for Disease Prevention and Control. Rapid risk assessment: Zika virus infection outbreak, French Polynesia. Stockholm: European Centre for Disease Prevention and Control; 2014.

No Brasil, após a confirmação da circulação do vírus Zika, houve um aumento de internações por diversas manifestações neurológicas. Estudos descritivos realizados nos estados de Pernambuco e Bahia identificaram que a maioria (~51%) dos pacientes com SGB apresentaram, entre maio e agosto de 2015, quadro clínico sugestivo de arbovirose, como a presença de exantema, artralgia e febre.88. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos serviços do Sistema Único de Saúde. Investigação de casos de manifestação neurológica associada à infecção viral, Pernambuco, 2015. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.),(99. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos serviços do Sistema Único de Saúde. Investigação de casos de manifestação neurológica associada à infecção viral, Bahia, 2015. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. Em Pernambuco, um desses casos de SGB teve amostra positiva para vírus Zika no líquido cefalorraquidiano pela técnica de biologia molecular.99. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos serviços do Sistema Único de Saúde. Investigação de casos de manifestação neurológica associada à infecção viral, Bahia, 2015. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.

A Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES/PE) detectou um aumento inesperado de nascidos vivos com microcefalia em outubro de 2015. A microcefalia é uma malformação congênita em que o cérebro não se desenvolve de maneira adequada: o perímetro cefálico dos recém-nascidos é menor que dois desvios-padrão da média para idade e sexo, podendo levar a alterações cerebrais e problemas no desenvolvimento neurológico.1010. World Health Organization. Birth defects surveillance: a manual for programme managers. Geneva: World Health Organization; 2014.115p.

As microcefalias estão relacionadas a fatores genéticos e cromossômicos, exposições ambientais da mãe no período pré-natal ou perinatal, destacando-se o consumo de álcool, drogas ilícitas ou medicamentos teratogênicos, contato com substâncias químicas ou radiação ionizante, distúrbios metabólicos, e os processos infecciosos: toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes e sífilis (TORCHS).1111. Ferreira H, Barbosa C. Microcefalia primária grave: revisão de 10 casos. Acta Pediatr Port. 2000;31(1):11-5.

Em 22 de outubro de 2015, o Ministério da Saúde foi notificado pela SES/PE sobre a ocorrência de 54 recém-nascidos vivos com microcefalia. Além da microcefalia, os casos apresentavam exames de imagem cujo padrão era compatível com infecção congênita e as mães referiam quadro de exantema na gestação. Este cenário levou os especialistas locais a questionarem uma possível relação entre o aumento de casos de microcefalia e a ocorrência de vírus Zika em Pernambuco. No dia 26 de outubro, técnicos da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde integraram a equipe local para colaborar com a investigação epidemiológica.1212. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Nota informativa nº 1/2015 - COES Microcefalias [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/novembro/18/microcefalia-nota-informativa-17nov2015-c.pdf
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No Brasil, no período de 2010 a 2014, uma média de 156 casos de microcefalia era registrada anualmente, no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Porém, no ano de 2015, até o dia 1o de dezembro, havia 1.247 recém-nascidos registrados no país com essa malformação, sendo que o estado com maior número de registros era Pernambuco, com 646 casos, enquanto a média anual do estado até então - referente ao período de 1999 a 2014 - era de nove casos.1313. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde divulga novos casos de microcefalia [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/svs/noticias-svs/21020-ministerio-da-saude-divulga-novos-dados-de-microcefalia
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O aumento de casos de microcefalia foi observado também em outros estados do país.1212. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Nota informativa nº 1/2015 - COES Microcefalias [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/novembro/18/microcefalia-nota-informativa-17nov2015-c.pdf
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Em 11 de novembro de 2015, diante da alteração do padrão de ocorrência de microcefalias no Brasil, em Pernambuco e outros estados, o Ministério da Saúde decretou a microcefalia como emergência em Saúde Pública de importância nacional.1212. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Nota informativa nº 1/2015 - COES Microcefalias [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/novembro/18/microcefalia-nota-informativa-17nov2015-c.pdf
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Esse evento de saúde foi avaliado segundo o Anexo II do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), classificado como potencial emergência de Saúde Pública de importância internacional (ESPII) por apresentar impacto grave sobre a Saúde Pública e por ser evento incomum/inesperado. Em 29 de novembro, o Ponto Focal Nacional para o RSI notificou o Ponto de Contato Regional da Organização Mundial da Saúde para o RSI.

Este estudo teve como objetivos descrever os primeiros casos de nascidos vivos com microcefalia possivelmente relacionados ao vírus Zika notificados à SES/PE e o perfil epidemiológico das respectivas mães residentes na Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil.

Métodos

Realizou-se um estudo descritivo de tipo série de casos dos nascidos vivos com microcefalia entre residentes da Região Metropolitana do Recife (RMR), composta por 14 municípios: Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Paulista, Igarassu, Abreu e Lima, Camaragibe, Cabo de Santo Agostinho, São Lourenço da Mata, Araçoiaba, Ilha de Itamaracá, Ipojuca, Moreno e Itapissuma. Em 2014, a RMR possuía aproximadamente 3.914.317 habitantes, o que correspondia a 42% da população do estado de Pernambuco.1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas populacionais para os municípios brasileiros em 01.07.2014 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2014 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2014/default.shtm
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Foram incluídos no estudo todos os casos notificados à SES/PE no período de 1º de agosto a 31 de outubro de 2015. A investigação transcorreu de 26 de outubro a 19 de novembro de 2015.

Inicialmente, os nascidos vivos com microcefalia foram notificados à SES/PE pelos médicos que atenderam os casos em maternidades de referência do estado e que perceberam, subjetivamente, aumento da frequência de casos em relação ao observado na rotina. Os meios usados para captar casos suspeitos foram diversos e incluíram tanto meios informais, como e-mail, telefone e mensagens de texto via celular, quanto os registros do Sinasc classificados como microcefalia pelo código Q.02 da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), além de um formulário eletrônico - FormSUS -, criado pela SES/PE para notificação dos casos novos a partir de 27 de outubro de 2015.

Na busca por casos, foram utilizadas as seguintes definições:

  1. Caso suspeito de microcefalia: nascido vivo, no período entre 1º de agosto e 31 de outubro de 2015, cuja mãe era residente da Região Metropolitana do Recife e foi notificado à SES/PE como microcefalia ou registrado no Sinasc com o código da CID-10 Q.02.

  2. Caso confirmado de microcefalia: caso suspeito de microcefalia nascido vivo a termo (idade gestacional entre 37 e 42 semanas) com perímetro cefálico (PC) menor ou igual a 33 cm ou suspeito de microcefalia nascido vivo pré-termo (idade gestacional <37 semanas) com PC menor que dois desvios-padrão da média de acordo com a idade gestacional e o sexo segundo Fenton1515. University of Calgary. 2013 Growth chart [Internet]. Calgary: University of Calgary; 2013 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://www.ucalgary.ca/fenton/2013chart
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    ou diagnóstico de microcefalia pelo médico assistente.

  3. Caso descartado: caso suspeito de microcefalia nascido vivo com ausência de diagnóstico de microcefalia pelo médico durante exame físico e cujo PC se encontrava dentro do esperado para o sexo e idade gestacional.

A partir dos casos notificados à SES/PE, a equipe de investigação buscou informações adicionais em prontuários e outros registros dos atendimentos às gestantes e nascidos vivos no local onde ocorreu o parto. Também foram realizadas entrevistas com as mães, mediante questionário semiestruturado contemplando variáveis sociodemográficas, antecedentes epidemiológicos, exames realizados, informações sobre o histórico obstétrico e ginecológico, período pré-natal e perinatal, manifestação infecciosa durante a gestação, entre outras.

Foram considerados como perda os casos cujas mães não foram encontradas para realização da entrevista após pelo menos duas tentativas.

A análise estatística dos dados foi realizada a partir de frequências, medidas de tendência central e dispersão, entre elas a distribuição em quartis (Q). Os softwares utilizados foram Epi InfoTM 7, Microsoft Office Excel(r) 2010 e QGIS 2.6.1. O georreferenciamento dos casos foi feito a partir dos endereços de residência localizados pelo aplicativo Google Maps (http://batchgeo.com/).

Quanto aos aspectos éticos, a participação das entrevistadas foi condicionada a um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido verbal, sendo assim assegurada a privacidade dos sujeitos, sigilo e confidencialidade dos dados em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012. Os dados analisados foram obtidos no âmbito das ações de vigilância epidemiológica, de modo que o presente estudo foi dispensado de apreciação por comitê de ética em pesquisa.

Resultados

No período de estudo, foram notificados 60 casos suspeitos. Houve 13 perdas e nenhuma recusa, e 47 investigações foram concluídas. Foram confirmados 40 casos com microcefalia. Observou-se um pico de nascimentos de casos confirmados na semana epidemiológica 42 (n=12), de 18 a 24 de outubro de 2015 (Figura 1).

Figura 1 -
Distribuição dos casos confirmados de microcefalia (N=40) por semana epidemiológica do nascimento, Região Metropolitana do Recife, agosto-outubro de 2015

Os casos confirmados estavam distribuídos em oito municípios da RMR, sendo o Recife o de maior concentração de casos (n=12), seguido de Jaboatão dos Guararapes, Paulista e Olinda (Figura 2).

Figura 2 -
Distribuição dos casos confirmados de microcefalia (N=40) por município de residência da mãe, Região Metropolitana do Recife, agosto-outubro de 2015

A maioria dos casos confirmados nasceu de parto normal (n=27) e a termo (n=31), sendo a mediana da idade gestacional no momento do parto igual a 38 semanas de gestação (amplitude: 31 a 41,5). A mediana do índice de Apgar, nos nascidos vivos pré-termo e a termo, foi de nove no 1º minuto de vida e de 10 no 5º minuto. Houve três indivíduos com valor discrepante do índice de Apgar; um deles, nascido vivo pré-termo, evoluiu a óbito (Figura 3 - A). No primeiro exame físico, a mediana do perímetro cefálico foi de 29 cm (amplitude: 23 a 33), do perímetro torácico, 31 cm (amplitude: 21 a 35,5), da estatura, 46 cm (amplitude: 23 a 49,5), e do peso, 2.628 gramas (amplitude: 810 a 3.450) (Figura 3 - B).

Figura 3 -
Distribuição dos casos confirmados de microcefalia (N=40) (A) segundo índice Apgar no 1º e 5º minutos de vida e (B) segundo as medidas antropométricas (estatura, perímetro cefálico e perímetro torácico) no primeiro exame físico, Região Metropolitana do Recife, agosto-outubro de 2015

Sobre o sexo, eram 20 meninos e 19 meninas, e um possuía genitália externa ambígua, ou seja, indefinida. Seis casos nasceram com outras malformações congênitas, entre elas hidrocefalia (n=2), alterações musculoesqueléticas (n=3), de genitália externa (n=2) e cardiológicas (n=1).

Ao longo da internação, que apresentou uma mediana de oito dias (Q1: 3,5/Q3: 18), foram observados outros achados clínicos, tais como icterícia (n=12), petéquias (n=2), convulsões (n=2), conjuntivite bacteriana (n=2), sepse (n=1) e apneia (n=1).

Foram submetidos a exame de imagem - ultrassom transfontanela, tomografia computadorizada ou ressonância magnética - 25 casos; destes, 21 apresentaram calcificação cerebral, ventriculomegalia e/ou lisencefalia.

Também foram realizados exames oftalmológicos (n=15) e fonoaudiólogos (n=8). Dois casos apresentaram alteração ocular no exame de fundo de olho - alteração da mácula e nervo óptico -, e dois, alteração na condução otoacústica.

Dos exames etiológicos realizados nos casos, três foram reagentes para sífilis enquanto um foi inconclusivo (4/16) para essa doença, um teve sorologia IgM reagente para herpes (1/10), um sorologia IgM para citomegalovírus (1/19) e três resultaram inconclusivos na reação em cadeia da polimerase (PCR). Os demais agentes testados para TORCHS foram IgM não reagentes.

A mediana de idade das mães foi de 25 anos (amplitude: 16 a 41). A maior parte delas era de cor da pele/raça parda ou preta (n=28), com Ensino Médio completo (n=25), viviam em união estável/casadas (n=24) e ocupadas do lar (n=16). A mediana da renda per capita familiar foi de R$400,00 (amplitude de R$80,00 a R$2.466,00 - Q1: R$212,5/Q3: R$533,00).

Todas as mães fizeram pelo menos uma consulta de pré-natal, sendo que a mediana de consultas foi igual a sete (Q1: 06/Q3: 08), e a quantidade máxima de consultas, 16. Na primeira consulta, a mediana da idade gestacional foi de 12 semanas (amplitude: 3 a 35). Antes da gestação, a mediana do índice de massa corpórea (IMC) foi de 24,1 kg/m2 (Q1: 20,8/Q3: 27,0), e ao fim da gestação, de 28,7 kg/m2 (Q1: 25,1/Q3: 30,9).

Do total de 40 mães, 16 eram primigestas. Das 24 multíparas, a mediana foi de uma gestação anterior (Q1: 01/Q3: 02), sendo o valor máximo de 13. Entre estas com gestações anteriores, sete haviam tido pelo menos um aborto. Dos filhos de gestações anteriores, apenas dois apresentaram malformações congênitas, ambas de etiologia cardíaca.

A ultrassonografia uterina no terceiro trimestre foi realizada em 33/40 das gestantes, sendo que em 13 foi realizado o diagnóstico de microcefalia intrauterina.

Sobre os antecedentes maternos investigados, nenhuma das mães referiu consanguinidade, exposição a agrotóxicos ou radiação ionizante, tampouco alguma malformação congênita ou antecedente de microcefalia na família. O uso de bebida alcoólica e tabagismo durante a gestação foi relatado, respectivamente, por seis e cinco mães, das quais duas também faziam uso de crack e maconha. Três gestantes foram expostas a agentes químicos - produto para alisar cabelo, produto para esterilizar equipamento médico hospitalar - e apenas uma sofreu exposição a produto usado em reciclagem de plástico. Duas referiram contato com inseticida: uma com o de tipo aerossol; a outra, durante desinsetização.

Entre aquelas com doenças pré-existentes (n=6), foram referidas pneumopatias (n=2), doenças metabólicas (n=2) e hemoglobinopatias (n=2). Sobre a utilização prévia de medicamentos de uso contínuo, 11 faziam uso de anticoncepcional e uma de salbutamol.

A maioria das mães referiu apresentar exantema durante a gestação (n=27), sendo 20 no primeiro trimestre - entre os meses de fevereiro e maio - e sete no segundo trimestre - entre os meses de abril e julho (Figura 4). Simultaneamente ao quadro exantemático, foram referidos, com maior frequência, outros sintomas como prurido, cefaleia, mialgia e ausência de febre (Figura 5). Das mães que apresentaram exantema durante a gestação, uma se submeteu a sorologia para dengue que não resultou reagente. Nenhuma mãe fez exame para outros arbovírus durante a gestação.

Figura 4 -
Distribuição da frequência de mães com exantema (n=25a) entre os casos confirmados de microcefalia segundo o mês de ocorrência do exantema e trimestre da gestação, Região Metropolitana do Recife, agosto-outubro de 2015

Figura 5 -
Frequência dos sinais e sintomas nas mães com exantema (n=27) durante o 1° e 2° trimestres da gestação dos casos confirmados de microcefalia, Região Metropolitana do Recife, agosto-outubro de 2015

Discussão

Foram confirmados 40 casos de microcefalia em nascidos vivos na Região Metropolitana do Recife, entre os casos suspeitos notificados à Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco no período de 1º de agosto a 31 de outubro de 2015. A maioria desses casos mostrou padrão de imagem sugestivo de infecção congênita - calcificações cerebrais, ventriculomegalia e lisencefalia - e suas mães apresentaram quadro sugestivo de infecção pelo vírus Zika, com exantema e prurido, nos meses de desenvolvimento fetal.

Sabe-se que o período intrauterino é uma fase crítica para o crescimento e desenvolvimento de órgãos e tecidos fetais, e que injúrias sofridas nessa fase interferem nesse processo. Mulheres grávidas, quando infectadas por agentes etiológicos teratogênicos, a exemplo da toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes vírus e sífilis, podem transmiti-los verticalmente.1616. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. (Cadernos de Atenção Básica, n° 32) No Brasil, o evento da epidemia de microcefalia concomitante com a circulação do vírus Zika significou a primeira vez em que se relatou uma possível associação causal entre uma arbovirose e malformações congênitas, posteriormente confirmada.1717. Rasmussen SA, Jamieson DJ, Honein MA, Petersen LR. Zika virus and birth defects: reviewing the evidence for causality. N Engl J Med. 2016 May;374:1981-7.

Na Polinésia Francesa, onde ocorreu um importante surto de vírus Zika entre 2014 e 2015, houve relato de 17 casos de microcefalia, com malformações do sistema nervoso central entre outras. Desses 17 casos de microcefalia, 12 consistiram de malformações cerebrais ou síndromes de múltiplas más formações, incluindo lesões cerebrais, disfunção de tronco encefálico e ausência de deglutição. No estudo publicado pelo European Centre for Disease Prevention and Control, nenhuma gestante descreveu sinais clínicos de infecção pelo vírus Zika no período gestacional, mas quatro foram reagentes por ensaios de sorologia IgG para Flavivirus, sugerindo uma possível infecção assintomática.1818. European Centre for Disease Prevention and Control. Rapid risk assessment: microcephaly in Brazil potentially linked to the Zika virus epidemic. Stockholm: European Centre for Disease Prevention and Control; 2015.

No presente trabalho, a maioria dos nascidos vivos com microcefalia foi descartada para TORCHS e, apesar do resultado positivo ou reagente para sífilis, citomegalovírus e herpes vírus em cinco casos, não se pode afirmar que levaram à microcefalia, isto porque essas doenças podem ser transmitidas durante a gestação, parto ou aleitamento materno, além do que essas mães também tiveram quadro exantemático durante a gestação.

Foram investigados vários fatores descritos na literatura como possíveis agentes etiológicos da microcefalia. Após exclusão das causas mais comuns de microcefalia, o quadro exantemático acompanhado de prurido, cefaleia ou mialgia, características da febre do vírus Zika, apresentado pela maioria das mães é uma importante evidência levantada. Sabe-se que doenças como sarampo, rubéola, parvovírus, dengue, exantema súbito, riquetsioses1919. Ministério da Saúde (BR). Informações técnicas [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016[citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/informacoes-tecnicas-sarampo
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e febre do vírus Zika podem apresentar exantema,2020. Ministério da Saúde (BR). Descrição da doença [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/descricao-da-doenca-zika
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sendo que desses agentes, dengue e vírus Zika eram epidêmicos na região e no período estudados.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 47, 2015. Bol Epidemiol. 2015;46(42):1-9.

A distribuição dos casos quanto ao município de residência das mães revelou maior número de ocorrências no Recife, seguido de Jaboatão dos Guararapes, Paulista e Olinda. Apesar dessa distribuição refletir a densidade demográfica do município, os locais mais acometidos foram os que tiveram maior incidência de dengue nos últimos seis anos no estado de Pernambuco.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 47, 2015. Bol Epidemiol. 2015;46(42):1-9.

Vale destacar que os meses de fevereiro a junho, citados pelas mães como o período de início do quadro exantemático, coincidem com o intervalo de tempo de maior incidência das arboviroses urbanas e a introdução do vírus Zika em Pernambuco.22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Confirmação do Zika vírus no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde, 2015 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/svs/noticias-svs/17702-confirmacao-do-zika-virus-no-brasil
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Esses achados reforçam a hipótese de uma relação temporal entre a infecção por vírus Zika na gestação e a ocorrência de microcefalia em nascidos vivos.

Como limitações deste trabalho, citam-se a (i) possibilidade de viés de recordatório, pela dificuldade das mães em relatar as possíveis exposições e sinais e sintomas na gestação, a (ii) elevada proporção de perdas, a (iii) falta de oportunidade para o diagnóstico laboratorial, em decorrência do tempo da possível infecção, e a (iv) indisponibilidade dos resultados dos exames de imagem e sorologias para TORCHS de todos os casos.

Cabe informar que após a realização desta pesquisa, houve duas mudanças relacionadas à definição de caso suspeito para recém-nascidos vivos com microcefalia, com o objetivo de aumentar a especificidade para notificação de casos. Na primeira alteração, para recém-nascidos vivos a termo, houve diminuição do corte de PC para ≤32 cm independentemente do sexo.2121. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/dezembro/09/Microcefalia---Protocolo-de-vigil--ncia-e-resposta---vers--o-1----09dez2015-8h.pdf
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Já na segunda modificação - utilizada até o momento -, para recém-nascidos vivos pré-termo, a referência para desvio-padrão de PC passou a ser a tabela de InterGrowth, e para recém-nascidos vivos a termo, o corte de PC para meninas passou a ser ≤31,5 centímetros, e para meninos, ≤31,9.2222. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central (SNC) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2016 jul 07]. Disponível em: Disponível em: http://combateaedes.saude.gov.br/images/sala-de-situacao/Microcefalia-Protocolo-de-vigilancia-e-resposta-10mar2016-18h.pdf
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Haja vista as evidências sugestivas da existência de uma relação causal entre a infecção pelo vírus Zika durante a gestação e a ocorrência de microcefalia, mais estudos - analíticos e laboratoriais - são necessários para melhor compreensão dos fenômenos relacionados a essa emergência em Saúde Pública, além de subsidiar estratégias para seu enfrentamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2016
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2016
  • Aceito
    30 Jun 2016
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