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A escrita e o ofício da história no curso de geografia e história da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná (1938-1948)

The writing and the craft of history in the course of Geography and History at the Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of the University of Paraná (1938-1948)

La escritura y el oficio de la historia en el curso de geografía e historia de la Facultad de Filosofía, Ciencias y Letras de la Universidad de Paraná (1938-1948)

Resumo:

O nosso principal objetivo com este texto será o de procurar reconstituir o processo de institucionalização do ensino universitário de história na Universidade do Paraná (UP) nos anos 1940, dando ênfase ao processo de mudança curricular por que o curso de geografia e história passou no período. Procuraremos destacar o que se pretendia ensinar aos alunos para poderem desempenhar o ofício de historiadores com propriedade técnica e intelectual. Procuraremos ainda observar como ciência e religião se articulavam para promover a formação do caráter e do perfil do profissional que se pretendia construir no curso.

Palavras-chave:
institucionalização; geografia e história; Universidade do Paraná

Abstract:

Our main objective was to reconstitute the process of institutionalization of university teaching of History at the University of Paraná (UP) in the 1940s, emphasizing the process of curricular change that the course of Geography and History passed in the period. We sought to highlight what was intended to teach students so that they could perform the office of historians with technical and intellectual property. We also sought to analyze how science and religion were articulated to promote the formation of character and profile of the professional that was intended to build in the course.

Keywords:
institutionalization; geography and history; University of Paraná.

Resumen:

Nuestro principal objetivo con este texto será el de procurar reconstituir el proceso de institucionalización de la enseñanza universitaria de historia en la Universidad de Paraná (UP) en los años 1940, señalandoel proceso de cambio curricular que el curso de geografía e historia pasó en el período. Buscaremos destacar lo que se pretendía enseñar a los alumnos para poder desempeñar el oficio de historiador con propiedad técnica e intelectual. También buscaremos observar cómo la ciencia y la religión se articulaban para promover la formación del carácter y del perfil del profesional que se pretendía construir en el curso.

Palabras clave:
institucionalización; geografía e historia; Universidad de Paraná

Introdução

Na verdade, somos todos combatentes da mesma batalha, perseguidores da mesma finalidade que é a criação de um clima propício ao desabrochar de uma verdadeira liderança intelectual, dentro do desordenado ambiente cultural brasileiro. [...]

E uma nação é uma cultura, muito mais que uma raça ou uma simples interação psicológica.

E uma cultura é um elemento vivo que cresce e se adapta continuamente aos tempos, ou morre de inanição ou de desagregação.

Daí a necessidade de recriá-la continuamente, em contínuo ajustamento de seus elementos as épocas, sem quebrar a sua unidade e sua tradição.

Essa função de criar, recriar e disciplinar os altos atributos da cultura humana e de perpetuar seus elementos constitutivos, no Brasil, não tem sido exercida pelas escolas (Anuário da FFCL/UP, 1940-1941, 1942Anuário da FFCL/UP, 1940-1941. (1942). Curitiba, PR., p. 41).

No final do ano letivo de 1940, diante de autoridades civis, militares e eclesiásticas, Brasil Pinheiro Machado (1907-1997), professor catedrático da cadeira de história do Brasil do curso de geografia e história da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná (FFCL/UP), fez seu pronunciamento como paraninfo da primeira turma de formandos da faculdade. As palavras contidas em sua oração de paraninfo manifestavam as expectativas que vinham sendo construídas pela comunidade acadêmica. Com a formação daquela turma de bacharéis, distribuídos entre os cursos da Faculdade de Filosofia, acenava-se para a formulação das metas da instituição, que, como diretor, Machado sabia muito bem dirimir. Aproveitando o momento comemorativo, assim começava a enumerar o papel a ser desempenhado pela instituição: 1. somente as Faculdades de Filosofia serão capazes de formar o espírito crítico em seus alunos, constituindo-se eles próprios em formadores de opinião, ao promoverem a criação e a recriação de uma cultura para a nação brasileira; 2. seu destino se entrelaça com o do país, porque “[...] a existência de uma nação depende da unidade disciplinada de sua cultura” (Anuário da FFCL/UP, 1940-1941, 1942Anuário da FFCL/UP, 1940-1941. (1942). Curitiba, PR., p. 43); 3. e essa cultura é um bem alcançado pelo patrimônio material e imaterial construído por seu povo, e é sistematizada pelas pesquisas e ensinada pelo professor nas escolas.

Quando, em 1946, Homero Batista de Barros (1908-1970), professor catedrático da cadeira de história da Antiguidade e Idade Média do curso de geografia e história da FFCL/UP, proferiu sua aula inaugural, fez considerações muito próximas às de Machado. Para Barros, era um “[...] imenso júbilo [...] assistir à afluência de jovens intelectuais aos cursos que ora se iniciam nesta Faculdade de Filosofia [...]”, razão pela qual o “Paraná está vivendo dias festivais dos seus valores, dos seus talentos e de suas inteligências, segura confiança dum futuro de sólidas conquistas no terreno cultural” (Anuário da FFCL/UP, 1946-1947, 1948Anuário da FFCL/UP, 1946-1947. (1948). Curitiba, PR., p. 40). Em 19 de dezembro de 1949, na sessão da assembleia universitária, Barros tomava a palavra para ser ainda mais enfático em relação ao papel a ser exercido pela universidade. Em suas palavras,

Moldada no tipo de universidade aberta, sob influência das idéias e dos métodos democráticos que norteiam as organizações congêneres do século XX, está plenamente revestida do espírito de sua época, no entreter relações as mais estreitas e complexas com o grande público, vivendo intensamente os problemas sociais do seu tempo, pioneira de todos os marcos de progresso com que a humanidade evoluciona e, sobretudo, fadada a influir na mentalidade coletiva no sentido de ordenar os valores para um clima onde a civilização se subordine a uma concepção ideal do homem, da vida e dos seus supremos destinos em face da crise hodierna. (Anuário da FFCL/UP, 1949, 1950Anuário da FFCL/UP, 1949. (1950). Curitiba, PR., p. 72).

No entanto, o clima festivo e comemorativo por que passava pela instituição nos anos iniciais da década de 1940 não deixava de acenar para a crise institucional e orçamentária vivida pela universidade, que levou à sua reestruturação em 1946 (Campos, 2008Campos, N. (2008). Intelectuais paranaenses e as concepções de universidade (1892-1950). Curitiba, PR: Editora da UFPR.). As disputas entre católicos e liberais pelos postos universitários eram igualmente desafiadoras em relação à manutenção dos objetivos pretendidos para a universidade (Campos, 2010Campos, N. (2010). Intelectuais e igreja católica no Paraná: 1926-1938. Ponta Grossa, PR: Editora UEPG.). Diante de tal situação, entender em que medida otimismo e crise, religião e ciência permearam as aulas e a formação dos estudantes no curso de geografia e história da FFCL/UP nos anos 1940 é um dos pontos a serem analisados neste texto.

Os anos de 1930 foram efervescentes para a educação nacional. Foi o momento em que se definia como deveriam ser criadas as universidades, quando Francisco Campos fora ministro da Educação (Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.; Ferreira, 2013Ferreira, M. M. (2013). A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro, RJ: FGV.). As universidades criadas a partir desse período tinham a tarefa de formar, segundo Machado, “[...] elites intelectuais, voltadas aos problemas básicos e desinteressados do espírito, com economia de energia e com mais proximidade da vida real, porque desses problemas básicos do espírito é que descendem a possibilidade da técnica e a sua disciplina, como da inteligência depende a ordenação das coisas” (Anuário da FFCL/UP, 1940-1941, 1942, p. 42Anuário da FFCL/UP, 1940-1941. (1942). Curitiba, PR.). Os cursos de Geografia e História das Faculdades de Filosofia eram então inaugurados, com o desafio de preparar as novas gerações de bacharéis e licenciados.

Em São Paulo, o curso de geografia e história tinha o desafio de preparar a primeira geração de licenciados para o ensino, até então oferecido por autodidatas (Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.). No Rio de Janeiro, tanto o curso de história da Universidade do Distrito Federal (UDF) quanto o curso de geografia e história da Universidade do Brasil (que substituiu o primeiro em 1938, com a extinção da UDF) deveriam ser alicerces para fundamentar os conhecimentos necessários sobre o passado nacional, delimitando como deveria ser escrita e ensinada a história no/do Brasil (Ferreira, 2013Ferreira, M. M. (2013). A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro, RJ: FGV.). No Paraná, o curso de geografia e história, criado em 1938, nascia sob a alcunha de ser um dos locais onde a formação de novos técnicos deveria ser irradiada. A oração de Brasil Pinheiro Machado, pronunciada em 1940, nos permite observar como se apostava na formação estratégica de ‘elites intelectuais’, aptas para discutirem os problemas nacionais e prepararem a nação.

O nosso principal objetivo com este texto será o de procurar reconstituir o processo de institucionalização do ensino universitário de história na Universidade do Paraná (UP) nos anos 1940, dando ênfase ao processo de mudança curricular por que o curso de geografia e história passou no período. Procuraremos destacar o que se pretendia ensinar aos alunos para poderem desempenhar o ofício de historiadores com propriedade técnica e intelectual. Procuraremos ainda observar como ciência e religião se articulavam para promover a formação do caráter e do perfil do profissional que se pretendia construir no curso. Dentro do possível estabeleceremos relações entre o curso de geografia e história do Paraná com o de São Paulo e o do Rio de Janeiro. A importância de se fazer esse tipo de análise está não somente em demonstrar as peculiaridades nos processos de institucionalização de cursos universitários nos anos 1930 e 1940, observando semelhanças e diferenças em seus quadros curriculares, mas também, como salienta Santos (2013Santos, A. S. (2013). Francisco Iglésias e o curso de geografia e história da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais (década de 1940). História da historiografia, 6(11), 104-121. Recuperado de: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/521/348
https://www.historiadahistoriografia.com...
, p. 107),

A ideia de que a criação da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), em 1939, fez parte de um projeto para padronizar as demais faculdades de filosofia fundadas nas décadas de 1930 e 1940, também parece ter subestimado as características específicas que revelam as dificuldades e as indecisões inerentes a cada um dos processos de institucionalização universitária.

Além disso, a referência às missões francesas de São Paulo e do Rio de Janeiro para o processo de institucionalização de seus cursos de Geografia e História mostram-se pertinentes para podermos comparar esses cursos com um local onde esse tipo de missão não ocorreu.

A problematização de um ofício em construção

Em 2004, quando Roiz havia defendido uma dissertação de mestrado1 1 Com o título: A institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo entre 1934 e 1956. , que anos depois daria base à publicação de um livro2 2 Publicado com o título: Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). , o estudo da constituição do campo disciplinar da história entre as universidades brasileiras estava começando a ser definido3 3 Já em 1996, Francisco Falcon (2011) em texto pioneiro, A identidade do historiador, ressaltava que se observava o surgimento do ofício de historiador no Brasil, em função da delimitação e dos resultados obtidos no campo disciplinar da História com a criação dos cursos de mestrado e doutorado, a partir dos anos iniciais da década de 1970, mas se deixava de lado uma questão fundamental, que era a criação dos cursos de Geografia e História a partir da década de 1930. Para ele, foi com a criação desses cursos que, de fato, começava a se delimitar o ofício e o campo disciplinar da História no Brasil. Com os cursos de Geografia e História foi possível a formação dos primeiros licenciados e bacharéis em História. Apesar da definição do ofício de historiador não ter início com a criação dos cursos de Geografia e História, em função da contribuição marcante do IHGB criado em 1838 (Guimarães, 1988, 2011) e seus congêneres estaduais, nem terem sido eles que fizessem com que o ofício fosse regulamentado no país (questão, aliás, que ainda permanece em discussão atualmente em projeto de lei), foi com a criação desses cursos que ganhou dimensão as discussões sobre o que era uma ‘obra de história’ e qual deveria ser o perfil do ‘historiador profissional’ no Brasil (Roiz, 2013; Ferreira, 2013; Gomes, 1996, 2009). .

Em Porto Alegre, Mara Rodrigues havia acabado de defender sua dissertação de mestrado, A institucionalização da formação superior em história no Rio Grande do Sul: o curso de Geografia e História da UPA/URGS (1943-1950), em 2002; no Rio de Janeiro, Marieta de Moraes Ferreira (2006Ferreira, M. M. (2006). Notas sobre a institucionalização de cursos universitários de História no Rio de Janeiro. In: M. L. S. Guimarães (Org.), Estudos sobre a escrita da história (p. 139-161). Rio de Janeiro, RJ: Editora 7 letras. ) estava iniciando a publicação dos primeiros resultados de sua pesquisa sobre o curso de história da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Distrito Federal (UDF, criado em 1935), e do história da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil (atual UFRJ), criado em 1938 - substituindo o curso de história da UDF, que acabava de ser extinto junto com a instituição. O resultado daquelas pesquisas foi aparecer em 2013, sistematizadas no livro A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar, no qual Marieta Ferreira, além de nos apresentar a organização curricular (e suas reformulações) entre esses dois cursos e analisar a trajetória de alguns docentes pertencentes aos quadros dos cursos, também nos ofereceu 14 entrevistas realizadas com ex-alunos (então professores) dos cursos de História e de Geografia e História.

Durante o período de 1934 a 1964 foram criados 30 cursos de História no país, dos quais, 23 com licenciatura e bacharelado e sete apenas com licenciatura, conforme nos demonstram Ferreira e Silva (2016Glezer, R. (Org.) (2011). Do passado ao futuro: edição comemorativa dos 50 anos da ANPUH. São Paulo, SP: Contexto. ). No período de 1965 a 1985 foram criados outros 43 cursos de História. E, se observarmos o período de 1934 a 2010, foram institucionalizados 211 cursos de História no país, em instituições públicas, sendo 54 de licenciatura e bacharelado e 157 apenas com licenciatura. Se a esses dados considerarmos o quantitativo de cursos de História em instituições privadas, que se multiplicaram vertiginosamente a partir dos anos 1970, esses números ultrapassariam facilmente 600 cursos de História (Ferreira & Silva, 2011Ferreira, M. M., & Silva, N. L. (2016). Expansão do ensino superior de história em direção ao interior. História Revista, 21(1), 131-153. ).

Mas se, como os dados apresentados indicam, a constituição do campo disciplinar da História no Brasil se iniciou nos anos 1930 e em pouco mais de 70 anos houve enorme crescimento no número de cursos em funcionamento, sendo fundamentais para a delimitação do ofício de historiador e para a formação de professores na área, por que tão poucos cursos foram até aqui estudados?

Em primeiro lugar, porque, como nos indica Falcon (2011Falcon, F. C. (2011). Teoria e história da historiografia. São Paulo, SP: Hucitec.), se observou durante muito tempo a importância dos programas de pós-graduação, deixando-se um pouco de lado o papel fundamental que tiveram os cursos de graduação de História4 4 Situação que pode ser observada facilmente em: Glezer (2011). .

Em segundo lugar, como indicam Ferreira e Silva (2011Ferreira, M. M., & Silva, N. L. (2011). Os caminhos da institucionalização do ensino superior de história. História & Ensino, 17(2), 283-306., 2016Glezer, R. (Org.) (2011). Do passado ao futuro: edição comemorativa dos 50 anos da ANPUH. São Paulo, SP: Contexto. ), as pesquisas históricas e educacionais priorizaram muito mais o estudo de instituições de ensino do que seus respectivos cursos, quadros curriculares, docentes e estudantes.

Em terceiro lugar, como ressaltam Roiz (2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris., 2013Roiz, D. S. (2013). A dialética entre o “intelectual-letrado” e o “letrado-intelectual”: projetos, tensões e debates na escrita da história de Alfredo Ellis Jr. e Sérgio Buarque de Holanda (1929-1959) (Tese de Doutorado em História). UFPR, Curitiba.) e Ferreira (2013Ferreira, M. M. (2013). A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro, RJ: FGV.), supôs-se por muito tempo que a provável escassez de fontes impressas e manuscritas pudesse inviabilizar a produção de pesquisas consistentes. Para o Rio de Janeiro, Ferreira (2013Ferreira, M. M. (2006). Notas sobre a institucionalização de cursos universitários de História no Rio de Janeiro. In: M. L. S. Guimarães (Org.), Estudos sobre a escrita da história (p. 139-161). Rio de Janeiro, RJ: Editora 7 letras. ) observa, inclusive, que a falta de produção sistemática de Anuários entre as instituições de ensino tornou muito mais difícil a coleta, seleção, organização e análise das fontes e a consequente interpretação da temática. Mesmo em São Paulo e no Paraná, onde a produção de Anuários foi ininterrupta até meados dos anos 1960, nem por isso a produção de estudos foi diferente (Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris., 2013Roiz, D. S. (2013). A dialética entre o “intelectual-letrado” e o “letrado-intelectual”: projetos, tensões e debates na escrita da história de Alfredo Ellis Jr. e Sérgio Buarque de Holanda (1929-1959) (Tese de Doutorado em História). UFPR, Curitiba.).

Em quarto lugar, o próprio campo teórico e metodológico exige que o pesquisador crie estratégias para conduzir sua análise das fontes e da bibliografia, de modo a produzir uma interpretação plausível, com apresentação didática dos resultados (Ferreira, 2013Ferreira, M. M. (2013). A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro, RJ: FGV.; Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.).

Em quinto, mas não menos importante, o estudo da temática exige que o pesquisador conheça uma legislação diversificada, com rápidas mudanças no tempo e espaço, além de nem sempre a mudança legal coincidir com as propostas disciplinares colocadas em prática, dificultando ainda mais esmiuçar as relações, tensões, aproximações e diferenciações entre o ‘currículo oficial’ (prescrito legalmente) e o ‘currículo oculto’ (e muitas vezes muito mais praticado que o ‘oficial’).

Daí a importância de se cruzar os dados dos Anuários com os ‘diários de classe’ e os ‘planos de aula dos docentes’, mas, infelizmente, são muito poucos casos em que o estudioso se depara com todas essas fontes a seu dispor para executar a pesquisa e elaborar sua interpretação dos dados. Poderíamos perfeitamente exemplificar tal questão, informando ao leitor que, enquanto em São Paulo os Anuários são facilmente acessíveis, não se encontram completos os diários de classe até meados dos anos 1960 (Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.); enquanto, no Paraná, encontram-se os Anuários e os diários de classe perfeitamente agrupados (Roiz, 2019Roiz, D. S. (2019). A institucionalização do ensino universitário de História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná (1938-1971). Revista Diálogos, 23(3), 1-32. No prelo.), não ocorre o mesmo em relação aos planos de aula, cadernos de anotações de docentes (que são ainda de cunho privado de familiares e de difícil acesso), correspondências ativas e passivas, administrativas e pessoais/profissionais dos docentes, que são de acesso muito mais restrito e fragmentário5 5 Veja-se a respeito o trabalho de Aryana Lima Costa (2015). .

Apesar de a síntese indicada não ser suficiente para compreendermos e tampouco justificarmos a exiguidade de estudos neste campo de pesquisa, percebemos facilmente o quanto é importante o estudo da temática para entendermos como ocorreu a constituição da história como um ofício desempenhado por profissionais, com um campo disciplinar (muito bem) definido6 6 Ao mesmo tempo, o crescimento rápido de cursos de graduação e pós-graduação (mestrados e doutorados, acadêmicos e profissionais), ampliando consideravelmente o número de profissionais formados anualmente, de professores em plena atividade de ensino, pesquisa e extensão nas universidades, e ensino nas escolas de nível fundamental e médio, bem como de leitores interessados em questões históricas em nosso país, torna ainda mais relevante o estudo da temática. A comparação das experiências estaduais, regionais e nacional; a distribuição dos cursos de graduação e pós-graduação no país; a relação entre inscritos e formados no passado e no período atual; o estudo do currículo e de suas mudanças no tempo e peculiaridades no espaço; a análise da composição do corpo docente dos cursos e suas respectivas qualificações profissionais (títulos e planos de cargos e carreiras entre as universidades); as relações entre ‘currículo oficial’ e ‘currículo oculto’; as discussões sobre o ofício, a delimitação do campo e a identificação da produção na área; o estudo dos periódicos (como são criados, administrados, o que produzem e o que discutem). Essas são algumas das questões a serem mais bem conhecidas para que possam ser produzidos balanços mais adequados e consistentes sobre a temática. .

Mesmo com a falta de dados para compararmos o processo para outras regiões do país, Roiz (2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.) notou que, em São Paulo, por ter sido criada em 1934 a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, esta manteve certa autonomia em relação aos programas curriculares, disciplinas e procedimentos de ensino e pesquisa do Rio de Janeiro, em face das tentativas de padronização desse sistema de ensino, por parte do governo federal, e da centralização proposta para a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil (FNFi da UB), a partir de 1939 (Ferreira, 2012Ferreira, M. M. (2012). O ensino da história na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. História, Ciência, Saúde, 19(2), 611-639.). Posto o problema deste modo: quando e sob quais condições surgiram os cursos de Geografia e História em outros Estados no Brasil? Como ocorreu a institucionalização do ensino universitário de história entre os anos 1930 e 1950? Como eram o ensino e a pesquisa no período? De que maneira se propunha a escrita da história das civilizações, em geral, e da brasileira em particular?

Para Ferreira (2006Ferreira, M. M. (2006). Notas sobre a institucionalização de cursos universitários de História no Rio de Janeiro. In: M. L. S. Guimarães (Org.), Estudos sobre a escrita da história (p. 139-161). Rio de Janeiro, RJ: Editora 7 letras. ), que tem se proposto estudar a organização dos cursos de Geografia e História da Universidade do Distrito Federal (UDF), depois extinta (e substituída) com a criação da Universidade do Brasil (atual UFRJ) e sua Faculdade Nacional de Filosofia nos anos 1930, dando ênfase à análise de suas características organizacionais e estrutura curricular bem como às mudanças que se deram no período, o processo ainda foi pouco discutido e analisado pelos especialistas em história e educação.

Ao pontuarmos os poucos trabalhos que têm procurado analisar a implantação de cursos de Geografia e História no país, podemos verificar, além da escassez de estudos, a inviabilidade de se produzir análises comparativas7 7 Mara Rodrigues (2002), por sua vez, empreendeu estudo sobre o curso de Geografia e História da UPA/URGS no período de 1943 a 1950. Em sua análise procurou verificar quais as mudanças curriculares que ocorreram no período estudado, quais professores deram aula no curso, e de que maneira estavam distribuídas as disciplinas. João Paulo Gama Oliveira (2011) procurou analisar a formação dos professores e o curso de história da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, em especial, durante o período de 1951 a 1962, com vistas a demonstrar as mudanças curriculares, distribuição das disciplinas do curso e a forma como esteve organizado o corpo docente. E Silvana Carvalho (2010) procurou estudar as propostas curriculares e as memórias dos docentes do curso de história da Faculdade de Filosofia da Universidade Estadual de Ponta Grossa durante o período de 1950 a 1970. . Entre outras razões, porque no conjunto tais análises avançam sobre o estudo do processo de institucionalização do curso de geografia e história no Brasil, a partir dos anos iniciais da década de 1930, mas ainda assim fixam suas problemáticas nessa década, ou após os anos de 1940 e 1950. Com isso, não há estudos sistemáticos sobre o período em que o curso de geografia e história permaneceram unificados (entre 1934 e 1955), tampouco é possível inquirirmos todas as sutilezas do processo ou as semelhanças e diferenças sobre sua implantação de um Estado para o outro da Federação. Apesar de o estudo de Roiz (2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.) focar o período em que o curso de geografia e história da FFCL/USP se manteve unificado entre 1934 e 1956, o estudo desse autor não conseguiu demarcar comparativamente o processo, em face da escassez de estudos nessa área.

Para o caso do Paraná, apesar de seu pioneirismo em criar um curso de geografia e história em 1938, quando então existia apenas o da Universidade de São Paulo, de 1934, e o da Universidade do Distrito Federal, de 1935, não temos nem estudos sistemáticos sobre sua criação nem sobre como foi o processo de estruturação de seus currículos ou de suas propostas de ensino e pesquisa. Da mesma forma que os casos destacados acima, temos mais estudos sobre a criação da universidade, como os de Névio de Campos (2008Campos, N. (2008). Intelectuais paranaenses e as concepções de universidade (1892-1950). Curitiba, PR: Editora da UFPR., 2010Campos, N. (2010). Intelectuais e igreja católica no Paraná: 1926-1938. Ponta Grossa, PR: Editora UEPG.), mas poucos em relação à fundação de seus respectivos cursos, à exceção de algumas análises sobre o campo das ciências sociais (Oliveira, 2006Oliveira, M. (Org.). (2006). As ciências sociais no Paraná. Curitiba, PR: Protexto.). Nesse âmbito, podemos verificar um pouco da complexidade do processo, quando nos voltamos para os estudos feitos sobre o curso de geografia e história dessa instituição de ensino e pesquisa, onde a maioria deles estabelece relação direta entre memória e história. Ao destacar as peculiaridades do programa de pós-graduação da UFPR, Cecília Westphalen (1997Westphalen, C. M. (1997) Os cursos de pós-graduação em história da Universidade Federal do Paraná. História: Questões & Debates,14(26/27), 6-19.) nota que, apesar do pioneirismo do programa, este ainda seria visto com certo ‘provincianismo’. Relato que a autora acrescenta ao descrever suas memórias sobre a criação do curso de geografia e história nos anos 1940 e 1950, quando foi aluna e ingressou como professora na instituição, destacando a restrição dos contatos com outras instituições de ensino e pesquisa do país e do exterior. Altiva Balhana (1983Balhana, A. P. (1983). Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Revista Brasileira de História, 3(5), 11-19.), ao avaliar a pesquisa histórica produzida no Paraná, igualmente se ressente com relação ao ‘provincianismo’ presente nas avaliações sobre a instituição, apesar de seu pioneirismo na criação do curso de Geografia e História nos anos 1930 e de um programa de pós-graduação em história nos anos iniciais da década de 1970.

Por outro lado, o curso de geografia e história da atual Universidade Federal do Paraná não contou com uma missão francesa para a fundação de seus respectivos cursos em sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o que torna ainda mais promissora a proposta de um estudo comparativo sobre sua fundação e desenvolvimento em relação aos de São Paulo e do Rio de Janeiro, que possuíram missões dessa natureza em sua criação. Além disso, os estudos existentes mantêm mais um cunho memorialístico, em face de os relatos existentes serem quase todos feitos por ex-alunos e alunas da instituição (Fagundes, 2014Fagundes, B. F. L. (2014). História, historiador e identidade profissional. Sobre a história do curso de História da Universidade Federal do Paraná. Estudos Históricos, 27(54), 295-315.). Quando passamos a verificar as teses e dissertações que foram produzidas, estas visualizam o processo, tendo em vista a trajetória de determinados docentes, como Brasil Pinheiro Machado, Cecilia Westphalen, ou Altiva Balhana8 8 Ver, entre outros: Machado (2016, 2018). , o que torna ainda mais pertinente a proposta de se estudar o processo de institucionalização do ensino universitário de história nos anos 1940, para se demarcar suas especificidades e semelhanças em relação a outros cursos de Geografia e História, como os de SP e os do RJ9 9 Note-se ainda que em Minas Gerais foi criado um curso de Geografia e História em 1939 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Minas Gerais (atual Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG). Como demonstrou Santos (2013), ao estudar a trajetória de Francisco Iglésias nos anos 1940, este curso também não contou com uma missão francesa e teve peculiaridades em sua grade curricular, quando a comparamos com a do curso de Geografia e História da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil. Isso demonstra que as tentativas de padronização pretendidas pela UB não foram alcançadas plenamente, e as instituições mostravam uma relativa autonomia em suas decisões quanto ao ensino e a pesquisa a ser ministrados para os seus alunos e alunas, durante o processo de preparação de novos profissionais para a sociedade brasileira. .

As fontes da pesquisa e suas possibilidades de análise

Os objetivos propostos neste texto serão alcançados mediante a utilização dos Anuários da FFCL da Universidade do Paraná, produzidos nos anos 1940; das cadernetas (diários de classe) do curso de geografia e história, armazenadas no Arquivo Permanente do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná (UFPR); das atas relativas ao curso bem como da correspondência administrativa expedida pelos docentes das cadeiras do curso.

Até 1945 foram produzidos cinco Anuários na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná, relativos aos anos 1940-1941; 1942; 1943; 1944 e 1945. Entre 1946 e 1964 foram produzidos outros 14 Anuários na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná, relativos aos anos 1946-1947; 1948; 1949; 1950; 1951; 1952-1953; 1954; 1955; 1956; 1957; 1958-1959; 1960-1961; 1962 e 1963-1964. E entre o período de 1965 e 1971 foram produzidos outros seis Anuários na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná, relativos aos anos: 1965-1966 1967; 1968; 1969; 1970 e 1971. Desse modo, durante o período de 1940 a 1971 foram produzidos 25 Anuários. Neste estudo nos deteremos aos produzidos nos anos 1940.

Ao longo dos anos eles foram tendo poucas alterações, sendo a mais perceptível a retirada, entre suas sessões, da revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná, a partir de 1949. Em geral, os Anuários traziam notícias relativas aos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL); à contratação de docentes; às aulas inaugurais da FFCL; aos alunos matriculados e formados pela FFCL; às orações de paraninfos e oradores de turmas assim como ao corpo docente e administrativo e às estatísticas orçamentárias. Diferentemente dos Anuários da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.), os da Universidade do Paraná não traziam relatórios das cadeiras dos cursos, ou de seus respectivos departamentos, nem índices das defesas de teses e dissertações, tampouco indicações sobre as mudanças curriculares dos cursos. A importância desta fonte está em nos permitir acompanhar o quadro docente e as mudanças legislativas do curso de geografia e história no período demarcado - e esse documento, complementado com os Anais da Assembleia Legislativa do Paraná, permite-nos justamente demarcar, com certos pormenores, tais questões.

As cadernetas (diários de classe) do curso de geografia e história se encontram armazenadas no Arquivo Permanente da UFPR. Elas estão armazenadas em quatro caixas, sem códigos ou numeração, da seguinte forma: entre 1941 e 1953 há 147 cadernetas; entre 1954 e 1956 mais 40; entre 1957 e 1960 outras 59; e entre 1961 e 1962 mais 31, totalizando, para o período, 277 cadernetas. Já para o período de 1961 a 1971, quando o curso de história passou a funcionar separado do de geografia, há outras 186 cadernetas, distribuídas da seguinte forma: de 1961 a 1964, há 45 cadernetas; de 1965 até 1967, outras 50; de 1968 até 1969, mais 48; e de 1970 até 1971, há outras 43. Assim, entre os dois períodos temos 463 diários de classe - não conseguimos encontrar os relativos a 1938 até 1940, havia apenas um de 1939 numa das quatro caixas levantadas. As cadernetas de 1938 a 1941 não possuem anotações de aula, apenas registro de faltas e notas dos alunos. Nas produzidas a partir de 1942 encontramos desde anotações pormenorizadas sobre o andamento e os conteúdos ministrados na disciplina, com notas e presenças dos alunos, até aquelas com pouquíssimas anotações, muitas delas eram feitas a lápis (e/ou com caneta), algumas riscadas, outras apagadas pelo tempo. Há anos em que não encontramos diários de algumas disciplinas; e eram feitos diários separados para alunos regulares e dependentes nas disciplinas. Articulados com os dados dos Anuários, os diários de classe são importantes por informarem o cotidiano do curso, os conteúdos ministrados de um ano para o outro entre as disciplinas, assim como em nos indicarem as mudanças curriculares e no conteúdo das disciplinas. Neste estudo nos detivemos nas cadernetas de 1942 a 1948.

A história e seu ofício no curso de geografia e história no Paraná

Com base nessas fontes foi que procuramos analisar a constituição do campo disciplinar da história no Paraná, por meio de um estudo pormenorizado das mudanças curriculares que ocorreram no curso de geografia e história da FFCL/UP, durante os anos 1940. O recorte do período se deve ao fato de que foi nesse momento que houve a reestruturação da universidade, seguindo aos padrões propostos pela FNFi da UB. A vinda de Pedro Calmon (1902-1985) à Universidade do Paraná durante o processo de reestruturação não era fortuita (Campos, 2008Campos, N. (2008). Intelectuais paranaenses e as concepções de universidade (1892-1950). Curitiba, PR: Editora da UFPR., 2010Campos, N. (2010). Intelectuais e igreja católica no Paraná: 1926-1938. Ponta Grossa, PR: Editora UEPG.). Ao mesmo tempo, a universidade manteve relações estreitas com a Universidade de São Paulo, inclusive com Ernesto de Souza Campos (1882-1970) - ministro da Educação e Saúde, a partir de 1946, durante o governo Eurico Gaspar Dutra - que recebeu o título de Doutor honoris causa, em 19 de dezembro de 1948. Para o acadêmico Francisco Cunha Ferreira Filho, representante discente responsável pelo discurso de saudação do agraciado,

O movimento de criação de universidades coincidiu com as transformações sociais, políticas e econômicas porque passou o Brasil. [...] Entretanto, Prof. Souza Campos, necessitamos ainda de seu apôio e direção, porquanto uma Universidade, o cuidado que se deve ter é o de dotá-la de recursos, enriquecendo-lhe o conteúdo e aprimorando-lhe a qualidade, para colocá-la à altura de sua missão (Anuário da FFCL/UP, 1948, 1949Anuário da FFCL/UP, 1948. (1949). Curitiba, PR., p. 36).

Aquele era o início do processo de federalização da Universidade do Paraná, que se formalizaria em 1950 (Campos, 2008Campos, N. (2008). Intelectuais paranaenses e as concepções de universidade (1892-1950). Curitiba, PR: Editora da UFPR.), e Campos, como ministro, seria de fundamental importância para essa realização. Na cerimônia, Souza Campos assim sintetiza a iniciativa:

Nessa ocasião decisiva, a ilustre bancada paranaense, sem distinção de partidos, o interventor Pinheiro Machado, as congregações sob a direção de Victor Amaral e João de Macedo Filho, o prefeito municipal, o Prof. Pedro Calmon, todos em uníssono, sem o menor desembaraço e com a ajuda do entusiasmo estudantino, concorreram para o êxito da iniciativa. [...] A Universidade do Paraná é a única no Brasil que se rege pela ordem privada. Precisa imensamente da ajuda dos podêres públicos e do povo. Governo federal, estadual e municipal devem trazer o máximo de auxílio monetário. Tôda a soma doada à Universidade, renderá altos juros para o bem da Nação (Anuário da FFCL/UP, 1948, 1949Anuário da FFCL/UP, 1948. (1949). Curitiba, PR., p. 40-41).

Ao lado das questões políticas e institucionais, é preciso estar atento ao direcionamento efetuado sobre o curso de geografia e história, no qual ciência e religião se entrelaçavam nos anos 1940 para a formação de seus alunos. A distribuição dos professores do curso (Quadro 1) não é suficiente para adentrarmos nessas questões, mas é importante para termos um primeiro contanto com os docentes especialmente porque muitos deles permaneceram no curso por mais de 20 anos consecutivos.

Quadro 1
Distribuição dos professores catedráticos do curso de geografia e história da UFPR.

Fonte: Diários de Classe do curso de geografia e história e Anuários da FFCL da Universidade do Paraná.

Desde o final dos anos 1930 o curso de geografia e história da FFCL/UP contou com a participação de professores catedráticos em seu quadro curricular. A presença de catedráticos no curso, no entanto, só foi se adensando a partir dos anos 1940, com o aumento dos concursos na instituição. Além disso, o curso contava com a participação de assistentes, adjuntos e livres-docentes em seus quadros. Muitos egressos passaram a compor esses quadros na instituição (como Cecília Wetphalen e Altiva Balhana, que foram alunas do curso nos anos 1940 e docentes a partir dos anos 1950). Com a análise proposta pretendemos verificar o início do processo de constituição do campo disciplinar da história no Paraná.

Ao observarmos o quadro curricular dos cursos de Geografia e História do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro (Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.; Ferreira, 2013Ferreira, M. M. (2013). A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro, RJ: FGV.), notamos como houve maior propensão do curso de geografia e história da Universidade do Paraná em se aproximar do quadro curricular da Universidade do Brasil, pela tentativa de padronização dos quadros curriculares mediados pela Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da UB (Ferreira, 2012Ferreira, M. M. (2012). O ensino da história na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. História, Ciência, Saúde, 19(2), 611-639.). Notamos que, contemporâneo ao surgimento da FNFi, o curso de geografia e história da UP seguia, a rigor, a mesma estruturação curricular.

Ao compararmos os currículos, percebemos que são idênticos na nomenclatura (Roiz, 2019Roiz, D. S. (2019). A institucionalização do ensino universitário de História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná (1938-1971). Revista Diálogos, 23(3), 1-32. No prelo.). Evidentemente, quando passamos a analisar os ‘diários de classe’, vemos as especificidades dos quadros curriculares, na medida em que no Paraná havia a perspectiva de fornecer no primeiro ano (Quadro 2) uma introdução à filosofia, à história geral, à geografia e à antropologia, especialmente de cunho europeia, para a formação de bacharéis. A partir do segundo ano, o curso ia se centrando sobre o Brasil e o espaço geográfico e a história do Paraná e do sul do Brasil. Apesar da importância das licenciaturas, nesse primeiro momento, era dada maior centralidade ao bacharelado. Somente nos anos 1940 se começou a investir com maior propriedade na licenciatura no curso de geografia e história da Universidade do Paraná.

Quadro 2
Distribuição das disciplinas do curso de geografia e história da UP** em 1941.

Fonte: Diários de Classe do curso de geografia e história e Anuários da FFCL da Universidade do Paraná.

*História da Antiguidade e da Idade Média.**Universidade do Paraná.

Com base nos Quadros 2 e 3, vemos como estava a distribuição curricular do curso de geografia e história da FFCL/UP, entre 1941 e 1947. Notamos a permanência na aproximação dos quadros curriculares do Rio de Janeiro e do Paraná, em função da preponderância do primeiro sobre o segundo, a partir da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil (Ferreira, 2012Ferreira, M. M. (2012). O ensino da história na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. História, Ciência, Saúde, 19(2), 611-639.). Mas as diferenças também eram evidentes e não ficavam restritas ao oferecimento, em anos distintos, de algumas disciplinas do currículo (Roiz, 2019Roiz, D. S. (2019). A institucionalização do ensino universitário de História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná (1938-1971). Revista Diálogos, 23(3), 1-32. No prelo.). Com base nos ‘diários de classe’ vemos a continuidade sobre a ênfase na história da região Sul e na do Paraná, a partir do segundo ano do curso, bem como sobre a história, a geografia e a etnografia do Brasil.

Quadro 3
Distribuição das disciplinas do curso de Geografia e História da UP em 1947.

Fonte: Diários de classe do curso de geografia e história e Anuários da FFCLda Universidade do Paraná.

* As disciplinas eletivas do período eramdidática geral; didática especial; psicologia educacional; administração escolar; fundamentos biológicos da educação; fundamentos sociológicos da educação.

**História da Antiguidade e da Idade Média.

*** Segundo o decreto nº 9.092, de 26 de março de 1946, “[...] na quarta série os alunos optarão livremente por duas ou três Cadeiras ou Cursos dentre os ministrados pela Faculdade de Filosofia; quando aprovados terão direito ao diploma de Bacharel. Além disso, poderão cursar as Cadeiras de Psicologia Educacional, Didática Geral e Didática Especial; neste caso terão direito ao diploma de Licenciado” (Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.).

Além disso, os Quadros 2 e 3 nos permitem observar como era indicada a estrutura curricular do curso de geografia e história da FFCL/UP em seus Anuários e o movimento que havia nas disciplinas oferecidas, por meio da análise dos ‘diários de classe’.

As Cadernetas de frequência e matéria lecionada (que são os diários de classe) representam importante fonte documental para o estudo da constituição do campo disciplinar na história, com a definição do ofício do historiador nas universidades brasileiras. As cadernetas produzidas entre 1942 e 1948 pelo curso de geografia e história começavam a registrar pormenorizadamente a matéria lecionada entre os meses de março e novembro de cada ano letivo (distribuídas em 12 páginas). Em todas as disciplinas havia a preocupação de definir 1. o campo teórico e metodológico da disciplina; 2. quais as fontes que lhe eram pertinentes; 3. qual seu objeto de pesquisa; 4. como se desdobravam suas escolas de pensamento no tempo e no espaço; 5. a distribuição do conteúdo que seguia um perfil monográfico; 6. que todas as disciplinas exigiam trabalhos monográficos nos finais de semestres aos seus alunos; 7. que os seminários também eram definidos tematicamente entre os discentes. Com base no Quadro 4 podemos verificar como estava disposta a distribuição de conteúdos entre as disciplinas no que diz respeito às questões teóricas e metodológicas.

Quadro 4
Distribuição do conteúdo programático das disciplinas do curso de geografia e história da FFCL/UP nos anos 1940.

Fonte: Arquivo Permanente da UFPR (1940-1948Arquivo Permanente da UFPR. (1940-1948). Caderneta de frequência e matéria lecionada do curso de geografia e história, da FFCL/UP. (Cx. s/n. Ano: 1941 a 1953, com 147 cadernetas).), da FFCL/UP.

Para exemplificar melhor a questão, tomemos os casos das disciplinas de ‘História da Antiguidade e Idade Média’ e de ‘História do Brasil’. A disciplina de história da Antiguidade e Idade Média era de responsabilidade de Homero Batista de Barros, que ingressou no curso de geografia e história em 1938. A disciplina estava assim distribuída:

Noções preliminares. Fontes. Ciências Auxiliares. Divisões. Formas de história. Crítica dos documentos. Filosofia da História. A cidade antiga: Grécia e Roma (2 aulas). A fundação das cidades. As instituições. Roma: fundação, autenticidade e religião (2). O mundo bárbaro (2). O cristianismo entre os romanos (2). As invasões bárbaras (2). Os francos (2). Os carolíngios (2). Feudalismo (2). O regime feudal. A cavalaria (2). O islamismo (2). A civilização Árabe (2). A cultura árabe e sua contribuição para o ocidente (2). Os árabes nas Espanhas (2). As cruzadas (2). As ordens militares e mendicantes. Heresias: a inquisição (2). As universidades e o direito medieval (2). A arte medieval: românica e gótica (2) - aula prática cinematográfica. A filosofia medieval (3). A civilização medieval: retrospecto (2) (Arquivo Permanente da UFPR. (1947Arquivo Permanente da UFPR. (1947). Caderneta de frequência e matéria lecionada do curso de geografia e história, da FFCL/UP. (Cx. s/n. Ano: 1941 a 1953, com 147 cadernetas).).

A distribuição dos conteúdos curriculares do ano letivo de 1947 apresenta, a princípio, as preferências de Barros pelo período da Idade Média. A razão pela qual seu autor demonstra tal preferência nos foi apresentada em sua ‘preleção inaugural do ano letivo’de 1946. Para ele, a “[...] investigação histórica das causas e das reações dos fenômenos sociais no destino dos povos, nesta pesada atmosfera do século XX [...]” passa diretamente pela “[...] concepção do homem e da vida na sociedade; na relação do humano com a divindade criadora [...]” e, mais precisamente, “[...] naquilo que se generalizou denominar ‘humanismo integral’, expressão frequente em assuntos de ordem sociológica, que os alunos não devem confundir com ‘humanismo histórico’, no sentido clássico de pré-renascimento” (Anuário da FFCL/UP, 1946-1947, 1948Anuário da FFCL/UP, 1946-1947. (1948). Curitiba, PR., p. 40, grifo do autor). A tese apresentada por Barros é sintetizada nos seguintes termos: “O panorama histórico presente leva-nos a perquirir os valores de que se desfalcaram as sociedades, no contraste que vai da harmonia da vida medieval em comparação com o sentido em que se dirige a vida contemporânea” (Anuário da FFCL/UP, 1946-1947, 1948Anuário da FFCL/UP, 1946-1947. (1948). Curitiba, PR., p. 40). Entre esses dois momentos históricos houve a derrocada progressiva do ‘humanismo integral’ em nossas sociedades e o que levou a isso foi, primeiro, os desdobramentos da Reforma, no século XVI, depois os efeitos do comunismo, a partir do final do século XIX, que geraram uma ‘causa remota’ e seu ‘efeito presente’. Com a Reforma quebrava-se “[...] a unidade cristã medieval, por causa da rebeldia revolucionária [...]” contra a tradição cristã; com os imperativos do comunismo, ruíam-se as bases da própria religião. Mas o mais importante:

As grandes civilizações passaram a ser entendidas, através duma falsa filosofia da vida, como o grande aparato dos povos utilitaristas. Passou então a imperar a chamada ‘civilização da máquina’. A avalanche, se me permitem o termo espúrio, do americanismo, invadiu terrivelmente todos os recantos, aniquilou todas as tradições. Enquanto declina a espiritualidade e a candura dos homens, esplendem as maravilhas científicas e mecânicas, aprimoram-se os recursos de perfeição material e a humanidade se perde na ânsia do utilitarismo que empolga e seduz as massas esquecidas do seu destino (Anuário da FFCL/UP, 1946-1947, 1948Anuário da FFCL/UP, 1946-1947. (1948). Curitiba, PR., p. 42).

A necessidade, portanto, de combater as terríveis atrocidades causadas pelo progresso material sobre a espiritualidade humana era, para Barros, um verdadeiro dever. Para que isso fosse feito, a “[...] reação contra o progresso material hipertrofiado háde ser feita pela educação, instrução e cultura humanística, três etapas da mesma diretriz intelectual, que só se contemplam, sob o influxo uno e múltiplo do Cristianismo” (Anuário da FFCL/UP, 1946-1947, 1948Anuário da FFCL/UP, 1946-1947. (1948). Curitiba, PR., p. 45), e que teve seu esplendor durante a Idade Média. Portanto, somente uma formação humanística integral faria com que os alunos da universidade não fossem meros técnicos “[...] para a condenável ‘civilização da máquina’, uma das causas mais decisivas da ‘indignidade do mundo moderno’” (Anuário da FFCL/UP, 1946-1947, 1948Anuário da FFCL/UP, 1946-1947. (1948). Curitiba, PR., p. 46, grifo do autor).

Com tal apreciação nos é possível retornar a sua caderneta de 1947 e entender por que a Idade Média era prioridade em seu programa de ensino. Entre 1942 e 1948 não houve grandes alterações no programa da disciplina ministrada por Barros: em 1942 acrescentou ao programa as civilizações orientais da Antiguidade (em 4 aulas), a Igreja medieval (2) e a cultura medieval (4); em 1943 deu ênfase ao cristianismo (em 4 aulas), à igreja e sua organização (2), aos grandes papas (2), às heresias e às ordens religiosas (3); em 1944, observou a cidade antiga: religião e propriedade (2), o culto aos antepassados (2), o cristianismo em Roma (4). Em todos esses anos letivos, o período da Idade Média está no centro das discussões efetuadas por Barros. No ano letivo de 1946, Barros não pôde oferecer a disciplina por ocupar cargo administrativo. O professor José Pires Braga (normalmente responsável pela disciplina de história do Brasil, no lugar de Machado que ocupava a direção da FFCL) foi o responsável pela disciplina naquele ano. Notamos, por suas anotações, que a ênfase sobre a Idade Média em que se detinha Barros não foi dada por Braga, conforme podemos observar em suas anotações:

Considerações gerais. História: conceito, objeto, métodos. Divisão - origens - raças. Considerações geográficas sobre as mais antigas civilizações. O Egito (o país, governo e sociedade, religião, ciência e artes) (3 aulas). História egípcia - divisão. A Ásia: o país, terra e seus habitantes. A Mesopotâmia e sua história. Os Hebreus - a terra e o povo, academias, artes e ciências, literatura e instituições (8). Fenícios. Iranianos. Instituições persas, ciências e artes. Civilização Persa (3). A Grécia - o país e seus habitantes. Escavações de Micenas e sua importância. Grécia: tempos primitivos (2). Expansão helênica: as colônias. Organização política, fatores da unidade. A mitologia grega e sua importância. Esparta: costumes, educação e vida militar. Licurgo e a legislação. Atenas - Drácon e Sólon. Pisístrato e seus sucessores Clístenes. A democracia - Clístenes. Guerras médicas: esplendor da Grécia. Péricles. Civilização helênica: artes, ciências e filosofia. Roma: o país e seus habitantes. Tempos primitivos: aspectos gerais da sociedade romana. Organização política dos romanos. A monarquia - A república - O império. As colônias romanas. Consequências da expansão romana. Lutas: César Augusto, os césares. Civilização romana: direito e literatura. A Idade Média: aspectos gerais. Invasões bárbaras: os germanos. Invasões bárbaras: os mongóis e slavos. Invasões bárbaras: os Árabes. Nova fisionomia política da Europa: os reinos bárbaros. Bizâncio. Justiniano. A unidade latina contra a mulçumana. O império de Carlos Magno: a ressurreição do império romano ocidental. O feudalismo: hipóteses sobre sua origem. Características do regimen. Os normandos e os Eslavos: o oriente e o ocidente. As cruzadas: aspectos políticos, sociais e econômicos das cruzadas. Consequências das cruzadas (Arquivo Permanente da UFPR, 1946Arquivo Permanente da UFPR. (1946). Caderneta de frequência e matéria lecionada do curso de geografia e história, da FFCL/UP. (Cx. s/n. Ano: 1941 a 1953, com 147 cadernetas)., p. 1-12).

A estrutura de distribuição dos conteúdos, proposta por Braga, dava muito mais atenção às comparações entre as diferentes civilizações no tempo e no espaço, sem identificar uma época como irradiadora de sentido atemporal para a humanidade, como a proposta por Barros, cuja ênfase na filosofia católica da história era evidente em seu programa de ensino.

Quando passamos para a disciplina de história do Brasil, ministrada no 2º e no 3º ano do curso de geografia e história, sob a responsabilidade de Brasil Pinheiro Machado desde 1938, notamos a ênfase sobre a composição cultural da América sob o domínio português, num primeiro momento, e, num segundo, feito no terceiro ano do curso, na recomposição cultural do Brasil durante o período imperial. Em sua aula inaugural de 16 de março de 1940, ao tratar do ‘método nos estudos históricos’, Machado nos indica que

O método nos estudos históricos sobre o qual vou falar, é o método a se aplicar como uma experiência sobre os fatos da história nacional, e por isso mesmo, por ser uma procura da objetividade mais precisa possível, baseia-se sobre conclusões puramente provisórias, sempre sujeitas as conclusões da própria pesquisa documentária.

Não se veja, portanto, neste programa que traço, qualquer vislumbre de especulação filosófica sobre a metodologia histórica em geral, mas simplesmente um plano metodológico para segurança, disciplina e objetividade das pesquisas históricas no que concerne a nossa história nacional, porque, aqui, minhas considerações são limitadas exclusivamente aos fatos da história do Brasil, como nação, e nação não tanto de ordem política, mas de ordem essencialmente cultural (Anuário da FFCL/UP, 1940-1941, 1942Anuário da FFCL/UP, 1940-1941. (1942). Curitiba, PR., p. 11).

A história do Brasil não deveria, portanto, restringir-se apenas às questões políticas e diplomáticas, que eram obviamente fundamentais, mas devia-se tocar nas questões culturais, porque “[...] a história de um povo é a história das transformações de sua cultura” (Anuário da FFCL/UP, 1940-1941, 1942Anuário da FFCL/UP, 1940-1941. (1942). Curitiba, PR., p. 13). Daí, aplicando-se o método histórico-cultural à história brasileira, dever-se-ia identificar, primeiro, sua unidade cultural “[...] e acompanhar as transformações que sofreu daí em diante, e acompanhar a expansão dessa unidade por um espaço territorial” (Anuário da FFCL/UP, 1940-1941, 1942, p. 13Anuário da FFCL/UP, 1940-1941. (1942). Curitiba, PR.). Para se realizar esse trabalho,era preciso:

1 - partindo do padrão cultural inicial, o trabalho consiste em acompanhar a modificação sofrida, no tempo, pela agregação de novos traços e complexos, ou pelo desaparecimento de outros, em contacto com o meio novo. Assim, vai-se formando, de época para época, um nível cultural sempre oscilante.

2 - para acompanharmos o segundo rumo da bifurcação [quando os cinco núcleos iniciais de povoamento formam uma única cultura] [...] precisamos acompanhar a dilatação das áreas culturais daqueles cinco núcleos iniciais de povoamento, que vão crescendo no espaço [...] geográfico [de tal forma que suas fronteiras] e suas áreas se fundem em uma só [cultura] (Anuário da FFCL/UP, 1940-1941, 1942,Anuário da FFCL/UP, 1940-1941. (1942). Curitiba, PR. p. 15).

O programa pensado por Machado para estudar a formação da sociedade brasileira na disciplina de história do Brasil, por meio do rastreamento de seus traços culturais, se devia ainda porque

A história do Brasil é a história da cultura portuguesa em terras brasileiras, cultura sempre modificada por contribuições as mais diversas, e cuja área cultural vai sempre se expandindo na direção da fronteira política. E a história política do Brasil é a história da vigilância dos governos em preservar a desagregação dessa cultura, por influências muito fortes, que, por acaso, tenham força de quebrar a sua estupenda unidade, unidade que herdamos do gênio português (Anuário da FFCL/UP, 1940-1941, 1942Anuário da FFCL/UP, 1940-1941. (1942). Curitiba, PR., p. 17).

A proposta de Machado era seguida na disciplina, mesmo durante o período em que assumiu a direção da FFCL/UP, e esta ficou a cargo de Nilo Brandão (contratado da cadeira de literatura portuguesa e de história moderna e contemporânea). Com o mesmo objetivo, Brandão seguia, no segundo ano do curso, a formação dos cinco núcleos iniciais de povoamento - com ênfase sobre a empresa bandeirante e a formação do sul do país - de modo a concluir esta etapa com a formação de uma cultura nacional no processo de independência no início do século XIX. No terceiro ano, o processo seguia com

O Estado do Brasil no início do século XIX. O Brasil na ordem internacional. A revolução industrial. O domínio mundial da Inglaterra e o Brasil independente. A era napoleônica e a independência do Brasil (2 aulas). A família real no Brasil e as transformações das culturas coloniais. O aspecto econômico das transformações coloniais. As correntes e as ideias políticas do tempo de D. João VI. O liberalismo e o movimento constitucionalista (2). As cortes portuguesas, o príncipe regente e a atuação de José Bonifácio. José Bonifácio e a independência. A constituição do império. O reconhecimento do império (2). As questões platinas. O Brasil independente em face da América espanhola. O período regencial: regências trinas. Regência de Diogo Feijó, de Araújo Lima e Evaristo da Veiga. Apreciação sobre o período regencial. O parlamentarismo. Feijó. A maioridade (2). O império de D. Pedro II (3). A crise da monarquia no final do século XIX (Arquivo Permanente da UFPR, 1943Arquivo Permanente da UFPR. (1943). Caderneta de frequência e matéria lecionada do curso de geografia e história, da FFCL/UP. (Cx. s/n. Ano: 1941 a 1953, com 147 cadernetas)., p. 1-12).

Ao compararmos os programas das disciplinas de História da Antiguidade e Idade Média e de História do Brasil, vê-se como na primeira ciência e religião se mesclavam na proposta de Barros, ao passo que na segunda era seguido estritamente o programa de uma pesquisa cientificamente conduzida para abordar a formação cultural da sociedade brasileira

Considerações finais

O estudo da constituição do campo disciplinar da história entre as universidades brasileiras, a partir dos anos 1930, ainda é um tema pouco pesquisado em nossa historiografia (Roiz, 2012Roiz, D. S. (2012). Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba, PR: Appris.; Ferreira, 2013Ferreira, M. M. (2013). A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro, RJ: FGV.). A análise da temática, no entanto, contribui para pensarmos a formação do ofício de historiador no Brasil e a forma pela qual a pesquisa acadêmica veio a se tornar uma prática de profissionais - o que não excluiu a contribuição autodidata (Fagundes, 2014Fagundes, B. F. L. (2014). História, historiador e identidade profissional. Sobre a história do curso de História da Universidade Federal do Paraná. Estudos Históricos, 27(54), 295-315.). Ao nos debruçarmos sobre o campo disciplinar da história no curso de geografia e história da FFCL/UP, vimos como teve início o processo, com um programa disciplinar pautado nas instruções da FNFi da UB, sem, todavia, deixar de lado as especificidades da formação histórica e geográfica daquele Estado.

Além do mais, vimos como ciência e religião estavam estreitamente ligadas entre as disciplinas, de acordo com as predisposições teóricas e religiosas do docente que as ministrava. Diferente de São Paulo e Rio de Janeiro, que tiveram missões francesas para a inauguração de seus cursos, no Paraná isso se deu exclusivamente com a participação do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR)10 10 Fundado em 24 de maio de 1900. Ver: Instituto Histórico e Geográfico do Paraná [IHGPR] (2018). e do clero religioso local, o que consagrou maior adensamento da pesquisa histórica lá praticada, com base nas instruções da escola metódica francesa e do manual Introdução aos estudos históricos, cuja base era seguida no programa de quase todas as disciplinas, tal como vimos acima. A presença dessa historiografia na conformação de nossos cursos de Geografia e História nos anos 1930 era salutar (Anhezini, 2011Anhezini, K. (2011) Um metódico à brasileira: a história da historiografia de Afonso de Taunay (1911-1939). São Paulo, SP: Editora Unesp.; Gomes, 1996Gomes, A. C. (1996). História e historiadores. Rio de Janeiro, RJ: FGV., 2009), mas, como vimos, no Paraná, os efeitos de tal concepção foram mais permanentes, além de perpassarem por quase todas as disciplinas do curso. Ademais, as questões religiosas, como notamos na cadeira de ‘História da Antiguidade e Idade Média’, de responsabilidade de Homero Batista de Barros, pretendiam amparar um tipo de filosofia religiosa da história sobre a formação dos alunos do curso de geografia e história, com a meta de demonstrar que a ciência conduzida sem fé se assemelhava à pretensão de se formar profissionais sem base teórica e metodológica adequada.

Portanto, estudar diferentes processos de institucionalização de cursos de geografia e história entre os anos 1930 e 1940 mostra-se pertinente não apenas para indicar semelhanças e diferenças, laços de dependência e possibilidade de autonomia em relação à Faculdade Nacional de Filosofia da UB, ou o perfil de alunos e docentes, mas também as relações entre ciência e religião, teoria e metodologia, historiografia metódica e movimento dos Annales, bacharelado e licenciatura e o estudo do local e do nacional.

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  • Westphalen, C. M. (1997) Os cursos de pós-graduação em história da Universidade Federal do Paraná. História: Questões & Debates,14(26/27), 6-19.
  • 1
    Com o título: A institucionalização do ensino universitário de história na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo entre 1934 e 1956.
  • 2
    Publicado com o título: Os caminhos (da escrita) da história e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968).
  • 3
    Já em 1996, Francisco Falcon (2011Falcon, F. C. (2011). Teoria e história da historiografia. São Paulo, SP: Hucitec.) em texto pioneiro, A identidade do historiador, ressaltava que se observava o surgimento do ofício de historiador no Brasil, em função da delimitação e dos resultados obtidos no campo disciplinar da História com a criação dos cursos de mestrado e doutorado, a partir dos anos iniciais da década de 1970, mas se deixava de lado uma questão fundamental, que era a criação dos cursos de Geografia e História a partir da década de 1930. Para ele, foi com a criação desses cursos que, de fato, começava a se delimitar o ofício e o campo disciplinar da História no Brasil. Com os cursos de Geografia e História foi possível a formação dos primeiros licenciados e bacharéis em História. Apesar da definição do ofício de historiador não ter início com a criação dos cursos de Geografia e História, em função da contribuição marcante do IHGB criado em 1838 (Guimarães, 1988Guimarães, M. L. S. (1988). Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Revista Estudos Históricos, 1(1), 4-28. , 2011Guimarães, M. L. S. (2011). Historiografia e Nação no Brasil, 1838-1857. Rio de Janeiro, RJ: Eduerj.) e seus congêneres estaduais, nem terem sido eles que fizessem com que o ofício fosse regulamentado no país (questão, aliás, que ainda permanece em discussão atualmente em projeto de lei), foi com a criação desses cursos que ganhou dimensão as discussões sobre o que era uma ‘obra de história’ e qual deveria ser o perfil do ‘historiador profissional’ no Brasil (Roiz, 2013Roiz, D. S. (2013). A dialética entre o “intelectual-letrado” e o “letrado-intelectual”: projetos, tensões e debates na escrita da história de Alfredo Ellis Jr. e Sérgio Buarque de Holanda (1929-1959) (Tese de Doutorado em História). UFPR, Curitiba.; Ferreira, 2013Ferreira, M. M. (2013). A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro, RJ: FGV.; Gomes, 1996Gomes, A. C. (1996). História e historiadores. Rio de Janeiro, RJ: FGV., 2009Gomes, A. C. (2009). A República, a história e o IHGB. Belo Horizonte MG: Argvmentvm.).
  • 4
    Situação que pode ser observada facilmente em: Glezer (2011Glezer, R. (Org.) (2011). Do passado ao futuro: edição comemorativa dos 50 anos da ANPUH. São Paulo, SP: Contexto. ).
  • 5
    Veja-se a respeito o trabalho de Aryana Lima Costa (2015Costa, A. L. (2015). A construção da cadeira de História das Civilizações da USP nas cartas de Jean Gagé, Branca Caldeira e Eurípedes Simões de Paula. Recuperado de: http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1434480720_ARQUIVO_SimposioNacionalANPUHTextoCompleto.pdf
    http://www.snh2015.anpuh.org/resources/a...
    ).
  • 6
    Ao mesmo tempo, o crescimento rápido de cursos de graduação e pós-graduação (mestrados e doutorados, acadêmicos e profissionais), ampliando consideravelmente o número de profissionais formados anualmente, de professores em plena atividade de ensino, pesquisa e extensão nas universidades, e ensino nas escolas de nível fundamental e médio, bem como de leitores interessados em questões históricas em nosso país, torna ainda mais relevante o estudo da temática. A comparação das experiências estaduais, regionais e nacional; a distribuição dos cursos de graduação e pós-graduação no país; a relação entre inscritos e formados no passado e no período atual; o estudo do currículo e de suas mudanças no tempo e peculiaridades no espaço; a análise da composição do corpo docente dos cursos e suas respectivas qualificações profissionais (títulos e planos de cargos e carreiras entre as universidades); as relações entre ‘currículo oficial’ e ‘currículo oculto’; as discussões sobre o ofício, a delimitação do campo e a identificação da produção na área; o estudo dos periódicos (como são criados, administrados, o que produzem e o que discutem). Essas são algumas das questões a serem mais bem conhecidas para que possam ser produzidos balanços mais adequados e consistentes sobre a temática.
  • 7
    Mara Rodrigues (2002Rodrigues, M. C. M. (2002). A institucionalização da formação superior em história: o curso de geografia e história da UPA/URGS (1943-1950) (Dissertação de Mestrado em História). UFRGS, Porto Alegre.), por sua vez, empreendeu estudo sobre o curso de Geografia e História da UPA/URGS no período de 1943 a 1950. Em sua análise procurou verificar quais as mudanças curriculares que ocorreram no período estudado, quais professores deram aula no curso, e de que maneira estavam distribuídas as disciplinas. João Paulo Gama Oliveira (2011Oliveira, J. P. G. (2011). Disciplinas, docentes e conteúdos: itinerários da história na Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1951-1962) (Dissertação de Mestrado em Educação). UFS, São Cristóvão. Recuperado de: https://www.repositorio.ufs.br/bitstream/riufs/4718/1/JOAO_PAULO_GAMA_OLIVEIRA.pdf
    https://www.repositorio.ufs.br/bitstream...
    ) procurou analisar a formação dos professores e o curso de história da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, em especial, durante o período de 1951 a 1962, com vistas a demonstrar as mudanças curriculares, distribuição das disciplinas do curso e a forma como esteve organizado o corpo docente. E Silvana Carvalho (2010Carvalho, S. M. B. (2010). A formação do professor de história na Faculdade de Filosofia da Universidade Estadual de Ponta Grossa de 1950 a 1970: propostas curriculares e memórias docentes (Tese de Doutorado em Educação). Universidade Federal do Paraná, Curitba. Recuperado de: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/24853/_TESE%20-%20Versao%20finalissima%20para%20Grafica%20UFPR.pdf?sequence=1&isAllowed=y
    https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/...
    ) procurou estudar as propostas curriculares e as memórias dos docentes do curso de história da Faculdade de Filosofia da Universidade Estadual de Ponta Grossa durante o período de 1950 a 1970.
  • 8
    Ver, entre outros: Machado (2016Machado, D. V. (2016). Por uma ciência histórica: o percurso intelectual de Cecília Westphalen, 1950-1998 (Tese de Doutorado em História). Assis, SP: Unesp., 2018Machado, D. V. (2018). Por uma ciência histórica: o percurso intelectual de Cecília Westphalen, 1950-1998. In F. F. V. Varella & K. Anhezini (Orgs.), Desafios e caminhos da teoria e da história da historiografia (2016) (Coleção Concurso SBTHH, Vol. III, p. 469-841, 1a ed.). Mariana, MG: SBTHH.).
  • 9
    Note-se ainda que em Minas Gerais foi criado um curso de Geografia e História em 1939 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Minas Gerais (atual Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG). Como demonstrou Santos (2013Santos, A. S. (2013). Francisco Iglésias e o curso de geografia e história da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais (década de 1940). História da historiografia, 6(11), 104-121. Recuperado de: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/521/348
    https://www.historiadahistoriografia.com...
    ), ao estudar a trajetória de Francisco Iglésias nos anos 1940, este curso também não contou com uma missão francesa e teve peculiaridades em sua grade curricular, quando a comparamos com a do curso de Geografia e História da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil. Isso demonstra que as tentativas de padronização pretendidas pela UB não foram alcançadas plenamente, e as instituições mostravam uma relativa autonomia em suas decisões quanto ao ensino e a pesquisa a ser ministrados para os seus alunos e alunas, durante o processo de preparação de novos profissionais para a sociedade brasileira.
  • 10
    Fundado em 24 de maio de 1900. Ver: Instituto Histórico e Geográfico do Paraná [IHGPR] (2018Instituto Histórico e Geográfico do Paraná [IHGP]. (2018). Recuperado de: http://www.ihgpr.org.br/
    http://www.ihgpr.org.br/...
    ).
  • 13
    Como citar este artigo: Roiz, D. da S.A escrita e o ofício da história no curso de geografia e história da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná (1938-1948).(2019). Revista Brasileira de História da Educação, 19. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v19.2019.e083
  • 14
    Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

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Instituto Histórico e Geográfico do Paraná [IHGP]. (2018). Recuperado de: http://www.ihgpr.org.br/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2019
  • Aceito
    13 Ago 2019
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