Acessibilidade / Reportar erro

‘O corpo como residência do Espírito Santo’: a educação do corpo na obra de Benjamin Franklin (1732-1790)

‘El cuerpo como residencia del Espíritu Santo’: educación del cuerpo en la obra de Benjamin Franklin (1732-1790)

Resumo:

Benjamin Franklin foi um pensador americano que se tornou figura emblemática do imaginário estadunidense. Neste artigo, apresentam-se suas contribuições relativas à educação do corpo. Para se alcançar o intento, realizou-se uma pesquisa, tendo-se como fontes os escritos de Franklin que abordaram prescrições em relação à dieta e exercícios físicos. Demonstrou-se, pela análise das fontes, que uma moral de cunho religioso moldou os cuidados do corpo, apresentando elementos de quantificação, individualização, treinamento e moderação dos hábitos, com ênfase no papel da natação como atividade útil e saudável. Concluiu-se que uma moral protestante influenciou a visão de Franklin em relação à educação do corpo, por meio do utilitarismo vinculado ao ascetismo como estilo de vida.

Palavras-chave:
protestantismo; educação do corpo; história do corpo; saúde

Resumen:

Benjamin Franklin fue un pensador que se convirtió en figura emblemática del imaginario estadounidense. En este artículo se presenta una de las faces poco conocidas de este intelectual: sus contribuciones en el campo de la salud y la educación del cuerpo. En una sociedad protestante en vías de formación capitalista, Franklin fue un intelectual que concilió consejos prácticos de cuidados corporales con la moral religiosa norte-americana. Se utilizó como fuentes los escritos de Benjamin Franklin que abordan prescripciones relacionadas con la dieta y los ejercicios físicos. Se concluye que una moral protestante influenció la mirada de Franklin respecto a la salud y educación del cuerpo a través del utilitarismo y racionalismo vinculados al ascetismo como estilo de vida.

Palabras clave:
protestantismo; educación del cuerpo; historia del cuerpo; salud

Abstract:

Benjamin Franklin was an American thinker who became an iconic figure in the imagination of the people of the United States. This article presents his contributions to the education of the body. To this end, a research was carried out, having as sources Franklin’s writings containing prescriptions referring to diet and physical exercises. The analysis of the sources showed that a morality of a religious nature shaped body care, presenting elements of quantification, individualization, training and moderation of habits, with an emphasis on the role of swimming as a useful and healthy activity. It was concluded that a Protestant morality influenced Franklin’s view as to the education of the body by means of utilitarianism linked to asceticism as lifestyle.

Keywords:
protestantism; education of the body; history of the body; health

Introdução

As colônias inglesas na América do Norte foram povoadas, principalmente, por puritanos que vinham da Europa fugindo de perseguições religiosas. Instalados no Novo Mundo, perpetuaram valores, tradições e costumes, criando elementos culturais que determinaram a forma de vida na sociedade colonial. No que se refere ao corpo, são reconhecidas, nas pesquisas de diferentes autores, as formas de regramento adotadas pelos puritanos americanos em questões como trabalho, divertimentos e moderação dos impulsos corporais (Struna, 1988Struna, N. (1988). Sport and society in early America. The International Journal of the History of Sport, 5(3), 292-311., 1996Struna, N. (1996). People of prowess: sport, leisure, and labor in early Anglo-America. Champaign, IL: University of Illinois Press. ; Overman, 2011Overman, S. (2011). The protestant ethic and the spirit of sport: how calvinism and capitalism shaped America's games. Macon, GA: Mercer University Press.; Hollinger, 2013Hollinger, D. A. (2013). After cloven tongues of fire: protestant liberalism in modern american history. New Jersey, NJ: Princeton University Press.; Karnal, 2017Karnal, L. (Org.). (2017). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo, SP: Contexto.; Amstel, Marchi Júnior, Sonoda-Nunes & Moraes e Silva, 2019Amstel, N., Marchi Júnior, W., Sonoda-Nunes, R., & Moraes e Silva , M. (2019). Divertimentos e a busca pelo controle: moderação protestante nas colônias norte-americanas (1633-1682). FairPlay - Revista de Filosofia, Ética y Derecho del Deporte,15.). As restrições e regulações no uso do corpo caracterizavam uma ascese específica, amplamente descrita por Weber (2004Weber, M. (2004). A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, SP: Companhia das Letras.), em que havia rejeição aos prazeres mundanos, aceitação da dor infligida pelo esforço pessoal e intensa dedicação ao trabalho que cada indivíduo exercia.

Essas condições são apontadas por Weber (2004Weber, M. (2004). A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, SP: Companhia das Letras.) como elementos circunscritos ao contexto de origem do capitalismo, de forma que a cultura protestante das colônias norte-americanas se apresenta intimamente ligada à formação da economia capitalista moderna. Entre as fontes utilizadas para construir a análise, Weber fez amplo uso dos textos de Benjamin Franklin, apontado como figura representativa da moral protestante1 1 Nascido no dia 17 de janeiro de 1706 em Boston e falecido em 17 de abril de 1790 na Filadélfia, Benjamin Franklin ocupou seus 84 anos de vida com variados afazeres. De produtor de velas a político influente na Filadélfia, Franklin desempenhou ocupações como impressor (jornais, almanaques, livros e até papel-moeda), inventor, funcionário público, diplomata, embaixador, constituinte, escritor, jornalista, editor e representante colonial ((Franklin, 1793; Roberts, 1991; Isaacson, 2015; Arch, 2020). Como cientista e inventor, destacou-se principalmente pela produção dos primeiros modelos de para-raios, oriundos de sua pesquisa com tempestades, marcadamente conhecidas pelas histórias do empinamento de pipas em noites chuvosas, infestadas de relâmpagos (Mulford, 2019). . Afinal, o pensador norte-americano, por meio de seus escritos, dava conselhos morais de ordem prática que professavam uma nova ética que se manifestava, a do trabalho duro, busca pelo lucro e negação dos divertimentos, elementos que acabaram tendo repercussão na esfera da educação do corpo2 2 A noção de educação do corpo formalizada por Soares (2014), indica que ela se caracteriza pela progressiva repressão das manifestações corporais naquilo que parece ser incontrolável. Para a autora, educar o corpo é torná-lo adequado ao convívio social, bem como se refere ao processo de inseri-lo em processos de aprendizagens que buscam encobrir e apagar uma natureza rebelde, trazendo à luz uma natureza pacificada. Esse conceito permite se escrever uma história da educação, ou talvez, nas palavras de Soares (2003), uma história dos múltiplos constrangimentos, pois é no corpo que se inscreve um lento, intenso, extenso, meticuloso e obstinado trabalho de constrangimentos. A autora salienta que, para ser exibido, o corpo precisa ser educado. Essas ações pedagógicas percorrem múltiplos caminhos, elaborando práticas contraditórias, ambíguas e tensas. . Essas características demonstram que o intelectual norte-americano tinha uma forma específica de entender e praticar o protestantismo, sendo que a informação se torna mais explícita à medida que se compreende a forma como Franklin idealizava uma educação do corpo.

Nesse sentido, o presente artigo busca responder à seguinte problemática de pesquisa: como as noções de saúde e de educação do corpo se mostraram presentes na obra do pensador norte-americano Benjamin Franklin? Para se alcançar o intento, realizou-se uma pesquisa historiográfica, tendo-se como fontes primárias os textos do autor que indicavam a existência de elementos de uma educação do corpo, representados mediante dietas, exercícios e moderação.

As fontes selecionadas para análise foram os seguintes textos: 1) Poor Richard's almanack (1732); 2) Experiments and observations on electricity (1769 - mais precisamente a carta direcionada ao seu amigo Oliver Neave); 3) The art of swimming rendered easy; with directions to learners, (1790); 4) The autobiography of BenjaminFranklin (1793Franklin, B. (1793). The autobiography of Benjamin Franklin. London, UK: J. Parsons. - a primeira edição foi publicada postumamente em 1791, sob os cuidados de seu neto William Franklin); e 5) The works of Benjamin Franklin: containing several political and historical tracts not included in any former edition (edição de 1844 - especificamente a carta endereçada à senhora Mary Stevenson a respeito da água do mar, escrita originalmente em 1761). Para análise, efetuou-se um diálogo com a obra do historiador francês Georges Vigarello, em função de suas contribuições para a compreensão das mudanças históricas em processos de usos e atribuições de sentido do corpo e das práticas de saúde, no século XVIII, período em que o norte-americano escreveu suas obras.

A pesquisa em torno dos textos de Franklin se justifica pelos seguintes motivos: a) existem indícios, ainda pouco explorados, em estudos da área de história da saúde, que têm o apontado como um dos pioneiros norte-americanos em conselhos de nutrição e educação física. Diller (1909Diller, T. (1909). The writings of Benjamin Franklin pertaining to medicine and the medical profession. The Aesculapian, 1(3-4), 156.), por exemplo, ressalta o papel ativo do intelectual na construção do primeiro hospital, bem como a primeira escola de medicina, nos Estados Unidos. Em sentido similar, William Clifford Roberts, médico, ex-editor do American Journal of Cardiology e autor de diversos artigos na área da saúde, destaca a importância de Franklin para a medicina por intermédio de seus inúmeros conselhos nutricionais e de exercícios físicos (Roberts, 1991Roberts, W. (1991). Benjamin Franklin's Poor Richard's Almanack and its maxims on physicians, medicine and nutrition. American Journal of Cardiology, 68(6), 703-706.); b) o século XVIII é tido como um período de diversas transformações no campo da saúde, quando novas ideias passaram a circular no discurso médico-científico (Vigarello, 1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes., 1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.; Corbin, 2016Corbin, A. (2016). Le miasme et la jonquille: l'odorat et l'imaginaire social, XVIIe-XIXe siècles. Paris, FR: Flammarion.), e a leitura das obras do pensador norte-americano pode contribuir para melhor se compreender o contexto; e c) a sociedade americana da época, especialmente a colônia da Pensilvânia, era predominantemente fiel ao culto protestante, em que imperavam fortes críticas ao denominado mau uso do tempo livre. Dessa maneira, havia constante recriminação aos divertimentos, tanto em bares quanto ao ar livre, assim como demonstrado por Amstel et al. (2019Amstel, N., Marchi Júnior, W., Sonoda-Nunes, R., & Moraes e Silva , M. (2019). Divertimentos e a busca pelo controle: moderação protestante nas colônias norte-americanas (1633-1682). FairPlay - Revista de Filosofia, Ética y Derecho del Deporte,15.). Se as práticas corporais em geral eram restritas, é relevante se saber como Franklin adequou-as ao meio religioso do contexto em que vivia. Nesse sentido, torna-se fundamental se compreender o ethos protestante em questão.

O contexto histórico de Franklin: o utilitarismo e o pragmatismo no protestantismo frankliano

Os primeiros protestantes que chegaram às colônias americanas estavam em busca de liberdade religiosa, visto que tiveram inúmeros conflitos com católicos e anglicanos na Inglaterra. Para além disso, sabe-se também que grupos puritanos se envolveram em conflitos profundos a respeito do controle de divertimentos. A cultura anglicana, favorável aos jogos e práticas de lazer, não coadunava com a moral puritana que desejava cercear as atividades nãoreligiosas (Hollinger, 2013Hollinger, D. A. (2013). After cloven tongues of fire: protestant liberalism in modern american history. New Jersey, NJ: Princeton University Press.; Karnal, 2017Karnal, L. (Org.). (2017). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo, SP: Contexto.; Amstel et al., 2019Amstel, N., Marchi Júnior, W., Sonoda-Nunes, R., & Moraes e Silva , M. (2019). Divertimentos e a busca pelo controle: moderação protestante nas colônias norte-americanas (1633-1682). FairPlay - Revista de Filosofia, Ética y Derecho del Deporte,15.).

De fato, sabe-se que uma das primeiras leis promulgadas nas novas colônias americanas envolveu a proibição de alguns divertimentos considerados imorais (Jable, 1974Jable, T. (1974). Pennsylvania's early Blue Laws: a Quaker experiment in the suppression of sport and amusements, 1682-1740. Journal of Sport History, 1(2), 107-112.; Dulles, 1965Dulles, F. (1965). A history of recreation: americans learn to play. New York, Ny: Appleton-Century-Crofts.; Overman, 2011Overman, S. (2011). The protestant ethic and the spirit of sport: how calvinism and capitalism shaped America's games. Macon, GA: Mercer University Press.; Amstel et al., 2019Amstel, N., Marchi Júnior, W., Sonoda-Nunes, R., & Moraes e Silva , M. (2019). Divertimentos e a busca pelo controle: moderação protestante nas colônias norte-americanas (1633-1682). FairPlay - Revista de Filosofia, Ética y Derecho del Deporte,15.), entre eles, elencam-se os jogos de azar, blood sports3 3 O termo é utilizado para referir-se a práticas violentas com animais como brigas de cães, galos, rodeios, touradas etc. , bilhar, boliche, carteado, adivinhação, entre outros. Ainda assim, cabe destacar, conforme indica Overman (2011Overman, S. (2011). The protestant ethic and the spirit of sport: how calvinism and capitalism shaped America's games. Macon, GA: Mercer University Press.), que essas reprovações morais poderiam abranger outras atividades, caso estivessem vinculadas à busca de diversão ou cultuando a preguiça.

Essa visão contrária aos divertimentos, no protestantismo, decorria de uma nova ética do trabalho, desenvolvida inicialmente na seita calvinista e, posteriormente, estendida de maneira generalizada na cultura capitalista (Weber, 2004Weber, M. (2004). A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, SP: Companhia das Letras.). Em função de o protestantismo abolir do processo de salvação elementos tidos como ‘mágicos’ (assim como o papel da eucaristia no catolicismo) e dar ênfase à fé como mecanismo para redenção, gradualmente se iniciou uma extensão dessa percepção sobre a realidade em geral. Weber (2004Weber, M. (2004). A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, SP: Companhia das Letras.) classificaria esse processo como ‘desencantamento do mundo’, em que o protestante eliminava mecanismos auxiliares e sobrenaturais de salvação; sem a maior parte dos sacramentos, o indivíduo encontrava-se sem meios para saber se estaria salvo. Diante disso, o calvinismo passou a interpretar teologicamente que a redenção se daria pelo sucesso material dos devotos. Nesse sentido, quanto mais bem-sucedido financeiramente um cristão se mostrasse, maiores seriam os sinais de que estava predestinado a se salvar. Isso possibilitou a formação de uma nova ética de trabalho, em que os protestantes evitavam gastar dinheiro com qualquer coisa supérflua e trabalhavam rigorosamente. Sendo assim, conforme apontam Weber (2004Weber, M. (2004). A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, SP: Companhia das Letras.) e Overman (2011Overman, S. (2011). The protestant ethic and the spirit of sport: how calvinism and capitalism shaped America's games. Macon, GA: Mercer University Press.), os divertimentos eram algo a ser eliminado da sociedade.

Franklin estava imerso nessas questões, visto que teve uma educação calvinista, tendo-se em vista que sua família e a comunidade na qual crescera comungavam dessa orientação religiosa. No entanto, durante a maior parte de sua vida, declarou-se um deísta4 4 O deísmo, fruto do iluminismo, origina-se no século XVII e consiste em uma filosofia religiosa que despreza o sobrenatural, o dogma religioso e a ideia de textos religiosos relevadores. A maior parte dos deístas acredita que a razão é o atributo máximo para confirmação da existência do divino, em que a experiência da natureza indicaria sua presença. Sua ausência de rituais e tradições na relação com o sobrenatural é a razão de seu declínio e deu forças para o ateísmo moderno se fundamentar (Vartanian, 1949). (Isaacson, 2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.), ainda que em uma versão frankliana, pois o intelectual era pragmático e utilitarista em sua crença acerca do divino. Por sua vez, o deísmo clássico acreditava que Deus não se importava com a humanidade e havia deixado a natureza como mantenedora da ordem divina (Aquino, 2013Aquino, F. (2013). História da igreja: idade média. Lorena, SP: Cleofás.). Franklin enxergava nessa teologia um pressuposto para surgir um relativismo moral que poderia ser prejudicial para a sociedade (Isaacson, 2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.), já que Deus, não se importando com a humanidade, seria indiferente ao fato de as ações humanas serem boas ou ruins. O norte-americano não concordava com essa percepção relativista no campo moral.

Cabe ainda destacar que o pensador não corroborava totalmente a educação calvinista que havia recebido. O intelectual alegava que a predestinação do recebimento da graça para alguns poucos eleitos, como defendido pelo calvinismo, era algo a ser contestado, pois implicaria na desqualificação da ‘boa obra’, que Franklin acreditava ser a grande vantagem das religiões (Isaacson, 2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.). Nesse sentido, pode-se dizer que a sua visão deísta englobava tanto o que ele considerava bom (útil) no deísmo clássico, associado a alguns valores do puritanismo calvinista, desqualificando o que considerava nocivo (entenda-se inútil, não prático) nas duas teologias.

Isaacson (2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.) salienta que Franklin foi um filósofo que acabou preparando o terreno filosófico do utilitarismo norte-americano. Souza (2010Souza, R. A. (2010). A filosofia de John Dewey e a epistemologia pragmatista. Redescrições, 2(1), 1-13.) salienta que a corrente do pragmatismo se originou oficialmente com os pensadores William James e Charles Sanders Peirce ao final do século XIX e que tem como nome mais proeminente o filósofo John Dewey. De forma mais ampla, pode-se dizer que o pragmatismo defende a ideia de que qualquer tipo de conhecimento deve estar atrelado a um resultado prático. Por sua vez, o utilitarismo, segundo aponta Sandel (2012Sandel, M. J. (2012). Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. ), é uma linha de pensamento que atribui aos valores morais o bem-estar coletivo e das partes envolvidas, tendo caráter normativo. Desse modo, de acordo com o autor, uma ação terá sua utilidade deduzida de quanta felicidade ela produziu para os indivíduos. Nesse sentido, Isaacson (2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.) afirma existirem fortes evidências do pragmatismo e utilitarismo nos textos de Franklin e que acabaram repercutindo na forma deste de compreender a educação do corpo.

Não há nada de errado em nadar - o valor da natação para Franklin

Franklin, vivendo em uma comunidade que não enxergava com bons olhos os indivíduos que perdiam tempo divertindo-se com atividades inúteis, percebeu a necessidade de justificar de maneira utilitarista os divertimentos, tornando-os virtuosos e respeitáveis. Em um de seus textos, o autor classificava o nadar como “[…] um dos divertimentos mais saudáveis e prazerosos” (Franklin, 1790Franklin, B. (1790). The art of swimming rendered easy, with directions to learners. Glasgow, UK: W. S. Johnson., p. 3, tradução nossa)5 5 “[...] a healthy and delightful amusement”. . Cabe destacar aqui, conforme apontam Vigarello (1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes., 1999), Munoz (2008Munoz, L. (2008). Usages corporels et pratiques sportives aquatiques du XVIII° au XX° siècle. Paris, FR: Editions L'Harmattan.), Pelayo (2010Pelayo, P. (2010). De l’art de nager à la science de la natation. La Revue Pour L’histoire du CNRS, 26, 18-23.) e Corbin (2016Corbin, A. (2016). Le miasme et la jonquille: l'odorat et l'imaginaire social, XVIIe-XIXe siècles. Paris, FR: Flammarion.), que o ato de se banhar estava mudando de status no século XVIII. A mentalidade científica do período, mesmo com maior aceitação da prática do banho, acreditava que a água penetrava no corpo por meio dos poros, o que possibilitava uma atuação da mesma sobre o organismo. Vigarello (1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes., 1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.) e Corbin (2016Corbin, A. (2016). Le miasme et la jonquille: l'odorat et l'imaginaire social, XVIIe-XIXe siècles. Paris, FR: Flammarion.) salientam ainda que os temores em relação às pestes e doenças diversas desapareceram em meados dos Setecentos, entretanto os autores indicam que o ato de se banhar ainda sofria uma série de interdições e muitas prudências. Por essas questões, o banho se manteve durante quase todo o século XVIII e XIX como uma prática restrita às classes mais abastadas.

Contudo, Vigarello (1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes., 1999) e Corbin (2016Corbin, A. (2016). Le miasme et la jonquille: l'odorat et l'imaginaire social, XVIIe-XIXe siècles. Paris, FR: Flammarion.) apontam que um amplo processo de transformação das sensibilidades em relação aos banhos foi realizado a partir do século XVIII e uma das medidas foi selecionar os períodos do ano no qual poderiam ser realizados. Vigarello (1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes.) lembra que, na segunda metade do século XVIII, na França, os banhos não eram recomendados no inverno, sendo a primavera e o verão as estações mais favoráveis para a sua realização. Além disso, afirma que o banho de rio, até então tratado como um divertimento isolado, passou a ser percebido na segunda metade do século XVIII como um instrumento de saúde. Tornava-se uma prática ascética, tanto moral como fisicamente, pois o endurecimento do corpo na água fria buscava mobilizar energia e afirmar sua solidez. Vigarello (1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes., p. 139) demonstra isso referenciando o próprio Franklin:

Outro exemplo diferente, ainda, é a paixão com que Benjamin Franklin falou dos banhos de rio ou das imersões tônicas, as quais se entregava regularmente a partir de 1760. Testemunho importante, decerto, porque Franklin insiste numa verdadeira mania assim como insiste numa prática de substituição. Nada equivale às virtudes do banho frio, mas o choque que ele produz pode tomar corpo, abalá-lo. Pode até violentar certas constituições.

O nadar, para Franklin, estava em sintonia com as lógicas científicas e médicas circulantes no contexto europeu do século XVIII, apontadas por Vigarello (1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes., 1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.), e Corbin (2016Corbin, A. (2016). Le miasme et la jonquille: l'odorat et l'imaginaire social, XVIIe-XIXe siècles. Paris, FR: Flammarion.). Tanto que o pensador norte-americano recomendava a natação para as estações quentes, uma atividade que, se praticada por até 2 h, ajudaria a limpar os poros, combater diarreias, além de proporcionar uma boa noite de sono pelo cansaço provocado (Franklin, 1790Franklin, B. (1790). The art of swimming rendered easy, with directions to learners. Glasgow, UK: W. S. Johnson.). Essa perspectiva do orgânico estava em plena consonância com a noção de exercício exposta por Vigarello (2008aVigarello, G. (2008a). Exercitar-se, jogar. In G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin. (Orgs.), História do corpo (Vol. 1, p. 303-400). Rio de Janeiro, RJ: Vozes., p. 303, grifo do autor): “[…] o movimento físico ajudaria a evacuar as ‘partes’ internas, expulsando os humores cuja estagnação seria um perigo”. O historiador francês indica que desde o século XVI existiam evidências da presença de discursos que afirmavam que os exercícios ajudavam a melhorar o funcionamento das atividades internas do organismo:

A natação tem vantagem sobre o banho simples, pois os movimentos fortes e repetidos feitos para vencer a resistência da água são bem mais favoráveis para fazê-la penetrar interiormente e tornar mais flexível a atividade muscular de todas as partes do corpo, possibilitar a secreção e as excreções mais fáceis e mais favoráveis, aplicar, em suma, o selo da saúde sobre as melhores constituições (Vigarello, 1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes., p. 141).

Como exemplo desses aperfeiçoamentos corporais, Vigarello (1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes., 1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil., 2008aVigarello, G. (2008a). Exercitar-se, jogar. In G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin. (Orgs.), História do corpo (Vol. 1, p. 303-400). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) cita a questão da evacuação e de como as diarreias representariam a fraqueza dos canais de expulsão dos excrementos. O exercício interviria, auxiliando na conservação, fortalecimento e controle da expulsão de líquidos. Nesse aspecto, é importante frisar que o exercício como remédio para a diarreia estava em alinhamento com os ideais de Franklin de repúdio aos medicamentos para uma vida mais saudável, em que o exercício seria uma opção natural de automedicação para essa enfermidade, ou seja, se tornava um importante elemento de aprimoramento da dimensão orgânica.

Entretanto, cabe destacar que o nadar não seria o único remédio que Franklin defendia para a diarreia:

É certo que a natação é o meio de parar uma diarreia e até mesmo de produzir uma constipação. Com relação àqueles que não sabem nadar, ou que são afetados por uma diarreia em um período que não lhes permite fazer uso desse exercício, um banho morno, limpando e purificando a pele, é algo muito benéfico e, muitas vezes, resulta em uma cura radical. Falo de minha própria experiência, frequentemente repetida, e para os outros a quem eu recomendei isso (Franklin, 1790Franklin, B. (1790). The art of swimming rendered easy, with directions to learners. Glasgow, UK: W. S. Johnson., p. 4, tradução nossa)6 6 “It is certain that much swimming is the means of stopping a diarrhea and even of producing a constipation. With respect to those 'who do not know how to swim, or 'who are affected 'with a diarrhea at a season which dees not permit them to use that exercise, a warm bath, by cleansing and purifying the skin, is found 'very salutary, and often effects a radical cure. I speak from my own experience, frequently repeated, and that of others too whom I have recommended this”. .

Torna-se imprescindível destacar as percepções confusas do que causava uma diarreia. O trecho não estabelece uma relação com a ingestão de determinada substância nociva, a falta de outra necessária ou mesmo uma condição causada por fatores internos ao orgânico. Pela escrita, impõe-se que seria a pele a porta de entrada do mal (Vigarello, 1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes.; 1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.; Corbin, 2010Corbin, A. (2010). Le territoire du vide: l'Occident et le désir du rivage. Paris, FR: Flammarion.; 2016Corbin, A. (2016). Le miasme et la jonquille: l'odorat et l'imaginaire social, XVIIe-XIXe siècles. Paris, FR: Flammarion.). A causa das diarreias era enigmática, ligada ao imaginário das doenças que entravam pela superfície cutânea ou, como na própria fala de Franklin, pelos poros.

Nota-se que a importância dada ao exercício ainda não estava consolidada. Quando o indivíduo tivesse sua prática física inviabilizada, poderia substituí-la por atividades passivas, porém de eficácia semelhante, segundo apontava o conhecimento empírico do período. No aspecto dos poros, em que Franklin recomendava a limpeza propiciada pelo nadar, prosseguia-se a noção dos humores contidos no corpo. Sua estagnação seria nociva à saúde, cabendo, portanto, a sua exsudação e seu movimento. Os poros teriam potencial de, através da superfície cutânea, remover o mal físico contido na carne, no entanto vale salientar que os poros, para Franklin, não eram apenas vias de saída, mas também de entrada e filtro de substâncias.

Franklin acreditava, por exemplo, que a exposição à água permitia enfrentar a sede pela absorção de líquido pelos poros, inclusive pensava que, caso algum indivíduo estivesse flutuando em água salgada, a pele deste poderia filtrar o sal e permitir a entrada de água no organismo, mantendo o corpo hidratado, conceito estreitamente vinculado aos estudos acerca dos poros que vinham sendo realizados naquele período, como apontado por Vigarello (1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes.; 1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.; 2008aVigarello, G. (2008a). Exercitar-se, jogar. In G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin. (Orgs.), História do corpo (Vol. 1, p. 303-400). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) e Corbin (2010Corbin, A. (2010). Le territoire du vide: l'Occident et le désir du rivage. Paris, FR: Flammarion., 2016). Franklin testava o próprio corpo na água, tendo o alicerce da ideia dos poros para suas constatações, assim como indicado em uma carta redigida em 1761:

Eu frequentemente observei que, não importa o quão sedento estava antes de começar a nadar, tal sensação não persistia na água. Os poros do corpo parecem filtrar muito bem o sal da água; por mais que durante minha infância tenha permanecido várias horas dentro da água salgada nadando, por vários dias consecutivos, nunca observei meu sangue ou fluidos tornarem-se salgados. […] notável que os peixes, que vivem em ambiente de água salgada, não tem esse gosto (Franklin, 1844Franklin, B. (1844). The works of Benjamin Franklin: containing several political and historical tracts not included in any former edition (Vol. 6). Boston, MA: Charles Tappan., p. 233, tradução nossa)7 7 “I have often observed myself that however thirsty I may have been before going into the water to swim, I am never long so in the water. These imbibing pores, however, are very fine, perhaps fine enough in filtering to separate salt from water; [...] for though I have soaked (by swimming, when a boy) several hours in the day for several days successively in salt-water, I never found my blood and juices salted by that means [...] it’s remarkable that the flesh of sea fish, though bred in salt water, it’s not salt”. .

Novamente se destaca o quanto o nadar para Franklin não parecia ser um divertimento preguiçoso, nocivo à sua salvação e incoerente com uma vida pragmática defendida pela moral protestante. Pelo contrário, as várias horas que ele empreendia nadando lhe conferiam um profícuo objeto de análise científica, em que questionava os motivos de o corpo ter uma sensação de sede reduzida em ambiente aquático. Nesse sentido, seus escritos forneciam constantemente diversos conselhos práticos aos leitores, assim como se observa numa carta endereçada a um amigo: “[…] imaginei que as pessoas no mar, quando afligidas pela sede, e toda água doce já tiver sido ingerida, usem banheiras e as encham com água do mar, ficando nelas uma ou duas horas por dia, de forma que poderão ficar muito aliviadas da sede” (Franklin, 1844Franklin, B. (1844). The works of Benjamin Franklin: containing several political and historical tracts not included in any former edition (Vol. 6). Boston, MA: Charles Tappan., p. 233, tradução nossa)8 8 “[...]I imagine that if people at sea distressed by thirst when their fresh water is unfortunately spent would make bathing tubs of their empty water casks and filling them with sea water sit in them an hour or two each day they might be greatly relieved”. .

As observações relativas ao corpoestavam inseridas contextualmente em uma longa temporalidade que, conforme indicam Vigarello (1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.; 2008aVigarello, G. (2008a). Exercitar-se, jogar. In G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin. (Orgs.), História do corpo (Vol. 1, p. 303-400). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) e Gleyse (2018Gleyse, J. (2018). A instrumentalização do corpo: uma arqueologia da racionalização instrumental do corpo, da idade clássica à época hipermoderna. São Paulo, SP: LiberArs.), desde o Renascimento empreendia uma expansão dos conhecimentos acerca dos diversos sistemas que compunham o organismo. Esses olhares estavam vinculados a diferentes campos de uma forma ainda nascente de ciência moderna, em que os conhecimentos de física, química, biologia, fisiologia e tantas outras áreas ainda se confundiam e, muitas vezes, estavam organizados e agrupados em uma mesma área do saber. Vigarello (1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.; 2018Vigarello, G. (2018). Le corps redressé: histoire d’un pouvoir pédagogique. Paris, FR: Editions du Félin.) lembra que, ao estarem mais livres para exploração científica, novas cartografias do corpo foram escritas pelos cientistas, contestando ideias antigas e colocando novas hipóteses sob apreciação de seus pares.

O exercício racionalizado por Franklin demandava uma quantificação de tempo para sua eficiência: 2 horas e não mais que isso. Torna-se importante salientar que não existe uma justificativa do porquê desse número, além da própria experiência prática do intelectual, contudo já se começava a notar a necessidade de se controlar o tempo das práticas físicas, algo próximo daquilo que Vigarello (1995Vigarello, G. (1995). Le temps du sport. In: A. Corbin, L’avènement des loisirs (1850-1960). Paris: Aubier, 251-290., 2008aVigarello, G. (2008a). Exercitar-se, jogar. In G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin. (Orgs.), História do corpo (Vol. 1, p. 303-400). Rio de Janeiro, RJ: Vozes., 2018Vigarello, G. (2018). Le corps redressé: histoire d’un pouvoir pédagogique. Paris, FR: Editions du Félin.) denominou de ciframento, isto é, a determinação racional do uso do tempo nas práticas corporais e que se consolidariam no século XIX.

Outro elemento a ser destacado no pensamento de Franklin a respeito do nadar era o utilitarismo manifesto na atividade, própria para os dias de calor, bem como o impacto positivo na qualidade de sono. Novas evidências de racionalização e utilitarismo nos exercícios na obra do norte-americano, que corroboram claramente as premissas da ética protestante e seu papel no controle do corpo, conforme apontaram Overman (2011Overman, S. (2011). The protestant ethic and the spirit of sport: how calvinism and capitalism shaped America's games. Macon, GA: Mercer University Press.) e Amstel et al., (2019Amstel, N., Marchi Júnior, W., Sonoda-Nunes, R., & Moraes e Silva , M. (2019). Divertimentos e a busca pelo controle: moderação protestante nas colônias norte-americanas (1633-1682). FairPlay - Revista de Filosofia, Ética y Derecho del Deporte,15.).

Destaca-se, ainda, a importância que o pensador dava para a superação do medo no aprender a nadar: “A primeira coisa que deve ser aprendida é despojar-se de todo medo; e então, se você seguir as instruções dadas nesta pequena obra, e praticá-las frequentemente, você logo dominará a agradável arte da natação, que, uma vez obtida, jamais poderá ser esquecida” (Franklin, 1790Franklin, B. (1790). The art of swimming rendered easy, with directions to learners. Glasgow, UK: W. S. Johnson., p. 5, tradução nossa)9 9 “The first thing that must be learnt, is to divest ourself of all fear; and then, if you follow the Instructions given in this little work, and practice them frequently, you will soon attain the pleasant Art of Swimming, which, once obtained can never forget”. .

O nadar, portanto, assumia sua necessidade de prática constante. A internalização do movimento decorria da repetição, sendo possível se efetuar uma primeira relação, ainda que bastante rudimentar, do ato de treinar no sentido exposto por Vigarello (2008Vigarello, G. (2008b). Treinar. In: G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin (Orgs.), História do corpo: as mutações do olhar: o século XX (Vol. 3, p. 197-250). Petropolis, RJ: Vozes.b). Franklin se aproxima, mas não atravessa o conceito de treinamento, visto que ainda faltava o objetivo de melhora de uma valência física específica, fato que, segundo aponta Vigarello (1995Vigarello, G. (1995). Le temps du sport. In: A. Corbin, L’avènement des loisirs (1850-1960). Paris: Aubier, 251-290., 2008bVigarello, G. (2008b). Treinar. In: G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin (Orgs.), História do corpo: as mutações do olhar: o século XX (Vol. 3, p. 197-250). Petropolis, RJ: Vozes.), só seria sistematizado com mais detalhes no final do século XIX e, sobretudo, nas primeiras décadas do século XX. A frequência de nadar a que o pensador americano se referia parecia estar mais associada a uma superação de medos e a uma educação do movimento de forma mais ampla, para que o indivíduo não se esquecesse nunca mais como nadar.

A relação de Franklin com o nado, inclusive do ato de ‘se mostrar’ a partir de uma habilidade corporal, é um elemento destacado de sua biografia, especialmente quando são narradas experiências em que, sob o olhar de amigos, Franklin jogava-se em um rio para exibir suas habilidades aquáticas. Em viagem pela Inglaterra com amigos, o norte-americano, em determinado momento dentro do barco, despiu-se e pulou no rio: “Em nosso retorno, a pedido dos companheiros, me despi e saltei ao rio, nadando das proximidades de Chelsea até Blackfairs; executando, no trajeto, muitos tipos de atividades, tanto em cima como por baixo da água, o que surpreendeu e agradou a todos aqueles para os quais era uma novidade” (Franklin, 1793Franklin, B. (1793). The autobiography of Benjamin Franklin. London, UK: J. Parsons., p. 60, tradução nossa)10 10 “In our return, at the request of the company, whose curiosity Wygate had excited, I stripped and leaped into the river, and swam from near Chelsea to Blackfairs; performing in the way many feats of activity, both upon and under the water, that surprised and pleased those to whom they were novelties”. .

O processo de hierarquizar o nadar como atividade elegante e útil, portanto, pode ter tido sua origem nas sociedades de Corte, mas o fenômeno de expansão do mesmo não se limitou à vida cortesã (Vigarello, 1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes.). A nova aproximação pedagógica prescrita por Franklin foi efetuada tendo o nadar como objeto. Especificamente sobre o assunto, o intelectual afirma o seguinte:

[...] eu gostaria que todos os homens fossem ensinados a nadar em sua juventude; em muitos casos, seriam mais seguros de si por terem essa habilidade, bem como muito mais felizes, livres de dolorosas situações de perigo, para não falar do divertimento, que é tão prazeroso e saudável como exercício. Os soldados deveriam, em minha opinião, serem ensinados a nadar; talvez pudesse ser de uso frequente tanto para surpreender um inimigo quanto para se salvar. E se eu tivesse agora meninos para educar, eu preferiria que nas escolas […] fossem oferecidas oportunidades para adquirir uma arte tão vantajosa, que, uma vez aprendida, nunca é esquecida (Franklin, 1790Franklin, B. (1790). The art of swimming rendered easy, with directions to learners. Glasgow, UK: W. S. Johnson., p. 9, tradução nossa)11 11 “I wish all men were taught to do in their youth; they would on many occurrences be the safer for having that skill, and on many more the happier, as free from painful apprehensions of danger, to say nothing of the enjoyment is so delightful and -wholesome as exercise. Soldiers particularly should, me thinks, all be taught to swim; it might be of frequent use either in surprising an enemy, or saving themselves. And if f I had now boys to educate, I should prefer those schools [...] where an opportunity was afforded for acquiring so advantageous an art, which, once learned, is never forgotten”. .

Para Franklin, nadar seria uma atividade digna de elogios, sem vícios que lhe viessem à memória para contar a seus leitores. Para além disso, deveria ser uma prática ensinada em escolas para meninos, bem como para militares, ou seja, a natação deveria ser inserida num amplo dispositivo pedagógico, assim como já acontecia na França setecentista (Terret, 1994Terret, T. (1994). Naissance et diffusion de la natation sportive. Paris, FR: L’Harmattan.; Vigarello, 1996Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal. São Paulo, SP: Martins Fontes.; Munoz, 2008Munoz, L. (2008). Usages corporels et pratiques sportives aquatiques du XVIII° au XX° siècle. Paris, FR: Editions L'Harmattan.; Pelayo, 2010Pelayo, P. (2010). De l’art de nager à la science de la natation. La Revue Pour L’histoire du CNRS, 26, 18-23.), país com o qual Franklin teve forte contato em função de suas ações diplomáticas (Isaacson, 2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.).

No que diz respeito às observações de Franklin acerca da natação, cabe destacar que ele inventou, durante a juventude, palmares e nadadeiras que ajudavam a se nadar mais rápido (Isaacson, 2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.)12 12 Estas invenções posteriormente o levaram a ser incluso no International Swim Hall of Fame [ISHOF] (2019). . As criações franklinianas manifestam uma busca por racionalização e maior eficácia da ação de nadar por parte do intelectual norte-americano. Franklin relatava em seus escritos como observou a mecânica dos movimentos com os tornozelos no rendimento de seu nado. Apontou que, para cruzar grandes distâncias, variava o nado em decúbitos ventral e dorsal, na busca de evitar a fadiga (Franklin, 1790Franklin, B. (1790). The art of swimming rendered easy, with directions to learners. Glasgow, UK: W. S. Johnson.). Observam-se aqui movimentos mais racionalizados e passíveis de correção, sendo aplicados às circunstâncias que exigem determinada eficácia. Desenrolam-se os indícios de ‘rendimento’ da ação corporal, na qual a velocidade e a técnica receberiam posição de destaque no dispositivo que estava sendo instalado na segunda metade do século XVIII, conforme sublinha Vigarello (2018Vigarello, G. (2018). Le corps redressé: histoire d’un pouvoir pédagogique. Paris, FR: Editions du Félin.).

Uma carta de Franklin endereçada a Oliver Neave (Franklin, 1769Franklin, B. (1769). Experiments and observations on electricity. London, UK: David Henry.) mostra-o defendendo que a idade avançada de seu colega não poderia ser uma desculpa para não querer aprender a nadar. O risco de cair de um bote justificaria a necessidade de ser capaz de nadar até a margem ou boiar até que alguém viesse resgatá-lo. Franklin segue a carta indicando os procedimentos de aprendizado de inserção do corpo na água, técnicas de boiar, o uso dos pulmões no auxílio para se sustentar o corpo na flutuação, além dos movimentos a serem efetuados com os braços e pernas. Havia também a indicação de exercícios para se acostumar um iniciante, como atirar um ovo em água clara e funda, de forma que o aprendiz deveria mergulhar para recuperá-lo.

No entanto, Franklin deixava claro que todas essas dicas, que poderiam ser utilizadas por quem acidentalmente viesse a se encontrar em uma grande concentração de água, sofrendo risco de afogamento, não deveriam ser aplicadas sem antes praticá-las de maneira segura. Portanto, o intelectual norte-americano advogava que todos os indivíduos deveriam aprender a nadar em sua juventude, evitando, dessa forma, futuros riscos (Franklin, 1790Franklin, B. (1790). The art of swimming rendered easy, with directions to learners. Glasgow, UK: W. S. Johnson.). Nota-se uma preocupação em pedagogizar os movimentos, por intermédio de exercícios que facilitassem sua assimilação.

A proximidade entre as proposições de Franklin e a mentalidade do período se tornam ainda mais evidentes quando o intelectual explora questões relacionadas à saúde. Foi nesse momento que um amplo processo de educação do corpo se evidenciou em sua obra.

Dieta virtuosa e o combate aos excessos pecaminosos: o corpo equilibrado e saudável

“Aquele que vive carnalmente não viverá eternamente” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 5, tradução nossa)13 13 “He that lives carnally, won't live eternally”. .

A epígrafe acima, retirada de um dos almanaques de conselhos para uma vida melhor, o Poor Richard’s almanack, representa o pensamento de Franklin em relação aos cuidados a serem tomados com o corpo. O trecho deixa evidente a condenação das atitudes prazerosas, evidenciando uma noção de corpo entrelaçada a uma religiosidade protestante do período e que exigia um modelo corporal muito específico e que necessitava passar por um amplo processo de educação.

Isaacson (2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.) afirma que Franklin dedicou muitas máximas do Poor Richard’s almanack (1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office.) para tratar de conselhos de medicina, nutrição e saúde geral, não sendo à toa que, posteriormente, recebeu títulos de doutor honoris causa de instituições como Oxford e St. Andrews. Benjamin Franklin entendia o controle do corpo como ferramenta para a proliferação das virtudes do indivíduo, de maneira que a negação de suas vontades de prazer gradualmente civilizaria os costumes. Essas prescrições seriam uma das principais metas do processo de educação do corpo que o pensador norte-americano considerava fundamentais.

O pensamento frankliano advogava a favor de determinado modelo corporal e, para que isso se efetivasse, era necessário que uma nova educação do corpo fosse sistematizada. Necessitava-se de ensinamentos que fossem mais práticos do que teóricos. Cabe lembrar que Franklin participava de uma conjuntura em que o progresso da sociedade não era mais compreendido como algo determinado apenas pelas virtudes da classe aristocrática e/ou dos governantes, mas algo que deveria ser conquistado cotidianamente por todos os indivíduos que compunham uma sociedade.

Para Franklin, as virtudes só poderiam florescer se o indivíduo lutasse contra os desejos de prazer, focasse no autocontrole e na realização pessoal. Tratava-se de uma releitura protestante/norte-americana do estoicismo, em função de valorizar o domínio racional sobre o corpo como elemento fundamental de uma educação virtuosa. Para atingir esse objetivo, Franklin (1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office.) enfatizava que uma condição saudável era uma meta a ser atingida, pois um corpo doente impediria a prática da vocação e a concretização das virtudes protestantes.

Exposto isso, tem-se para análise o Poor Richard’s almanack de 1732. A autoria é de um pseudônimo de Franklin, que escreveu as anedotas, ditados e conselhos, chamando-se ‘Richard Saunders’. O pensador americano aconselhava de início: “Coma para viver, e não viva para comer” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 3, tradução nossa)14 14 “Eat to live, and not live to eat”. . A passagem evidencia uma noção de austeridade, de controle da gula, que se repetia em outros conselhos, como “[…] para prolongar sua vida, diminua suas refeições […]” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 4, tradução nossa)15 15 ‘To lengthen thy Life, lessen thy meals”. . Ainda no mesmo sentido, outra máxima foi escrita por ele: “[…] uma cozinha gorda, uma vontade magra […]” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 4, tradução nossa)16 16 “A fat kitchin, a lean will’. . Por sua vez, a frase “[…] muitos pratos, muitas doenças [...]” associava a alimentação com a ocorrência de enfermidades causadas pelo excesso na mesa (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 6, tradução nossa)17 17 “Many dishes, many diseases”. .

No que se refere à alimentação, encontram-se no pensamento de Franklin evidências nítidas da materialização da moral protestante. Quellier (2011Quellier, F. (2011). Gula: história de um pecado capital. São Paulo, SP: Senac.), ao analisar a gastronomia puritana, evidencia que ela nasceu de uma reação aos jejuns praticados pelos católicos, prática vista como hipócrita pelos protestantes. O autor lembra, por exemplo, que, ainda no século XVI, Erasmo de Roterdã condenava veementemente a prática de abstinência realizada pelos católicos durante a Quaresma. Quellier (2011Quellier, F. (2011). Gula: história de um pecado capital. São Paulo, SP: Senac.) ainda aponta que as críticas em relação à alimentação dos praticantes do catolicismo também foram feitas por figuras importantes do protestantismo como Lutero e Calvino. O autor resume o que seria essa forma de alimentação protestante:

O jejum protestante é acima de tudo a apologia de uma mesa sóbria e sem excesso, é sinônimo de moderação e temperança. Para os protestantes, o verdadeiro sentido do jejum é uma prática constante da sobriedade que não exclui forçosamente a carne, e sem qualquer excesso, qualquer volúpia e qualquer cobiça da carne (Quellier, 2011Quellier, F. (2011). Gula: história de um pecado capital. São Paulo, SP: Senac., p. 82).

A moral protestante valorizava a moderação e a temperança no momento de se alimentar, afinal, o que se almejava era a sobriedade e a recusa de se nutrir com iguarias requintadas. Essa mentalidade se mostrou bastante presente na obra de Franklin e se tornou um dos elementos trabalhados pelo pensador quando prescrevia conselhos paraa correta educação do corpo.

O termo latino Principis obsta, vocábulo que pode ser entendido de forma mais literal como “[...] negar o mal ainda no começo [...]”, abre um dos capítulos do almanaque (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 6). Assim como a remoção das ervas daninhas deveria ser feita antes que criem raízes na planta, os vários tipos de mal que afligem o indivíduo deveriam ser combatidos logo no início da vida. Aqui se encontram indícios da valorização de um processo de educação do corpo, visto que estava começando a ser destacada uma saúde trabalhada na prevenção, que estava profundamente relacionada com a medicina europeia do século XVIII.

A obra de Franklin estava em sintonia com a mentalidade existente no século XVIII. Apresentava, de maneira sistemática, reflexões relativas à saúde, como, por exemplo, nos indícios de controle na mesa: “Queijo e carne salgada, coma-se moderadamente” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 5, tradução nossa)18 18 “Cheese and salt meat, should be sparingly eat”. . “Eu vi poucos morrerem de fome. Já por comer muito, mais de dez mil” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 16, tradução nossa)19 19 “I saw few dies of hunger, of eating 100000”. . A inserção de Franklin ao pensamento do período era tanta que ele também não deixava de ironizar o indivíduo que “[…] valoriza muito provisões moderadas e abstinência em público, mas na sua vida privada é guloso” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 12, tradução nossa)20 20 “[...] moderate fare and abstinence much prizes in public, but in private gormandizes”. . Afinal, o pensamento do período indicava, conforme apontam Vigarello (1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.) e Quellier (2011Quellier, F. (2011). Gula: história de um pecado capital. São Paulo, SP: Senac.), que não bastava ser civilizado e controlado em público, era necessário se incorporar uma nova educação corporal, em que os bons costumes deveriam permear todos os âmbitos da vida, inclusive os momentos mais privados.

Esse ponto se materializa com contundência em outra frase escrita por Franklin: “Contra as doenças, faça uso da barreira mais forte, a virtude defensiva, isto é, a abstinência” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 33, tradução nossa)21 21 “Against diseases here, the strongest fence, is the defensive virtue, abstinence”. . A panaceia universal, a cura para todos os males, encontrava-se justamente na ausência de algo, ou seja, em sua abstinência. O corpo vazio por vontade própria tornava-se o mais virtuoso, pois era uma manifestação racional, visando à manutenção da saúde. Para se alcançar isso, necessitava-se de autocontrole e isso, por sua vez, não deveria se aplicar apenas a um grupo específico de indivíduos, assim como os conselhos monásticos prescritos aos sacerdotes ascetas do período medieval. As lições de Franklin eram conselhos aplicados a todos os membros de sua comunidade que desejassem obter algum progresso (material e espiritual) em suas vidas. Refletir sobre o corpo, seus hábitos e sua saúde parecia inserir-se em um contexto burguês em que Franklin mobilizava valores e virtudes que podiam extrair do indivíduo o máximo desempenho para uma vida de sucesso.

Ainda acerca da saúde e alimentação, Franklin emitiu outros posicionamentos prescritivos. Por exemplo, a frase “Três boas refeições por dia é viver mau” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 19, tradução nossa)22 22 “Three good meals a day is bad living”. estava em consonância com a vida prática e cotidiana do cientista da Pensilvânia, que costumava, segundo aponta Isaacson (2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.), se alimentar à base de pão e água boa parte de sua vida, mesmo tendo riqueza suficiente para realizar fartas refeições. Franklin declarou em sua biografia que chegou a ser vegetariano23 23 O vegetarianismo praticado por Franklin mostra que o pensador era um indivíduo sintonizado com os discursos do seu tempo. Vigarello (1999), ao remeter ao tema dos endurecimentos dos corpos no final do século XVIII, indica que os alimentos vegetais apresentaram uma nova forma nesse período. O autor salienta que o vegetarianismo no século XVIII passou a ser visto como um símbolo de mudança mais amplo e profundo. Era a confirmação de uma nova representação de natureza, a esperança de nela se encontrar alternativas aos dilemas urbanos e tirar disso um princípio de força. por muitos anos para que tivesse dinheiro para comprar livros, indulgência racionalmente imposta ao próprio corpo com fins pragmáticos, já que queria mais livros para alimentar sua alma do que comida para satisfazer seu corpo.

Outra passagem do pensador que apresenta com clareza os enunciados circulantes no período é a frase “[…] coma menos refeições e precisará de menos remédios” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 32, tradução nossa)24 24 “Eat few suppers, and you'll need few medicines”. . A oposição ao uso de medicamentos como forma de cura de doenças é algo que será encontrado posteriormente na obra Emílio, ou da educação, publicada por Jean-Jacques Rousseau em 1762. Segundo o filósofo genebrino, a necessidade de robustecimento corporal vinha intimamente ligada à necessidade de controlá-lo, impedindo, assim, que enfraquecesse a alma: “[...] quanto mais fraco o corpo, mais ele comanda; quanto mais forte mais obedece” (Rousseau, 1995Rousseau, J. (1995). Emílio, ou da educação. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil., p. 31). Para Rousseau, uma sociedade em que os indivíduos tinham corpos débeis - e, portanto, almas enfraquecidas - era o terreno fértil para o desenvolvimento da ‘arte mais perniciosa aos homens’: a medicina. A medicinaseria “[...] o divertimento das pessoas ociosas, desocupadas, que não sabendo o que fazer de seu tempo o desperdiçam conservando-se” (Rousseau, 1995Rousseau, J. (1995). Emílio, ou da educação. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil., p. 31).

No pensamento frankliano, anterior à publicação rousseauniana, os remédios representavam a muleta que nenhum indivíduo deveria carregar e, caso se observassem os conselhos preventivos de controle do corpo no Poor Richard’s almanack, tais questões seriam minimizadas na vida prática. Dessa maneira, os indivíduos estariam menos suscetíveis a terem sua saúde deteriorada e seriam mais úteis à sua comunidade. Aliás, para a noção de corpo frankliano, os remédios não eram necessariamente algo ruim, porém o condenável era a necessidade da sua utilização se dar pelo desleixo do indivíduo que não se preveniu, que não se exercitou adequadamente, aquele que dormiu e comeu em demasia, ou seja, viveu uma vida marcada por excessos.

Todo esse autocontrole em relação aos alimentos estava atrelado aos conceitos espirituais que Franklin experimentava no cristianismo: “Não é de se admirar que Tom, o pecador gordo, ganhou peso. Fez de toda sua vida um jantar contínuo” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p.26, tradução nossa)25 25 “No wonder Tom grows fat, th’unwieldy sinner, makes his whole life but one continual dinner”. . No entanto, cabe ressaltar que Franklin não pregava uma negação total dos alimentos, visto que suas críticas residiam no excesso, exagero e fartura: “[…] saco vazio não para em pé” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 26, tradução nossa)26 26 “It is hard for an empty sack to stand upright”. . A lógica apresentada valorizava certa temperança, na qual a alimentação deveria ter um fim pragmático e jamais ser apenas uma fonte de prazer. O exercício das virtudes de maneira equilibrada não permitia o descontrole, da mesma forma que não tolerava a falta. Nesse sentido, comer em demasia e jejuar eram facetas de uma mesma moeda e deveriam ser elementos a serem extirpados numa pedagogia do corpo que valorizasse a saúde.

Essa temperança alimentar era vista por Franklin como uma arte da prevenção: “Coma e beba uma quantidade exata ao que a constituição de seu corpo permite, em referência aos serviços da mente” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p.33, tradução nossa)27 27 “Eat and drink such an exact quantity as the constitution of thy body allows o f in reference to the services of the mind”. . Nesse sentido, pode-se dizer que as noções de abstinência, marcadas no período medieval pela mortificação da carne apregoadas pelos jejuns dos monges católicos (Le Goff & Truong, 2004Le Goff, J., & Truong, N. (2004). Uma história do corpo na idade média. Rio de Janeiro, RJ: Record.; Quellier, 2011Quellier, F. (2011). Gula: história de um pecado capital. São Paulo, SP: Senac.), não apresentavam um sentido de dieta em Franklin. O corpo deveria consumir o que lhe convinha, mas regrado pelos costumes e, sobretudo, por um amplo processo de racionalização, conforme apontou outra máxima: “A quantidade e a qualidade, quando encontradas, devem ser constantes” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p.33, tradução nossa)28 28 “The exact quantity and quality being found out, is to be kept to constantly”. .

Observa-se que a austeridade e o controle eram lembrados a todo o momento. O indivíduo virtuoso deveria ser constante e inabalável. “O excesso de qualquer coisa, na carne e na bebida, deve ser evitado” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 33, tradução nossa)29 29 “Excess in all other things whatever, as well as in meat and drink, is also to be avoided”. , ainda que, de acordo com a idade e doença, Franklin defendesse quantidades diferentes, ou seja, já existia uma individualização maior dos conselhos e das prescrições. O que era bom para uma pessoa poderia ser ruim para a outra: “O que é demais para um homem fleumático pode ser insuficiente para um colérico” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 33, tradução nossa)30 30 “For that 'which is too much for a flegmatick man, is not sufficient for a cholerick”. . “Pode ser ingerida uma quantidade maior de determinadas comidas, visto que algumas são de digestão mais leve que outras” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 34, tradução nossa)31 31 “A greater quantity of some things may be eaten than of others, some being of lighter digestion thanothers”. . No entanto, é importante lembrar que toda essa regulação dos alimentos não pode se desviar das recomendações relativas a uma necessidade espiritual de combate aos pecados: “A dificuldade reside em achar a mensuração exata; coma por necessidade, não por prazer, pois a luxúria não conhece os limites da necessidade” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 34, tradução nossa)32 32 “The difficulty lies, in finding out an exact measure but eat for necessity, not pleasure, for lust knows not where necessity ends”. .

Sobre esse ponto, cabe chamar a atenção para o desejo da mensuração exata, fruto da racionalização apregoada pela mentalidade do período, algo que também era caríssimo aos protestantes. Vigarello (2008Vigarello, G. (2008b). Treinar. In: G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin (Orgs.), História do corpo: as mutações do olhar: o século XX (Vol. 3, p. 197-250). Petropolis, RJ: Vozes.a, p. 465), ao explorar a emergência do ideário da racionalização na sua relação com a dimensão corporal, característica que já estava em processo de formação durante o século XVIII, aponta elementos interessantes: “[…] o crescente prestígio das ciências físicas despertou […] a necessidade de medir as operações da máquina corporal”. O historiador francês indica que, a partir da segunda metade do século XVII, começaram a surgir os primeiros cálculos elaborados para o peso do indivíduo e a quantificação das refeições.

Um dos capítulos do almanaque de Franklin, denominado de ‘Regras para uma saudável e longeva vida, e como se prevenir de febres malignas e doenças em geral’, aplica noções de dieta ainda mais particulares para a preservação da saúde. Na busca por uma quantificação exata,o autor desejava conceder conselhos ainda mais precisos e individualizados: “A juventude, a idade e a doença exigem quantidades diferentes [...]”, em relação a quanto se deveria comer e beber (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 33, tradução nossa)33 33 “Youth, age, and sick require a different quantity”. . A obsessão protestante por quantificar os diferentes aspectos da vida cotidiana, conforme discutido por Overman (2011Overman, S. (2011). The protestant ethic and the spirit of sport: how calvinism and capitalism shaped America's games. Macon, GA: Mercer University Press.) e Amstel et al., (2019Amstel, N., Marchi Júnior, W., Sonoda-Nunes, R., & Moraes e Silva , M. (2019). Divertimentos e a busca pelo controle: moderação protestante nas colônias norte-americanas (1633-1682). FairPlay - Revista de Filosofia, Ética y Derecho del Deporte,15.), era manifesta no pensamento de Franklin:

A dificuldade reside em achar a exata medida; mas coma por necessidade, não por prazer, pois a luxúria não começa onde a necessidade termina […] Se você comer tanto que o torna incapaz de estudar, ou realizar outras atividades, então você ultrapassou a medida certa […] se você se sente lento e pesado após comer carne, é um sinal de que ultrapassou a medida ideal; a carne e a bebida devem revigorar o corpo e torná-lo bem-disposto, e não pesado e oprimido (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 34, tradução nossa)34 34 “The Difficulty lies, in finding out an exact Measure; but eat for Necessity, not Pleasure, for Lust knows not where Necessity ends. [...] I f thou eatest so much as makes thee unfit for Study, or other Business, thou exceedest the due Measure [...] If thou art dull and heavy after Meat, it’s a sign thou hast exceeded the due Measure; forMeat and Drink ought to refresh the Body, and make it chearful, and not to dull and oppress it”. .

A dosagem ideal das refeições era uma constante na visão frankliana, que também acabou por extrapolar as questões relativas à alimentação, sugerindo e prescrevendo exercícios físicos:

Faça um pouco de exercícios, um quarto de hora antes das refeições, tais como balançar seus braços com um pequeno peso em cada mão; pular, ou algo parecido, pois isso agita os músculos do peito […]. Uma dieta moderada prepara o corpo contra todos os acidentes externos; de modo que ele não será tão facilmente ferido pelo calor, frio ou trabalho; se a qualquer momento ele for prejudicado, será mais facilmente curado, seja por feridas, deslocamentos ou contusões (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 34, tradução nossa)35 35 “Use now and then a little Exercise a quarter of an Hour before Meals, as to swing a Weight, or swing your Arms about with a small Weight in each Hand; to leap, or the like, for that stirs the Muscles of the Breast. A temperate Diet arms the Body against all external Accidents; so that they are not so easily hurt by Heat, Cold or Labour; if they at any time should be prejudiced, they are more easily cured, either of Wounds, Dislocations or Bruises”. .

Vigarello (2018Vigarello, G. (2018). Le corps redressé: histoire d’un pouvoir pédagogique. Paris, FR: Editions du Félin.), ao explorar a mentalidade do século XVIII na França, salienta que as formas de se usar o corpo, nesse período, ainda eram bastante confusas e não tinham especificidade detalhada, oriunda de um maior processo de racionalização. Nesse sentido, não era absurdo se pensar que saltar poderia servir para agitar os músculos peitorais. Isso parecia estar também vinculado a uma melhor digestão, quando analisado no contexto do escrito de Franklin, embora a correlação fisiológica atualmente seja totalmente estranha à que foi levantada pelo pensador norte-americano. Mas o que mais se extrai da fonte é a seguinte ocorrência: exercitar-se justifica-se quando executado para melhor aproveitamento da refeição moderada. Praticar alguma atividade em prol da saúde passava a ser alguma coisa válida, justa e boa em mais de um aspecto, devendo estar presente no processo de educação do corpo dos norte-americanos.

Para além da questão da quantificação, o olhar de Franklin também foi dirigido às enfermidades, tanto que algumas doenças foram retratadas em seus escritos: “Beba água, ponha o dinheiro no bolso e deixe a ‘dor da barriga seca’ na poncheira” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 9, tradução nossa, grifo do autor)36 36 “Drink water, put the money in your pocket, and leave the dry-bellyach in the punchbowl”. . Moléstia causada pelo consumo de rum, a ‘dor da barriga seca’ era muito frequente nos Estados Unidos setecentistas (Stokes & Bell, 1942Stokes, W., Bell, J. (1942) Lectures on the Theory and Practice of Physic. Filadélfia: Editora Barrington & Geo. D. Haswell.), a enfermidade era provocada pela presença de chumbo existente no processo de fabricação dessa bebida alcoólica.

Nesse quesito, relativo ao ato de beber, novamente Franklin se mostra com um pensador atrelado a uma moral protestante, condenando o consumo de álcool. O corpo como morada do Espírito Santo não tolera o pecado engarrafado do vinho. Aqui se encontra um pensador sintonizado com a moralidade de seu tempo, afinal, conforme aponta Vigarello (1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.), a sensibilidade aos flagelos não era mais representada nas velhas epidemias. Novas doenças e diferentes prevenções, em que o hábito de beber passou a ser condenado por seus efeitos na saúde. A manutenção do corpo dependeria da força interior do indivíduo perante as tentações do álcool.

Quellier (2011Quellier, F. (2011). Gula: história de um pecado capital. São Paulo, SP: Senac., p. 125) salienta que, para os protestantes, o ato de se embriagar era o verdadeiro pecado da gula. A bebida era perigosa, pois levaria o indivíduo à perda da razão e à prática de inúmeros vícios: “A embriaguez é vista como um retrocesso, um espetáculo grotesco e obsceno de um corpo sem razão, que perdeu o senso de limites, da moderação e do comportamento; numa palavra a decência. Pela embriaguez o homem perde sua dignidade”.

O processo de racionalização dos costumes do protestantismo, atrelado à moral religiosa e à sua missão ‘evangelizadora’, não permitia se frequentar locais onde os indivíduos tendiam ao descontrole. Essas questões eram uma constante nos escritos de Franklin, como pode ser visto num pequeno poema que o autor escreveu condenando os divertimentos em bares:

Aquele que por causa da bebida negligencia seu comércio

E passa toda noite em tavernas até tarde

E levanta-se quando o Sol já tem quatro horas de altura

E nunca leva em consideração sua faminta família

Deus, em sua misericórdia, até pode fazer muito para salvá-lo

Mas que pena da esposa, cujo destino é ter um sujeito desses como marido (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 9, tradução nossa)37 37 “He that for sake of drink neglects his trade, and spends each night in taverns till 'tis late, and rises when the sun is four hours high, and ne’er regards his starving family; god in his mercy may do much to save him. but, woe to the poor wife, whose lot it is to have him”. .

A moral frankliniana não tolerava que os prazeres atrapalhassem o trabalho e a vida prática, pois “Feliz é a nação […] cuja história não é divertida” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 26, tradução nossa)38 38 “Happy that nation [...] whose history is not diverting”. . Benjamin Franklin advogava que o sofrimento era moralizante e a diversão era degradante, por isso deveria ser evitada a todo custo.

No que se refere à temática do corpo e da dor, o autor prossegue na mesma linha argumentativa: “A dor castiga o corpo, já os prazeres, castigam o entendimento” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 12, tradução nossa)39 39 “Pain wastes the body, pleasures the understanding”. . Essa relação com a dor, um tanto estoica e ascética, manifestava-se a todo momento no pensamento do norte-americano. “Abnegar de si para salvar o eu” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 12, tradução nossa)40 40 “Deny Self for Self’s sake”. , expressão que evidenciava seu descompromisso com as vontades do corpo e que valorizava uma metafísica de salvação individual. Os prazeres eram recorrentemente alvos de críticas em sua obra, visto que o autocontrole representava o apogeu da racionalização do corpo. Esse maior controle sobre a máquina corporal operada pela razão se manifestou claramente em outras passagens: “Nada traz mais dor que o prazer” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 20, tradução nossa)41 41 “Nothing brings more pain than too much pleasure”. ; “Fuja dos prazeres e eles o seguirão” (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 20, tradução nossa)42 42 “Fly pleasures, and they'll follow you”. . Denota-se uma luta constante do indivíduo em manter-se afastado dos prazeres, resistindo sempre às tentações da carne, era um corpo que era educado na glorificação da dor e na rejeição dos prazeres.

Em suma, nota-se uma missão ‘evangelizadora’ de uma educação corporal pautada no utilitarismo, elemento fundamental no pensamento de Franklin, pois ele não negava sua religiosidade como algo associado ao que estava por advogar:

Uma dieta sóbria faz um homem morrer sem dor; mantém os sentidos em vigor; mitiga a violência das paixões e afeições. Preserva a memória, ajuda no entendimento, alivia o calor da luxúria; faz o homem realizar uma consideração a respeito de seu último fim; faz do corpo um tabernáculo adequado para o Senhor habitar; nos faz feliz neste mundo, e eternamente feliz no mundo que está por vir, através de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador (Franklin, 1732Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack. Philadelphia, PA: New Printing Office., p. 35, tradução nossa)43 43 “A sober diet makes a man die without pain; it maintains the senses in vigour; it mitigates the 'violence of passions and affections. It preserves the memory, it helps the understanding, it allays the heat of lust; it brings a man to a consideration of his latter end; it makes the body a fit tabernacle for the lord to dwell in; which makes us happy in this world, and eternally happy in the world to come, through Jesus Christ our Lord and Saviour”. .

A passagem permite se estabelecer uma relação direta e contundente com o fenômeno de cristianismo muscular44 44 Ao tratar do fenômeno conhecido como cristianismo muscular, Watson, Weir e Friend (2005) apontam suas manifestações em territórios inglês e americano, o que teria potencial de explicação da aceitação do esporte por sociedades majoritariamente protestantes, como é o caso dos EUA. Os autores classificam o cristianismo muscular como um movimento iniciado na Grã-Bretanha na segunda metade do século XIX, que procurou entrelaçar ideais religiosos cristãos com uma cultura física que valorizava a masculinidade, saúde, moralidade e patriotismo. Para tanto, enxergavam nas práticas corporais valores aplicáveis de forma útil à vida prática. discutido por Watson, Weir e Friend (2005Watson, N. J., Weir, S., & Friend, S. (2005). The development of muscular Christianity in Victorian Britain and beyond.Journal of Religion and Society ,7.), Baker (2009Baker, W. J. (2009). Playing with God: religion and modern sport. Cambridge, UK: Harvard University Press.), Putney (2009Putney, C. (2009). Muscular christianity: manhood and sports in protestant America, 1880-1920. Cambridge, UK: Harvard University Press.), Overman (2011Overman, S. (2011). The protestant ethic and the spirit of sport: how calvinism and capitalism shaped America's games. Macon, GA: Mercer University Press.) e Gems, Borish & Pfister (2017Gems, G., Borish, L., & Pfister, G. (2017). Sports in american history: from colonization to globalization. Champaign, IL: Human Kinetics.) e que se consolidaria posteriormente nos Estados Unidos do século XIX e que contribuiria significativamente na formação de um ethos esportivo em terras norte-americanas. O corpo cristão, quando controlado, livre de paixões e impulsos violentos, manifestava o espaço para habitar a trindade: Pai, Filho e Espírito Santo; seria, então, um tabernáculo vivo para a experiência de fé do cristão. Um corpo saudável tornava-se a moradia terrestre do divino. Era nesse sentido que o protestante precisava privar-se do que lhe fazia mal, porém em uma proporção devida, visto que não deveria passar fome nem sede, mas apenas saciar sua necessidade natural. Tudo que fosse para além disso seria considerado pecado, luxúria e perdição e, portanto, descontrole que levaria à perda da salvação. O corpo saudável assume essa luta, forjado nos valores protestantes.

Considerações finais

Destacou-se no presente artigo o papel de Benjamin Franklin nas prescrições de saúde e educação do corpo. A moral protestante, ao considerar todos os elementos da vida como possíveis ferramentas para a condenação ou salvação do espírito, não podia excluir o que se fazia com o corpo na alimentação e nos seus cuidados higiênicos. Controlar o quanto se comia e bebia, bem como o quanto se dormia, era regulação que antes do surgimento do protestantismo parecia estar muito bem estabelecida no meio monástico. Em seus textos, Franklin concebia que esse controle deveria estender-se a toda a população. Apesar de os textos não mostrarem desvinculação de seus fundamentos religiosos, ficou evidente, pela leitura das fontes, que ser saudável não seria apenas uma exigência para a salvação do espírito, mas uma condição fundamental para ser um indivíduo bem-sucedido, era uma verdadeira missão ‘evangelizadora’ a ser realizada.

Franklin parece protagonizar essa postura de anexar valores às práticas corporais no contexto norte-americano, sendo um dos primeiros a fazer isso com atividades como a natação. Mensurar o potencial de Franklin no tocante à educação do corpo no decorrer dos eventos históricos norte-americanos é uma tarefa de proporções maiores às almejadas pelos objetivos deste texto. Mckenzie (1936Mckenzie, R. (1936). Benjamin Franklin: illustrious pioneer in physical education. The Journal of Health and Physical Education, 7(2), 67-125.) chegou a afirmar que Benjamin Franklin seria o ‘pai americano da Educação Física’, em uma clara alusão ao seu pertencimento ao seleto grupo de políticos conhecidos como pais fundadores dos Estados Unidos da América (Isaacson, 2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.; Karnal, 2017Karnal, L. (Org.). (2017). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo, SP: Contexto.). Freeman (2013Freeman, W. H. (2013).Physical education, exercise and sport science in a changing society. Buies Creek, NC: Jones & Bartlett Publishers.) ressaltou a importância de Franklin no estabelecimento da natação, em um contexto em que ainda era uma atividade muito estranha e um tanto impopular.

Ainda assim, pode-se observar no presente texto, pela leitura das fontes e em consonância com a análise da obra de Georges Vigarello, que o discurso frankliano estava em profunda conexão com elementos provenientes da racionalidade desenvolvida na época. Diversos elementos do racionalismo estavam em construção, mas ainda amplamente regimentados por valores cristãos específicos do protestantismo. As formas de uso do corpo poderiam ser bem-vistas, se fossem úteis para o engrandecimento do ser humano, atendendo a propósitos elevados e considerados civilizados. Na moral protestante, o prazer precisava estar velado, não declarado e submetido a um propósito maior; a educação dos corpos na obra de Franklin estava, portanto, atrelada a esse contexto.

Dessa forma, essas constatações permitem se traçar um processo de racionalização mais amplo que desencadeará, dentre outras possibilidades, na formação de um ethos esportivo americano, no qual será ainda mais marcante a presença de uma educação do corpo como fator de destaque na cultura. Nesse sentido, após a leitura e interpretação analítica das fontes em questão, pode-se concluir que a obra de Benjamin Franklin na colônia da Pensilvânia durante o século XVIII estava intimamente associada aos estágios iniciais de valores esportivos e higienistas que teriam sua acentuação nos Estados Unidos da América ao fim do século XIX.

Referências

  • Amstel, N., Marchi Júnior, W., Sonoda-Nunes, R., & Moraes e Silva , M. (2019). Divertimentos e a busca pelo controle: moderação protestante nas colônias norte-americanas (1633-1682). FairPlay - Revista de Filosofia, Ética y Derecho del Deporte,15.
  • Aquino, F. (2013). História da igreja: idade média Lorena, SP: Cleofás.
  • Arch, S. C. (2020). Benjamin Franklin: printer, editor, and writer. In A companion to american literature (p. 217-232). New Jersey, NJ: John Wiley & Sons.
  • Baker, W. J. (2009). Playing with God: religion and modern sport Cambridge, UK: Harvard University Press.
  • Corbin, A. (2016). Le miasme et la jonquille: l'odorat et l'imaginaire social, XVIIe-XIXe siècles Paris, FR: Flammarion.
  • Corbin, A. (2010). Le territoire du vide: l'Occident et le désir du rivage Paris, FR: Flammarion.
  • Diller, T. (1909). The writings of Benjamin Franklin pertaining to medicine and the medical profession. The Aesculapian, 1(3-4), 156.
  • Dulles, F. (1965). A history of recreation: americans learn to play New York, Ny: Appleton-Century-Crofts.
  • Franklin, B. (1793). The autobiography of Benjamin Franklin London, UK: J. Parsons.
  • Franklin, B. (1790). The art of swimming rendered easy, with directions to learners Glasgow, UK: W. S. Johnson.
  • Franklin, B. (1769). Experiments and observations on electricity London, UK: David Henry.
  • Franklin, B. (1732). Poor Richard's almanack Philadelphia, PA: New Printing Office.
  • Franklin, B. (1844). The works of Benjamin Franklin: containing several political and historical tracts not included in any former edition (Vol. 6). Boston, MA: Charles Tappan.
  • Freeman, W. H. (2013).Physical education, exercise and sport science in a changing society Buies Creek, NC: Jones & Bartlett Publishers.
  • Gems, G., Borish, L., & Pfister, G. (2017). Sports in american history: from colonization to globalization Champaign, IL: Human Kinetics.
  • Gleyse, J. (2018). A instrumentalização do corpo: uma arqueologia da racionalização instrumental do corpo, da idade clássica à época hipermoderna São Paulo, SP: LiberArs.
  • Hollinger, D. A. (2013). After cloven tongues of fire: protestant liberalism in modern american history New Jersey, NJ: Princeton University Press.
  • Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana São Paulo, SP: Companhia das Letras.
  • International Swim Hall of Fame [ISHOF]. (2019). Benjamin Franklin Recuperado de: https://ishof.org/benjamin-franklin-(usa).html
    » https://ishof.org/benjamin-franklin-(usa).html
  • Jable, T. (1974). Pennsylvania's early Blue Laws: a Quaker experiment in the suppression of sport and amusements, 1682-1740. Journal of Sport History, 1(2), 107-112.
  • Karnal, L. (Org.). (2017). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI São Paulo, SP: Contexto.
  • Le Goff, J., & Truong, N. (2004). Uma história do corpo na idade média Rio de Janeiro, RJ: Record.
  • Mckenzie, R. (1936). Benjamin Franklin: illustrious pioneer in physical education. The Journal of Health and Physical Education, 7(2), 67-125.
  • Mulford, C. J. (2019). Richard Whitworth, Benjamin Franklin, and political electricity. Studies in Eighteenth-Century Culture, 48(1), 23-47.
  • Munoz, L. (2008). Usages corporels et pratiques sportives aquatiques du XVIII° au XX° siècle Paris, FR: Editions L'Harmattan.
  • Overman, S. (2011). The protestant ethic and the spirit of sport: how calvinism and capitalism shaped America's games Macon, GA: Mercer University Press.
  • Pelayo, P. (2010). De l’art de nager à la science de la natation. La Revue Pour L’histoire du CNRS, 26, 18-23.
  • Putney, C. (2009). Muscular christianity: manhood and sports in protestant America, 1880-1920 Cambridge, UK: Harvard University Press.
  • Quellier, F. (2011). Gula: história de um pecado capital São Paulo, SP: Senac.
  • Roberts, W. (1991). Benjamin Franklin's Poor Richard's Almanack and its maxims on physicians, medicine and nutrition. American Journal of Cardiology, 68(6), 703-706.
  • Rousseau, J. (1995). Emílio, ou da educação Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil.
  • Sandel, M. J. (2012). Justiça: o que é fazer a coisa certa Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.
  • Soares, C. L. (2003). Apresentação do dossiê: A visibilidade do corpo. Pró-Posições, 14 (2), 15-19.
  • Soares, C. L. (2014). Educação do corpo (verbete). In F. J. González & P. E. Fensterseifer (Org). Dicionário crítico de educação física (p. 219-225). Ijuí, RS: Unijuí.
  • Souza, R. A. (2010). A filosofia de John Dewey e a epistemologia pragmatista. Redescrições, 2(1), 1-13.
  • Stokes, W., Bell, J. (1942) Lectures on the Theory and Practice of Physic Filadélfia: Editora Barrington & Geo. D. Haswell.
  • Struna, N. (1996). People of prowess: sport, leisure, and labor in early Anglo-America Champaign, IL: University of Illinois Press.
  • Struna, N. (1988). Sport and society in early America. The International Journal of the History of Sport, 5(3), 292-311.
  • Terret, T. (1994). Naissance et diffusion de la natation sportive Paris, FR: L’Harmattan.
  • Vartanian, A. (1949). From deist to atheist: Diderot's philosophical orientation 1746-1749. Diderot Studies, 46-63, 1949.
  • Vigarello, G. (2018). Le corps redressé: histoire d’un pouvoir pédagogique Paris, FR: Editions du Félin.
  • Vigarello, G. (2008a). Exercitar-se, jogar. In G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin. (Orgs.), História do corpo (Vol. 1, p. 303-400). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.
  • Vigarello, G. (1996). O limpo e o sujo: uma história da higiene pessoal São Paulo, SP: Martins Fontes.
  • Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age Paris, FR: Seuil.
  • Vigarello, G. (1995). Le temps du sport. In: A. Corbin, L’avènement des loisirs (1850-1960) Paris: Aubier, 251-290.
  • Vigarello, G. (2008b). Treinar. In: G. Vigarello, J-J. Courtine & A. Corbin (Orgs.), História do corpo: as mutações do olhar: o século XX (Vol. 3, p. 197-250). Petropolis, RJ: Vozes.
  • Watson, N. J., Weir, S., & Friend, S. (2005). The development of muscular Christianity in Victorian Britain and beyond.Journal of Religion and Society ,7.
  • Weber, M. (2004). A ética protestante e o espírito do capitalismo São Paulo, SP: Companhia das Letras.
  • 1
    Nascido no dia 17 de janeiro de 1706 em Boston e falecido em 17 de abril de 1790 na Filadélfia, Benjamin Franklin ocupou seus 84 anos de vida com variados afazeres. De produtor de velas a político influente na Filadélfia, Franklin desempenhou ocupações como impressor (jornais, almanaques, livros e até papel-moeda), inventor, funcionário público, diplomata, embaixador, constituinte, escritor, jornalista, editor e representante colonial ((Franklin, 1793Franklin, B. (1793). The autobiography of Benjamin Franklin. London, UK: J. Parsons.; Roberts, 1991Roberts, W. (1991). Benjamin Franklin's Poor Richard's Almanack and its maxims on physicians, medicine and nutrition. American Journal of Cardiology, 68(6), 703-706.; Isaacson, 2015Isaacson, W. (2015). Benjamin Franklin: uma vida americana. São Paulo, SP: Companhia das Letras.; Arch, 2020Arch, S. C. (2020). Benjamin Franklin: printer, editor, and writer. In A companion to american literature (p. 217-232). New Jersey, NJ: John Wiley & Sons.). Como cientista e inventor, destacou-se principalmente pela produção dos primeiros modelos de para-raios, oriundos de sua pesquisa com tempestades, marcadamente conhecidas pelas histórias do empinamento de pipas em noites chuvosas, infestadas de relâmpagos (Mulford, 2019Mulford, C. J. (2019). Richard Whitworth, Benjamin Franklin, and political electricity. Studies in Eighteenth-Century Culture, 48(1), 23-47.).
  • 2
    A noção de educação do corpo formalizada por Soares (2014Soares, C. L. (2014). Educação do corpo (verbete). In F. J. González & P. E. Fensterseifer (Org). Dicionário crítico de educação física (p. 219-225). Ijuí, RS: Unijuí.), indica que ela se caracteriza pela progressiva repressão das manifestações corporais naquilo que parece ser incontrolável. Para a autora, educar o corpo é torná-lo adequado ao convívio social, bem como se refere ao processo de inseri-lo em processos de aprendizagens que buscam encobrir e apagar uma natureza rebelde, trazendo à luz uma natureza pacificada. Esse conceito permite se escrever uma história da educação, ou talvez, nas palavras de Soares (2003Soares, C. L. (2003). Apresentação do dossiê: A visibilidade do corpo. Pró-Posições, 14 (2), 15-19.), uma história dos múltiplos constrangimentos, pois é no corpo que se inscreve um lento, intenso, extenso, meticuloso e obstinado trabalho de constrangimentos. A autora salienta que, para ser exibido, o corpo precisa ser educado. Essas ações pedagógicas percorrem múltiplos caminhos, elaborando práticas contraditórias, ambíguas e tensas.
  • 3
    O termo é utilizado para referir-se a práticas violentas com animais como brigas de cães, galos, rodeios, touradas etc.
  • 4
    O deísmo, fruto do iluminismo, origina-se no século XVII e consiste em uma filosofia religiosa que despreza o sobrenatural, o dogma religioso e a ideia de textos religiosos relevadores. A maior parte dos deístas acredita que a razão é o atributo máximo para confirmação da existência do divino, em que a experiência da natureza indicaria sua presença. Sua ausência de rituais e tradições na relação com o sobrenatural é a razão de seu declínio e deu forças para o ateísmo moderno se fundamentar (Vartanian, 1949Vartanian, A. (1949). From deist to atheist: Diderot's philosophical orientation 1746-1749. Diderot Studies, 46-63, 1949.).
  • 5
    “[...] a healthy and delightful amusement”.
  • 6
    “It is certain that much swimming is the means of stopping a diarrhea and even of producing a constipation. With respect to those 'who do not know how to swim, or 'who are affected 'with a diarrhea at a season which dees not permit them to use that exercise, a warm bath, by cleansing and purifying the skin, is found 'very salutary, and often effects a radical cure. I speak from my own experience, frequently repeated, and that of others too whom I have recommended this”.
  • 7
    “I have often observed myself that however thirsty I may have been before going into the water to swim, I am never long so in the water. These imbibing pores, however, are very fine, perhaps fine enough in filtering to separate salt from water; [...] for though I have soaked (by swimming, when a boy) several hours in the day for several days successively in salt-water, I never found my blood and juices salted by that means [...] it’s remarkable that the flesh of sea fish, though bred in salt water, it’s not salt”.
  • 8
    “[...]I imagine that if people at sea distressed by thirst when their fresh water is unfortunately spent would make bathing tubs of their empty water casks and filling them with sea water sit in them an hour or two each day they might be greatly relieved”.
  • 9
    “The first thing that must be learnt, is to divest ourself of all fear; and then, if you follow the Instructions given in this little work, and practice them frequently, you will soon attain the pleasant Art of Swimming, which, once obtained can never forget”.
  • 10
    “In our return, at the request of the company, whose curiosity Wygate had excited, I stripped and leaped into the river, and swam from near Chelsea to Blackfairs; performing in the way many feats of activity, both upon and under the water, that surprised and pleased those to whom they were novelties”.
  • 11
    “I wish all men were taught to do in their youth; they would on many occurrences be the safer for having that skill, and on many more the happier, as free from painful apprehensions of danger, to say nothing of the enjoyment is so delightful and -wholesome as exercise. Soldiers particularly should, me thinks, all be taught to swim; it might be of frequent use either in surprising an enemy, or saving themselves. And if f I had now boys to educate, I should prefer those schools [...] where an opportunity was afforded for acquiring so advantageous an art, which, once learned, is never forgotten”.
  • 12
    Estas invenções posteriormente o levaram a ser incluso no International Swim Hall of Fame [ISHOF] (2019International Swim Hall of Fame [ISHOF]. (2019). Benjamin Franklin. Recuperado de: https://ishof.org/benjamin-franklin-(usa).html
    https://ishof.org/benjamin-franklin-(usa...
    ).
  • 13
    “He that lives carnally, won't live eternally”.
  • 14
    “Eat to live, and not live to eat”.
  • 15
    ‘To lengthen thy Life, lessen thy meals”.
  • 16
    “A fat kitchin, a lean will’.
  • 17
    “Many dishes, many diseases”.
  • 18
    “Cheese and salt meat, should be sparingly eat”.
  • 19
    “I saw few dies of hunger, of eating 100000”.
  • 20
    “[...] moderate fare and abstinence much prizes in public, but in private gormandizes”.
  • 21
    Against diseases here, the strongest fence, is the defensive virtue, abstinence”.
  • 22
    “Three good meals a day is bad living”.
  • 23
    O vegetarianismo praticado por Franklin mostra que o pensador era um indivíduo sintonizado com os discursos do seu tempo. Vigarello (1999Vigarello, G. (1999). Histoire des pratiques de santé: le sain et le malsain depuis le moyen age. Paris, FR: Seuil.), ao remeter ao tema dos endurecimentos dos corpos no final do século XVIII, indica que os alimentos vegetais apresentaram uma nova forma nesse período. O autor salienta que o vegetarianismo no século XVIII passou a ser visto como um símbolo de mudança mais amplo e profundo. Era a confirmação de uma nova representação de natureza, a esperança de nela se encontrar alternativas aos dilemas urbanos e tirar disso um princípio de força.
  • 24
    “Eat few suppers, and you'll need few medicines”.
  • 25
    “No wonder Tom grows fat, th’unwieldy sinner, makes his whole life but one continual dinner”.
  • 26
    “It is hard for an empty sack to stand upright”.
  • 27
    “Eat and drink such an exact quantity as the constitution of thy body allows o f in reference to the services of the mind”.
  • 28
    “The exact quantity and quality being found out, is to be kept to constantly”.
  • 29
    “Excess in all other things whatever, as well as in meat and drink, is also to be avoided”.
  • 30
    “For that 'which is too much for a flegmatick man, is not sufficient for a cholerick”.
  • 31
    “A greater quantity of some things may be eaten than of others, some being of lighter digestion thanothers”.
  • 32
    “The difficulty lies, in finding out an exact measure but eat for necessity, not pleasure, for lust knows not where necessity ends”.
  • 33
    “Youth, age, and sick require a different quantity”.
  • 34
    “The Difficulty lies, in finding out an exact Measure; but eat for Necessity, not Pleasure, for Lust knows not where Necessity ends. [...] I f thou eatest so much as makes thee unfit for Study, or other Business, thou exceedest the due Measure [...] If thou art dull and heavy after Meat, it’s a sign thou hast exceeded the due Measure; forMeat and Drink ought to refresh the Body, and make it chearful, and not to dull and oppress it”.
  • 35
    “Use now and then a little Exercise a quarter of an Hour before Meals, as to swing a Weight, or swing your Arms about with a small Weight in each Hand; to leap, or the like, for that stirs the Muscles of the Breast. A temperate Diet arms the Body against all external Accidents; so that they are not so easily hurt by Heat, Cold or Labour; if they at any time should be prejudiced, they are more easily cured, either of Wounds, Dislocations or Bruises”.
  • 36
    “Drink water, put the money in your pocket, and leave the dry-bellyach in the punchbowl”.
  • 37
    “He that for sake of drink neglects his trade, and spends each night in taverns till 'tis late, and rises when the sun is four hours high, and ne’er regards his starving family; god in his mercy may do much to save him. but, woe to the poor wife, whose lot it is to have him”.
  • 38
    “Happy that nation [...] whose history is not diverting”.
  • 39
    “Pain wastes the body, pleasures the understanding”.
  • 40
    “Deny Self for Self’s sake”.
  • 41
    “Nothing brings more pain than too much pleasure”.
  • 42
    “Fly pleasures, and they'll follow you”.
  • 43
    “A sober diet makes a man die without pain; it maintains the senses in vigour; it mitigates the 'violence of passions and affections. It preserves the memory, it helps the understanding, it allays the heat of lust; it brings a man to a consideration of his latter end; it makes the body a fit tabernacle for the lord to dwell in; which makes us happy in this world, and eternally happy in the world to come, through Jesus Christ our Lord and Saviour”.
  • 44
    Ao tratar do fenômeno conhecido como cristianismo muscular, Watson, Weir e Friend (2005) apontam suas manifestações em territórios inglês e americano, o que teria potencial de explicação da aceitação do esporte por sociedades majoritariamente protestantes, como é o caso dos EUA. Os autores classificam o cristianismo muscular como um movimento iniciado na Grã-Bretanha na segunda metade do século XIX, que procurou entrelaçar ideais religiosos cristãos com uma cultura física que valorizava a masculinidade, saúde, moralidade e patriotismo. Para tanto, enxergavam nas práticas corporais valores aplicáveis de forma útil à vida prática.
  • 55
    Nota: o artigo contou com apoio financeiro da Fundação Araucária, Código de Financiamento 01.
  • Como citar este artigo: Van Amstel, N. A., Quitzau, E. A., & Moraes e Silva, M. ‘O corpo como residência do espírito santo’: a educação do corpo na obra de Benjamin Franklin (1732-1790). (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e146

Editado por

Editor-associado responsável: José Gonçalves Gondra (UERJ) E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2020
  • Aceito
    26 Jun 2020
  • Publicado
    09 Dez 2020
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: rbhe.sbhe@gmail.com