Acessibilidade / Reportar erro

‘Menores e vagabundos’: o discurso jurídico sobre infância e educação na imprensa periódica nos primórdios da República

‘Minors and Vagabonds’: the legal discourse on childhood and education in the written press at the beginning of the Republic

‘Menores y vagabundos’: el discurso jurídico sobre infancia y educación en la prensa periódica a principios de la República

Resumo:

O artigo tem como objetivo contribuir para os estudos históricos relacionados a educação e a infância a partir da análise das representações construídas sobre as crianças estigmatizadas como ‘menores’ e as propostas de educação direcionadas a esse segmento infantil, interrogando acerca dos fundamentos jurídicos presentes em tais representações. Focaliza a cidade de Uberaba, localizada na região do Triângulo Mineiro, no início do século XX e constitui a imprensa periódica como núcleo documental da pesquisa. A incursão no corpus empírico elucidou os meandros discursivos que forjaram a vadiagem infantil como degeneração moral e elegeram um modelo de educação explicitamente destinado à transformação do potencial delinquente em cidadão ordeiro e útil ao corpo social.

Palavras-chave:
da educação; menor; imprensa; direito penal

Abstract:

The article aims to contribute to the historical studies on education and childhood based on the analysis of the representations constructed about children who were stigmatized as ‘minors’ and the educational proposals aimed at this childhood segment, questioning the legal foundations present in such representations. It focuses on the city of Uberaba, located in the Triângulo Mineiro region, at the beginning of the 20th century and utilizes the written press as the documentary core of the research. The incursion into the empirical corpus elucidated the discursive intricacies that forged child vagrancy as moral degeneration and chose an education model explicitly aimed at transforming the potential delinquent into an orderly and useful citizen to society.

Keywords:
history of education; minor; press; criminal law

Resumen:

El artículo tiene como objetivo contribuir a los estudios históricos sobre educación e infancia a partir del análisis de las representaciones construidas sobre los niños estigmatizados como ‘menores’ y las propuestas educativas dirigidas a este segmento infantil, cuestionando los fundamentos jurídicos presentes en tales representaciones. Se centra en la ciudad de Uberaba, ubicada en la región del Triângulo Mineiro, a principios del siglo XX y constituye la prensa periódica como núcleo documental de la investigación. La incursión en el corpus empírico esclareció los entresijos discursivos que forjaron la vagancia infantil como degeneración moral y eligió un modelo educativo dirigido explícitamente a transformar el potencial delincuente en un ciudadano ordenado y útil a la sociedad.

Palabras clave:
historia de la educación; menor; prensa; derecho penal

Introdução

A historiografia que se debruça sobre as crianças caracterizadas como ‘menores’ no início do século XX indica que esse segmento infantil representava, para vários setores da elite brasileira, um problema social cuja solução parecia fundamental para consolidação da nova conjuntura política republicana, que se erigia sob a égide da ordem e do progresso. Aquelas crianças comparecem nos debates de uma ampla gama de setores sociais como figuras sempre presentes no cenário de abandono, pobreza, desordem, ameaça social e foram alvos de políticas do Estado integrando discursos sobre a necessidade de disciplinar, controlar e educar os menores (Rizzini, 2011Rizzini, I. (2011). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil (3a ed.). São Paulo, SP: Cortez .; Marcilio, 2006Marcílio, M. L. (2006). História social da criança abandonada. São Paulo, SP: Editora Hucitec., Londoño, 1996Londoño, F. T. (1996). A origem do conceito menor. In M. Del Priore (Org.), História da criança no Brasil (4a ed., p.129-145). São Paulo, SP: Contexto .; Schmidt, 1997Schmidt, M. A. M. S. (1997). Infância: sol do mundo. A Primeira Conferência Nacional de Educação e a construção da infância brasileira (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba. ).

Rizzini (2011Rizzini, I. (2011). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil (3a ed.). São Paulo, SP: Cortez .) afirma que o termo ‘menor’ estava longe de designar apenas uma distinção etária. Referia-se à infância pobre e desamparada, diferenciando-se de outros segmentos infantis da época, ou seja, o vocábulo se destinava a uma infância específica, filha da pobreza, abandonada, em constante suspeita de se tornar pervertida e delinquente. A autora ressalta a existência de uma ambiguidade no tratamento dessa questão, uma vez que o menor tanto poderia representar a criança pobre e desvalida, portanto digna de compaixão, como também caracterizava a infância desviante que representaria um perigo social. Essa ambiguidade se expressa nos documentos da época nos quais a infância se apresenta “[...] ora em perigo, ora perigosa” (Rizzini, 2006Rizzini, I. (2006). Reflexões sobre pesquisa histórica com base em ideias e práticas sobre a assistência à infância no Brasil na passagem do século XIX para o XX. In Anais do 1º Congresso Internacional de Pedagogia Social. São Paulo, SP. Recuperado de:http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092006000100019&lng=en&nrm=abn
http://www.proceedings.scielo.br/scielo....
, p. 5).

Não obstante as diferentes utilizações do termo, importa destacar que as concepções de infância se redefiniam por meio das diferenciações estabelecidas entre a ‘criança’ e o ‘menor’, sendo o termo criança utilizado para referir-se à infância desejada e consagrada como futuro da nação republicana e a categoria menor representando todos aqueles aos quais a sociedade atribuía um significado social negativo, associando-se invariavelmente à infância pobre, isto é, a criança “[...] que incomoda, que precisa ser regenerada, preservada e salva” (Schmidt, 1997Schmidt, M. A. M. S. (1997). Infância: sol do mundo. A Primeira Conferência Nacional de Educação e a construção da infância brasileira (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba. , p. 78).

Cabe observar aqui as distintas possibilidades de vivência da infância que se diferenciam de acordo com determinadas categorias definidoras da identidade infantil. Os estudos dedicados à história da infância indicam que não é possível falar da infância no singular, mas das múltiplas infâncias vivenciadas pelas crianças, em períodos distintos e em contextos diversos, delimitadas em função de seu pertencimento social, religioso, étnico, de gênero, dentre outros (Kuhlmann Jr., 1998Kuhlmann Jr., M. (1998). Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre, RS: Mediação. ; Freitas, 2003Freitas, M. C. (Org.). (2003). História social da infância no Brasil (5a ed. rev. e ampl.). São Paulo, SP: Cortez .). A infância se configura, portanto, como condição social das crianças e recebe significações e significados diversos em diferentes tempos históricos, visto que “[...] toda sociedade tem seus sistemas de classes de idade e a cada uma delas é associado um sistema de status e de papel” (Kuhlmann Jr., 1998Kuhlmann Jr., M. (1998). Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre, RS: Mediação. , p. 16). Ademais, adota-se a perspectiva de que as representações da infância são elaboradas pelo mundo adulto, o qual delimita práticas e comportamentos próprios a essa etapa da vida.

A acentuada influência que o positivismo exerceu sobre os projetos políticos republicanos foi decisiva para que a infância e sua educação se tornassem objeto de estudos e saberes de diversas ciências. A higiene se configurava como ‘ciência da infância’ e ‘ciência da escola’ cuja tônica era “[...] produzir um futuro novo, regenerado, sem vícios e grandioso para os indivíduos, para a sociedade e para o Estado” (Gondra, 2004Gondra, J. G. (2004). Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro, RJ: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro., p. 5). As ciências jurídicas também impactaram profundamente os projetos políticos voltados para a infância na nascente República. Com efeito, os estudos de Alvarez (1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.), Alonso (1996Alonso, A. (1996). De positivismo e de positivistas: interpretações do positivismo brasileiro. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 42, 109-114.), Neder (2012Neder, G. (2012). Discurso jurídico e ordem burguesa no Brasil: criminalidade, justiça e constituição do mercado de trabalho (1890-1927) (2a ed.). Niterói, RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense.), Dias (2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.) e Cancelli (2001Cancelli, E. (2001). A cultura do crime e da lei: 1889-1930. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.) indicam esse período como um momento de mudanças expressivas no campo jurídico, notadamente a partir da recepção das ideias da Escola Positiva de Direito Penal1 1 Serão utilizadas como equivalentes, ao longo do presente trabalho, as seguintes terminologias: Escola Positiva de Direito Penal, Escola Positiva, Nova Escola Penal, Criminologia Positiva e Antropologia Criminal. , resultando na reestruturação do tratamento jurídico-penal da menoridade.

Faria Filho e Sales (2002Faria Filho, L. M., & Sales, Z. E. S. (2002). Escolarização da infância brasileira: a contribuição do bacharel Bernardo Pereira de Vasconcelos. In M. C. Freitas, & M. Kuhlmann Jr. (Orgs.), Os intelectuais na história da infância (p. 245-265). São Paulo, SP: Cortez., p. 250), por sua vez, destacam que os bacharéis, “[...] convertidos em políticos, formadores, fundadores do Brasil e educadores do povo [...]”, configuram-se como importantes produtores de discursos sobre a infância e sua escolarização, cujas ideias foram alocadas por diversos segmentos sociais. Nesse sentido, os saberes jurídicos extrapolam o ambiente acadêmico para outras esferas do contexto social, esculpindo profícua chave analítica para compreensão das representações construídas em torno das crianças e de sua educação, bem como para a formulação de estratégias de controle e normatização social na Primeira República.

A propósito, Alvarez (1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo., p. 23) sublinha a importância de pesquisas que enfoquem o saber jurídico para análise da sociedade republicana, considerando a fertilidade heurística dessa chave analítica que permitiria aos “[...] historiadores e cientistas sociais [...]” examinarem “[...] como foi pensada a articulação entre, de um lado, os saberes e práticas normalizadoras e disciplinares dispersos na sociedade e, de outro lado, o Estado, ao longo da Primeira República”.

Alinhado a essa perspectiva, este artigo tem como objetivo analisar as representações construídas pela imprensa periódica sobre a criança tipificada como menor e as propostas de educação direcionadas a esse segmento infantil, interrogando acerca das bases interpretativas do universo jurídico presentes em tais representações. Focaliza a cidade de Uberaba, localizada na região do Triângulo Mineiro no início do século XX e constitui o jornal uberabense Lavoura e Comércio2 2 O Jornal Lavoura e Comércio foi fundado em 1899 e encerrou as publicações em janeiro de 2004. No período delimitado por esta pesquisa o periódico apresentava-se como ‘Jornal independente, político, literário e noticioso’ e contava com diversos colaboradores e correspondentes dos municípios do Triângulo Mineiro e do Estado de Goiás. como núcleo documental da investigação.

O corpus empírico é constituído por uma série de oito artigos intitulada ‘Menores e vagabundos’, publicada naquele jornal de forma sequencial, iniciando-se no dia 26 de janeiro de 1911 e terminando no dia 26 de fevereiro de 1911, na primeira página do periódico, na abertura da edição, ocupando a primeira coluna da folha3 3 A página de abertura era composta por cinco ou seis colunas, dependendo do teor da matéria e tratava geralmente de questões políticas locais, regionais e/ou nacionais bem como assuntos relacionados à ordenação do espaço urbano e reivindicação de melhorias como criação de escolas, estradas, policiamento e críticas às arrecadações de impostos do governo estadual. .Esse espaço era reservado para assuntos considerados importantes na perspectiva dos dirigentes, sendo muitas vezes ocupado com a publicação de matérias produzidas pelos próprios redatores da folha. Como os artigos não apresentam autoria, não se pode afirmar que tenham sido produzidos pelos redatores do jornal, mas passaram pelo crivo daqueles sujeitos indicando que a ‘questão dos menores’ era considerada assunto relevante para ocupar aquele espaço no periódico. Com efeito, o estudo de Souza, Ribeiro e Araújo (2019Souza, M. A. A. A., Ribeiro, B. O. L., & Araújo, J. C. S.(2019). Construções discursivas acerca da criança pobre na imprensa uberabense nas primeiras décadas do século XX. Revista de Educação Pública, 28(69), 719-740.) aponta que a presença dos menores e suas ações, representadas como incômodo e desordem social, tiveram espaço garantido naquele jornal. No entanto, sobressai na série de artigos selecionada para essa investigação a utilização do repertório jurídico pela imprensa na construção do discurso sobre os ‘menores e vagabundos’. Desta feita, os documentos permitem analisar as relações estabelecidas entre o saber jurídico que permeia o universo da imprensa e as representações sobre infância e educação produzidas na perspectiva local.

O trato com os jornais esteve atento aos cuidados elencados por Capelato (1988Capelato, M. H. R. (1988). Imprensa e história do Brasil. São Paulo, SP: Contexto. ), que ressalta a importância de inquirir sobre os mais diversos interesses defendidos por aqueles que dirigem o periódico. Nesse ponto, importa destacar que o estudo de Souza et al. (2019Souza, M. A. A. A., Ribeiro, B. O. L., & Araújo, J. C. S.(2019). Construções discursivas acerca da criança pobre na imprensa uberabense nas primeiras décadas do século XX. Revista de Educação Pública, 28(69), 719-740., p. 720) sugere que a finalidade do periódico seria “[...] defender os interesses dos fazendeiros e comerciantes locais”. Fonseca (2014Fonseca, A. A. (2014). Uma história social de Uberaba.História Revista , 19(1), 197-235. Recuperado de: https://doi.org/10.5216/hr.v19i1.30523
https://doi.org/10.5216/hr.v19i1.30523...
, p. 218), por sua vez, afirma que os dirigentes do jornal compunham uma “[...] elite diretamente ligada aos criadores de gado Zebu [...]”, que também atuavam politicamente por meio do partido ‘Lavourista’, marcando, assim, a hegemonia dos coronéis no comando da cidade4 4 A respeito da história social e política de Uberaba, confira, entre outros, Fonseca (2014). . A pesquisa de Isobe (2008Isobe, R. M. R. (2008). Educação e civilização no sertão: práticas de constituição do modelo escolar no Triângulo Mineiro (1906-1920) (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.), por seu turno, aponta que a linha editorial do periódico era marcada pela defesa de um projeto político claro de consolidação dos valores republicanos da ordem e do progresso, funcionando como veiculação de estratégias de conformação da dinâmica do espaço urbano em prol de uma modernidade a ser implementada na cidade. Desta forma, o critério de leitura das fontes esteve atento ao lugar de produção do documento que se inscreve, necessariamente, em um determinado lugar de poder.

O conceito de representação tomado de Chartier (1990Chartier, R. (1990). A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa, PT: Diefel., p. 17) permitiu uma via de interpretação dos documentos, entendendo-os como prática discursiva que dá a ver as representações perspectivadas pelas posições ocupadas por seus autores, pois estas “[...] são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”.

Deve-se sublinhar que a análise das representações produzidas na perspectiva local não poderia e não se apresentou dissociada das questões mais amplas em torno da infância e da sua educação na sociedade brasileira. Assim, a temática foi problematizada na relação dialética entre a conjuntura local e nacional, considerando que o projeto civilizador republicano tinha na educação da infância um importante requisito para a construção da almejada modernidade.

Panorama do pensamento jurídico brasileiro no âmbito da escola positiva de direito penal

No início do período republicano diversos saberes técnicos e científicos fundamentados em um conjunto extremamente variado de ideias cientificistas, importadas sobretudo da Europa5 5 Tais como diferentes versões do evolucionismo, do materialismo, das teorias raciais, higienismo, entre outras. A respeito, confira Schwarcz (1993). ,permeavam os discursos e projetos da intelectualidade brasileira voltados para a construção de uma sociedade que se faria urbanizada, ordeira e civilizada. Com a nova conjuntura política, ocorreu uma larga difusão de discursos jurídicos ancorados nas concepções da denominada Escola Positiva de Direito Penal, elaboradas em meados do século XIX, especialmente na Itália, a partir dos trabalhos de Cesare Lombroso e de seus principais seguidores, Enrico Ferri e Raffaele Garofalo (Alvarez, 1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Os estudos desenvolvidos pelo médico italiano Cesare Lombroso marcam a emergência da Escola Positiva, nomeadamente a partir da publicação da famigerada obra intitulada L’Uomo delinquente, em 1876, na qual o autor torna-se célebre por defender a ideia de ‘criminoso nato’. O indivíduo delinquente torna-se, a partir de então, objeto de estudo a ser identificado e analisado para delimitação de padrões e parâmetros de comportamentos do sujeito desviante. Nos limites entre a medicina e o direito, a nova doutrina penal prescrutará, a partir da combinação dos conceitos de ‘atavismo’6 6 A teoria postula a existência de ‘tipos atávicos’, ou seja, indivíduos que apresentavam características físicas e mentais primitivas do homem demonstrando ausência de sensibilidade moral (Dias, 2015). e de ‘loucura moral’7 7 O louco moral representaria o indivíduo predisposto ao mal por um processo de degeneração congênita, orgânica e hereditária, que se manifestaria na infância e se intensificaria na vida adulta (Dias, 2015). , marcantes no contexto organicista da psiquiatria da época, a inscrição da predisposição ao crime nos corpos dos sujeitos por meio da identificação das características atávicas, mensuráveis nos sinais anatômicos8 8 Tais como mandíbula protuberante, face alargada, forte aparato muscular, orelhas mais volumosas de asa grandes ou muito pequenas ou pontiagudas, má formação no crânio, olhos oblíquos, fronte fugidia, zigomas salientes e volumosos, assimetria na face, cabelos espessos e escuros, distância entre o primeiro e segundo dedo das mãos, pé chato, corcunda, papo, entre outras características (Dias, 2015). e na ausência de sensibilidade moral9 9 Evidente no indivíduo instável e violento com ausência de remorso (Dias, 2015). com critérios de verificação, mensuração, comparação (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.). A respeito, Alvarez (1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo., p. 44) sintetiza: “Em termos gerais, portanto, Lombroso reduziu o crime a um fenômeno natural, ao considerar o criminoso simultaneamente como um primitivo e um doente”.

Seguindo a perspectiva de Lombroso, o jurista Garofalo enfatizava tais aspectos físicos, relegando os fatores sociais a uma posição secundária na etiologia do crime. Em contrapartida, Ferri buscou superar o que entendia como limitações da concepção eminentemente biológica passando a considerar os condicionantes sociais nas causas do crime sem, contudo, desconsiderar os fatores biológicos (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.). Desta forma, a nova doutrina penal se afirmaria como ciência, amoldando-se perfeitamente ao contexto das doutrinas filosóficas em voga à época, com forte influência da epistemologia positivista, que se inspirava no ideal de progresso moral e científico da sociedade a ser alcançado por meio do desenvolvimento das ciências e da ordem social (Alonso, 1996Alonso, A. (1996). De positivismo e de positivistas: interpretações do positivismo brasileiro. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 42, 109-114.). Sob esse prisma, prevalecia a ênfase e o enaltecimento das ciências naturais, as quais poderiam ser observadas pelos sentidos, testadas em métodos experimentais e lastreadas em estudos empíricos.

Nesse diapasão, em contraposição aos ideais da Escola Clássica10 10 A denominada Escola Clássica tem como precursores os teóricos iluministas, como Cesare Beccaria e Jeremy Bentham, no contexto de superação de um sistema penal punitivo calcado no suplício do corpo para consolidação de um sistema baseado na pena enquanto retribuição moral e no livre arbítrio como fundamento do direito de punir. , os teóricos da Escola Positiva alicerçavam a doutrina no conceito de ‘defesa social’11 11 Na Escola Positiva, o conceito de defesa social é o fundamento do direito de punir estatal. Desta forma, a sanção penal e a prevenção da criminalidade são vistas como meios de defesa da sociedade contra o delinquente, os quais devem prevalecer ainda que em detrimento dos direitos individuais. - que preconiza a lógica da prevenção em detrimento da repressão -, deslocando o estudo do crime enquanto entidade normativa abstrata para enfatizara análise do indivíduo criminoso, ancorando o determinismo biológico enquanto substrato essencial na etiologia do crime. Desse modo, o delito não seria resultado de um ato de liberdade, mas sintoma de condições orgânicas defeituosas que se manifestariam em traços físicos e psicológicos identificáveis, sendo o criminoso, portanto, passível de intervenções profiláticas em prol da segurança social. Importa destacar que não faltaram críticos que se opunham à excessiva ênfase alocada no determinismo biológico pelos adeptos da Escola Positiva, acarretando um intenso debate que ocorria principalmente nos diversos congressos de antropologia criminal, realizados na Europa no final do século XIX e início do XX (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.).

No cenário brasileiro, Alvarez (1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.) destaca que os juristas tinham conhecimento expressivo acerca daqueles debates e estavam cientes, inclusive, das principais críticas direcionadas a Lombroso e seus discípulos. Portanto, a ampla receptividade da Nova Escola Penal no Brasil não ocorreu “[...] por falta de informação a respeito do que ocorria na Europa, mas sim por acreditarem que se tratava do que de melhor se produzia na época no campo da compreensão científica do crime” (Alvarez, 2002Alvarez, M. C. A. (2002). Criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Dados Revista de Ciências Sociais, 45(4), 677-704., p. 685). Tal recepção, contudo, ocorreu de forma heterogênea e eclética, de modo que as novas teorias penais foram alvo de censura em seus posicionamentos considerados excessivamente radicais, além de uma apropriação dos conceitos pelos bacharéis brasileiros, adaptando-os às condições e necessidades locais (Alvarez, 1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.).

A recepção das novas ideias da Escola Positiva no Brasil foi expressiva no contexto da denominada ‘Escola de Recife’, expressão cunhada por Silvio Romero para denominar o movimento intelectual ligado à Faculdade de Direito que passa a se perceber como uma Escola de pensamento propriamente dita, inspirada por uma crença incondicional na ciência (Schwarcz, 1993Schwarcz, L. M. (1993).O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo, SP: Companhia das Letras. ; Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.; Alvarez, 1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.). Após a recepção pioneira em Recife, inúmeros outros juristas12 12 Clóvis Beviláqua, José Higino, Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, Raimundo Pontes de Miranda, Viveiros de Castro, Aurelino Leal, Cândido Mota, Moniz Sodré de Aragão, Evaristo de Moraes, José Tavares Bastos, Esmeraldino Bandeira, Lemos Brito, entre outros, publicaram artigos e livros nos quais discutiam as ideias advindas da nova doutrina jurídica (Alvarez, 2002). de diversas regiões do país passaram a divulgar ao longo da Primeira República livros e artigos nos quais discutiam os principais conceitos e autores da Nova Escola Penal (Alvarez,1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Muitos daqueles juristas viam na consolidação do recém-criado regime um cenário propício para a implementação de reformas institucionais e jurídicas. A mudança na legislação penal se fazia urgente e necessária: “[...] a República precisava constituir sua própria forma de governo, estabelecer sua relação com a sociedade, rearticular seus dispositivos de controle [...]”, sendo, pois, imprescindível “[...] redefinir suas leis e, com especial atenção, as normas que circunscreviam a criminalidade” (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba., p. 14). Não por acaso, o Código Penal de 1890 foi promulgado antes mesmo da Constituição Republicana de 1891, evidenciando a urgência em rearticular as normas jurídico-penais em função da mudança política que se conformava.

Nesse cenário, o conceito de ‘defesa social’ constitui elemento chave na recepção da nova doutrina penal no cenário brasileiro, lastreando reformas e projetos fundamentados na necessidade de agir preventivamente sobre as causas do crime em prol da sociedade, intensificando, assim, o papel do direito e dos juristas no processo de regramento da vida individual e do ordenamento social (Alvarez, 1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.). Os postulados da Nova Escola Penal extrapolam, pois, os limites puramente técnicos das discussões jurídico-penais, consubstanciando-se um discurso político e amplo, abarcando propostas de mudanças na legislação e nas instituições públicas. Daí porque, o discurso da Escola Positiva adquire feições eminentemente reformistas no cenário brasileiro (Alvarez, 1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.).

O temor das elites também contribuiu sobremaneira para que aquelas ideias se espraiassem e ganhassem relevância no Brasil. Com o enorme medo das denominadas ‘classes perigosas’13 13 Chalhoub (1986, p. 22) ressalta a indefinição entre as classes pobres e as ‘classes perigosas’ nos discursos de época: “[...] os pobres carregavam vícios, os vícios produzem os malfeitores, os malfeitores são perigosos à sociedade; juntando os extremos da cadeia, temos a noção de que os pobres são, por definição, perigosos”. , um grupo significativo de políticos e juristas via nas propostas da Escola Positiva a oportunidade não só de combater, mas de prevenir o crime, segregando de forma profilática e sob o mote de defesa social aqueles que apresentassem ‘temibilidade’14 14 Conceito proposto por Garofalo para definir a perversidade constante do delinquente e a quantidade do mal previsto que se deveria temer por parte do mesmo (Dias, 2015). , garantindo, assim, a ordem social e a manutenção dos privilégios (Alvarez, 1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Sob as lentes da Nova Escola Penal, a ideia de ‘prevenção’ adquire centralidade nos discursos da época, de modo que a preocupação com os menores ganha novos contornos com a possibilidade de delimitar de onde vinha o perigo para intervir de forma precoce no corpo infantil. De acordo com as premissas da nova ciência, a predisposição para o crime se manifestaria na infância e se intensificaria na vida adulta, mas poderiam “[...] não se manifestar em função de uma boa educação [...]”, na medida em que, “[...] por uma má educação [...]”, o indivíduo não conseguiria “[...] superar a criminalidade fisiológica típica da etapa da infância para uma vida média, honesta, perseverando e piorando as tendências primitivas em direção ao mal” (Dias 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba., p. 96).

Para consecução do propósito de reparação moral do menor, surgiram diversas propostas de instituições distintas, mas que sempre gravitavam em torno da necessidade de educação, formal e moral, da infância desviante. O tratamento jurídico direcionado aos menores apresentava-se assim como “[...] realização mais perfeita do ideal de defesa social da Escola Positiva de Direito, redefine o próprio papel do Estado frente à sociedade, ao assumir feições claramente tutelares e preventivas” (Alvarez, 1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo., p. 13). Trata-se, na análise do autor, de um efetivo escalonamento da cidadania alicerçado em um aparato formalmente igualitário, mas efetivamente baseado na atribuição de graus diferenciados de cidadania a setores distintos da população. Dias (2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba., p. 153) assim sintetiza: “[...] ao mesmo tempo em que o direito das garantias individuais se aplica a alguns, o direito da norma, do perigo, da suspeição e da prevenção deve se aplicar a outros”.

Essas ideias e concepções extrapolaram o ambiente jurídico para compor as páginas da imprensa no interior das Gerais, conforme será analisado a seguir.

A vadiagem infantil como estigma de degeneração moral e propensão ao crime

Os problemas relacionados aos menores e suas atitudes tipificadas como desvios da norma eram concebidos, no cenário nacional, como um problema social, cuja solução parecia fundamental para não colocar em risco os propósitos republicanos de inscrever o país na rota da civilização (Rizzini, 2011Rizzini, I. (2011). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil (3a ed.). São Paulo, SP: Cortez .). Na cidade de Uberaba não foi diferente. A infância desviante e seus comportamentos supostamente desordeiros comparecem nos discursos de autoridades locais e da imprensa como grupo social em permanente suspeita, solapando os desígnios de modernização almejados pelos sujeitos que detinham o poder econômico e político do município (Souza et al., 2019Souza, M. A. A. A., Ribeiro, B. O. L., & Araújo, J. C. S.(2019). Construções discursivas acerca da criança pobre na imprensa uberabense nas primeiras décadas do século XX. Revista de Educação Pública, 28(69), 719-740.).

Na série Menores e Vagabundos15 15 A publicação do jornal era feita às quintas-feiras e aos domingos, de modo que essa série de artigos foi apresentada de forma sequencial. Das dez edições publicadas nesse período, apenas duas abordam temática diferente, uma delas referindo-se à comemoração do centenário de Uberaba e a outra apoiando a instalação de uma fábrica de tecidos na cidade. Os oito artigos foram publicados nas seguintes edições e datas: n. 1194 em 26/01/1911a, n. 1195 em 29/01/1911b, n. 1196 em 02/02/1911c, n. 1197 em 05/02/1911d, n. 1198 em 09/02/1911e, n. 1200 em 16/02/1911f, n. 1202 em 23/02/1911g e n. 1203 em 26/02/1911h. , publicada no jornal Lavoura e Comércio são apresentados adjetivos que resumiam a maneira como os meninos e meninas que vagavam pelas ruas, eram retratados na imprensa: “[...] vadios, promíscuos, nus, sem pão, sem teto, atirados à rua, ao lodo, ao vício, dormindo ao ar livre, sujos, com vestes estilhadas, desordenados, fumantes, com tendência ao alcoolismo e detentores de maldade precoce” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911a, 26 de janeiro). Lavoura e Comércio. n. 1.194, p. 1.a, 1911Menores e vagabundos. (1911b, 29 de janeiro). Lavoura e Comércio . n. 1.195, p. 1.b)16 16 Na medida em que as temáticas analisadas são apresentadas e discutidas pelo redator ao longo dos oito artigos, publicados sequencialmente no periódico, sempre na página 01, optou-se por colocar apenas a referência do número da edição ao final do conjunto de citações apresentadas em cada parágrafo, para facilitação da leitura. Da mesma forma, optou-se pela atualização da grafia. . As páginas do periódico forjam um retrato ameaçador da infância que passa a compor o grupo de indivíduos das classes perigosas estabelecendo, assim, o estatuto de periculosidade daquele contingente.

Para conferir legitimidade ao próprio discurso, o redator do periódico se apropria dos saberes construídos no interior da Escola Positiva e apresenta uma combinação de fatores biológicos e sociais para justificar o que denomina ‘causas de perversão das crianças’. Afirma então “[...] que indivíduos há que entre o bem e o mal tenham tendências fortíssimas para o último [...]”, sendo necessárias ações preventivas para “[...] o embotamento do mal inato”. Admite a existência do ‘sanguinário por instinto’, indicando, nesse caso, a necessidade de “[...] estudá-lo cuidadosamente, curá-lo, afinal” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911c, 02 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.196, p. 1.c, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d, 1911Menores e vagabundos. (1911g, 23 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.202, p. 1.g). Ainda sobre os fatores biológicos, o articulista ressalta que

Os filhos dos ‘alcóolicos, os tarados, os epilépticos, os psicóticos, os neurastênicos e os neuropatas’ precisam de um tratamento cuidadoso mais higiênico que legal, em que se procurasse ao invés de punir somente curar esses prejuízos, considerando-os patologicamente, anestesiando-lhes o sofrimento e por um tratamento especial esterilizando-lhes a inclinação para o mal (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911c, 02 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.196, p. 1.c, grifo do autor).

Nota-se a evidente influência da Nova Escola Penal, na medida em que o redator pressupõe a existência de um determinismo biológico e postula a análise cientifica do crime por meio do estudo do criminoso. Ao mesmo tempo, contudo, o articulista parece estar ciente das críticas feitas à tese lombrosiana quando declara não partilhar “[...] a opinião dos que admitem a existência dos criminosos natos com a ausência completa da vontade honesta [...]”, embora não descarte a existência de indivíduos que “[...] entre o bem e o mal tenham tendências fortíssimas para o último [...]”, sendo possível “[...] por meios especiais [...]” o “[...] amortecimento de seus instintos [...]” com o escopo de evitar “[...] apurar as inclinações condenáveis” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911c, 02 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.196, p. 1.c).

O redator recorre, então, às formulações de Ferri para criticar os exageros teóricos, excessivamente focados em um determinismo biológico, “[...] que vê em cada criminoso um doente, um enfermo, que o crime ao nosso ver é antes o resultado do meio, da educação que de um mal orgânico”. Todavia, neutraliza a observação precedente quando aposta na regeneração dos criminosos afirmando a necessidade de ‘cura’, já que “[...] a punição deve ter nesses casos o caráter puramente educativo, preventivo, punindo o delinquente ao tempo que o vai corrigindo, regenerando-o, curando-o da maldade”. O determinismo biológico da Escola Positiva é pressuposto das análises da criminalidade infantil, de modo que a intervenção preventiva se apresenta como necessária para atenuar as distorções biológicas: “É o que devemos fazer com os menores já viciados, corrigindo-lhes os defeitos orgânicos ou os adquiridos no meio em que vivem” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911c, 02 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.196, p. 1.c, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d).

Importa destacar que a discussão sobre a preponderância de aspectos biológicos e/ou socioculturais na etiologia do crime está no centro do debate dos adeptos da Escola Positiva, tanto na Europa como no Brasil. Os estudos de Alvarez (1996Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.) indicam que no Brasil prevaleceu a aproximação entre as duas perspectivas. A título exemplificativo, Clóvis Beviláqua argumentava que a educação e o meio onde o indivíduo estava inserido eram fatores deveras importantes na formação do criminoso. O jurista apresentava a existência de fatores puramente biológicos enquanto condições primárias do crime, preponderando, contudo, o meio social, sem o qual a criminalidade não germinaria (Dantas, 2013Dantas L. A. A. (2013). Escola do Recife e os discursos sobre a criminalidade: teorias científicas e projetos de sociedade no Recife das décadas de 1880-1890 (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife.).

Seguindo a mesma lógica conciliatória, o redator do jornal uberabense reconhece a existência de fatores biológicos nas causas do crime, enfatizando, todavia, os aspectos sociais, ao sustentar que “[...] o crime ao nosso ver é antes o resultado do meio, da educação que de um mal orgânico”. Destaca o ‘abandono material’ e ‘abandono moral’ das crianças como fator que “[...] concorre extraordinariamente para ao aumento da criminalidade [...]” e ressalta a necessidade de “[...] lhes prover as necessidades e lhes corrigir os defeitos [...]”, caso contrário, o meio social poderia “[...] fazer maus homens e apurar inclinações condenáveis”. O abandono moral ocorreria sobretudo com “[...] os filhos dos alcoólicos, dos condenados, dos vagabundos, vítimas quase sempre das histerias e das histero-epilepsias” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d). O redator recorre, então, ao conceito lombrosiano de ‘criminosos de ocasião’ para tratar do abandono moral das crianças.

É sobretudo no latrocínio, nos diz Lombroso, que a falta de cuidado dos pais, o ‘abandono’ dos primeiros anos concorre poderosamente para criar criminosas de ocasião, que depois das primeiras condenações, impossibilitadas de aprender o trabalho depois do longo hábito da ociosidade já tendo recebido o estigma infamante da justiça, se transformam em delinquente por hábito (Menores e vagabundo, 1911Menores e vagabundos. (1911e, 09 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.198, p. 1.e, grifo do autor).

Nas construções discursivas do redator, a ociosidade desponta como sinal de degeneração moral, ou seja, como um vício ou um hábito pernicioso que seria consequência da falta congênita de senso moral e dos maus hábitos adquiridos nas ruas. Sobre essa questão, as premissas da Criminologia Positiva são bastante influentes na forma com que o autor interpreta as condutas infantis como, por exemplo, na análise que faz sobre o comportamento da ‘futura ladra’ que carregaria a “[...] culpa de ter nascido de pais ‘alcoólicos, pobres e viciosos’ [...]”, tendo como consequência a inserção no mundo do crime e da prostituição visto que “[...] cresce sem aprender a trabalhar e em sua ociosidade é entregue a todas as seduções da rua [...]” acabando “[...] por se vender ou rouba o objeto que a toda hora vê em sua vagabundagem”. A ociosidade é concebida como degeneração moral na medida em que, por um lado, corrobora para o desenvolvimento do mal inato, por outro propicia a aquisição de vícios e hábitos que podem levar ao crime (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911e, 09 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.198, p. 1.e, grifo do autor).

No exemplo da ‘futura ladra’, acima mencionado, o fato de ter crescido na ociosidade é agravado pela hereditariedade pois “[...] a vagabundagem dos pais se desenvolve de um modo assombroso a tendência para o vício”. Desta forma, a ‘futura ladra’ carregava em si o peso do mal inato, mas o fato de ‘crescer sem trabalhar’ teria contribuído para sua delinquência (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911e, 09 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.198, p. 1.e). É possível perceber uma lógica discursiva de recriminação da vadiagem, indicando que se as crianças pobres estivessem ocupadas com um ‘trabalho honesto’ não representariam, necessariamente, um perigo social. A ocupação pelo trabalho seria, assim, a forma de retirá-las dessa condição. Isso pode ser observado quando o redator indica que o ‘temor’ estaria nas crianças que viviam entregues à ‘vagabundagem’ nas ruas e não nos ‘menores que nos sirvam, em casa’:

Há uma carência absoluta de menores que nos sirvam, em casa, e, entretanto, as ruas vivem cheias deles, numa vadiagem que faz nascer temores nos espíritos, mesmo os mais céticos, sobre o futuro dessa criançada que vagueia dia e noite. Os hábitos perniciosos que vão adquirindo na vagabundagem (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911b, 29 de janeiro). Lavoura e Comércio . n. 1.195, p. 1.b).

Essa questão também pode ser observada quando o articulista estabelece a diferença de conduta entre o ‘honesto operário’ e os ‘menores vadios’:

Quando esses pequenos se fizerem homens ou serão inúteis à sociedade pelo desfalecimento de sua vontade, desacostumada de um trabalho honesto e tonificador, ou lhes serão perniciosos, nocivos em razão dos hábitos que adquiriram, frequentando as tavernas, tascas e as casas de tolerância em que não vai cada um, como o honesto operário, descansar do labor diário, mas blasonar coisas mal feitas, furtos e valentias que esses são os lugares propícios a cenas dessa ordem (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911b, 29 de janeiro). Lavoura e Comércio . n. 1.195, p. 1.b).

Se para o ‘trabalhador honesto’ o ato de frequentar as tavernas e casas de tolerância é visto pela imprensa como momento de descanso do labor diário, para os menores vadios a mesma conduta é associada aos furtos e à desordem. A recriminação da vadiagem estabelece um código moral de valorização do trabalho que define o que é permitido ou restringido, ou quem pode ser considerado suspeito e perigoso, julgando condutas, espaços e, por conseguinte, os sujeitos. Na construção discursiva, o que ressalta na visão do articulista como propensão ao crime pela degeneração moral do indivíduo é a vadiagem.

A prostituição e a mendicância são apresentadas em sua conexão com a vadiagem, posto que as crianças ociosas que ocupavam as ruas tornavam-se suscetíveis a toda sorte de comportamentos considerados desviantes. A rua é constantemente referenciada como locus de desordem, vícios e perversões morais. Sobre essa questão, o redator se fundamenta nos estudos de Lombroso e Guglielmo Ferrero17 17 Lombroso publicou em 1895 juntamente com Guglielmo Ferrero a obra La donna delinquente, na qual analisam as características comuns entre as mulheres criminosas, ressaltando a amoralidade que implicava na delinquência e na prostituição. para destacar a conduta das meninas que andavam ‘perdidas pelas ruas’ buscando alimento na ‘mendicidade’ e acabavam “[...] prostituindo-se sem amor, furtando por necessidade e por hábito”. Havia, portanto, um movimento discursivo para associar a criminalidade à vadiagem, a partir de uma lógica de que se a vida das crianças pobres estivesse ligada à ociosidade e à aura de viciosidade da rua, também poderia estar associada ao crime, ou seria levada a este (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911e, 09 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.198, p. 1.e).

Importa ressaltar que a questão da vadiagem ocupou um lugar central no cenário nacional a partir de um discurso político forjado no inventário ético de valorização do trabalho, que passou a ser considerado uma panaceia contra os vícios e instrumento de regeneração social (Fausto, 1984Fausto, B. (1984). Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo, SP: Brasiliense .; Bretas, 1997Bretas, M. L. (1997). A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Arquivo Nacional.; Karvat, 1996Karvat, E. C. (1996). Discursos e práticas de controle: falas e olhares sobre a mendicidade e a vadiagem (Curitiba: 1890-1933) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba. ). Em uma sociedade de base escravocrata que buscava imprimir a ética de valorização do trabalho, a conduta tipificada como vadiagem representava o desvio da norma instituída socialmente e associada à degeneração moral do indivíduo (Chalhoub, 1986Chalhoub, S. (1986). Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores do Rio de Janeiro na Belle Epoque. São Paulo, SP: Brasiliense.). Instala-se assim, uma “[...] intensa mobilização das elites com o objetivo de criar dispositivos para intensificar a perseguição e a repressão à vadiagem” (Teixeira, Salla, & Marinho, 2016Teixeira, A., Salla, F. A., & Marinho, M. G. S. M. C. (2016). Vadiagem e prisões correcionais em São Paulo: mecanismos de controle no firmamento da República. Estudos Históricos, 29(58), 381-400. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S2178-14942016000200004.
https://doi.org/10.1590/S2178-1494201600...
, p. 385).

Nessa conjuntura, o Código Penal de 1890 criminalizou o indivíduo considerado vadio, reconfigurando o ‘termo de bem viver’, vigente no Código Criminal do Império. A legislação republicana estabelece ‘termo de tomar ocupação’, obrigando aqueles considerados vadios a procurar emprego lícito no prazo de 15dias, contados do cumprimento da pena. Enquanto a legislação imperial assegurava que a pena seria “[...] repetida quantas forem as reincidências [...]”, a lei republicana estabelecia que “[...] havendo a quebra do termo, o indivíduo poderia ser recolhido a colônias correcionais” (Teixeira et al., 2016Teixeira, A., Salla, F. A., & Marinho, M. G. S. M. C. (2016). Vadiagem e prisões correcionais em São Paulo: mecanismos de controle no firmamento da República. Estudos Históricos, 29(58), 381-400. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S2178-14942016000200004.
https://doi.org/10.1590/S2178-1494201600...
, p. 385). No que concerne especificamente às crianças, a legislação republicana promoveu uma redução da idade de responsabilização penal, de 14para apenas nove anos, prevendo “[...] formas de punição que tendiam para a reforma moral dos indivíduos”. Para Alvarez, Salla e Souza (2003Alvarez, M. C., Salla, F. A., & Souza, L. A. F. (2003). A sociedade e a lei: o Código penal de 1890 e as novas tendências penais na primeira República. Justiça e História, 3(6), 01-24., p. 11), “[...] alguns dos principais alvos do novo Código foram os menores delinquentes, os inválidos (mendigos e insanos) e os vadios”. A relação trabalho-ócio torna-se, assim, fundamental para o entendimento da construção social da vadiagem infantil como avesso da ordem preconizada pelo projeto civilizatório republicano.

Na imprensa de Uberaba, a construção de um discurso que detectava perigo na vadiagem infantil garantia a identificação daqueles, cujo comportamento correspondia ao desvio social logo na infância, uma vez que os pequenos delitos praticados nessa fase da vida poderiam ter como desfecho um espantoso e aterrorizante crime. Municiado pela obra Criminologia de Garofalo, o redator argumenta:

Garofalo referindo-se em sua Criminologia aos jovens delinquentes, diz que no começo cometem crimes de sangue, leves, sem agravantes, passando incólumes, sem que se lhes dê ao menos uma prisão correcional. Depois esses pequenos delitos se repetem e afinal um grande crime brilha que aterroriza, espanta, e então é que nos lembramos dos precedentes do criminoso (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d).

Identificando os menores a partir da tipificação de determinadas características, ações e espaços de atuação, a imprensa estabelecia o estatuto de ‘temibilidade’ do menor, cuja retórica se ancora nos pressupostos científicos da Escola Positiva.

Quem estuda com amor e cuidado o direito penal, a sua evolução e as suas escolas, facilmente se convencerá das vantagens da doutrina positiva que manda punir o delinquente por sua temibilidade, pela periculosidade que revelou o ato, ao contrário do velho classicismo que fazia quase uma aplicação dosimétrica da pena ao delito, punindo mais quem maior parte material tivesse no delito. É o triunfo do elemento físico (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911a, 26 de janeiro). Lavoura e Comércio. n. 1.194, p. 1.a).

O que se percebe nas construções discursivas é a utilização dos conceitos da Escola Positiva, então em voga no debate jurídico nacional, para imprimir legitimidade científica às principais ideias defendidas pelo redator: a vadiagem infantil como estigma de degeneração moral e propensão ao crime e a necessidade de regeneração dos menores por meio da educação. Esse último aspecto será analisado na sequência.

Educação como estratégia de regeneração moral e prevenção da criminalidade

Dão imenso trabalho à polícia esses que deveriam buscar na escola um embotamento ao mal inato (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911a, 26 de janeiro). Lavoura e Comércio. n. 1.194, p. 1.a).

Na imprensa uberabense, a vadiagem infantil é apresentada em associação direta à criminalidade e indicada como sério problema social. No texto em epígrafe, além das ações repressivas da polícia, a escola desponta como medida profilática para a delinquência infantil. Embora mencione as intervenções policiais, o enfoque da imprensa na série de artigos aqui analisada é a educação dos menores como estratégia de prevenção da criminalidade infantil. Essa questão é abordada pelo redator com base em premissas fundamentais da Escola Positiva: prevenção e regeneração em prol da ‘defesa social’:

Procurando punir os criminosos e aplicando-lhes as penas não reparamos o mal lesado, que a compensação não se faz no direito penal senão muito restritamente, mas, damos ao delinquente um corretivo ‘benéfico e à sociedade’ um meio de segregá-lo dos bons, evitando novos crimes e futuros delitos. Na última parte é que está o erro do nosso sistema que, ao invés de corrigir e de ‘regenerar’, castiga; que não busca ‘prevenir’, mas reprimir, somente, não tentando evitar a prática do mal e punindo-o apenas depois de cometido (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911c, 02 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.196, p. 1.c, grifo nosso).

Apoiado na nova ciência jurídica, o redator tece suas críticas à ‘velha fórmula’ da Escola Clássica, fundamentada no axioma: “[...] se os criminosos são uma torrente e a pena um dique que se lhes opõe”. Prossegue a argumentação alegando que, sem o caráter preventivo e regenerador, a pena não traria “[...] benefício algum para o indivíduo e para a sociedade [...]”, uma vez que “[...] os criminosos são de fato uma torrente [...]”, mas a pena não seria “[...] um dique que os contenha, e a prova disso é o aumento atemorizador da criminalidade [...]”, sendo necessário, pois, “[...] evitar que ela se aumente arrastando amanhã os menores que não se educam hoje por nossa incúria e imprevidência” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d, 1911Menores e vagabundos. (1911e, 09 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.198, p. 1.e).

A função de prevenir a criminalidade infantil é atribuída ao Poder Público. Nesse ponto, o redator se apoia em Quetelet18 18 O jurista Viveiros de Castro indica Quetelet como um dos antecessores do pensamento positivista italiano. Contudo, confere a Lombroso o mérito de organizar as ideias esparsas daqueles pensadores para criar efetivamente a antropologia criminal (Dias, 2019). para afirmar que “[...] aos legisladores pertence estudar essas causas e fazê-las desaparecer quanto possível [...]”, sendo preciso “[...] estabelecer um orçamento do crime como receita e a despesa do tesouro”. O discurso indica a incorporação de uma política de defesa social como atribuição do Estado, uma vez que os ‘pobres pequenos’ seguiam o “[...] rumo do abismo sem que os Poderes Públicos procurem embargar-lhes os passos salvando-os e salvando-se”. A expressão ‘salvar a criança’ mencionada pelo redator aparece com recorrência nos discursos políticos da época com base no pressuposto de que o investimento na criança se configurava como uma forma de investimento no futuro do país (Rizzini, 2006Rizzini, I. (2006). Reflexões sobre pesquisa histórica com base em ideias e práticas sobre a assistência à infância no Brasil na passagem do século XIX para o XX. In Anais do 1º Congresso Internacional de Pedagogia Social. São Paulo, SP. Recuperado de:http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092006000100019&lng=en&nrm=abn
http://www.proceedings.scielo.br/scielo....
). Tal premissa justificaria a importância da educação ofertada pelo Poder Público: “[...] devíamos evitar que a criminalidade aumentasse e isso conseguiríamos educando os menores” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d, 1911Menores e vagabundos. (1911e, 09 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.198, p. 1.e).

Os argumentos apresentados são reveladores do debate político nacional sobre a educação da infância, que constituía a criança como futuro da nação republicana e seus ideais de ordem e progresso. Estava em jogo a concretização de um projeto civilizatório a ser implementado de acordo com o novo regime e, portanto, a educação da infância marginalizada - representada como uma ameaça social tanto presente quanto futura - assume posição política de destaque no decorrer da Primeira República, tonando-se uma questão de Estado (Rizzini & Pilotti, 2009Rizzini, I., & Pilotti, F. (Orgs). (2009). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil (2a ed.). São Paulo, SP: Cortez .). No âmbito jurídico, os partidários da nova doutrina advogavam pela educação dos menores como ação efetiva a ser implementada pelo Poder Público para diminuição da criminalidade infantil. O jurista Cândido Motta, por exemplo, defendia que a educação pública seria a forma mais eficaz de regeneração do menor, sendo capaz de transformá-lo em “[...] um homem honrado capaz de formar, pelo exemplo, núcleos de homens de bem” (Motta, 1909 apud Rizzini, 2011Rizzini, I. (2011). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil (3a ed.). São Paulo, SP: Cortez ., p. 73).

Fazendo eco às vozes que apontavam a educação como antídoto dos males que assolavam a sociedade brasileira, o articulista de Uberaba é categórico ao afirmar: “[...] a nós fica a convicção inabalável de que a educação é um freio, um travo posto aos maus pensamentos”. Desta feita, o redator se ampara em Ferri para argumentar que o ‘professor de Roma’ concebia a educação da infância como forma de contenção ao crime e apresentava a Inglaterra como exemplo de um “[...] país clássico da educação das crianças [...]” o que repercutia em “[...] um progresso extraordinário a par da relativa diminuição da criminalidade”. Por meio da educação, os menores deixariam de ser uma ameaça social para transformarem-se em “[...] homens fortes, trabalhadores e honestos que servem às famílias, à sociedade e à Pátria”. Na perspectiva da imprensa, mesmo que a educação não proporcionasse “[...] um aperfeiçoamento completo [...]”, ela seria capaz de “[...] amortecer os instintos [...]” e evitar que as crianças seguissem “[...] a carreira burocrática do delito” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911c, 02 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.196, p. 1.c, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d). Mas qual o modelo de educação defendido pelo redator do periódico?

Embora o grupo escolar fosse, de maneira geral, enaltecido pelo jornal Lavoura e Comércio, que propagava “[...] a superioridade da nova modalidade de escola primária que era concebida como ícone da inovação pedagógica” (Isobe, 2008Isobe, R. M. R. (2008). Educação e civilização no sertão: práticas de constituição do modelo escolar no Triângulo Mineiro (1906-1920) (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p. 105), na série de artigos aqui analisada o redator sugere que aquele não seria o modelo adequado para educação dos menores, uma vez que, embora matriculados no grupo, acabavam fugindo para as ruas no horário de aula.

Matriculam-se no grupo, mas fogem às aulas e enquanto as mesmas funcionam vagam pela cidade fazendo algazarras e tropelias, pronunciando palavras obscenas que ofendem à moral e iniciam em seu uso os pequeninos, de três anos apenas, e já senhores desse vocabulário que manejam sem lhe saber o valor (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d, 1911Menores e vagabundos. (1911e, 09 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.198, p. 1.e).

Percebe-se que a concepção de criança e de infância analisadas norteia o tipo de educação a ser indicado, pois o redator demonstra desconfiança na eficácia das escolas da cidade especificamente para aquele segmento infantil representado pelos menores, justificando que “[...] o viver na vadiagem não lhes dá tempo para o estudo”. A partir da premissa da existência de um local específico na paisagem urbana que instigava a criminalidade, defende um modelo de educação que segregaria essas crianças em instituições organizadas em regime de internato, associando o ensino primário ao trabalho infantil (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911b, 29 de janeiro). Lavoura e Comércio . n. 1.195, p. 1.b).

O articulista apresenta uma série de exemplos de instituições criadas nos Estados Unidos e na Europa para enfrentar o problema da delinquência infantil. Menciona as colônias correcionais, mas expressa sua preferência por um modelo de educação implementado em uma instituição denominada ‘República’, instalada nos Estados Unidos, que fracionava o tempo das crianças em duas atividades: educação escolar e trabalho agrícola.

Sem ter uma organização de colônia correcional há na ‘República’ uma propriedade agrícola com 350 acres de terra, 60 cabeças de gado bovino, 8 parelhas de animais, uma pocilga para porcos e um galinheiro. É livre a escolha do trabalho, o que tem a vantagem de satisfazer as aptidões, mas ninguém pode fugir a uma ocupação qualquer mesmo porque só trabalhando tem direito à alimentação O dia se divide para os rapazes em duas partes. A primeira é dedicada ao desempenho de um trabalho [...] A outra parte do dia é passada nas escolas. Moram os rapazes e as raparigas em casas confiadas a pessoas adultas, quase sempre dirigidas por um casal e a qualidade dos aposentos varia com a situação pecuniária de cada um, morando os mais trabalhadores em cômodos melhores. Esse sistema tem a vantagem de forçá-los ao trabalho, à economia e principalmente de obrigar cada um, mesmo os filhos de pais milionários, à economia separada, vivendo desde a primeira mocidade do próprio trabalho. Eis um excelente sistema de educação, esse do povo yankee empreendedor e ativo como nenhum outro do mundo (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911f, 16 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.200, p. 1.f, grifo do autor).

Nota-se que o modelo de educação aprovado pela imprensa se fundamenta na premissa de que o ócio fora, até então, o principal elemento deletério na vida daquelas crianças. Ainda que carregassem os males da hereditariedade a ‘educação metódica’ na qual na qual “[...] ninguém pode fugir a uma ocupação [...]” poderia oferecer às crianças o amortecimento das “[...] inclinações e tendências que tenham para o mal” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.d, 1911Menores e vagabundos. (1911f, 16 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.200, p. 1.f).

Após elogiar o modelo de educação estadunidense, o articulista destaca a importância do ‘Instituto João Pinheiro’19 19 A respeito do Instituto João Pinheiro, confira o estudo de Faria Filho (2001). , criado pelo Poder Público e instalado na capital mineira em 1909, afirmando que a instituição teria “[...] uma organização mais ou menos semelhante às ‘Repúblicas’ da Norte América e vai dando os melhores resultados”. No último artigo da série publicada no jornal, o redator se dedica a apresentar aquele Instituto mineiro, que se ocuparia em “[...] regenerar a infância abandonada [...]”, transformando os menores em crianças ‘sadias’, ‘asseadas’, ‘fortes’ e “[...] mais úteis do que muitos homens, porque amam o trabalho e sabem trabalhar” (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911h, 26 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.203, p. 1.h). O ensino se apresenta organizado em torno das aulas e do trabalho infantil.

O tempo é perfeitamente dividido entre as escolas e os diferentes misteres em que se ocupam os meninos e eles fazem tudo que se possa exigir de um homem acostumado à labuta: - trabalham no campo, guiam carros e carroças, ensaiam construção de pontes e assentam porteiras, abrem estradas e cobrem-nas de cascalho, fazem paredões e muros, tanques de cimentos, tortos é verdade, mas que são o resultado de um esforço inteligente; plantam jardins e as flores viçam formosíssimas sem que se veja um botão seco nas hastes ou um folha estiolada nos caminhos cimentados dos canteiros [...] Um eixo de carro se estraga e ei-los, os pequeninos obreiros, a fazer um outro [...] Nas oficinas a cargo de um professor competentíssimo os pequenos fazem tudo. Vimos malas de couro, utensílios domésticos, facas, colheres e garfos; instrumentos de pedreiro e carpinteiro, caixas de madeiras e papelão; cestas de papel pardo, resistentes como as de corda ou lona [...] trabalham no torno e na modelagem e a alma se consola e sente um prazer imenso vendo essas oficinas cheias de crianças como enxames de abelhas aprendendo todas as profissões (Menores e vagabundos, 1911Menores e vagabundos. (1911h, 26 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.203, p. 1.h).

O que se observa é a imagem construída do ‘pequeno operário’, ou seja, as crianças faziam “[...] tudo que se possa exigir de um homem acostumado à labuta [...]” e vivenciavam, em sua tenra idade, o rigor da disciplina que permeia as relações de trabalho para que pudessem se tornar indivíduos úteis à sociedade. O caráter educativo do trabalho é sublinhado como umas das virtudes do Instituto, visto que o preceito de regeneração pelo trabalho se tornava prática nas atividades agrícolas, nas aulas e nas oficinas, coibindo, assim, a existência de futuros ociosos e criminosos.

Faz-se mister ressaltar que o Instituto João Pinheiro foi criado como um estabelecimento “[...] educativo/preventivo que deveria ‘apoderar-se’ de crianças que representam uma ameaça à sociedade e ‘restituir’ um trabalhador ideal, perfeitamente integrado a ela, pelo trabalho honrado e remunerador” (Faria Filho, 2001Faria Filho, L. M. (2001). República, trabalho e educação: a experiência do Instituto João Pinheiro (1909-1934). Bragança Paulista, SP: Editora da Universidade São Francisco., p. 89, grifo do autor). A opção por esse tipo de educação não se restringia ao território mineiro, mas era defendida por muitos intelectuais e políticos da época sob a alegação de que a aprendizagem do trabalho pelos menores “[...] oferecia um tempo de resguardo para que a personalidade criminosa se dissolvesse no cotidiano do labor” (Freitas, 2005Freitas, M. C. (2005). Alunos rústicos, arcaicos e primitivos: o pensamento social no campo da educação. São Paulo, SP: Cortez., p. 52). A referência a esse modelo de educação no debate nacional esteve, pois, associada às estratégias de “[...] regeneração da infância mediante aquisição dos atributos básicos da socialidade destinada ao pobre: ser útil” (Freitas, 2005Freitas, M. C. (2005). Alunos rústicos, arcaicos e primitivos: o pensamento social no campo da educação. São Paulo, SP: Cortez., p. 52). Delimitava-se, assim, um projeto civilizatório para os menores.

Se bem civilizados, poderiam ocupar tranquilamente o lugar que lhes cabia: o trabalho. Se bons trabalhadores poderiam transformar uma existência rude num compromisso com a utilidade, fiado pela ciência, confirmado pelo Juiz de Menores (Freitas, 2005Freitas, M. C. (2005). Alunos rústicos, arcaicos e primitivos: o pensamento social no campo da educação. São Paulo, SP: Cortez., p. 59).

Na construção de um discurso que buscava legitimar a vadiagem infantil como estigma de propensão ao crime - sendo, pois, tratada não somente como um problema social, mas, sobretudo, como um fenômeno moral -, a imprensa uberabense elege aquele modelo de educação exatamente por ter o trabalho como principal ferramenta pedagógica destinada à regeneração das crianças. O sentido atribuído à educação específica para aquele segmento infantil circunscrevia-se, portanto, na perspectiva de moldá-los de acordo com o projeto republicano que conduziria o Brasil ao seu ideal de nação civilizada, ordeira e laboriosa.

Considerações finais

No interior das Gerais, as crianças estigmatizadas como menores comparecem nos discursos da imprensa que recepcionava as ideias da Escola Positiva de Direito Penal, com seu forte apelo científico, para analisar a infância nos moldes do que estava sendo proposto pela nova doutrina jurídica, no início do século XX. Engendrou-se então uma representação social dos menores, que os tinha como degenerados moralmente, colocando-os, desta forma, na mira de uma ciência que perscrutava características biológicas e comportamentos sociais associados à criminalidade, indicando a necessidade de uma intervenção estatal na perspectiva da prevenção e regeneração.

O problema da infância forjada como exemplo de desvio social esteve em pauta nas páginas do jornal uberabense e não foi observado sob um prisma isolado. O discurso da imprensa é revelador quanto ao ideário republicano que buscava se consolidar sob os pilares da ordem social, pela regeneração moral e dignificação pelo trabalho, o que legitimava e justificava o tratamento discriminatório dado aos ‘menores e vagabundos’ naquela época.

Não foi, portanto, surpreendente que a associação entre criminalidade e infância tenha mobilizado os vários setores da sociedade brasileira, inclusive a imprensa de Uberaba, que se debruçou sobre a conduta pretensamente ameaçadora daquelas crianças, esquadrinhando os elementos em torno do sujeito criminoso e do desvio moral, em vista da necessidade premente de garantir a defesa social.

No cenário analisado, foi possível perceber que a pobreza e a ociosidade, associadas ao ambiente vicioso das ruas, figuram como ingredientes que, em conjunto, caracterizam a vadiagem, representada nos meandros discursivos como elemento chave, estigma da degenerescência moral e da propensão à criminalidade infantil. Com base no arcabouço jurídico, a imprensa uberabense não apenas construía a imagem de uma infância desviante à sua maneira, a partir da valoração de suas condutas, como também fazia recomendações carregadas de tintas discriminatórias, indicando a melhor estratégia para reconduzir os caminhos tortuosos percorridos pelos ‘futuros criminosos’, ignorando as raízes construtivas das condições de vida daquelas crianças.

Longe de contribuir para o problema da miséria e da marginalidade social dos denominados menores, as teias discursivas construídas no território jurídico deram sustentação à imprensa para detectar o perigo no ‘menor vadio’ e opor-se a ele, elegendo-se a educação como estratégia de regeneração moral e prevenção da criminalidade.

A defesa de uma educação em regime de internato que aliava o ensino primário ao trabalho infantil delimitava o espaço destinado aos menores na sociedade republicana, inscrevendo-os nas marcas da segregação social a partir de critérios diferenciados de cidadania expressos na produção de categorias distintas de educação e infância. Os desdobramentos discriminatórios da Escola Positiva sobre o segmento infantil incitam a pesquisa e o debate a respeito dos efeitos concretos de suas premissas na vida das crianças colocadas à margem da sociedade

Referências

  • Alonso, A. (1996). De positivismo e de positivistas: interpretações do positivismo brasileiro. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 42, 109-114.
  • Alvarez, M. C. (1996). Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930) (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • Alvarez, M. C. A. (2002). Criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Dados Revista de Ciências Sociais, 45(4), 677-704.
  • Alvarez, M. C., Salla, F. A., & Souza, L. A. F. (2003). A sociedade e a lei: o Código penal de 1890 e as novas tendências penais na primeira República. Justiça e História, 3(6), 01-24.
  • Bretas, M. L. (1997). A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, RJ: Arquivo Nacional.
  • Cancelli, E. (2001). A cultura do crime e da lei: 1889-1930 Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília.
  • Capelato, M. H. R. (1988). Imprensa e história do Brasil São Paulo, SP: Contexto.
  • Chalhoub, S. (1986). Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores do Rio de Janeiro na Belle Epoque São Paulo, SP: Brasiliense.
  • Chartier, R. (1990). A história cultural: entre práticas e representações Lisboa, PT: Diefel.
  • Dantas L. A. A. (2013). Escola do Recife e os discursos sobre a criminalidade: teorias científicas e projetos de sociedade no Recife das décadas de 1880-1890 (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
  • Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
  • Faria Filho, L. M. (2001). República, trabalho e educação: a experiência do Instituto João Pinheiro (1909-1934) Bragança Paulista, SP: Editora da Universidade São Francisco.
  • Faria Filho, L. M., & Sales, Z. E. S. (2002). Escolarização da infância brasileira: a contribuição do bacharel Bernardo Pereira de Vasconcelos. In M. C. Freitas, & M. Kuhlmann Jr. (Orgs.), Os intelectuais na história da infância (p. 245-265). São Paulo, SP: Cortez.
  • Fausto, B. (1984). Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo, SP: Brasiliense .
  • Fonseca, A. A. (2014). Uma história social de Uberaba.História Revista , 19(1), 197-235. Recuperado de: https://doi.org/10.5216/hr.v19i1.30523
    » https://doi.org/10.5216/hr.v19i1.30523
  • Freitas, M. C. (2005). Alunos rústicos, arcaicos e primitivos: o pensamento social no campo da educação São Paulo, SP: Cortez.
  • Freitas, M. C. (Org.). (2003). História social da infância no Brasil (5a ed. rev. e ampl.). São Paulo, SP: Cortez .
  • Gondra, J. G. (2004). Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial Rio de Janeiro, RJ: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • Isobe, R. M. R. (2008). Educação e civilização no sertão: práticas de constituição do modelo escolar no Triângulo Mineiro (1906-1920) (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
  • Karvat, E. C. (1996). Discursos e práticas de controle: falas e olhares sobre a mendicidade e a vadiagem (Curitiba: 1890-1933) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
  • Kuhlmann Jr., M. (1998). Infância e educação infantil: uma abordagem histórica Porto Alegre, RS: Mediação.
  • Londoño, F. T. (1996). A origem do conceito menor. In M. Del Priore (Org.), História da criança no Brasil (4a ed., p.129-145). São Paulo, SP: Contexto .
  • Marcílio, M. L. (2006). História social da criança abandonada São Paulo, SP: Editora Hucitec.
  • Menores e vagabundos. (1911a, 26 de janeiro). Lavoura e Comércio n. 1.194, p. 1.
  • Menores e vagabundos. (1911b, 29 de janeiro). Lavoura e Comércio . n. 1.195, p. 1.
  • Menores e vagabundos. (1911c, 02 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.196, p. 1.
  • Menores e vagabundos. (1911d, 05 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.197, p. 1.
  • Menores e vagabundos. (1911e, 09 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.198, p. 1.
  • Menores e vagabundos. (1911f, 16 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.200, p. 1.
  • Menores e vagabundos. (1911g, 23 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.202, p. 1.
  • Menores e vagabundos. (1911h, 26 de fevereiro). Lavoura e Comércio . n. 1.203, p. 1.
  • Neder, G. (2012). Discurso jurídico e ordem burguesa no Brasil: criminalidade, justiça e constituição do mercado de trabalho (1890-1927) (2a ed.). Niterói, RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense.
  • Rizzini, I. (2006). Reflexões sobre pesquisa histórica com base em ideias e práticas sobre a assistência à infância no Brasil na passagem do século XIX para o XX. In Anais do 1º Congresso Internacional de Pedagogia Social São Paulo, SP. Recuperado de:http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092006000100019&lng=en&nrm=abn
    » http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092006000100019&lng=en&nrm=abn
  • Rizzini, I. (2011). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil (3a ed.). São Paulo, SP: Cortez .
  • Rizzini, I., & Pilotti, F. (Orgs). (2009). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil (2a ed.). São Paulo, SP: Cortez .
  • Schmidt, M. A. M. S. (1997). Infância: sol do mundo. A Primeira Conferência Nacional de Educação e a construção da infância brasileira (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
  • Schwarcz, L. M. (1993).O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930) São Paulo, SP: Companhia das Letras.
  • Souza, M. A. A. A., Ribeiro, B. O. L., & Araújo, J. C. S.(2019). Construções discursivas acerca da criança pobre na imprensa uberabense nas primeiras décadas do século XX. Revista de Educação Pública, 28(69), 719-740.
  • Teixeira, A., Salla, F. A., & Marinho, M. G. S. M. C. (2016). Vadiagem e prisões correcionais em São Paulo: mecanismos de controle no firmamento da República. Estudos Históricos, 29(58), 381-400. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S2178-14942016000200004.
    » https://doi.org/10.1590/S2178-14942016000200004
  • 1
    Serão utilizadas como equivalentes, ao longo do presente trabalho, as seguintes terminologias: Escola Positiva de Direito Penal, Escola Positiva, Nova Escola Penal, Criminologia Positiva e Antropologia Criminal.
  • 2
    O Jornal Lavoura e Comércio foi fundado em 1899 e encerrou as publicações em janeiro de 2004. No período delimitado por esta pesquisa o periódico apresentava-se como ‘Jornal independente, político, literário e noticioso’ e contava com diversos colaboradores e correspondentes dos municípios do Triângulo Mineiro e do Estado de Goiás.
  • 3
    A página de abertura era composta por cinco ou seis colunas, dependendo do teor da matéria e tratava geralmente de questões políticas locais, regionais e/ou nacionais bem como assuntos relacionados à ordenação do espaço urbano e reivindicação de melhorias como criação de escolas, estradas, policiamento e críticas às arrecadações de impostos do governo estadual.
  • 4
    A respeito da história social e política de Uberaba, confira, entre outros, Fonseca (2014Fonseca, A. A. (2014). Uma história social de Uberaba.História Revista , 19(1), 197-235. Recuperado de: https://doi.org/10.5216/hr.v19i1.30523
    https://doi.org/10.5216/hr.v19i1.30523...
    ).
  • 5
    Tais como diferentes versões do evolucionismo, do materialismo, das teorias raciais, higienismo, entre outras. A respeito, confira Schwarcz (1993Schwarcz, L. M. (1993).O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo, SP: Companhia das Letras. ).
  • 6
    A teoria postula a existência de ‘tipos atávicos’, ou seja, indivíduos que apresentavam características físicas e mentais primitivas do homem demonstrando ausência de sensibilidade moral (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.).
  • 7
    O louco moral representaria o indivíduo predisposto ao mal por um processo de degeneração congênita, orgânica e hereditária, que se manifestaria na infância e se intensificaria na vida adulta (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.).
  • 8
    Tais como mandíbula protuberante, face alargada, forte aparato muscular, orelhas mais volumosas de asa grandes ou muito pequenas ou pontiagudas, má formação no crânio, olhos oblíquos, fronte fugidia, zigomas salientes e volumosos, assimetria na face, cabelos espessos e escuros, distância entre o primeiro e segundo dedo das mãos, pé chato, corcunda, papo, entre outras características (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.).
  • 9
    Evidente no indivíduo instável e violento com ausência de remorso (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.).
  • 10
    A denominada Escola Clássica tem como precursores os teóricos iluministas, como Cesare Beccaria e Jeremy Bentham, no contexto de superação de um sistema penal punitivo calcado no suplício do corpo para consolidação de um sistema baseado na pena enquanto retribuição moral e no livre arbítrio como fundamento do direito de punir.
  • 11
    Na Escola Positiva, o conceito de defesa social é o fundamento do direito de punir estatal. Desta forma, a sanção penal e a prevenção da criminalidade são vistas como meios de defesa da sociedade contra o delinquente, os quais devem prevalecer ainda que em detrimento dos direitos individuais.
  • 12
    Clóvis Beviláqua, José Higino, Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, Raimundo Pontes de Miranda, Viveiros de Castro, Aurelino Leal, Cândido Mota, Moniz Sodré de Aragão, Evaristo de Moraes, José Tavares Bastos, Esmeraldino Bandeira, Lemos Brito, entre outros, publicaram artigos e livros nos quais discutiam as ideias advindas da nova doutrina jurídica (Alvarez, 2002Alvarez, M. C. A. (2002). Criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Dados Revista de Ciências Sociais, 45(4), 677-704.).
  • 13
    Chalhoub (1986Chalhoub, S. (1986). Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores do Rio de Janeiro na Belle Epoque. São Paulo, SP: Brasiliense., p. 22) ressalta a indefinição entre as classes pobres e as ‘classes perigosas’ nos discursos de época: “[...] os pobres carregavam vícios, os vícios produzem os malfeitores, os malfeitores são perigosos à sociedade; juntando os extremos da cadeia, temos a noção de que os pobres são, por definição, perigosos”.
  • 14
    Conceito proposto por Garofalo para definir a perversidade constante do delinquente e a quantidade do mal previsto que se deveria temer por parte do mesmo (Dias, 2015Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.).
  • 15
    A publicação do jornal era feita às quintas-feiras e aos domingos, de modo que essa série de artigos foi apresentada de forma sequencial. Das dez edições publicadas nesse período, apenas duas abordam temática diferente, uma delas referindo-se à comemoração do centenário de Uberaba e a outra apoiando a instalação de uma fábrica de tecidos na cidade. Os oito artigos foram publicados nas seguintes edições e datas: n. 1194 em 26/01/1911a, n. 1195 em 29/01/1911b, n. 1196 em 02/02/1911c, n. 1197 em 05/02/1911d, n. 1198 em 09/02/1911e, n. 1200 em 16/02/1911f, n. 1202 em 23/02/1911g e n. 1203 em 26/02/1911h.
  • 16
    Na medida em que as temáticas analisadas são apresentadas e discutidas pelo redator ao longo dos oito artigos, publicados sequencialmente no periódico, sempre na página 01, optou-se por colocar apenas a referência do número da edição ao final do conjunto de citações apresentadas em cada parágrafo, para facilitação da leitura. Da mesma forma, optou-se pela atualização da grafia.
  • 17
    Lombroso publicou em 1895 juntamente com Guglielmo Ferrero a obra La donna delinquente, na qual analisam as características comuns entre as mulheres criminosas, ressaltando a amoralidade que implicava na delinquência e na prostituição.
  • 18
    O jurista Viveiros de Castro indica Quetelet como um dos antecessores do pensamento positivista italiano. Contudo, confere a Lombroso o mérito de organizar as ideias esparsas daqueles pensadores para criar efetivamente a antropologia criminal (Dias, 2019Dias, R. F. (2015). Pensamento criminológico na Primeira República: o Brasil em defesa da sociedade (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.).
  • 19
    A respeito do Instituto João Pinheiro, confira o estudo de Faria Filho (2001Faria Filho, L. M., & Sales, Z. E. S. (2002). Escolarização da infância brasileira: a contribuição do bacharel Bernardo Pereira de Vasconcelos. In M. C. Freitas, & M. Kuhlmann Jr. (Orgs.), Os intelectuais na história da infância (p. 245-265). São Paulo, SP: Cortez.).
  • Rodadas de avaliação:

    R1: dois convites; duas avaliações recebidas.
  • 24
    Como citar este artigo: Isobe, R. M. R., & Ribeiro, B. O. L. ‘Menores e vagabundos’: o discurso jurídico sobre infância e educação na imprensa periódica nos primórdios da República. (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e196 Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Editado por

Editor-associado responsável: Cláudia Engler Cury (UFPB) E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-2540-2949

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2021
  • Aceito
    24 Set 2021
  • Publicado
    09 Dez 2021
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: rbhe.sbhe@gmail.com