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O uso da cultura popular brasileira como conteúdo de ensino da Educação Física escolar (1930-1960)

The use of Brazilian popular culture as teaching content in school Physical Education (1930-1960)

El uso de la cultura popular brasileña como contenido didáctico en la Educación Física escolar (1930-1960)

Resumo:

Este artigo objetiva investigar o modo como o Método Francês de Educação Física, originado na França, esteve sujeito a apropriações nas experiências de escolarização da Educação Física no Brasil. Dialoga com os pressupostos da História Cultural e da Micro-História para perceber o uso de um modelo estrangeiro na cotidianidade das práticas, operando com fontes históricas das escolas de Educação Física criadas nos anos de 1930. Conclui que houve uma aclimatização do Método Francês à cultura receptora, aproximando os exercícios físicos dos hábitos culturais da população brasileira. Para isso, fez-se uso da cultura popular, que conviveu pacificamente com a metodologia científica do método estrangeiro, ao mesmo tempo que foi utilizada como expressão de uma nacionalidade.

Palavras-chave:
cultura popular; educação física; método francês

Abstract:

This article aims to study the way in which the French Method of Physical Education originated in France has been subjected to several appropriations in schooling experiences in Physical Education in Brazil. It dialogues with the assumptions of Cultural History and Micro-history to figure out the use of a foreign model in daily practices, operating with historical sources from Physical Education schools created in the 1930s. It concludes that was an acclimatization of the French Method to the recipient culture, bringing physical exercises closer to the cultural habits of Brazilian’s people. Therefore, it uses the popular culture, which has coexisted pacifically with the foreign scientific methodology, while used as a nationality’s expression.

Keywords:
popular culture; physical education; french method

Resumen:

Este artículo tiene el objetivo de investigar cómo el Método Francés de Educación Física originario en Francia estuve sujeto a apropiaciones en las experiencias de escolarización de Educación Física en Brasil. Dialoga con los supuestos de la Historia Cultural y de la Microhistoria para percibir el uso de un modelo extranjero en las prácticas cotidianas, operando con fuentes históricas de las escuelas de Educación Física creadas en la década de 1930. Concluye que hubo una aclimatación del Método Francés a la cultura receptora, aproximando los ejercicios físicos a las costumbres culturales de la población brasileña. Por ende, usa la cultura popular, que ha coexistido pacíficamente con la metodología científica extranjera, al mismo tiempo en que fue utilizada como una expresión de una nacionalidad.

Palabras clave:
cultura popular; educación física; método francés

Introdução

Intelectuais brasileiros, em períodos distintos, enfrentaram o desafio de definir uma cultura brasileira e uma identidade nacional. Para Ortiz (1985Ortiz, R. (1985). Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo, SP: Brasiliense. ), essa é uma questão que permaneceu perene entre os estudiosos e que, ainda hoje, mobiliza esforços no sentido de decifrá-la. No desejo de definir uma especificidade brasileira, historicamente, a Educação Física esteve inserida nessa discussão. Nesse sentido, este estudo analisa como cantigas, jogos, brincadeiras e narrativas folclóricas brasileiras foram apropriados pela disciplina Educação Física na escola, convivendo pacificamente com a cientificidade de um modelo estrangeiro de Educação Física, o Método Francês, para considerar as particularidades culturais e sociais brasileiras, a partir de 1930.

O pensamento da intelectualidade brasileira tem oscilado no que diz respeito à cultura do país. Como ponderou Ortiz (1985Ortiz, R. (1985). Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo, SP: Brasiliense. ), toda tentativa de fixar uma noção de cultura nacional encerra, sempre, uma dimensão política. Assim, em certos momentos, a cultura brasileira foi profundamente desvalorizada pela intelectualidade, para dar lugar à cultura europeia como modelo de modernidade a ser alcançada. Nessa perspectiva, os métodos ginásticos, desenvolvidos na Europa entre o século XIX e início do século XX por alguns países, a exemplo da Suécia, da Alemanha, da França e da Inglaterra, extrapolaram as fronteiras dos países de origem, encontrando fértil acolhida no Brasil (Soares & Moreno, 2015Soares, C. L., & Moreno, A. (2015). Práticas e prescrições sobre o corpo: a dimensão educativa dos métodos ginásticos europeus. Revista Brasileira de Ciências do Esporte , 37(2), 108-110. ).

A apropriação desses modelos representava o que havia de mais avançado sobre a nova maneira de conceber e educar o corpo, cultivá-lo e incorporar traços de modernidade, pois eles traziam uma abordagem ancorada em pesquisas científicas, principalmente da Anatomia e da Fisiologia. No que diz respeito à instituição escolar, desde meados do século XIX, um projeto médico-pedagógico foi implementado nas práticas escolares, pretendendo disciplinar o corpo, a inteligência e as vontades (Gondra, 2004Gondra, J. (2004). Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na corte imperial. Rio de Janeiro, RJ: Editora Uerj. ), através de exercícios sistematizados, lineares, regulados e repetitivos (Góis Júnior, 2015Góis Júnior, A. S. (2015). Physicamente vigorosos: medicalização escolar e modelação dos corpos na Paraíba (1913-1942) (Tese de Doutorado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. ). Nesse projeto civilizatório, tentou-se eliminar uma imagem negativa do brasileiro - mestiço, doentio e sem vigor para o trabalho -, realizando-se uma revolução dos costumes, afastando-os de seus hábitos de origem e implantando maneiras consideradas civilizadas (Vago, 2000Vago, T. M. (2000). Cultura escolar, cultivo de corpos: educação physica e gymnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino público primário de Belo Horizonte (1906-1920). Educar em Revista, 16, 121-135. ).

Beneficiado por um apoio político e científico, o Método Sueco1 1 Esse modelo gímnico foi sistematizado, inicialmente, por Per Henrik Ling no fim do século XVIII na Suécia e continuou a ser aperfeiçoado pelos seus sucessores e adeptos. foi acolhido no Brasil desde meados do século XIX e adentrou os espaços escolares em que a retidão, a racionalidade e a simetria eram tão caras naquele contexto, para, conforme Moreno (2015Moreno, A. (2015). A propósito de Ling, da ginástica sueca e da circulação de impressos em língua portuguesa. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 37(2), 128-135.), impregnar na população brasileira outras sensibilidades. Mas, conforme a própria autora, mesmo que a ginástica sueca estivesse presente em terras brasileiras nos discursos de políticos e intelectuais, ela não impactava o homem comum, pois não o acolhia. Um dos motivos era que os alunos eram obrigados a utilizar os seus corpos no modo abstrato, analítico e descontextualizado. A população brasileira estava mais afeita aos divertimentos e às práticas espontâneas e menos às racionalidades e à retidão a que esse modelo convidava.

As práticas sociais de atividade física da população brasileira eram diversas e heterogêneas e não retratavam uma cultura monolítica. Elas abrangiam um conjunto díspar de jogos, atividades recreativas e folclóricas que compunham elementos da cultura popular os quais, simultaneamente, testemunhavam “[...] a atividade, rupturas e sobrevivências das tradições” (Ginzburg, 1989Ginzburg, C. (1989). Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In C. Ginzburg, (Org.), Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história (p. 143-179). São Paulo, SP: Companhia das Letras . , p. 42) com a Modernidade. Assim, uma distância cultural era estabelecida, uma vez que a ginástica sueca ignorava o habitus particular da população, separando os sujeitos escolarizados da sua cultura de origem, além de haver um debate se a sua metodologia de ensino era condizente com as particularidades infantis (Góis Júnior, 2015Góis Júnior, A. S. (2015). Physicamente vigorosos: medicalização escolar e modelação dos corpos na Paraíba (1913-1942) (Tese de Doutorado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. ).

Foi na década de 1920 que uma nova visão cultural e social do Brasil começou a ser reformulada. O país passou a ser visto como uma civilização tropical de características únicas, em virtude da sua mestiçagem. Para Freyre (1976Freyre, G. (1976). Manifesto regionalista. Recife, PE: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. ), a mistura racial e a sua diversidade cultural não deveriam ser um problema, mas, sim, uma vantagem do Brasil diante dos demais países2 2 Se nos anos finais do século XIX a mestiçagem parecia atestar a falência da Nação, Gilberto Freyre posicionou-se favorável à tropicalidade e ao caráter mestiço da população brasileira, glorificando esse povo que, no seu entender, foi responsável pela formação de uma sociedade e de uma cultura. Para isso, empreendeu um esforço em abandonar a aplicação mecânica de modelos externos e procurou entender esse país sob o signo da sua diferença. . Movimentos como a criação do Partido Comunista do Brasil, a revolta tenentista e a Semana de Arte Moderna contribuíram para a atualização artístico-cultural de uma sociedade que, por muito tempo, foi compreendida como a problemática da nacionalidade (Oliven, 2001Oliven, R. G. (2001). Cultura e modernidade no Brasil. São Paulo em Perspectiva, 15 (2), 3-12. ). Ocorreu, então, uma ênfase na elaboração de uma cultura nacional e a necessidade de abrasileirar o Brasil, buscando valorizar o que havia de mais autêntico no país, a sua cultura.

Juntamente com uma renovação cultural, a pedagogia, que havia se caracterizado pelo cientificismo e que voltava a sua preocupação para a “[...] ortopedia como arte de correção da deformação” (Carvalho, 1997Carvalho, M. M. C. (1997). Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In M. C. Freitas (Org.), História social da infância no Brasil (p. 269-287). São Paulo, SP: Cortez. , p. 398), apresentava sinais dos limites do fazer pedagógico. O movimento da Escola Nova entrou em cena, redefinindo os saberes e os objetivos, imprimindo uma aposta otimista na natureza infantil e na sua educabilidade, “[...] antídoto para os males do país, condensados em representações das populações brasileiras como indolentes e doentias” (Carvalho, 1997Carvalho, M. M. C. (1997). Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In M. C. Freitas (Org.), História social da infância no Brasil (p. 269-287). São Paulo, SP: Cortez. , p. 412). A partir desse momento, mais importante do que ‘corrigir’ e ‘endireitar’, a Educação Física deveria proporcionar às crianças uma atitude corporal eficiente, o que significava produzir também uma nova sensibilidade corporal, ao mesmo tempo que a infância era protegida e educada, pois era a responsável pelo progresso da Nação.

Nesse contexto, a disciplina Educação Física abriu espaço para outras sistematizações. A partir de 1930, o desejo era de se criar um método que fosse nacional, adaptado às características e ao temperamento do brasileiro. Enquanto esse movimento não acontecia, no ambiente escolar, o Método Sueco passou a ser substituído por outro método estrangeiro, o Método Francês. Sistematizado na França nos anos de 1920 pela École de Joinville-le-Pont, incluiu, em sua metodologia eclética de ensino, todas as formas de exercícios físicos, com destaque para as brincadeiras, os jogos e os esportes (Bruschi, Eller, & Schneider, 2020Bruschi, M., Eller, M. L., & Schneider, O. (2020). A criação do método francês: as disputas em torno de um objeto de ensino da educação física. Educação em Revista, 36, 1-21.)3 3 Inicialmente, experiências de formação foram realizadas com o Método Francês no Exército brasileiro, a partir da contratação da Missão Militar Francesa em 1919. O ensino da Educação Física foi apresentado dentre as séries de instruções ministradas para a modernização e reorganização do nosso Exército, que contou com a vinda de oficiais formados pela École de Joinville-le-Pont. .

Para os defensores do Método Francês4 4 Apesar da adoção do Método Francês, os demais métodos não chegaram a ser suprimidos ou anulados por completo, mas continuaram circulando no Brasil no cotidiano das práticas a partir de seus defensores. , esse modelo representava aquele com maiores probabilidades de adaptação à população brasileira: “Não sendo, pois, um regulamento nacional, a sua aplicação irá encontrar certas dificuldades que a Escola de Educação Física do Exército [...] irá remover, [...] fazendo a sua adaptação ao elemento nacional” (Estado Maior do Exército, 1934Estado Maior do Exército. (1934). Regulamento de educação física: primeira parte. Rio de Janeiro, RJ: Biblioteca da “A Defesa Nacional ”. , p. 5). No trecho citado, destaca-se uma dinâmica de interpretação que caracteriza a inserção de aspectos culturais com o propósito de constituí-los em novas formas de serem concebidos.

Na nova forma de interpretar, as condições brasileiras possibilitavam, e até mesmo exigiam, outros modos de apropriações de práticas de exercícios, diferentes daqueles que chegavam da França. Nas contestações que passaram a ocorrer no Brasil favoráveis à cultura e à identidade brasileira, a apropriação se caracterizaria por saber ingerir e digerir criativamente o que vinha de fora5 5 Oswald de Andrade, ao publicar o Manifesto antropofágico em 1928, trouxe a ideia de ‘destruir’ pela deglutição elementos da cultura externa, mas, ao mesmo tempo, assegurando a sua manutenção em nossa realidade, através de um processo de absorção e alteração de certos elementos da cultura importada (Andrade, 1978). , preservando, paralelamente, não somente a tradição cultural nacional mas também as culturas regionais. Um novo olhar pôde ser lançado para as práticas culturais que aqui circulavam na medida em que o Método Francês esteve sujeito às experiências de escolarização no Brasil, para se aproximar das nossas peculiaridades. Dessa forma, o contexto deste artigo demonstra como a cultura popular brasileira adentrou os espaços escolares, tornando-se proposição didático-pedagógica nas aulas de Educação Física, mesmo que forjada por um método estrangeiro.

Referencial teórico e metodológico

Até pouco tempo, Julia (2001Julia, D. (2001). A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, (1), 9-43.) problematizava que a história da educação focalizava, em suas linhas gerais, uma história política e educacional. Sob essa perspectiva, uma compreensão sobre a presença do Método Francês foi lapidada no Brasil, compreendendo-o como um método com espírito e tendências militares no meio escolar (Goellner, 1992Goellner, S. V. (1992). O método francês e a educação física no Brasil: da caserna à escola (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. )6 6 No momento da criação do Método Francês, os dirigentes responsáveis pela sua elaboração separaram a Educação Física militar da Educação Física civil, pois compreendiam se tratar de assuntos distintos e que careciam de investimentos próprios para cada especificidade (Terret & Saint-Martin, 2015). . Recentemente, entretanto, novos olhares historiográficos começaram a se dirigir para os processos de ensino das disciplinas escolares e para as práticas do cotidiano, permitindo-nos observar as operações que foram realizadas com o Método Francês nas escolas brasileiras.

Apropriamo-nos das contribuições de Chervel (1990Chervel, A. (1990). História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, (2), 177-229. ), que parte do pressuposto de que a escola é mais um espaço de criação do que de reprodução de valores, e que as disciplinas escolares possuem uma autonomia, gerando um conhecimento pedagógico próprio para possibilitar a transmissão de saberes, produzindo uma ‘cultura escolar’7 7 Julia (2001, p. 10) define cultura escolar como “[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas”. . Assim, a preocupação está em produzir uma escrita histórica comprometida com a circulação de objetos culturais - nesse caso, o Método Francês de Educação Física e a cultura popular brasileira - nas relações com a ‘cultura escolar’ e as representações construídas pelos sujeitos nos ‘tempos e espaços’ escolares brasileiros.

Na história das disciplinas escolares e da ‘cultura escolar’, uma filiação teórica e metodológica é realizada com a História Cultural. Portanto, Certeau (1994Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes. ) e Chartier (2002Chartier, R. (2002). A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa, PT: Difel.) oferecem ferramentas teóricas para compreendermos as ‘apropriações’ e os ‘consumos culturais’ a partir das experiências de escolarização que foram realizadas com o Método Francês no Brasil. Assumimos, então, a difícil arte de fazer a história das práticas, que reinventa os usos dos bens culturais, “[...] modificando-[os] sem deixá-l[os]” (Certeau, 1994Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes. , p. 88). Assim, esses bens produzidos não podiam ser concebidos como ‘dados’, mas como um ‘repertório’ a compor o léxico das práticas sociais.

Para os autores, o cotidiano revela-se na maneira de se utilizar os sistemas impostos. Por essa razão, opera com os bens culturais distribuídos, dando vez à apropriação e à bricolagem que subvertem os dispositivos inscritos nos objetos. Entendemos, então, que “[...] não se pode ler diretamente a alteridade cultural na especificidade profusa dos objetos a ela destinados, mas sim no uso que se faz deles” (Chartier & Hébrard, 1998Chartier, A. M., & Hébrard, J. (1998). A invenção do cotidiano: uma leitura, usos. Projeto História, (17), 29-41., p. 30). Ao se valer dessa perspectiva, também se projeta contribuir para a História da Educação Física, desnaturalizando ‘verdades’ cristalizadas em relação ao Método Francês.

Para isso, o estudo objetiva compreender o modo como o Método Francês esteve sujeito à acomodação e aclimatização da cultura receptora, ou seja, da ‘cultura escolar’ e da realidade sociocultural brasileira, estando submetido a apropriações diversas pelos atores sociais que operavam com esse modelo em suas práticas cotidianas, efetuando “[...] pluralidade e criatividade” (Certeau, 1994Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes. , p. 92).

Para entender como estavam ocorrendo esses deslocamentos, recorremos aos documentos históricos das primeiras escolas de Educação Física criadas durante a década de 1930. A presença dessa disciplina tornava-se realidade a partir de uma série de reformas educacionais que garantiam o seu ensino no projeto de escolarização, sendo necessária a formação de professores especializados em ministrá-la. Suas aberturas sucederam-se nos seguintes estados: Espírito Santo (1931), Pará (1933), Minas Gerais (1933), São Paulo (1934), Santa Catarina (1938), Piauí (1939), Paraná (1939), Rio de Janeiro (1939), Pernambuco (1940) e Rio Grande do Sul (1940)8 8 Apontamentos históricos realizados por Marinho (1954) indicam que, na Paraíba e na Bahia, também haviam sido criadas escolas de Educação Física, no ano de 1935 e de 1937, respectivamente. Entretanto, nenhum vestígio documental sobre a eventual existência dessas instituições foi localizado. . Conforme análise realizada por Bruschi (2019Bruschi, M. (2019). Entre a França e o Brasil: criação, circulação e apropriações do Método Francês de Educação Física (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. ), o Método Francês se fez presente no currículo das escolas, norteando a formação dos professores.

Em consultas a Arquivos Públicos e Bibliotecas Públicas Estaduais, e em Centros de Memória da Educação Física e Esporte mantidos por Universidades Federais9 9 Os centros de Memória da Educação Física e Esporte começaram a ser sistematizados na década de 1990, em meio a um movimento de renovação historiográfica, e voltaram as suas ações para a produção, recuperação e preservação de fontes históricas. O acervo também tem possibilitado a utilização desses espaços para ensino, pesquisa e extensão (Macedo & Goellner, 2019). , acessamos relatórios de ensino, dossiês de alunos, grade curricular, livros, manuais e periódicos, recortes de jornais, dentre outros documentos avulsos que compunham os acervos históricos dessas instituições, percebendo como eram orientadas a formação e a atuação dos professores de Educação Física10 10 As fontes históricas foram recolhidas durante o desenvolvimento do projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob o nº do Processo 445012/2015-3. . A análise das fontes inicia-se a partir de 1931, momento de criação da primeira escola civil de Educação Física no país, abrangendo até 1960, quando novas representações começaram a se fazer presentes na área, referentes aos avanços nas pesquisas científicas voltadas para as Ciências dos Esportes.

Juntamente com a História Cultural, para operar a análise das fontes, nos aproximamos da perspectiva historiográfica que utiliza a metodologia da redução da escala de análise histórica. Essa metodologia prioriza os pormenores, negligencia, em um primeiro momento, o contexto global geral e cobra uma maior atenção às definições territoriais e temporais no campo de uma história do cultural, atenta às redefinições que estão ocorrendo com os elementos culturais.

Com a utilização da redução da escala microscópica, os dados marginais nos documentos são considerados reveladores, pois nos possibilitam perceber os momentos em que as características originais do Método Francês se distendem “[...] para dar lugar a traços puramente individuais que lhe escapam sem que ele se dê conta” (Ginzburg, 1989Ginzburg, C. (1989). Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In C. Ginzburg, (Org.), Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história (p. 143-179). São Paulo, SP: Companhia das Letras . , p. 150). Esse olhar para as fontes possibilita reconhecer que há uma circularidade entre dois níveis de cultura: uma proveniente de uma cultura dita oficial, e a outra considerada popular e que se opera nas práticas ordinárias do cotidiano, ocorrendo ‘deterioração’ e ‘deformação’ que resultam em novas construções culturais e aculturações (Ginzburg, 2002Ginzburg, C. (2002). O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ).

A criação das escolas de Educação Física e as implicações com uma política nacional

Iniciativas de ordem particular ocorriam no Brasil na década de 1920, oferecendo uma especialização a técnicos e professores interessados em ministrar o ensino da Educação Física escolar e não escolar (Linhales, 2009Linhales, M. A. (2009). A escola e o esporte: uma história de práticas culturais. São Paulo, SP: Cortez . ). Todavia, ações dessa ordem eram cada vez mais urgentes à medida que a Educação Física era apresentada como uma disciplina que deveria se tornar obrigatória e integrada nos currículos escolares.

Em um anteprojeto de lei emitido em 1929, medidas foram previstas pretendendo uma regulamentação da Educação Física em nível nacional, obrigatória em todos os estabelecimentos de ensino federais, estaduais, municipais e particulares (Anteprojeto de lei..., 1929Anteprojeto de lei submetido ao estudo da Comissão de Educação Physica pelo general Nestor Passos, Ministro da Guerra. (1929). A Defesa Nacional, 17(191), 132-135. ). Para o alcance das finalidades, o projeto previa a formação de professores e a escolha de um método de ensino.

Conforme o artigo ‘Pela formação eugênica da raça brasileira’ (1929Pela formação eugênica da raça brasileira. (1929). O Paiz, 46(16.316), 7-7. , p. 1), não assinado, publicado pelo jornal O Paiz, no Rio de Janeiro, um dos pontos primordiais que deveria ser priorizado nessa campanha era “[...] o aproveitamento dos valiosos serviços dos professores primários municipais que poderão especializar-se em educação physica”. Com a instauração de um governo mais centralizado a partir de 1930, alguns estados brasileiros aderiram aos esforços do Governo Federal que, “[...] patrioticamente, [foi] secundado pelas administrações estaduais, no sentido de amparar a infância brasileira para mais tarde torná-la digna da Pátria” (Araújo, 1943Araújo, A. Q. (1943). Diretoria de Educação Física Escolar: discurso do professor Aloyr Queiroz, diretor do Serviço Técnico. Revista de Educação, 5, 5-8., p. 6).

Escolas de Educação Física iniciaram suas atividades na oferta de uma formação em Educação Física a partir de 1931, em alguns estados brasileiros. Como requisito obrigatório para inscrição, os interessados já deveriam ser diplomados como professores pelas escolas normais, realizando uma especialização nessa disciplina. Indícios documentais também inferem que o Método Francês foi adotado como o modelo oficial, norteando a formação dos professores. Havia, inclusive, uma fiscalização por parte do governo federal para que as instituições seguissem as recomendações enviadas e o método adotado. Para isso, algumas ações foram realizadas, como o envio de relatórios semestrais e anuais das atividades desenvolvidas para a Divisão de Educação Física, órgão integrado no Departamento Nacional de Educação, responsável por coordenar as atividades sobre a Educação Física em todo o território nacional.

Também podemos nos perguntar sobre as relações existentes entre a criação das escolas de Educação Física e um contexto nacional marcado por imposições de obrigatoriedade legal. Legislações instituídas em âmbito nacional, como a Reforma Francisco Campos, em 1931, que induziu a obrigatoriedade da prática de exercícios físicos no ensino secundário; a Constituição Federal de 1937, que tornou a Educação Física obrigatória nas escolas primárias, normais e secundárias; e a Reforma Capanema, promulgada pela Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942, que reafirmou a obrigatoriedade da Educação Física, de frequência obrigatória, faziam com que essa disciplina escolar adquirisse centralidade na dinâmica educacional. Tais instituições, ao que parece, foram criadas pelos estados para atender às diretivas inscritas nas leis e obrigavam a Educação Física a ser apresentada entre os saberes escolares, compondo parte do projeto de escolarização.

No processo de esmiuçar as fontes, procuramos ter a compreensão mais íntima possível de como se desmembraram as ações de um projeto que foi proposto à formação especializada. Assim, localizar as rotinas pedagógicas que orientavam essa formação exigiu uma relação constante dos debates educacionais mais amplos que atravessavam o campo da Educação Física no cenário nacional.

A busca, nesse sentido, deu-se na direção de compreender os contornos que uma doutrina nacional assumiu no pensamento educacional. Nesse contexto, entre as discussões pedagógicas em voga, a definição de um ‘método’ de Educação Física que mais se adaptasse ao contexto brasileiro se destacava.

Nesse âmbito, os professores de Educação Física tinham a missão de educar de acordo com a política de nacionalização, desenvolvendo o sentimento de brasilidade e a integridade física e moral em seus alunos. O patriotismo inseriu-se como um elemento a ser explorado nos anos de 1930, na política de Getúlio Vargas (Corrêa, 2009Corrêa, D. A. (2009). Os governos de Getúlio Vargas (1930-1954) e a educação física escolar no Estado de São Paulo: lembranças de velhos professores (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. ), participando a Educação Física desse processo, não apenas formando corpos vigorosos mas também introduzindo o sentimento de patriotismo, a fim de tornar o brasileiro capaz de tomar iniciativas das quais dependesse o seu país. O nacionalismo deveria se multiplicar nas escolas, já que as crianças educadas dentro desse parâmetro seriam a nova força motriz da qual adviria o progresso, e deveriam reconhecer a grandeza social dessa tarefa para o Brasil. É possível identificar esses elementos em fala proferida por Arthur Pires dos Reis, em Belém:

Procura agora os meios de decidir os jovens brasileiros a povoar nossas colônias, a disseminar a instrucção, a lançar-se nas indústrias, no comércio, na agricultura, nos métiers manuais [...]. Porém, a tarefa é difícil. Porque lhes falta o fator principal, a energia. E a energia não se adquire senão com uma rigorosa educação physica (Reis, 1934Reis, A. P. (1934). Cultura physica, fonte de saúde, vigor e beleza esthetica. Folha do Norte, 3-3., p. 3).

Como parte da política de nacionalização, esse período representou uma aceitação da mestiçagem como um traço essencial da formação histórica e cultural do país. Diante dessa valorização, a educação deveria condenar o que ‘vinha de fora’ sem que houvesse um reajuste à nossa realidade, privilegiando tradições culturais brasileiras, depósito da essência nacional. Por isso, nos anos de 1930, pretendeu-se nacionalizar as levas de imigrantes que seguiam tradições de seus países de origem, introduzindo o sentimento de pertencimento a uma nova pátria:

Temos municípios [do Estado do Espírito Santo], especialmente os de Santa Leopoldina, Santa Isabel e Santa Teresa, onde as escolas estrangeiras, quase tôdas dirigidas por alemães, causam mais dano que os piores males reunidos. O seu corpo docente é alemão; os seus livros e cadernos de exercícios escolares tratam de assuntos estranhos ao nosso meio; a decoração de suas paredes de aula são todos calcados em motivos alemãs: nada ali se vê de brasileiro [...]. Percorrem-se essas escolas e se não encontrará uma bandeira nacional, um quadro de brasileiro notável, nem motivos nacionais que recordem a infância que ali se educa, que ela se prepara para viver no Brasil e colaborar com os brasileiros na luta pela vida (Oliveira, 1951Oliveira, J. T. (1951). História do estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro, RJ: Editora., p. 418-419).

O isolamento cultural, político e até comunitário das comunidades de imigrantes ocasionava uma multiplicidade cultural, idiomática e de identidade pátria variável, tornando-se o maior desafio na constituição de uma identidade brasileira. Para fazer prosperar uma política nacionalista, o governo federal emitia mensagens de ‘unidade’ e ‘disciplina’ que atuavam de forma coerciva, visando à assimilação cultural.

As festividades cívicas e o canto orfeônico, mas também a Educação Física, faziam parte das estratégias nacionalistas de construir o abrasileiramento integral pela educação da juventude, como visualizamos na Figura 1. Buscava-se despertar nos alunos um sentimento nacionalista, pois “Os que aqui nasceram, não nasceram para servir a outras pátrias, nem para cultivar outras tradições, nem para alimentar outros sentimentos [...]” (Ramos, 1939Ramos, N. (1939). A obra nacionalizadora do Estado Novo: educação física. Florianópolis, SC: Imprensa Oficial do Estado. , p. 8). Tentava-se minimizar, ou mesmo anular, sentimentos de desagregação pela ligação emocional, cultural ou de qualquer outra ordem com a nação de origem (Schwartzman, Bomeny, & Costa, 2000Schwartzman, S., Bomeny, H. M. B., & Costa, V. M. R. (2000). Tempos de Capanema. São Paulo, SP: Edusp. ).

Figura 1
Demonstrações de Educação Física pelas professoras em especialização da Escola de Educação Física e da Escola Normal do Piauí, nos aspectos festivos em comemoração ao Dia da Árvore

Por essas razões, definir um método de Educação Física no Brasil parecia ir muito além do que uma simples escolha desta ou daquela forma de ensinar. Decidir por uma metodologia era assumir uma identidade cultural. Em um movimento constante de negociações e renegociações, os debates nacionais giravam em torno dessa problemática, apropriando-se das discussões que coexistiam na área nesse período. Defendia-se a construção de um método que fosse genuinamente brasileiro, um Método Nacional de Educação Física, que carregasse, em sua especificidade, características do nosso povo, assim como dos seus aspectos culturais.

Nessa negociação, enquanto a criação de um método nacional não acontecia, o discurso autorizado sobre o ‘método oficial’ de Educação Física, que permaneceu no país até a década de 1960, assumiu o Método Francês como o ideal, o moderno, aquele que mais se adaptaria às características e necessidades do nosso povo. Adotá-lo significava negar qualquer afinidade com os demais modelos estrangeiros que também circulavam no Brasil, mesmo que, em muitos aspectos, deles se nutrisse11 11 A criação do Método Francês começa a ser pensada em 1918 no seio da École de Joinville-le-Pont. Os responsáveis pela sua sistematização produziram um método julgado eclético. Apropriaram-se do que consideravam como as melhores teses e elementos em circulação sobre a Educação Física - Método Sueco, Método Natural de Georges Hébert, Método de Georges Demeny e os esportes ingleses -, conciliando-os com vistas à obtenção de um sistema vasto (Terret & Saint-Martin, 2015). .

Entretanto, questionamentos foram realizados quanto ao seu uso, o que significa dizer que a sua transferência cultural em terras brasileiras se deu em um processo histórico complexo. As contradições recaíam, justamente, por ser um modelo estrangeiro, produzido para sanar as lacunas da formação de cidadãos de um país com aspectos sociais, culturais e econômicos distintos dos nossos. Mesmo adotando oficialmente o Método Francês na orientação da Educação Física, o diretor de Educação Física de Pernambuco não deixou de se manifestar sobre esse assunto:

Com respeito à escolha do método de Educação Física a ser adotado no nosso meio, penso ser este um assunto que, apesar de grande interesse e de importância capital, não podemos discuti-lo no momento, pois o Regulamento Francês está hoje em dia quase que posto em prática em todo o currículo escolar do território nacional. É um método verdadeiramente científico e cuja psicologia racial mais se aproxima da nossa, sendo ao meu ver grande pretensão se quisermos, agora, organizar um método nacional de Educação Física, pois uma obra desta natureza, para ser duradoura, precisa ter alicerces profundos, ser calcada no estudo étnico da nossa raça e dos seus tipos constitucionais, devendo-se ainda levar em consideração as variações regionais (Bastos, 1940Bastos, B. (1940b). Plano para a reorganização da educação física escolar. In B. Bastos (Org.), Plano para a reorganização do serviço de educação física escolar (p. 13-19). Recife, PE: Diretoria de Educação Física Escolar .b, p. 18).

Por ser um método estrangeiro implementado no Brasil, fazia-se necessária, primeiramente, a “[...] sua adaptação às diversas regiões do Brasil” (Relatório 2º trimestre..., 1944Relatório 2º trimestre 1944. (1944). Curitiba, PR: Centro de Memória do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná., p. 44). Dentre as disciplinas em comum presentes nas escolas de Educação Física, em ‘Metodologia do ensino da educação física’, estudavam-se as condições climáticas, econômicas e sociais das quatro regiões brasileiras. O ensino do Método Francês poderia sofrer modificações para se adequar às situações climatéricas, sociais e materiais de um país de dimensão territorial tão extenso e de uma diversidade de povos e de culturas.

Para dar sentido às práticas realizadas no Brasil e envolvidos pelos ares estadonovistas da Campanha de Nacionalização que atravessava o país, até que fosse criado o método brasileiro, aspectos lúdicos das manifestações socioculturais populares brasileiras começaram a ser introduzidos no ‘fazer com’ a Educação Física pelo Método Francês. Acreditava-se na eficiência científica do método, mas o esforço era em adaptá-lo à realidade e às características brasileiras: “[...] às variações climatéricas da região, à constituição étnica do povo, às condições mesológicas do país e aos fundamentos políticos da nação” (Loyola, 1940Loyola, H. (1940b). Para um método nacional. Educação Physica, (39), 12-13.b, p. 9).

Identificamos o que Certeau (1994Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes. ) denominou de operações de emprego, ou reemprego. A introdução de um novo projeto cultural no Brasil esteve sujeita à aculturação, a deslocamentos que substituíssem as maneiras de transitar pela identificação com o lugar. A ideia era organizar um ensino da Educação Física que carregasse uma identidade cultural brasileira, “[...] cujos filhos são resultados do caldeamento de raças diversas” (Bastos, 1940Bastos, B. (1940a). O problema fundamental da nação. In B. Bastos (Org.), Plano para a reorganização do serviço de educação física escolar (p. 7-8). Recife, PE: Diretoria de Educação Física Escolar.a, p. 8).

O projeto que se operou na Educação Física, a partir dos anos 1930, não foi apenas a importação de modelos. As práticas de apropriações sugerem que poderíamos nos apropriar de métodos de Educação Física de outros países, adaptando-os às nossas necessidades. Essa forma de consumo da cultura do outro nos sugere aquilo que Chartier (2002Chartier, R. (2002). A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa, PT: Difel.) chama de apropriação: a maneira como cada civilização, em cada época, forja ou utiliza determinada representação, determinado objeto. Isso significa que o resultado do consumo pode produzir outros usos, outros objetos, novas práticas.

Essa experiência mostra que a cultura externa que se pretendia submeter ao brasileiro pelo imperativo político e cultural francês (Suppo, 1999Suppo, H. R. (1999). La politique culturelle française au Brésil entre les années 1920-1950 (Thèse de Doctorat). Université Sobornne Nouvelle, Paris. ) necessitou passar por modificações para se adaptar à realidade brasileira. É preciso postular que existe um espaço entre a norma e o vivido, entre o sentido visado e o sentido produzido, espaços em que, conforme Chartier (1995Chartier, R. (1995). Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. Revista Estudos Históricos, 8(16), 1-13., p. 4), “[...] podem insinuar-se reformulações e deturpações”.

A opção foi utilizar práticas provenientes da cultura brasileira, uma cultura miscigenada, dando a ‘nossa cara’ para o ensino da Educação Física. A preocupação em preservar nossas tradições estaria relacionada com o despertar da consciência de que elas eram parte integrante da nossa identidade e poderiam ser consideradas um fenômeno essencial de civilização (Caillois, 2007Caillois, R. (2007). Les jeux et les hommes. Paris, FR: Gallimard.). Houve um reconhecimento de que aquelas pessoas, outrora definidas como camadas inferiores dos povos civilizados, eram dotadas de cultura. Superou-se uma visão de mundo das classes subalternas, por vezes, consideradas “[...] um acúmulo desorgânico de fragmentos de ideias, crenças, visões de mundo elaborados pelas classes dominantes provavelmente vários séculos antes” (Ginzburg, 2002Ginzburg, C. (2002). O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , p. 16-17).

Aspectos de brasilidade nos usos do Método Francês

As posições favoráveis à introdução dos jogos culturais como conteúdo de ensino da Educação Física iniciaram-se no fim do século XIX na Europa. Passou-se a substituir uma ginástica de movimentos precisos, gestos rígidos e de tempo ordenado, a qual não despertava interesse por parte da população. Em virtude dos valores e dos códigos que são próprios das práticas culturais, por muito tempo, elas foram negligenciadas e deixadas à margem pelo paradigma científico da sociedade moderna. Entendia-se que a cultura popular produzia uma ‘dualidade do mundo’, configurando-se uma oposição à cultura oficial (Ginzburg, 2002Ginzburg, C. (2002). O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ; Bakhtin, 2013Bakhtin, M. (2013). A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo, SP: Hucitec. ).

A ginástica científica passou a ser questionada pelos novos críticos que emergiam a favor de uma humanização e de um projeto reformador da educação. De acordo com Thibault (1991Thibault, J. (1991). L’influence de mouvement sportif sur l’éducation physique dans l’enseignement secondaire français: étude historique et citique (1870-1970). Paris, FR : J. Vrin. ), as razões que inicialmente introduziram, de forma gradual, os jogos tradicionais na Educação Física partiram de questões essencialmente educacionais. Basearam-se em uma dupla tendência: a de intelectuais que acreditavam em uma Educação Física mais atraente, a partir dos interesses infantis, e a de higienistas, contrários ao excesso de trabalho intelectual e que preconizavam atividades ao ar livre.

No caso francês, para que os jogos fossem introduzidos no contexto escolar, foi necessário realizar uma mediação entre o ‘popular’ e o ‘científico’ para que as características próprias dos jogos populares, como a liberdade, a ausência de regras, a espontaneidade, que causaram, de início, receio quanto ao seu uso, fossem minimizadas. Para isso, o Método Francês travestiu-os de um conhecimento científico - biológico, fisiológico, didático e pedagógico -, dando-lhes uma nova roupagem para a sua utilização. Aconselhados para as crianças, “Os jogos constituem a forma de ginástica mais adequada às indicações da vida escolar; eles são adaptados às habilidades físicas da criança, bem como às suas necessidades morais. Eles são higiênicos e recreativos” (Ministère de la Guerre, 1928Ministère de la Guerre. (1928). Règlement général d’éducation physique: première partie. Paris, FR: Imprimerie Nationale. , p. 22, tradução nossa)12 12 “Les jeux constituent la forme de gymastique la mieux appropriée aux indications de la vie scolaire; ils sont adaptés aux aptitudes physiques de l’enfant aussi bien moraux. Ils sont à la fois hygiéniques et récréatifs”. .

Ao ser adotado no Brasil, o Método Francês garantiu o uso dos jogos no contexto escolar brasileiro, ao envolvê-los de um discurso sustentado cientificamente. Apoiada pelo escolanovismo, uma nova compreensão de criança também foi apresentada. Passou-se a compreender que “O jogo aparece na criança desde os primórdios, [pois] [...] os movimentos são atos hereditários” (Benezath, 1935Benezath, A. (1935). O valor dos jogos: ação do instrutor. Vitória, ES: Centro de Memória da Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. , p. 1). Tire-os por um instante e “[...] vemo-la angustiada como se lhes arrancasses a liberdade, a vida” (Fundão, 1932Fundão, L. V. (1932). Os jogos na educação física. Vitória, ES: Centro de Memória da Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo . , p. 3). Rapidamente, os jogos na Educação Física se espalharam pelo território brasileiro, o que foi possível, principalmente, pela ação dos professores que estavam sendo formados a partir de um novo conhecimento científico e educacional:

Por jogos ou recreações infantis, entende-se uma série de exercícios corporais e de ocupações livres e voluntárias dos meninos, cujo fim é fortificar o corpo, descansar dos trabalhos intelectuais e instruir de um modo divertido e agradável. Eles nos oferecem inúmeras vantagens; dão a criança uma ocupação conveniente e um alimento a sua atividade; desenvolvem admiravelmente as funções respiratórias; contribuem muito para o desenvolvimento do corpo; da inteligência; aperfeiçoam a atenção; a perspicácia e o espírito de observação e finalmente fazem nascer na criança o espírito da sociabilidade (Fundão, 1932Fundão, L. V. (1932). Os jogos na educação física. Vitória, ES: Centro de Memória da Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo . , p. 5).

O Método Francês indicava uma lista de brincadeiras e jogos franceses advindos da cultura popular francesa e a forma de ensiná-los. Os professores brasileiros recorriam ao Regulamento nº 7 de educação física13 13 A criação do Método Francês foi efetivada com a publicação do Règlement général d’éducation physique, manual divulgado em três versões, o qual abrange toda a teoria e metodologia de ensino do método. A primeira e a terceira versão foram traduzidas na íntegra para a língua portuguesa, em um trabalho coletivo realizado por oficiais brasileiros, supervisionados por oficiais franceses da Missão Militar Francesa. Em sua forma traduzida, o material ficou conhecido no Brasil sob o nome de Regulamento nº 7 de educação física. , selecionando as atividades para organizar suas lições. Mas isso não significa dizer que esses exercícios foram praticados fielmente como nas recomendações prescritas, pois estiveram sujeitos às modalidades diferenciadas pelas quais eles foram apropriados. Assim, as práticas indicadas pelo Método Francês estiveram sujeitas aos “[...] modos de usar os produtos impostos pela ordem dominante” (Certeau, 1994Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes. , p. 39), adaptando-os às condições brasileiras.

Isso significa dizer que os movimentos exigidos pelo Método Francês, em virtude de seu caráter científico, não foram esquecidos. Continuava-se a realizar os flexionamentos, as aplicações, os exercícios educativos e os movimentos das sete famílias (marchar, trepar-escalar, saltar, levantar-transportar, correr, lançar e atacar e defender-se). Entretanto, eram utilizados de maneiras contrastadas, à medida que o método era alimentado com elementos de brasilidade, amoldando-se tanto às condições físicas e materiais como às culturais: “Coligimos os pequenos jogos de acordo com as categorias de exercícios previstas no método oficial, aumentando o número desses jogos com vários outros colhidos de nossas escolas” (Loyola, 1940Loyola, H. (1940a). Jogos, diversões e passatempos: jogos educativos de acordo com o Método Francês. Rio de Janeiro, RJ: Companhia Brasil Editora. a, p. 2).

Destacava-se uma preocupação com o resgate dos jogos populares brasileiros e, como advertia Fundão (1932Fundão, L. V. (1932). Os jogos na educação física. Vitória, ES: Centro de Memória da Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo . , p. 7), “Não se deve priva-los [as crianças] de seus folguedos. Há uma infinidade de jogos infantis esquecidos dos nossos recreios escolares, onde infelizmente não há espaço nem tempo, e não fazem parte integrante da nossa educação física e é [uma] pena”. As tradições e os valores da cultura popular, dispersos na cotidianidade, passaram a conviver com uma contraparte oficial (Bakhtin, 2013Bakhtin, M. (2013). A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo, SP: Hucitec. ) ao serem inseridos em um projeto de escolarização destinado à disciplina Educação Física.

A prática de atividade física deveria estabelecer diálogo com o contexto das crianças, fazendo sentido para elas. Dessa forma, “Se os jogos previstos no método não despertam o interesse desejado, que os substitua por outros de caráter regional sem, contudo, pensar que isto implica em alterar o método” (O Método Francês, 1948O Método Francês em face da criação de outros métodos adaptáveis ao Brasil: contribuição da E. E. F. E. ao Congresso de Educação Física, realizado no Est. de S. Paulo, pela Associação de Professores de Educação Física desse Estado, em 1947. (1948). Revista de Educação Física, 15(58), 2-5. , p. 3). Jogos da cultura popular brasileira de diversas regiões passaram a conviver, pacificamente, com a metodologia de ensino do Método Francês. Ele era assimilado sem deixar de seguir as suas teorias e a sua estrutura metodológica, afinal, era o método oficial.

O diálogo entre culturas não resultou, necessariamente, em fusão ou mistura. Cada uma manteve a sua própria unidade e totalidade, mas elas eram mutualmente enriquecidas. Essa comunicação dava-se de forma dialógica, com “[...] influências recíprocas, que se moviam de baixo para cima, como de cima para baixo” (Ginzburg, 2002Ginzburg, C. (2002). O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , p. 12). Desse modo, os procedimentos de consumo conservaram a sua diferença no próprio espaço ocupado, coexistindo as manifestações culturais brasileiras dentro e paralelamente ao modelo adotado.

As escolas de Educação Física operavam com esse procedimento. Em Santa Catarina, Lúcio (1935Lúcio, A. (1935). A educação física na escola. Revista de Educação , (1), 24-32. , p. 20), ao apresentar o Método Francês, defendia, no entanto, que os jogos deveriam ser escolhidos a partir daqueles praticados no Brasil: “Tanto quanto possível essa escolha deverá recair sôbre motivos bem brasileiros”. Diante da multiplicidade cultural, devido à grande extensão do Brasil e de seu povo, a opção seria por atividades oriundas de tradições locais, derivadas do nosso folclore (Machado, 1935Machado, A. M. (1935). A educação physica dos pré-escolares. Vitória, ES: Centro de Memória da Educação Física e dos Esportes da Universidade Federal do Espírito Santo . ). Na Figura 2, crianças realizam o jogo ‘Coelhinho sai da toca’ em uma aula de Educação Física, atividade recreativa considerada parte integrante de nossa cultura, na cidade de Vitória, capital do estado do Espírito Santo.

Figura 2
Lição de Educação Física realizada no Jardim de Infância Ernestina Pessoa, na capital Vitória, Espírito Santo

O professor teria a liberdade de fazer a sua escolha, selecionando as atividades pertencentes aos costumes regionais onde estava situada a escola. Essa iniciativa evitaria o desaparecimento das tradições locais, mas também fez parte de um projeto de afirmação sobre o que é ser brasileiro. Para Freyre (1976Freyre, G. (1976). Manifesto regionalista. Recife, PE: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. ), era importante preservar não apenas a tradição geral mas também a de uma região, pois compreendia-se que o único modo de ser nacional no Brasil é ser, primeiro, regional.

Uma variedade de livros e manuais pedagógicos produzidos nesse período auxiliavam no processo de inserção de práticas culturais brasileiras como conteúdo de ensino nas aulas de Educação Física e eram disponibilizados aos professores em formação, ao compor o acervo da biblioteca das instituições. Os materiais demonstravam como ensiná-los a partir da metodologia do Método Francês (Ramos, 1936Ramos, M. M. (1936). Educação física elementar. Porto Alegre, RS: Livraria do Globo. , 1939Ramos, N. (1939). A obra nacionalizadora do Estado Novo: educação física. Florianópolis, SC: Imprensa Oficial do Estado. ; Loyola, 1940Loyola, H. (1940a). Jogos, diversões e passatempos: jogos educativos de acordo com o Método Francês. Rio de Janeiro, RJ: Companhia Brasil Editora. a; Barbosa Leite, 1943Barbosa Leite, J. (1943). Boletim de educação física. Rio de Janeiro, RJ: Ministério da Educação e Saúde.; Lórega, Lima, Araújo, Pimentel, & Queiroz, 1943Lórega, I. V., Lima, N. S., Araújo, D. P., Pimentel, A. B., & Queiroz, M. D. A. (1943). Coletânea de jogos e exercícios mímicos. Revista de Educação , 5, 83-83.; Jogos infantis, 1939Jogos infantis . (1939). São Paulo, SP: Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo. , 1955Jogos infantis. (1955). Rio de Janeiro, RJ: Instituto Nacional de Estudos pedagógicos. ). Dentre esses materiais, também estavam os periódicos Revista de Educação Física e Educação Physica, as primeiras revistas científicas da área publicadas no Brasil, que divulgavam seções de ‘lições de Educação Física’. Nas Figuras 3 e 4, podemos visualizar algumas capas desses materiais.

Figura 3
Capa do livro de Hollanda Loyola

Figura 4
Capa do livro Jogos infantis

Os materiais intercalavam atividades propostas pelo Método Francês com as apropriações que eram realizadas com a cultura brasileira, a exemplo dos Quadros 1 e 2. Utilizados como apoio didático-pedagógico, os materiais eram consultados pelos professores, que extraíam analiticamente os princípios que regiam as recomendações dos jogos pelo Método Francês, aplicando-os inventivamente.

Quadro 1
Lista de jogos populares brasileiros

Quadro 2
Jogos populares brasileiros

Outras práticas faziam parte dos conteúdos destinados à Educação Física para a infância. Dentre elas, estavam as atividades mímicas e historiadas. Essas atividades eram praticadas espontaneamente. Apesar de o Método Francês trazer alguns exemplos, as suas execuções, todavia, eram livres. O professor utilizava sua imaginação, assim como permitia a contribuição das crianças, desenvolvendo a sua criatividade, favorecendo o uso de elementos que fizessem mais sentido para a realidade sociocultural em que estavam inseridas, conforme exemplificado no Quadro 3.

Quadro 3
Exemplo de atividade historiada proposta pela professora Felisbina Pinheiro de Morais, diplomada pela Escola de Educação Física do Espírito Santo, em 1934

Identificam-se a utilização de cantigas de roda e o uso do canto, práticas que também eram adotadas nas atividades pedagógicas da disciplina Educação Física, pois “[...] despertam o patriotismo e o sentimento de ternura” (Machado, 1935Machado, A. M. (1935). A educação physica dos pré-escolares. Vitória, ES: Centro de Memória da Educação Física e dos Esportes da Universidade Federal do Espírito Santo . , p. 7). A ideia era sincronizar as cantigas e as histórias contadas aos exercícios físicos propostos, realizando o exercício físico com empolgação (Góis Júnior, 2015Góis Júnior, A. S. (2015). Physicamente vigorosos: medicalização escolar e modelação dos corpos na Paraíba (1913-1942) (Tese de Doutorado). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. ).

Para realizar essa dinâmica, a preferência era para as cantigas de roda que estavam diretamente relacionadas com o que era identificado como ‘literatura popular’, oriundas do “[...] nosso folklore cujas canções casam-se tão bem com esse gênero de escola [infantil]” (Machado, 1935Machado, A. M. (1935). A educação physica dos pré-escolares. Vitória, ES: Centro de Memória da Educação Física e dos Esportes da Universidade Federal do Espírito Santo . , p. 7), para promover uma assimilação cultural. A literatura popular estava presente na execução de muitas brincadeiras e jogos populares, a exemplo de ‘Mamãe, posso ir?’, ‘O seu lobo está aí’, ‘Pega lenço’, ‘Batata quente’ e ‘Boca de forno’. Para Mário de Andrade, defensor do folclore brasileiro entre as décadas de 1920 e 1940, promover a cultura brasileira por sua literatura, contos, lendas, mitos e histórias que habitam o imaginário de povos brasileiros de diversas regiões do Brasil era uma maneira de fazer o país passar a ter uma melhor consciência sobre si mesmo14 14 Defensor do patrimônio cultural brasileiro, Mário de Andrade foi um pesquisador do nosso folclore, de nossas tradições e das raízes da música popular brasileira, sendo um dos idealizadores e criadores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1937. Organizou, em 1938, a Missão de Pesquisa Folclórica, viajando pelo Brasil para conhecer as representações e culturas do nosso povo e, encantado pelo que viu, engajou-se para salvar essa memória (Menezes, 2020). .

Para disponibilizar ao professorado práticas que poderiam ser trabalhadas pela Educação Física, algumas ações eram desempenhadas. No Rio de Janeiro, a Divisão de Educação Física realizou um trabalho de recolhimento de cantigas populares e de danças regionais, apresentando-se, dentre as danças indicadas, ‘Danças indígenas’, ‘Polca das crianças’, ‘Na Bahia tem’, ‘Maestro’, ‘Oh! Suzana’, ‘Sete passos’, ‘Dança espanhola e Shottisch sueco’ (Barbosa Leite, 1943Barbosa Leite, J. (1943). Boletim de educação física. Rio de Janeiro, RJ: Ministério da Educação e Saúde.).

A Divisão de Educação Física, porém, advertiu que “Em cada região do país há motivos próprios para as rodas e assim [nos] absteremos de fazer qualquer indicação” (Barbosa Leite, 1943Barbosa Leite, J. (1943). Boletim de educação física. Rio de Janeiro, RJ: Ministério da Educação e Saúde., p. 32). Ficava a cargo dos Departamentos Regionais de Educação Física, como os realizados em Pernambuco e no Espírito Santo, conforme demonstramos nos Quadros 4 e 5, ou dos esforços dos próprios professores, a tarefa de selecionar as práticas culturais pertencentes à cultura regional.

Quadro 4
Cantigas de rodas indicadas pela Diretoria de Educação Física de Pernambuco

Quadro 5
Lista de cantigas de rodas indicadas pela Diretoria de Educação Física do Espírito Santo

No decorrer da análise, percebemos que a escola estabelece um conjunto de normas e de condutas que lhe são próprias e que variam segundo as épocas, em consonância com os processos de produção de novas configurações sociais (Julia, 2001Julia, D. (2001). A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, (1), 9-43.). Assim, a Educação Física teve que reajustar o seu modo de ensinar e os seus conteúdos às novas configurações que cumprem o projeto de escolarização.

As formatações em uma natureza ‘culta’ que se pretendia operar com a criança a partir dos anos de 1930 estiveram sujeitas ao que a história cultural chama de processos necessários e incontornáveis de transformação de uma ‘primeira’ em uma ‘segunda’ natureza. A escola operava um duplo deslocamento. Primeiramente, a formação de hábito, concebendo uma cultura civilizada, cujos instintos naturais passariam a ser controlados e direcionados por critérios racionais ponderados. Em segundo lugar, a formação de uma natureza social e cultural, compartilhando tradições e práticas produzidas historicamente, criando um critério de pertencimento sociocultural (Veiga, 2002Veiga, C. G. (2002). A escolarização como projeto de civilização. Revista Brasileira de Educação, (21), 90-170.). Tais práticas ajudavam a construir um sentimento de pertencimento à pátria, auxiliado pela Educação Física ao utilizar as tradições populares em seu ensino, pois

Podem os povos falar até línguas ou dialectos differentes; podem ter costumes desiguais; podem ter religiões diversas; se tiverem, entre si, afinidade emocional, possuem mais do que outro que desfrute dos primeiros elementos, características de um povo coeso (Rezende, 1932Rezende, O. M. (1932). Os esportes como elemento de cohesão nacional. Educação Physica , (2), 51-51., p. 51).

A cultura brasileira que pretendeu se valorizar e se preservar precisava estar sujeita aos processos de transmissão às gerações subsequentes. No processo educativo, a Educação Física tornou-se o lugar apropriado para tal colocação, contribuindo para o projeto escolar pensado em dada época. Por isso, corrobora-se a assertiva de Chervel (1990Chervel, A. (1990). História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, (2), 177-229. , p. 180), ao afirmar que “[...] os conteúdos de ensino são impostos como tais à escola pela sociedade que a rodeia e pela cultura na qual ela se banha”.

Considerações finais

O processo de introdução de uma cultura estrangeira de exercícios físicos no Brasil esteve sujeito aos encontros, aos choques e à convivência entre culturas. Com o Método Francês orientando o ensino da Educação Física escolar a partir de 1930, o que foi destacado é que a sua escolarização no país perpassou por apropriações diversas que se constituíram em novas significações de usos (Certeau, 1994Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes. ). Incorporados pela metodologia do Método Francês, os jogos tornaram-se conteúdo homogêneo da Educação Física escolar no Brasil. Se os jogos provenientes da França não se adaptassem aos interesses das crianças brasileiras, um trabalho intensivo era realizado demonstrando as intervenções possíveis.

Momento em que o interesse se focava no nacionalismo, a opção foi adotar jogos provenientes de nossa cultura, sobressaindo aqueles do nosso folclore, de origem indígena e africana, mas também europeia, mesmo que se buscasse minimizar esta última. Cantigas populares, danças regionais, folguedos e outras brincadeiras e jogos populares foram inseridos na prática do Método Francês, convivendo com a sua parte oficial. A unidade nacional não se caracterizava mais pela uniformidade e pelo processo de homogeneização cultural, negando a mestiçagem e o seu aspecto cultural. A partir dos anos de 1930, a afirmação de brasilidade e de unidade nacional era manifestada pela diversidade e pelo reconhecimento da pluralidade de culturas que constituía a população brasileira.

Os jogos culturais franceses indicados pelo método também continuaram a ser utilizados no Brasil, forjando a Educação Física brasileira. Muitas dessas práticas, ao que se observa, naturalizaram-se com o tempo e, atualmente, encontram-se dispersas em nosso entendimento de cultura popular, a exemplo de ‘Amarelinha’, ‘Gato e rato’, ‘Morto e vivo’, ‘Polícia e ladrão’, ‘Os prisioneiros’, ‘Estátua’, ‘Estafeta’, ‘Chicote-queimado’, ‘Quatro cantos’, ‘Três cortes’, ‘Cabo de guerra’, ‘Carrinho de mão’, ‘Pique-bandeira’, dentre outras. Isso demonstra que a circularidade cultural efetivamente existe, havendo uma interação entre culturas (Ginzburg, 2002Ginzburg, C. (2002). O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ). Talvez, conforme aponta Oliven (2001Oliven, R. G. (2001). Cultura e modernidade no Brasil. São Paulo em Perspectiva, 15 (2), 3-12. ), seja provável que haja de particular na sociedade brasileira a capacidade de deglutir aqueles aspectos que lhe interessam, transformando-os em algo adaptado à sua própria realidade.

As discussões sobre a sistematização de um método nacional de Educação Física continuaram no Brasil, e alguns atores sociais apresentaram propostas teóricas e metodológicas para a sua criação, como Inezil Penna Marinho. Todavia, ele nunca chegou a ser criado e implementado oficialmente. Entendemos que a circulação do Método Francês não se reduziu a uma simples difusão, mas se estendeu aos empregos diversos que se enraizaram nas disposições do habitus de cada grupo, de cada sociedade. Dando a ‘nossa cara’ ao ensino da Educação Física, o método foi sendo discutido, alterado e adaptado, o que pressupõe um dos motivos para que a produção de um método nacional nunca chegasse de fato a acontecer.

A cultura popular, atualmente, é vislumbrada como potência pedagógica estabelecida na dinâmica curricular com os diferentes campos de conhecimento, incluindo a Educação Física. A Base Nacional Comum Curricular aconselha, como parte do currículo, atenção às especificidades da faixa etária, à contextualização das comunidades escolares, à regionalidade, às festividades e aos jogos locais e mundiais e, também, à proposição de brincadeiras que dialoguem com as manifestações e tradições culturais das crianças (Brasil, 2017Brasil. (2017). Base nacional comum curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação.).

O intuito do artigo foi destacar que a introdução da cultura popular, como possibilidade didática e pedagógica, não é, contudo, uma realidade atual. Se, atualmente, as manifestações culturais são trabalhadas a partir do tema ‘diversidade’, na tentativa de sanar as relações de desigualdades de poder entre indivíduos e grupos sociais excluídos em um mundo globalizado (Ferreira, 2015Ferreira, W. B. (2015). O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Retratos da escola, 9(17), 199-319. ), no início do século XX, o seu uso no ambiente escolar pretendia a nacionalização da população, afirmando, naquele contexto, as diversidades culturais que constituíam o povo brasileiro.

Referências

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  • 1
    Esse modelo gímnico foi sistematizado, inicialmente, por Per Henrik Ling no fim do século XVIII na Suécia e continuou a ser aperfeiçoado pelos seus sucessores e adeptos.
  • 2
    Se nos anos finais do século XIX a mestiçagem parecia atestar a falência da Nação, Gilberto Freyre posicionou-se favorável à tropicalidade e ao caráter mestiço da população brasileira, glorificando esse povo que, no seu entender, foi responsável pela formação de uma sociedade e de uma cultura. Para isso, empreendeu um esforço em abandonar a aplicação mecânica de modelos externos e procurou entender esse país sob o signo da sua diferença.
  • 3
    Inicialmente, experiências de formação foram realizadas com o Método Francês no Exército brasileiro, a partir da contratação da Missão Militar Francesa em 1919. O ensino da Educação Física foi apresentado dentre as séries de instruções ministradas para a modernização e reorganização do nosso Exército, que contou com a vinda de oficiais formados pela École de Joinville-le-Pont.
  • 4
    Apesar da adoção do Método Francês, os demais métodos não chegaram a ser suprimidos ou anulados por completo, mas continuaram circulando no Brasil no cotidiano das práticas a partir de seus defensores.
  • 5
    Oswald de Andrade, ao publicar o Manifesto antropofágico em 1928, trouxe a ideia de ‘destruir’ pela deglutição elementos da cultura externa, mas, ao mesmo tempo, assegurando a sua manutenção em nossa realidade, através de um processo de absorção e alteração de certos elementos da cultura importada (Andrade, 1978Andrade, O. (1978). Manifesto antropofágico: do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro, RJ: Civilização brasileira. ).
  • 6
    No momento da criação do Método Francês, os dirigentes responsáveis pela sua elaboração separaram a Educação Física militar da Educação Física civil, pois compreendiam se tratar de assuntos distintos e que careciam de investimentos próprios para cada especificidade (Terret & Saint-Martin, 2015Terret, T., & Saint-Martin, J. (2015). Journey in the historiography of the French Method of Physical Education: a matter of nationalism, imperialism and gender. In M. Freeman (Org.), Sport, health and the body in the history of education. London, UK: Taylor & Francis. ).
  • 7
    Julia (2001Julia, D. (2001). A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, (1), 9-43., p. 10) define cultura escolar como “[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas”.
  • 8
    Apontamentos históricos realizados por Marinho (1954Marinho, I. P. (1954). História da educação física e dos desportos no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Ministério da Educação e Saúde . ) indicam que, na Paraíba e na Bahia, também haviam sido criadas escolas de Educação Física, no ano de 1935 e de 1937, respectivamente. Entretanto, nenhum vestígio documental sobre a eventual existência dessas instituições foi localizado.
  • 9
    Os centros de Memória da Educação Física e Esporte começaram a ser sistematizados na década de 1990, em meio a um movimento de renovação historiográfica, e voltaram as suas ações para a produção, recuperação e preservação de fontes históricas. O acervo também tem possibilitado a utilização desses espaços para ensino, pesquisa e extensão (Macedo & Goellner, 2019Macedo, C. G., & Goellner, S. V. (2019). Centros de memória da educação física e esporte das universidades federais brasileiras: preservar memórias para reconstruir histórias. Movimento, 25, 1-13.).
  • 10
    As fontes históricas foram recolhidas durante o desenvolvimento do projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob o nº do Processo 445012/2015-3.
  • 11
    A criação do Método Francês começa a ser pensada em 1918 no seio da École de Joinville-le-Pont. Os responsáveis pela sua sistematização produziram um método julgado eclético. Apropriaram-se do que consideravam como as melhores teses e elementos em circulação sobre a Educação Física - Método Sueco, Método Natural de Georges Hébert, Método de Georges Demeny e os esportes ingleses -, conciliando-os com vistas à obtenção de um sistema vasto (Terret & Saint-Martin, 2015Terret, T., & Saint-Martin, J. (2015). Journey in the historiography of the French Method of Physical Education: a matter of nationalism, imperialism and gender. In M. Freeman (Org.), Sport, health and the body in the history of education. London, UK: Taylor & Francis. ).
  • 12
    “Les jeux constituent la forme de gymastique la mieux appropriée aux indications de la vie scolaire; ils sont adaptés aux aptitudes physiques de l’enfant aussi bien moraux. Ils sont à la fois hygiéniques et récréatifs”.
  • 13
    A criação do Método Francês foi efetivada com a publicação do Règlement général d’éducation physique, manual divulgado em três versões, o qual abrange toda a teoria e metodologia de ensino do método. A primeira e a terceira versão foram traduzidas na íntegra para a língua portuguesa, em um trabalho coletivo realizado por oficiais brasileiros, supervisionados por oficiais franceses da Missão Militar Francesa. Em sua forma traduzida, o material ficou conhecido no Brasil sob o nome de Regulamento nº 7 de educação física.
  • 14
    Defensor do patrimônio cultural brasileiro, Mário de Andrade foi um pesquisador do nosso folclore, de nossas tradições e das raízes da música popular brasileira, sendo um dos idealizadores e criadores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1937. Organizou, em 1938, a Missão de Pesquisa Folclórica, viajando pelo Brasil para conhecer as representações e culturas do nosso povo e, encantado pelo que viu, engajou-se para salvar essa memória (Menezes, 2020Menezes, R. (2020). Aspectos do folclore brasileiro: Mário de Andrade, cultura popular e questão negra. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, (75), 192-198.).
  • 16
    Nota: Esta pesquisa possui financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES).
  • 18
    Rodadas de avaliação: R1: três convites; uma avaliação recebida. R2: três convites; nenhuma avaliação recebida. R3: dois convites; uma avaliação recebida.
  • 19
    Como citar este artigo: Bruschi, M. O uso da cultura popular brasileira como conteúdo de ensino da Educação Física escolar (1930-1960). (2022). Revista Brasileira de História da Educação, 22. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e223
  • 20
    Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4)

Editado por

Editor-associado responsável: Cláudia Engler Cury E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-2540-2949

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2020
  • Aceito
    22 Out 2021
  • Publicado
    04 Set 2022
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