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Práticas escolares no laboratório do gabinete do ensino de História Natural/Biologia no Colégio Pedro II (1960-1970)

Prácticas escolares en el laboratorio de la oficina de docencia de biologia en el Colegio Pedro II (1960-1970)

Resumo:

O presente artigo visa escrutinar as práticas escolares e curriculares vivenciadas no âmbito do laboratório do gabinete de História Natural do Colégio Pedro II entre 1960 e 1970 a fim de compreender como a disciplina escolar Biologia se conformou nos muros da referida instituição. Para entender a práxis no gabinete, utilizamos como material empírico o livro de registro das aulas práticas laboratoriais e depoimentos de ex-professores. O fazer cotidiano caracterizou a disciplina escolar História Natural/Biologia como de caráter experimental ligada ao método científico e ao ensino prático, predominantemente acadêmica e associada às Ciências Biológicas; e permitiu a consolidação e legitimação dela no contexto do movimento de renovação do ensino de Ciências.

Palavras-chave:
história das disciplinas escolares; objetos escolares; ensino de história natural/biologia; currículo

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo analizar las prácticas escolares y curriculares experimentadas en el laboratorio de la oficina de Historia Natural en el Colegio Pedro II entre 1960 y 1970 con el fin de comprender cómo la disciplina escolar de Historia Natural/Biología se ajustó dentro de los muros de esa institución. Para comprender la praxis en la oficina, utilizamos como material empírico: el libro de registro de clases prácticas y testimonios de antiguos maestros. Las actividades cotidianas caracterizaron la disciplina escolar de la biología como experimental vinculada al método científico y la enseñanza práctica, predominantemente académica y asociada con las Ciencias Biológicas; y también permitió su consolidación y legitimación en el contexto del movimiento para renovar la educación científica.

Palabras clave:
historia de las materias escolares; útiles escolares; enseñanza de historia natural/biología; plan de estudios

Abstract:

This article aims to scrutinize the school and curricular practices experienced within the laboratory of the Natural History office at Pedro II’s high school between 1960 and 1970 in order to understand how the school discipline Biology conformed within the walls of that institution. To understand the praxis in the office, we used as empirical material: record book of practical lab classes and former teachers’ testimonies. The everyday doing characterized the school discipline Natural History/Biology as an experimental one linked to the scientific method and practical teaching, predominantly academic and associated with biological sciences; and it also allowed for its consolidation and legitimation in the context of the movement to renew science education.

Keywords:
history of school subjects; school objects; teaching of natural history/biology; curriculum

Introdução

O trabalho visa compreender as práticas escolares do laboratório do gabinete de História Natural do Colégio Pedro II entre 1960 e 19701 1 A pesquisa abrangeu as aulas práticas ocorridas na unidade Centro do Colégio Pedro II. . Tomando como objeto de análise o livro de registro de aulas práticas do referido espaço escolar, buscamos entender de que modo as ações docentes eram perscrutadas com o auxílio de materiais ergológicos (Escolano Benito, 2017Escolano Benito, A. (2017). A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas, SP: Alínea. ), tecendo práticas constituidoras de uma gramática escolar. A construção etnográfica dos hábitos, comportamentos e da práxis escolar é possibilitada pela valorização do testemunho docente, proporcionando não somente uma complementaridade ao fazer investigativo aqui narrado, mas também uma fonte rica para se investigar sócio-historicamente o delineamento curricular do ensino de História Natural/Biologia2 2 Adotamos o termo História Natural/Biologia para designar o ensino de uma disciplina escolar que estava em um contexto de transformações. De acordo com Cassab (2011), não é possível determinar quando ocorre oficialmente a mudança da nomeação disciplinar de História Natural para Biologia. Somente o plano curricular de 1973 faz menção à Biologia escolar. Em contrapartida, textos oficiais publicados no Diário Oficial da União (DOU) referem-se tanto à Biologia - edital de seleção para composição do quadro docente do Colégio Pedro II em abril de 1970 - como à História Natural - edital de convocação de professores de História Natural para reunião publicado em agosto de 1972 - (Cassab, 2011). . Os materiais didáticos enumerados e as ações docentes a eles relacionadas tecem modos de se praticar o ensino vigente no período, garantindo tanto a transição disciplinar da História Natural para a Biologia como a legitimação da última no estabelecimento escolar em questão3 3 Percebemos essa mudança como um processo contínuo, e não como uma ruptura entre o ensino de uma ‘antiga’ disciplina escolar, a História Natural, para uma ‘nova’ disciplina, a Biologia. .

O fio condutor de tal produção acadêmica é a narrativa das experiências imersas no gabinete de História Natural que dão materialidade ao que poderíamos denominar de cultura laboratorial da História Natural/Biologia escolar, na esfera das ações educativas do Colégio Pedro II. Ao mobilizarmos Certeau (1996Certeau, Michel de. (1996): A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes. ), percebemos que a invenção de uma maneira de se praticar o ensino em questão, além de ser uma ação definida pela cultura, gesta uma cultura específica, isto é, uma cultura tanto disciplinar - que se relaciona com os conteúdos de História Natural/Biologia - quanto laboratorial. Tais vivências são codificáveis em práticas curriculares e culturais que nos permitem caracterizar o ensino de uma determinada forma. A adoção de um enfoque etnológico nos permite entender o universo das práticas escolares que sedimentam, inclusive, uma identidade profissional docente como associada ao movimento de renovação do ensino de Ciências e à modernização do ensino secundário, proposta pelas reformas vigentes no período em questão.

O arsenal teórico-metodológico que substancia o trabalho está ancorado nas perspectivas curriculares de Ivor Goodson (1997Goodson, I. F. (1997). A construção social do currículo. Lisboa, PT: Educa. , 2001Goodson, I. F. (2001). O currículo em mudança. Porto, PT: Porto editora. , 2013Goodson, I. F. (2013). Currículo: teoria e história. Petrópolis, RJ: Vozes . ) acerca das disciplinas escolares como produções sócio-históricas nas quais existem invenções de tradições em um processo dinâmico de estabilidades e mudanças; na percepção das disciplinas escolares como produtos singulares e criativos (Chervel, 1990Chervel, A. (1990). História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, (2).); nos teóricos que debatem e caracterizam a cultura escolar como abarcando um conjunto de normas e práticas que fornecem e produzem inteligibilidades às ações escolares (Escolano Benito, 2010Escolano Benito, A. (2010). La cultura material de la escuela y la educación patrimonial. Educatio Siglo XXI, 28(2), 43-64. ; Julia, 2001Julia, D. (2001). A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, 1(1[1]), 9-44. ; Vidal, 2005Vidal, D. G. (2005). Culturas escolares: estudo sobre práticas de leitura e escrita na escola pública primária (Brasil e França, final do século XIX). Campinas, SP: Autores Associados. , 2006Vidal, D. G. (2006). Cultura e práticas escolares: a escola pública brasileira como objeto de pesquisa. Historia de la Educación , 25, 131-152. , 2009Vidal, D. G. (2009). No interior da sala de aula: ensaio sobre cultura e práticas escolares. Currículo sem Fronteiras, 9(1), 25-41. , 2017Vidal, D. G. (2017) História da Educação como Arqueologia: cultura material escolar e escolarização. Revista Linhas, 18(36), 251-272.; Viñao Frago, 1995Viñao Frago, A. (1995). Historia de la Educación e historia cultural. Revista Brasileira de Educação, (0), 63-82.); e nas contribuições de tais autores para a caracterização das materialidades escolares, na qualidade de constituintes da cultura material escolar, como o substrato para a mobilização de práticas e rituais. Nessa esfera, elas são, igualmente, compreendidas como ‘restos arqueológicos’ e/ou vestígios socioculturais que nos permitem compreender parte da ‘caixa preta’ escolar, isto é, os seus fazeres internos.

O trabalho se estrutura em quatro seções: a primeira trata do arsenal teórico-metodológico utilizado; a segunda exemplifica os elementos históricos que influenciaram a constituição do ensino de História Natural/Biologia na instituição; a terceira explicita as práticas curriculares e culturais postas em ação pelos professores no âmbito do gabinete de História Natural do Colégio Pedro II entre os anos de 1960 e 1970, dialogando com os movimentos sócio-históricos de renovação do ensino de Ciências e de estruturação do ensino secundário; e a última seção expõe as considerações finais.

Arsenal teórico-metodológico

O universo das práticas escolares “[...] assume um papel essencial na construção do conhecimento sobre a escola e na fundamentação da cultura efetiva em que se materializam as ações e os discursos executados e interpretados pelas instituições educativas” (Escolano Benito, 2017Escolano Benito, A. (2017). A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas, SP: Alínea. , p. 29). A adoção de um enfoque etnológico nos permite entender os discursos que são atribuídos a determinadas práticas; e como eles estão imbricados na conformação do que denominamos de cultura laboratorial do ensino de História Natural/Biologia. A percepção da cultura escolar nos permite entender que, dentro dos limites de seu campo de atuação, os atores sociais da educação traduzem as mudanças que são suscitadas no exterior das instituições em híbridos culturais que se materializam em uma cultura disciplinar, mais especificamente laboratorial, no Colégio Pedro II. Segundo Julia (2001Julia, D. (2001). A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, 1(1[1]), 9-44. , p. 10-11), a cultura escolar seria um agregado de normas e práticas que ditam tanto os conhecimentos ensinados como os comportamentos aprendidos.

Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).

Em complemento a essa visão, também nos alinhamos com Viñao Frago (1995Viñao Frago, A. (1995). Historia de la Educación e historia cultural. Revista Brasileira de Educação, (0), 63-82., p. 68-69, tradução nossa)4 4 “Prácticas y conductas, modos de vida, hábitos y ritos - la historia cotidiana del hacer escolar -, objetos materiales - función, uso, distribución en el espacio, materialidad física, simbología, introducción, transformación, desaparición… -, y modos de pensar, así como significados e ideas compartidas. Alguien dirá: todo. Y sí, es cierto, la cultura escolar es toda la vida escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos y conductas, modos de pensar, decir y hacer”. , pois este amplia a noção de cultura escolar, destacando outras ‘camadas’ que a constituem. Como ressalta, esta inclui

[p]ráticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos - a história cotidiana do fazer escolar -, objetos materiais - função, uso, distribuição no espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparecimento… -, e modos de pensar, assim como significados e ideias compartilhadas. Alguém dirá: tudo. E sim, é certo, a cultura escolar é toda vida escolar: feitos e ideias, mentes e corpos, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer.

Apesar de seu conceito ser bem amplo, esse autor elege o tempo e o espaço escolar como os aspectos mais importantes no processo de conformação e definição da cultura escolar. Para fins de pesquisa, focamos na dimensão espacial da cultura, pois acreditamos que o gabinete de História Natural é importante no sentido de que possibilita a materialização das práticas laboratoriais. O espaço escolar educa e transmite uma série de valores educacionais. Ao analisarmos os depoimentos dos professores que atuaram no laboratório do gabinete de História Natural, percebemos indícios de como ele era organizado, sinalizando que valores e visões de ensino eram postos em prática. A dimensão espacial, portanto, é um elemento não neutro, um construto cultural e social que mobiliza sentidos sobre finalidades e métodos de ensino. Em outras palavras, “[...] o espaço diz e comunica, portanto, educa” (Vinão Frago, 1995Viñao Frago, A. (1995). Historia de la Educación e historia cultural. Revista Brasileira de Educação, (0), 63-82., p. 69, tradução nossa)5 5 “El espacio dice y comunica; por tanto educa”. . O espaço do gabinete é um lócus da educação e da cultura disciplinar. É, assim, “[...] uma espécie de discurso que institui em sua materialidade um sistema de valores […] [consiste em] quadros para a aprendizagem sensorial e motora e uma semiologia completa que abrange diferentes símbolos estéticos, culturais e mesmo ideológicos” (Escolano Benito, 1993Escolano Benito, A. (1993). La arquitectura como programa. Espacio-escula y curriculum. Historia de la Educación, (12-13). , p. 97-120, tradução nossa)6 6 “Una especie de discurso que instituye en su materialidad un sistema de valores [...]. unos marcos para el aprendizaje sensorial y motórico y toda una semiología que cubre diferentes símbolos estéticos, culturales y aún ideológicos”. .

Outro aspecto destacado por Vinão Frago (1995Viñao Frago, A. (1995). Historia de la Educación e historia cultural. Revista Brasileira de Educação, (0), 63-82.) que é fundamental na construção teórica da pesquisa é o ‘olhar’ acerca das singularidades específicas de determinada escola. Ao lado da concepção alargada de cultura, tal autor também preferia a concepção de culturas escolares, ampliando tal noção para os estabelecimentos escolares, permitindo “[...] atribuir a cada escola, colégio e universidade uma singularidade, o que concorria para ampliar as possibilidades de estudos no campo da história das instituições” (Faria Filho, Gonçalves, Vidal, & Paulilo, 2004Faria Filho, L. M., Gonçalves, I., Vidal, D. G., & Paulilo, A. (2004). A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. Educação e Pesquisa, 30(1), 139-160. , p. 148). De fato, o Colégio Pedro II apresentava especificidades, como a presença de professores catedráticos, a valorização do ensino das humanidades e a característica de ter sido criado na época do Império (Ferreira, 2005Ferreira, M. S. (2005). A história da disciplina escolar ciências no Colégio Pedro II (1960-1980) (Tese de Doutorado). UFRJ, FE, Rio de Janeiro.).

O Imperial Collegio de Pedro II, fundado em 1837, sob a égide de coesão e construção nacional, “[...] foi um dos instrumentos do projeto civilizatório da monarquia, sendo o ensino das humanidades o paradigma da formação da nação brasileira, de perfil branco e origem europeia” (Andrade, 1999Andrade, V. L. C. Q. (1999). Colégio Pedro II: um lugar de memória (Tese de Doutorado em História Social). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. , p. 1). Sua finalidade principal não foi apenas ensinar as humanidades para os estudantes brasileiros, permitindo o ingresso aos cursos de nível superior; a instituição era considerada uma escola-modelo, um parâmetro educacional que deveria ser ‘espelho’ para as demais instituições de ensino do país (Andrade, 1999Andrade, V. L. C. Q. (1999). Colégio Pedro II: um lugar de memória (Tese de Doutorado em História Social). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ).

Contudo, esse status de escola-padrão é abalado pelas várias reformas republicanas promulgadas subsequentemente, sendo a Reforma Francisco Campos, de 1931, a última a fazer referência à instituição como escola-modelo. Conforme aponta Ferreira (2005Ferreira, M. S. (2005). A história da disciplina escolar ciências no Colégio Pedro II (1960-1980) (Tese de Doutorado). UFRJ, FE, Rio de Janeiro., p. 86), com base em Andrade (1999Andrade, V. L. C. Q. (1999). Colégio Pedro II: um lugar de memória (Tese de Doutorado em História Social). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ), “[...] embora as várias reformas vivenciadas pelo antigo colégio imperial na Primeira República apontem para essa progressiva perda de status, o Ginásio Nacional buscou resistir e reinventar novas formas de manutenção da posição de destaque que possuía no passado”. No período aqui investigado, “[...] a instituição perdia de vez o seu patronato e enfrentava um novo momento de crise, com um número reduzido de estudantes e novas ameaças de transferência para o âmbito estadual” (Ferreira, 2005Ferreira, M. S. (2005). A história da disciplina escolar ciências no Colégio Pedro II (1960-1980) (Tese de Doutorado). UFRJ, FE, Rio de Janeiro., p. 123).

Nesse contexto, a instituição mostrou-se permeável às iniciativas do movimento de renovação do ensino de Ciências, permitindo a prática de um ensino marcadamente experimental e ativo. É nesse período que há também uma retórica de enaltecimento no contexto brasileiro “[...] do uso dos laboratórios e das práticas de laboratório no ensino de Ciências, tanto por parte dos professores em exercício na educação básica, quanto pelos professores de disciplinas pedagógicas das instituições de ensino superior” (Fracalanza, 2006Fracalanza, H. (2006). O ensino de ciências no Brasil. In H. Fracalanza, & J. Megid Neto . O livro didático de ciências no Brasil (p. 127-152). Campinas, SP: Editora Komedi. , p. 34-35). O que vale ressaltar, particularmente no período investigado, é a influência do movimento de renovação do ensino de Ciências tanto na disciplina escolar Ciências (Ferreira, 2005Ferreira, M. S. (2005). A história da disciplina escolar ciências no Colégio Pedro II (1960-1980) (Tese de Doutorado). UFRJ, FE, Rio de Janeiro.) como na Biologia escolar (Cassab, 2011Cassab, M. (2011). A emergência da disciplina escolar Biologia (1961-1981): renovação e tradição (Tese de Doutorado). Faculdade de Educação, UFF, Niterói. ). Desse modo,

[a]meaçado pela perda da prerrogativa de ser reconhecido como escola-padrão, o imperativo de construir junto às esferas governamentais uma retórica que sustentasse sua distinção e prestígio atuou no sentido de favorecer iniciativas voltadas para a ‘habilitação de um ensino científico mais ativo e menos enciclopédico’. Tal imperativo era suposto por aqueles engajados no movimento de renovação do ensino das ciências e na luta pela modernização do ensino secundário (Cassab, 2011Cassab, M. (2011). A emergência da disciplina escolar Biologia (1961-1981): renovação e tradição (Tese de Doutorado). Faculdade de Educação, UFF, Niterói. , p. 183, grifo nosso).

Outro eixo de pesquisas é sobre “[...] as práticas escolares, a materialidade e formalidade da cultura escolar” (Faria Filho et al., 2004Faria Filho, L. M., Gonçalves, I., Vidal, D. G., & Paulilo, A. (2004). A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. Educação e Pesquisa, 30(1), 139-160. , p. 151). Nessa vertente, há uma renovação nos estudos sobre os métodos escolares e pedagógicos. Em geral, tais estudos têm analisado de que maneira os sujeitos, a partir de seus ‘lugares de fala’, agem e como tais ações “[...] não visam apenas a operacionalização destas ou daquelas prescrições, mas objetivam produzir lugares de poder/saber, inteligibilidades e sentidos para a ação pedagógica escolar junto às gerações” (Faria Filho et al., 2004Faria Filho, L. M., Gonçalves, I., Vidal, D. G., & Paulilo, A. (2004). A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. Educação e Pesquisa, 30(1), 139-160. , p. 151). Ademais, as “[...] práticas [...] produzidas pelos sujeitos no seu dia-a-dia escolar, também os produzem” (p. 151). Dessa maneira, na interseção entre diferentes arsenais teóricos - história das disciplinas escolares, história da educação e antropologia - é que a pesquisa se estrutura a fim de compreender o conjunto de práticas escolares no ensino de História Natural/Biologia no Colégio Pedro II.

O reconhecimento dessa prática cotidiana foi possibilitado pela análise de um livro de registro de aulas práticas7 7 Do ponto de vista do contexto histórico de sua produção e utilização, o referido livro abarca o período entre 09/11/1972 a 18/11/1975. Esse material é uma espécie de caderno de atas de capa dura preta, pautado e com linhas. Cada folha é numerada, totalizando 358 páginas de registro. , material redigido pela Luiza Dyer Barones, a qual, segundo documentos oficiais (Anuário do Colégio Pedro II, 1963Anuário do Colégio Pedro II. (1963). (Vol. XVI (1951-1961), p. 127). Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional.), era zeladora da escola. Contudo, conforme consta no depoimento prestado pela professora A e no livro de registros, a referida funcionária auxiliava o trabalho docente nas aulas práticas ministradas no gabinete de História Natural. Tal objeto foi entendido aqui de duas maneiras: (i) como fonte que nos permitiu acessar a ‘caixa preta’ escolar; (ii) e enquanto material ergológico, que possibilitou construir uma narrativa das ações empreendidas no contexto do espaço escolar investigado. E, assim, percebemos, em conjunto com Escolano Benito (2017Escolano Benito, A. (2017). A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas, SP: Alínea. , p. 120, grifo do autor), que

[o]s objetos materiais, integrados nas estratégias empíricas do trabalho escolar de alunos e professores, são um reflexo funcional e simbólico das formas de entender e governar a prática. Essa cultura não é uma mera ‘empeiría’, desprovida de sentido, mas uma manifestação das complexas razões que inspiram as boas práticas [...].

A ritualização das práticas no laboratório do gabinete de História Natural obedece tanto às contingências históricas que caracterizaram o período em questão como à cultura, permitindo que a escola selecione “[...] desse entorno no qual ela vive [...] os saberes ou disciplinas que compõem o currículo e os valores inerentes a esses conhecimentos” (Escolano Benito, 2017Escolano Benito, A. (2017). A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas, SP: Alínea. , p. 118). E, portanto, a disciplina escolar História Natural/Biologia, como uma produção singular da escola, é fabricada em um contexto em que há mesclas entre os imperativos escolares e os conhecimentos advindos das ciências de referência, como adverte Chervel (1990Chervel, A. (1990). História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, (2).) acerca da formação das matérias escolares. Nesse sentido, “[...] a cultura escolar assume o papel de dispositivo de tradução, isto é, uma função de apropriação ou adaptação dos saberes à gramática que rege o funcionamento da instituição educativa, assim como às características psicossociais dos sujeitos” (Escolano Benito, 2017Escolano Benito, A. (2017). A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas, SP: Alínea. , p. 119). Tal cultura “[...] sedimenta práticas e discursos que se objetivam em tradições, gera hábitos de condutas nos sujeitos intervenientes, se estrutura em rituais estereotipados de curso prescrito e se simboliza em objetos materiais e em imagens com semântica que lhe conferem identidade” (p. 42).

Além da investigação do livro em questão, entrevistamos três ex-professores8 8 A escolha de profissionais atendeu a um pré-requisito: ter lecionado aulas práticas no laboratório do gabinete de História Natural nos anos 60/70 do século XX na unidade Centro do Colégio Pedro II. As entrevistas foram produzidas de acordo com as resoluções éticas brasileiras, especialmente a CNS 510/2016. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa/Comitê Nacional de Ética em Pesquisa por meio da Plataforma Brasil e aprovada com o Parecer número 2.263.336 e CAEE 74002417.5.0000.5582. Em acordo com os parâmetros de ética vigentes no referido comitê, a identidade dos professores foi tratada a partir de padrões profissionais de sigilo, no qual as informações obtidas foram utilizadas somente para os fins acadêmicos da presente investigação. Sob esse aspecto, os professores entrevistados foram designados pelas letras A, B e C. do referido estabelecimento escolar a fim de nos acercarmos mais detidamente das práticas escolares pretéritas, buscando responder a indagações que emergiram no decorrer do processo de análise das fontes escritas. A opção de conjugar fontes diversas deve-se ao fato de podermos alargar o escopo empírico de forma a compreender a gestão de práticas, pois estas “[...] produzem-se como um ato, como uma operação, o que nem sempre lhes permite legar registros à história” (Vidal, 2006Vidal, D. G. (2006). Cultura e práticas escolares: a escola pública brasileira como objeto de pesquisa. Historia de la Educación , 25, 131-152. , p. 158). A utilização de entrevistas concorreu para o alargamento do escopo de conhecimentos acerca das práticas escolares gestadas no interior do laboratório de História Natural, permitindo “[...] aumentar a compreensão desses fazeres com, das rotinas escolares e da constituição de corporeidades nos sujeitos na escola” (Vidal, 2006Vidal, D. G. (2006). Cultura e práticas escolares: a escola pública brasileira como objeto de pesquisa. Historia de la Educación , 25, 131-152. , p. 161).

Ao selecionarem conteúdos, materiais didáticos e saberes em suas práticas cotidianas, os docentes realizam um processo de ‘bricolagem’ (Escolano Benito, 2017Escolano Benito, A. (2017). A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas, SP: Alínea. ), contribuindo para um caráter criativo e singular das disciplinas escolares (Chervel, 1990Chervel, A. (1990). História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, (2).). Como adverte este autor, a fabricação das disciplinas escolares é um dos processos que tornam as escolas lugares singulares de manifestação de saberes e, assim, estas não podem ser consideradas apenas receptáculos passivos da sociedade. A disciplina escolar História Natural/Biologia, como uma produção original, é fabricada em um contexto em que há mesclas entre os imperativos escolares e os conhecimentos advindos das ciências de referência; e, assim, o engendramento das práticas curriculares é um processo criativo e singular.

Com relação às tradições, Goodson (2001Goodson, I. F. (2001). O currículo em mudança. Porto, PT: Porto editora. , p. 174) sinaliza que elas identificam uma determinada cultura disciplinar, iniciando “[...] o professor em visões amplamente diferentes sobre as hierarquias do conhecimento e sobre os conteúdos, o papel dos docentes e as orientações pedagógicas globais”. De acordo com o autor, “[...] são estas tradições que actuam enquanto agência principal de iniciação dos professores nas comunidades disciplinares, pelo que são a face mais visível do fenômeno alargado da subcultura disciplinar” (Goodson, 2001Goodson, I. F. (2001). O currículo em mudança. Porto, PT: Porto editora. , p. 174). O autor identifica três tradições que configuram uma determinada disciplina escolar, a saber: a tradição acadêmica, relacionada com as Ciências de referência, imbuída de valores abstratos que justificam o conhecimento escolar; a tradição pedagógica, que se relaciona ao “[...] conhecimento pessoal, social e de senso comum” (Goodson, 2001Goodson, I. F. (2001). O currículo em mudança. Porto, PT: Porto editora. , p. 180); e a tradição utilitária, que está ligada a aspectos utilitários do saber e do trabalho. Nesta pesquisa, verificamos que o modus operandi do fazer da disciplina escolar História Natural/Biologia é atravessado, portanto, por uma diversidade de tradições que ora se relacionam com a sua disciplina de referência, qual seja, as Ciências Biológicas, ora com os processos pedagógicos ou os aspectos utilitários.

É válido destacar que a disciplina escolar História Natural/Biologia é integrante de um currículo escolar, percebido aqui como uma construção sócio-histórica, por meio do qual se inventam tradições (Goodson, 2013Goodson, I. F. (2013). Currículo: teoria e história. Petrópolis, RJ: Vozes . ). Por essa ótica, consideramos que a emergência de inovações não apaga as tradições existentes, pelo contrário, o ‘novo’ dialoga com o ‘antigo’. À vista disso, concebemos a dinâmica de estruturação disciplinar como uma espécie de retroalimentação em que as tradições e as inovações se correlacionam, gerando rituais e práticas de ofício docente específicas, segundo as circunstâncias sócio-históricas do período em questão. Sendo assim, a materialidade, em conjunto com as práticas docentes, permitiu a circunscrição de rituais que configuraram uma prática laboratorial e, por conseguinte, uma cultura laboratorial que se concretizou nos limites do laboratório do gabinete de História Natural. Tal cultura não é avessa aos imperativos da própria instituição ou às conjunturas sociais e históricas; ela se relaciona com ambas, gerando um híbrido que delimita o ensino de História Natural/Biologia tanto em função das ditas modernidades - como no caso da inserção de microscópios, que eram considerados pelos atores sociais da época um marco modernizador da disciplina (Oliveira & Gomes, 2020Oliveira, F. A., Gomes, M. M. (2020). O microscópio como objeto escolar da disciplina biologia no Colégio Pedro II (1960-1970). Ciência e Educação, 26, 1-15. ) - quanto das tradições já incorporadas à disciplina História Natural/Biologia - como no exemplo da dissecção de animais, que era uma prática corrente dessa disciplina.

Em síntese, as ações mobilizadas pelos atores sociais que deram origem a uma determinada cultura laboratorial do ensino de Historia Natural/Biologia devem ser entendidas tanto em função de aspectos externos a esta cultura quanto a aspectos internos dela. E, portanto, nos alinhamos à seguinte afirmativa:

Tanto os elementos extrassomáticos dessa cultura (expressos nos objetos materiais que se objetivam) como os intersomáticos (refletidos nas relações intersubjetivas dos corpos) conformam padrões de comportamento institucional. Não são apenas variáveis de uma pragmática apenas instrumental, uma vez que tanto o equipamento ergológico usado pelos professores, como os dispositivos cerimoniais de que se serve a vida escolar configuram, em termos antropológicos e sócio históricos, uma cultura com peculiares sinais de identidade (Terrón & Núñez, 2002 apud Escolano Benito, 2017Escolano Benito, A. (2017). A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas, SP: Alínea. , p. 87).

Contingências históricas

Diversas iniciativas governamentais, no contexto da Guerra-Fria, entre 1950 e 1980, tiveram como ensejo inovar o ensino de Ciências por meio de metodologia de natureza experimental que influenciou o ensino de Biologia (Selles, 2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS.). A União Soviética, ao lançar seu primeiro satélite, denominado Sputnik, em 1957, deu impulso para a realização de intervenções pedagógicas. Os países capitalistas iniciaram uma corrida espacial de modo a vencer a batalha pelo desenvolvimento técnico-científico. Em virtude disso, a qualidade do referido ensino foi questionada, em reuniões patrocinadas por organizações internacionais, a fim de frear a franca expansão científica do país socialista no panorama tecnológico (Barra & Lorenz, 1986Barra, V. M., & Lorenz, K. M. (1986). Produção de materiais didáticos de ciências no Brasil, período: 1950 a 1980. Ciência e Cultura, 38(12), 1970-1983. ; Chassot, 2004Chassot, A. (2004). Ensino de ciências no começo da segunda metade do século da tecnologia. In A. Lopes, & E. Macedo (Orgs.), Currículo de ciências em debate (p. 13-44). Campinas, SP: Papirus. ). Países do bloco capitalista, tais como Estados Unidos e Inglaterra, com a finalidade de barrar o avanço da União Soviética, organizaram comitês e centros de ciências para o desenvolvimento de materiais didáticos e projetos curriculares. Estes foram apropriados e reformulados por diversos países, incluindo o Brasil (Barra & Lorenz, 1986Barra, V. M., & Lorenz, K. M. (1986). Produção de materiais didáticos de ciências no Brasil, período: 1950 a 1980. Ciência e Cultura, 38(12), 1970-1983. ; Marandino, Selles, & Ferreira, 2009Marandino, M., Selles, S. E., & Ferreira, M. S. (2009). Ensino de biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos (1a ed.). São Paulo, SP: Cortez. ). Esse conjunto de ações ficaram reconhecidas como “[...] movimento de renovação do ensino de Ciências [...]”, apresentando como base o ensino de caráter experimental, sendo este considerado uma forma adequada de “[...] romper com práticas que atrelavam essa disciplina às tradições de memorização, passividade dos alunos e excesso de conteúdos desatualizados” (Selles, 2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 604).

O movimento de renovação no ensino de Biologia se se deu “[...] por meio do projeto de reformulação curricular conhecido como Biological Science Curriculum Study (BSCS)” (Selles, 2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 604). Tal projeto gerou uma série de materiais didáticos que foram traduzidos para diversos países, incluindo o Brasil. Tais materiais concretizaram o ideário da experimentação como a forma adequada de ensinar Biologia, buscando romper com o ensino tradicional, com forte apelo à memorização e de caráter enciclopédico. Os livros do BSCS valorizavam as práticas experimentais, diferenciando-se dos outros livros didáticos da época. Esses materiais também contribuíram para uma maior aproximação da disciplina escolar Biologia aos moldes da produção acadêmica, fortalecendo tanto a biologia no contexto escolar como no âmbito universitário, colocando-a em uma posição de destaque a partir dos anos de 1960 (Ferreira & Selles, 2008Ferreira, M. S., & Selles, S. E. (2008). Entrelaçamentos históricos das ciências biológicas com a disciplina escolar biologia: investigando a Versão Azul do BSCS. In M. G. Pereira, & A. C. R. Amorim. Ensino de biologia: fios e desafios na construção de saberes (p. 21-38). João Pessoa, PB: UFPB. ).

De acordo com Ferreira (2005Ferreira, M. S. (2005). A história da disciplina escolar ciências no Colégio Pedro II (1960-1980) (Tese de Doutorado). UFRJ, FE, Rio de Janeiro.), o ideário renovador, promulgado pelo ‘movimento de renovação do ensino de Ciências’, encontrou ‘terreno fértil’ no Brasil, visto que aqui já existia um movimento de renovação do ensino secundário que se coadunava com as suas proposições. As iniciativas de modernização do ensino secundário emergiram no século XIX, acirrando-se entre as décadas de 30 e 70 do século XX, em torno da problemática entre um ensino pautado no humanismo clássico, desinteressado, historicamente voltado às elites; e um ensino de caráter científico e técnico (Souza, 2008Souza, R. F. (2008). A renovação didática da escola secundária brasileira nos anos 60. Revista Linguagens, Educação e Sociedade, 13(18), 142-156. , 2009Souza, R. F. (2009). A renovação do currículo do ensino secundário no Brasil: as últimas batalhas pelo humanismo (1920-1960). Currículo sem fronteiras, 09, 72-90. ). A predominância do currículo humanista durante o Império pode ser notada no Colégio Pedro II a partir de seus programas nos quais esses estudos eram enfatizados em detrimento das matérias escolares, como a Física e a Química (Massunaga, 1989 apud Ferreira, 2005Ferreira, M. S. (2005). A história da disciplina escolar ciências no Colégio Pedro II (1960-1980) (Tese de Doutorado). UFRJ, FE, Rio de Janeiro.).

Após anos de debates em torno das finalidades educacionais para o ensino secundário, a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 inicia uma “[...] ruptura dos padrões de composição e ordenação curricular prevalecentes no ensino secundário brasileiro” (Souza, 2008Souza, R. F. (2008). A renovação didática da escola secundária brasileira nos anos 60. Revista Linguagens, Educação e Sociedade, 13(18), 142-156. , p. 154). Para alguns autores (Barra & Lorenz, 1986Barra, V. M., & Lorenz, K. M. (1986). Produção de materiais didáticos de ciências no Brasil, período: 1950 a 1980. Ciência e Cultura, 38(12), 1970-1983. ; Chassot, 2004Chassot, A. (2004). Ensino de ciências no começo da segunda metade do século da tecnologia. In A. Lopes, & E. Macedo (Orgs.), Currículo de ciências em debate (p. 13-44). Campinas, SP: Papirus. ), essa reforma trouxe para o Brasil um movimento de valorização dos estudos científicos, propiciando que as perspectivas do movimento de renovação do ensino de Ciências adentrassem os ‘muros’ da escola. Essa legislação permitiu, inclusive, a adoção de materiais didáticos que materializavam os ideais desse movimento em torno de metodologias experimentais, aproximando as finalidades escolares das acadêmicas.

Práticas laboratoriais no gabinete de História Natural do Colégio Pedro II: cultura laboratorial em ação

A possibilidade da estruturação e sistematização de aulas práticas dependia dos objetos escolares9 9 Os objetos que compõem as aulas laboratoriais do referido espaço escolar são aqui entendidos, em acordo com Fiscarelli (2009, p. 11), “[...] por todo ou qualquer objeto que o professor possa utilizar em sala de aula, de maneira a interferir no processo de ensino e aprendizagem”. No campo investigativo educacional, o termo ‘objeto’ é referenciado a partir de uma multiplicidade de outras designações, como: materiais didáticos, recursos de ensino, materiais pedagógicos, recursos didáticos, meios materiais, dentre outros. É importante salientar que, na presente investigação, os termos ‘objetos escolares’; ‘objetos de ensino’; ‘objetos didáticos’; ‘artefatos’ e ‘materiais didáticos’ são utilizados como sinônimos da compreensão com a qual dialogamos que qualifica tais expressões como materialidades utilizadas por docentes e discentes no contexto do ensino (Fiscarelli, 2009). como um todo, incluindo a materialidade representada pelo espaço específico do laboratório do gabinete que possibilitava a produção de uma cultura laboratorial. Indagados sobre como era organizado espacial e estruturalmente o espaço do gabinete, os entrevistados nos disseram que as atividades práticas eram realizadas em uma sala integrada ao gabinete de História Natural, no qual se encontrava o professor Carlos Potsch, responsável por tal gabinete, conforme apontado pela professora A. Existia um espaço para prática das atividades e “[...] um escritoriozinho fechado ali no canto que podia abrir a porta ou não [...]” (Indicação da docente A) que era referente ao gabinete do catedrático; uma sala “[...] mais administrativa” (Afirmação da professora C).

Não encontramos planos arquitetônicos referentes ao gabinete, mas contamos com os depoimentos orais que nos permitiram acessar alguns elementos da sua dimensão espacial. De acordo com os ex-professores, o laboratório era organizado em bancadas de fórmica, em torno de oito, enfileiradas, com umas baquetas altas, e em cada uma dessas mesas era disponibilizado o material a ser utilizado pelos estudantes. Existiam também armários nos quais eram guardados os microscópios (eles eram disponibilizados individualmente a cada estudante), tubos de ensaio, enfim, “[...] toda a vidraria” (Depoimento da professora A). Além disso, havia prateleiras em que eram localizados tanto animais taxidermizados e alguns representantes do reino animal dispostos em vidros “[...] dentro do formol ou dentro do álcool” (Declaração do professor B). Como sinaliza a professora A acerca de tal recinto,

[e]ssa era a sala prática. Eram bancadas. Aqui tinha um quadro para escrever. E o professor tinha uma bancada maior porque ele tinha que botar as coisas ali para explicar. Então, nós entravámos pela porta dos fundos, passávamos ali pela sala do... pela porta do gabinete e aí tinha umas oito fileiras compridas, de ponta a ponta, com umas baquetas altas, as bancadas de fórmica e em cada bancada um microscópio correspondente para cada aluno e lá na frente a bancada do professor mais alta, atrás um quadro negro para você explicar e também o seu microscópio, um projetor de slides, entendeu?

Indicamos que, nos anos 60/70 do século XX, havia um espaço para a valorização de um ensino prático que dialogava com as aulas teóricas do ensino de História Natural/Biologia10 10 Isso não significa dizer que, nos limites do gabinete, não eram ministrados conteúdos teóricos. Há indícios no livro de registros de aulas teóricas nas quais eram lecionados apenas conteúdos teóricos. . A partir do depoimento prestado pela professora A e da análise do livro de registro, as aulas práticas não eram apenas acessórias e esporádicas. Além do mais, existia um auxílio por parte dos técnicos na arrumação e organização do laboratório para execução das atividades práticas. Além de podermos identificar os objetos escolares no gabinete de História Natural com o movimento de renovação do ensino de Ciências, a mobilização da materialidade também pode ser vista como correlacionada ao processo de reformas educacionais do ensino secundário brasileiro. À vista disso, as ideias dos intelectuais brasileiros, que acreditavam que um novo ensino secundário deveria conjugar as ciências com o humanismo em uma perspectiva de formação do espírito humano, podem ser visualizadas no depoimento a seguir.

Pesquisadora: ok, que ordens e procedimentos os alunos deveriam atender nas atividades laboratoriais?

Professora C: [...]. Então, você deveria botar um jaleco, você deveria ter uma postura dentro do laboratório, ter cuidado com o material, arrumar, não deixar a sala bagunçada. Não é porque a gente tinha um funcionário que ajudava que você podia largar tudo de qualquer jeito. Então, isso tudo fazia parte da gente formar o aluno nesse sentido, ele tem que zelar pelo laboratório, ele tem que zelar pelo material, ele tem que ter postura dentro de um laboratório, não é? Então, essas coisas a gente trabalhava com o aluno na aula prática porque isso faz parte da formação do cidadão, você tem que mostrar para ele que aquilo é público, aquilo não é dele, mas ele tem... ele vai usar aquilo, mas aquilo não é uma propriedade privada [...].

Nesse sentido, os alunos deveriam se comportar com a finalidade de zelar pelo bem público, praticando a cidadania. Portanto, percebemos, nas aulas práticas laboratoriais, resquícios de um ensino humanista, tradição ainda presente, pelo menos ao que parece, no Colégio Pedro II. Além desses comportamentos de prezar pelo patrimônio público, os alunos deveriam utilizar jalecos, vestimentas típicas da profissão do cientista, remetendo novamente ao processo de como o conhecimento é construído na academia.

Como aponta Selles (2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS.), as atividades experimentais, além de guardarem singularidades próprias do ambiente escolar, apresentam características que as relacionam com o fazer científico. Sob esse aspecto, vale mencionar que “[...] se os processos de experimentação didática não podem apagar completamente os elementos identificadores da ação científica é preciso reconhecer que também não se reduzem a meros atrativos para a aprendizagem, mas representam elementos constitutivos da explicação didática” (Selles, 2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 611-612). Nesse sentido, o professor, para lecionar determinados conceitos abstratos, como a estrutura dos distintos tipos de células, por exemplo, “[...] precisa lançar mão de aparatos e artefatos construídos e utilizados em um contexto distinto do escolar, e para o seu ensino e sua aprendizagem, a presença desses materiais se torna indispensável” (Selles, 2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 612).

Percebemos que os materiais didáticos, correlacionados às atividades de ‘laboratório’, iniciam os alunos em uma cultura laboratorial, ministrada nos ‘terrenos’ do gabinete de História Natural, associada, predominantemente, à tradição acadêmica. Tais atividades recebiam o título de ‘ordem e procedimento no laboratório’ e ‘arrumação e ordem do material necessário para cada experiência’, e os alunos deveriam etiquetar os materiais, precavendo-se também dos processos de aquecimentos de substâncias em tubos de ensaio. Além disso, deveriam saber definir e desenhar esquematicamente os utensílios utilizados nessas práticas. Ao tomarmos as palavras de Ferreira (2014Ferreira, M. S. (2014). Currículo e cultura: diálogos com as disciplinas escolares Ciências e Biologia. In A. F. Moreira, & V. M. Candau. Currículos, disciplinas escolares e culturas (p. 185-213). Petrópolis, RJ: Vozes . , p. 193) para refletir sobre o ensino prático no laboratório do gabinete de História Natural, percebemos que

[o] ensino experimental ganhou tempo e espaço na disciplina escolar Biologia, em um formato ainda mais cientificizado (e menos integrado) do que aquele que vinha sendo forjado na disciplina escolar Ciências. Afinal, a posição ocupada por essa disciplina escolar no currículo do secundário a colocava mais próxima dos estudos universitários, ainda que as finalidades sociais da escolarização trouxessem outros elementos para o debate.

O trecho a seguir demonstra a natureza científica de alguns rituais que introduziam os estudantes em atividades reconhecidas como científicas. Sob a égide de ‘ordem e procedimento no laboratório’, tal aula demarca uma série de práticas de cuidado com os materiais utilizados. Dessa maneira, a materialidade utilizada nessas atividades colaborava para o empreendimento de rituais notadamente de características acadêmicas que introduziam os estudantes em atividades marcadamente científicas. Nelas, o aluno deveria empregar uma série de rituais, como ‘limpeza de material’, ‘ler rótulos corretamente antes de utilizar substâncias’, ‘lavar a pele, caso haja algum contato com substância’. A seguir, transcrevemos os assuntos abordados no dia 20/03/1974, primeira aula do ano letivo.

Ordem e procedimento em laboratório

Acessórios de vidro graduados e comuns utilizados em laboratório

Etiquetagem do material

Precauções com aquecimento de substâncias em tubo de ensaio

Substâncias inflamáveis que devem ser aquecidas em banho maria ou em chapa elétrica.

Ler os rótulos dos frascos antes de usar as substâncias nêle contidas.

Cuidado para lavar com bastante água se qualquer substância cair na pele.

Cuidado para evitar quebrar as vidrarias do laboratório

Tubos de ensaio (tamanhos variados); becker (capacidades variáveis) (Livro de registro..., n.d.Livro de registro de aulas práticas de laboratório no gabinete de História Natural. (n.d.). , p. 187).

Objetos escolares, como tubos de ensaio, béqueres, utensílios de vidro de modo geral, balanças, pipetas, provetas, erlenmeyers, placas de petri, funis, como citado no livro de registro de aulas práticas, referentes às aulas de ‘laboratório’, possibilitavam a produção de rituais que iniciavam os alunos na cultura laboratorial do gabinete de História Natural. Ao correlacionarmos tais práticas ao movimento renovador do ensino de Ciências, podemos perceber a influência da cultura científica sobre a cultura escolar, subordinando os objetivos de tais práticas aos imperativos científicos. Conforme aponta Selles (2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 602), na conjuntura histórica desse movimento, “[...] as finalidades acadêmicas não apenas pretendem submeter as escolares, como impor um ritual cientifizado às práticas escolares de maior proximidade com as ciências de referência”. Com relação a isso, o exemplo a seguir destaca uma prática de dissecção de um rato em que verificamos a cientificidade de tais atividades, aproximando as práticas do ensino de Biologia às Ciências Biológicas. No entanto, também podemos perceber que os detalhes cuidadosos da descrição, dos procedimentos e do que deve ser observado são também revestidos de traços pedagógicos relacionados à preocupação com a participação ativa dos alunos na atividade.

O rato é um dos animais mais utilizados como ‘modelo’ de mamíferos em dissecções.

É muito comum no mundo inteiro e de fácil manipulação. Adaptado à vida de cativeiro e reproduzindo-se bem em laboratórios. A anestesia deve ser feita em um vidro de boca larga e tamanho adequado, no qual se joga algodão embebido em éter ou clorofórmio. Para uma simples experiência ou observação na qual o animal deve permanecer vivo, devemos anestesiá-lo levemente e manter à mão um funil que se faz com um cartão e no qual se coloca um algodão com éter; isto será usado colocando-se o funil no focinho do animal quando este começa a acordar. [...] Anestesiado ou morto, o animal pode ser preso com alfinetes em uma prancha parafinada ou amarrada numa tábua de duratex com a face ventral voltada para cima [...] (Livro de registro..., n.d.Livro de registro de aulas práticas de laboratório no gabinete de História Natural. (n.d.). , p. 183-185).

Cabe ainda destacar que os objetos utilizados para os procedimentos de dissecção de animais eram referidos como ‘materiais cirúrgicos’. Mais uma vez, notamos os entrelaçamentos entre a cultura científica e a cultura laboratorial presente no laboratório do gabinete de História Natural. Retomando as palavras de Ribeiro (2010Ribeiro, M. S. (2010). Das coisas e suas invenções: antropologia no mundo das marcas (Dissertação de mestrado). USP, São Paulo. , p. 89), “[...] compreender os objetos materiais enquanto, simultaneamente, portadores e produtores de valores sociais, pressupondo que pessoas e coisas são igualmente significativas e capazes de agir com intensidade no curso de suas interações [...]” é essencial para perceber que tais ‘materiais cirúrgicos’ contribuíram para a fabricação de rituais e disposições que identificam o ensino de História Natural/Biologia na prática como atrelado à cultura científica. No dia 18/09/1974 (Livro de registro..., n.d.Livro de registro de aulas práticas de laboratório no gabinete de História Natural. (n.d.). , p. 295-2967), há referência a esses materiais que deveriam ser arrumados “[...] à direita do técnico um ao lado do outro nesta ordem: 1- bisturi; 2 - tesouras; 3 - pinças. O animal a ser dissecado ficará bem à nossa frente”. Quanto aos materiais didáticos utilizados, estes eram: bisturi nº 4 com lâmina fixa ou móvel; tesouras pontiagudas, ponta romba, mista (curvas e retas); pinça dente de rato; pinça de dissecção e bandeja.

Resgatando as palavras de Selles (2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 598), “[...] os lugares (e os tempos) em que se dão os processos de ensinar e aprender as práticas experimentais nessa disciplina são atravessados por uma seleção de elementos da cultura científica, os quais são recriados e ressignificados na cultura escolar”. Sob esse aspecto, os artefatos utilizados nas práticas laboratoriais, além de promulgarem aspectos da cultura científica, fabricam disposições escolares, associadas às ‘tradições’ pedagógicas. Em outros termos, havia os imperativos escolares correlacionados ao processo de avaliação em que os alunos deveriam preencher um roteiro, conforme aponta a professora A, ou nos termos da professora C, um relatório.

Eles deviam ser pontuais e aprontar o roteiro. O roteiro tinha que estar desenhado, tinha dois círculos para eles desenharem e perguntas para responderem. [...]. Só saía da sala quando a prática tivesse sido concluída, os desenhos feitos e as perguntas respondidas. [...]. Sem aquilo era zero.

Dessa forma, os alunos eram inquiridos, nas aulas práticas, a preencher o roteiro sobre o “[...] que era discutido, aquilo que se discutia durante a aula, eles tinham algum produto daquilo que eles faziam que, normalmente, é na forma de um relatório” (Depoimento da professora C). A partir do livro de registro de aulas práticas, encontramos menção a essa preparação de relatório por parte do aluno a qual ele deveria preencher com ‘objetivos, procedimentos, resultados e conclusão’. Inquirida sobre a importância da produção de relatórios pelos discentes, a docente C destaca que esse tipo de elaboração pelo aluno era importante para a fixação dos conteúdos. O relatório era um produto educacional fabricado pelo aluno no qual eram sintetizadas as práticas referentes a determinada aula. A produção do relatório se reveste de características de tradições acadêmicas do trabalho de laboratório das Ciências Biológicas, e nele se destacam as finalidades pedagógicas que fortalecem a formação dos alunos em um contexto histórico de movimentos de mudança.

Eles tinham que desenhar o que haviam observado, como células, animais dissecados ou plantas. Quando a professora A chegava ao gabinete de História Natural, os discentes já se encontravam, nos termos da professora, ‘perfilados’; e os roteiros já estavam impressos pelos técnicos do laboratório. Isso nos indica como os materiais didáticos proporcionavam o compartilhamento de procedimentos que deviam ser seguidos sistematicamente pelos alunos a partir de desenhos esquemáticos das práticas e o respectivo preenchimento do relatório.

Tinha que desenhar o que estava observando no microscópio. [...] Eram coisas microscópicas. Ou quando não fosse, ele tinha que desenhar. Se fosse uma barata que ele estivesse abrindo, ele tinha que desenhar a barata, o intestino da barata. E ele tinha que responder um questionário embaixo. E tinha na mesma folha o roteiro com o procedimento, com o título da aula, o procedimento que ia fazer, o material necessário (Depoimento da professora A).

Por conseguinte, defendemos que o conjunto de materiais didáticos no gabinete de História Natural permitiu o processo de modernização do ensino de História Natural/Biologia, implementando o ensino prático, modificando a forma como este era concebido na instituição. Tomando as palavras de Barra e Lorenz (1986Barra, V. M., & Lorenz, K. M. (1986). Produção de materiais didáticos de ciências no Brasil, período: 1950 a 1980. Ciência e Cultura, 38(12), 1970-1983. , p. 1973, grifo do autor), a partir desses objetos, “[...] os alunos participavam em atividades que lhes possibilitavam, assim, ‘praticar’ ou ‘fazer’ ciências pelo chamado método científico”. Portanto, a circunscrição de práticas laboratoriais no referido recinto escolar materializava esses sentidos de escolarização, rompendo com disposições curriculares atreladas ao ensino considerado tradicional.

As atividades de caráter prático eram identificadas na conjuntura histórica aqui investigada como uma maneira de superar as ‘amarras’ dos métodos tradicionais de ensino, desenvolvendo a consciência científica e tecnológica tanto nos professores como nos estudantes. Então, consideramos os objetos escolares, mobilizados nas práticas escolares do ensino de Biologia, promulgadores de uma retórica que tanto identificava o ensino dessa disciplina às Ciências Biológicas como disseminava um status elevado nessa disciplina, atrelado à experimentação e ao método ativo.

Nessa conjuntura, as propostas de natureza experimental ganharam evidência, elevando a experimentação a uma metodologia eficaz no combate ao ensino tradicional, sendo parte, portanto, de “[...] um processo mais amplo de modernização do país e uma forma de ensino ativo, nos moldes do escolanovismo, que se contrapunham a metodologias tidas como atrasadas” (Selles, 2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 600). Isso pode ser identificado nos depoimentos prestados pelo corpo docente nos quais eles sinalizavam que as aulas práticas não eram demonstrativas; nas palavras da docente A, os ‘alunos eram ativos’. E existia todo um conjunto de procedimentos que deveriam ser seguidos para o encaminhamento da aula.

A participação dos alunos nas práticas pode ser encontrada também no livro de registro das aulas práticas. Há aulas em que os alunos demonstraram ‘como usar o bico de bunsen’, explicitando suas utilidades no laboratório, as partes componentes deste artefato e as funções de cada parte da chama - neutra, redutora e oxidante -. Um outro exemplo pode ser encontrado nas aulas em que os discentes apresentaram conteúdos relacionados à filtração, purificação, a misturas homogêneas, heterogêneas e à densidade, por exemplo. Essas aulas pertencem ao ano de 1973 e correspondem a um total de 11 aulas nas quais os estudantes foram responsáveis por coordenar as atividades.

A operacionalização das atividades práticas no gabinete de História Natural também contou com dois tipos de modalidades de ensino, uma correlacionada às atividades individuais de utilização do microscópio, e outra associada à técnica de dissecção de animais. De acordo com a professora A, cada aluno tinha o seu material e microscópio.

Pesquisadora: Mas os alunos, eles eram divididos em grupos? Cada grupo tinha um material?

Professora A: Não, era individual. O material era individual. Cada um tinha o seu microscópio. Era individual. [...] A sala tinha 50 microscópios. Microscópios bons, entendeu? Cabiam 50 alunos lá. Mas eles botavam a metade que era para ficar bem confortável. Não, o aluno ficava sozinho com seu material [...]. E os dois técnicos circulando para tirar dúvidas, né?

Já a outra modalidade de atividade - aulas de dissecção de animais - se dava em grupos. Os alunos trabalhavam conjuntamente em torno de um mesmo material de dissecção. Como assevera o professor B, essas práticas deviam ser desenvolvidas em grupo, uma vez que “[...] normalmente para sacrificar o animal seriam muitos animais”. Inclusive, os estudantes “[...] traziam o próprio ratinho, cada um trazia o seu, ou trazia uma cobaiazinha, ou trazia isso ou um coelho e etc., o que fosse dependendo daquele assunto” (Depoimento do professor B). Segundo a docente C, o tipo de estratégia didática adotada dependia de quais conteúdos seriam abordados na aula prática. Dessa forma, para evitar uma ‘matança’ de animais, os alunos eram agrupados por mesas de trabalho. E, então, a docente C assevera:

É, sim, microscópio a gente tinha vários. Microscópios sim. A gente tinha vários, porém, por exemplo, você vai fazer uma dissecção, cada aluno não vai ter uma bandeja com todo material e um bicho só para eles. Você não comporta, então, você tem por mesa de trabalho; você tinha uma bandeja com todo o instrumental e com o animal para ele fazer uma dissecção, então daí, era por mesa. Mas o aparelho óptico, o Pedro II sempre foi um colégio que tinha essa infraestrutura de microscópio, de lupa e etc.

A partir dos exemplos mencionados, podemos perceber que há disposições curriculares que materializam sentidos do fazer do ensino de História Natural/Biologia na escola, ações estas que implicam em conformações distintas do campo das Ciências Biológicas. Embora possamos verificar entrelaçamentos entre a cultura disciplinar do referido ensino e a cultura científica, encontramos elementos que atendem às finalidades escolares. Refletindo sobre a história de constituição da disciplina escolar Biologia, percebemos, inspiradas em Marandino et al. (2009Marandino, M., Selles, S. E., & Ferreira, M. S. (2009). Ensino de biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos (1a ed.). São Paulo, SP: Cortez. , p. 92), que “[...] as escolhas de conteúdos e métodos de ensino não têm como única referência as Ciências Biológicas, mas são efetivadas com base em aspectos como as necessidades e demandas das escolas, dos alunos e da comunidade”. Sob esse aspecto, verificamos, nos depoimentos de ex-professores, características do fazer prático da História Natural/Biologia que se correlacionam com a consideração posta pelas referidas pesquisadoras. No trecho a seguir, observamos que, nas aulas práticas de fermentação da professora A, ela adicionava aspectos da vida cotidiana dos alunos:

Professora A: Havia algumas aulas que eram muito interessantes, por exemplo, as aulas de fermentação, né? Eram aulas importantes porque a gente fazia a correlação com a vida, com o vinho, com o pão, com o iogurte, com os processos fermentativos, aeróbicos, anaeróbicos e como é que se produzia a cachaça da cana. Então, se o professor conseguisse fazer essa relação com a vida real, as aulas eram melhores. Eu sempre gostei de fazer muito essa relação com a vida real para não ficar só olhando a levedura no microscópio. Tá, olhar a levedura no microscópio e daí? Então, eles, na aula de levedura, eu trazia o fermento de pão. [...]. É ligar com o mundo real, entendeu? Eles entenderem como é que as coisas funcionam na natureza, na vida. Não é chegar ali e olhar uma figura em mitose, sim e daí? Agora no seu corpo onde é que está acontecendo isso que está aqui? [...].

Sendo assim, apontamos que tais considerações advindas das entrevistas simbolizam “[...] movimentos de seleção, de organização e de transformação dos conhecimentos científicos que ocorrem no interior dos processos educativos e não possuem as Ciências Biológicas como única referência para confecção de nossos currículos escolares” (Marandino et al., 2009Marandino, M., Selles, S. E., & Ferreira, M. S. (2009). Ensino de biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos (1a ed.). São Paulo, SP: Cortez. , p. 92). No âmbito do gabinete de História Natural, a conformação das práticas, além de expor os elementos da cultura científica, se associava a outras singularidades escolares, conforme os trechos acima indicam. Como sugere Selles (2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 613), no período dos anos de 1960-70, “[...] os investimentos [...] focalizavam mudanças metodológicas na disciplina Biologia que refletiam processos mais amplos, os quais se davam em esferas macrossociais e, em especial, nos lugares de produção científica”. Assim sendo,

[a] seleção dos elementos culturais científicos referenciada pela cultura escolar se complexifica nas malhas do tecido social no qual interagem tanto forças políticas que modulam a formação docente quanto as práticas escolares que respondem às demandas profundas do alunado, constrangidas por tempos e lugares específicos (Selles, 2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 613).

Se, como afirma Selles (2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 612), “[...] a identidade das disciplinas Ciências e Biologia na escola se construiu historicamente com as marcas da experimentação e com estas se diferenciaram de outras atividades didáticas que são utilizadas simultaneamente em várias disciplinas [...]”, afirmamos que a coleção de objetos mobilizados nas práticas do gabinete também identificava o ensino de História Natural/Biologia. Ademais, os materiais didáticos, de maneira geral, traziam uma ideia de inovação curricular que materializava os sentidos disseminados tanto pelo movimento de renovação do ensino de Ciências como pelas reformas do ensino secundário. Isso pode ser exemplificado por meio do depoimento prestado pela professora C, a seguir:

Então, eu acho que o fato da gente ter um laboratório, o fato da gente ter um espaço de um laboratório bem montado com todos esses objetos, com todos esses materiais disponíveis, isso fazia com que os professores que se sentissem com essa vontade, que acreditavam muito nesse trabalho prático, pudessem desenvolver e inovar de alguma forma porque o aluno passa a viver uma outra realidade. Ele passa da teoria simplesmente para começar a experimentar e a visualizar aquilo de outra forma. Então, acho que isso traz para o aluno uma inovação e uma coisa nova em que ele vai ver aquela ciência de uma maneira diferente. E acho que isso acaba, às vezes, até influenciando as suas próprias carreiras.

Com base em Goodson (2013Goodson, I. F. (2013). Currículo: teoria e história. Petrópolis, RJ: Vozes . ), Selles (2008Selles, S. E. (2008). Lugares e culturas na disciplina escolar Biologia: examinando as práticas experimentais nos processos de ensinar e aprender. In C. Traversini, E. Eggert, E. E. Peres, & I. Bonin. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas (p. 592-617). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS., p. 613, grifo do autor) afirma que, na conjuntura histórica investigada, “[...] se tentava ‘inventar uma tradição’” por meio do ensino experimental. Por conseguinte, a materialidade existente no referido gabinete também pode ser visualizada como inventando tradições que se correlacionavam, predominantemente, com as Ciências Biológicas, mas que, no contato dialógico com o docente, proporcionavam também a produção de tradições de cunho pedagógico, relacionadas ao cotidiano e às experiências dos estudantes. Ademais, os objetos escolares introduziam também os estudantes em práticas laboratoriais, permitindo que eles experimentassem a metodologia científica. Com a finalidade de sintetizar, tomamos as palavras de Ferreira (2014Ferreira, M. S. (2014). Currículo e cultura: diálogos com as disciplinas escolares Ciências e Biologia. In A. F. Moreira, & V. M. Candau. Currículos, disciplinas escolares e culturas (p. 185-213). Petrópolis, RJ: Vozes . , p. 193), ao salientar que

[o] discurso unificador e modernizante das Ciências Biológicas foi sendo ressignificado em um ensino experimental que pretendia, explicitamente, a utilização de materiais de laboratório e a adoção de procedimentos mais cientificamente controlados em um espaço físico à semelhança dos laboratórios de pesquisa.

Da mesma maneira que os centros de ciências atuaram na promulgação de sentidos sobre o ‘bom’ professor e o aluno ideal, tomamos as palavras de Valla, Lucas e Ferreira, (2009Valla, D. F., Lucas, M. C., Ferreira, M. S. (2009). A experimentação didática nas ações dos centros de Ciências brasileiros: investigando inovações curriculares nos anos de 1960/1970. In: 9ª Congresso Iberoamericano de História da Educação Latinoamericana (p. 1-10). Rio de Janeiro, RJ. , p. 4) no sentido de atribuir à mobilização de artefatos e às respectivas práticas curriculares essa mesma função no processo de produção de “[...] padrões curriculares socialmente legítimos de temáticas e de metodologias de ensino para as disciplinas escolares em ciências, assim como do que seriam os ‘bons’ e os ‘maus’ professores e estudantes para as mesmas”. Nessa perspectiva, os materiais didáticos podem ser vistos como centrais no processo de materialização dessa retórica de associação do ensino experimental e prático como ‘ideal’ no ensino de História Natural/Biologia.

Considerações finais

A estruturação de um corpus de comportamentos e de hábitos que se fazem presentes no laboratório do gabinete de História Natural materializam, assim, sentidos acerca do fazer disciplinar da História Natural/Biologia, mobilizando um modo operandis desta que a identifica com uma série de dispositivos materiais que a delineiam e a especificam, fazendo com que ela seja diferenciada das outras matérias escolares. De modo geral, as práticas escolares e curriculares no Colégio Pedro II permitiam que os alunos experimentassem a metodologia científica, trazendo uma ideia de inovação curricular que materializava tanto os sentidos disseminados pelo movimento de renovação do ensino de Ciências como pelas reformas secundárias. E, com isso, a identidade do ensino de História Natural/Biologia foi sendo forjada com os traços da experimentação. A materialidade ali existente, conjugada às práticas escolares, pode ser visualizada como inventando tradições que se correlacionavam, predominantemente, com as Ciências Biológicas (o que contribuiu para um caráter científico referente ao ensino de História Natural/Biologia no Colégio Pedro II), mas que, no contato dialógico com a docência, proporcionavam também a produção de tradições de cunho pedagógico, relacionadas ao cotidiano e às experiências dos estudantes. Por meio da mobilização de diferentes dispositivos ergológicos, tais ações também fabricaram rituais próprios desse ensino, caracterizando o corpus docente e o ensino em questão.

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  • Viñao Frago, A. (1995). Historia de la Educación e historia cultural. Revista Brasileira de Educação, (0), 63-82.
  • 1
    A pesquisa abrangeu as aulas práticas ocorridas na unidade Centro do Colégio Pedro II.
  • 2
    Adotamos o termo História Natural/Biologia para designar o ensino de uma disciplina escolar que estava em um contexto de transformações. De acordo com Cassab (2011Cassab, M. (2011). A emergência da disciplina escolar Biologia (1961-1981): renovação e tradição (Tese de Doutorado). Faculdade de Educação, UFF, Niterói. ), não é possível determinar quando ocorre oficialmente a mudança da nomeação disciplinar de História Natural para Biologia. Somente o plano curricular de 1973 faz menção à Biologia escolar. Em contrapartida, textos oficiais publicados no Diário Oficial da União (DOU) referem-se tanto à Biologia - edital de seleção para composição do quadro docente do Colégio Pedro II em abril de 1970 - como à História Natural - edital de convocação de professores de História Natural para reunião publicado em agosto de 1972 - (Cassab, 2011Cassab, M. (2011). A emergência da disciplina escolar Biologia (1961-1981): renovação e tradição (Tese de Doutorado). Faculdade de Educação, UFF, Niterói. ).
  • 3
    Percebemos essa mudança como um processo contínuo, e não como uma ruptura entre o ensino de uma ‘antiga’ disciplina escolar, a História Natural, para uma ‘nova’ disciplina, a Biologia.
  • 4
    “Prácticas y conductas, modos de vida, hábitos y ritos - la historia cotidiana del hacer escolar -, objetos materiales - función, uso, distribución en el espacio, materialidad física, simbología, introducción, transformación, desaparición… -, y modos de pensar, así como significados e ideas compartidas. Alguien dirá: todo. Y sí, es cierto, la cultura escolar es toda la vida escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos y conductas, modos de pensar, decir y hacer”.
  • 5
    “El espacio dice y comunica; por tanto educa”.
  • 6
    “Una especie de discurso que instituye en su materialidad un sistema de valores [...]. unos marcos para el aprendizaje sensorial y motórico y toda una semiología que cubre diferentes símbolos estéticos, culturales y aún ideológicos”.
  • 7
    Do ponto de vista do contexto histórico de sua produção e utilização, o referido livro abarca o período entre 09/11/1972 a 18/11/1975. Esse material é uma espécie de caderno de atas de capa dura preta, pautado e com linhas. Cada folha é numerada, totalizando 358 páginas de registro.
  • 8
    A escolha de profissionais atendeu a um pré-requisito: ter lecionado aulas práticas no laboratório do gabinete de História Natural nos anos 60/70 do século XX na unidade Centro do Colégio Pedro II. As entrevistas foram produzidas de acordo com as resoluções éticas brasileiras, especialmente a CNS 510/2016. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa/Comitê Nacional de Ética em Pesquisa por meio da Plataforma Brasil e aprovada com o Parecer número 2.263.336 e CAEE 74002417.5.0000.5582. Em acordo com os parâmetros de ética vigentes no referido comitê, a identidade dos professores foi tratada a partir de padrões profissionais de sigilo, no qual as informações obtidas foram utilizadas somente para os fins acadêmicos da presente investigação. Sob esse aspecto, os professores entrevistados foram designados pelas letras A, B e C.
  • 9
    Os objetos que compõem as aulas laboratoriais do referido espaço escolar são aqui entendidos, em acordo com Fiscarelli (2009Fiscarelli, R. B. (2009). A construção do saber sobre a utilização de objetos no ensino brasileiro. (Tese de Doutorado em Educação Escolar). Universidade Estadual Paulista, Araraquara., p. 11), “[...] por todo ou qualquer objeto que o professor possa utilizar em sala de aula, de maneira a interferir no processo de ensino e aprendizagem”. No campo investigativo educacional, o termo ‘objeto’ é referenciado a partir de uma multiplicidade de outras designações, como: materiais didáticos, recursos de ensino, materiais pedagógicos, recursos didáticos, meios materiais, dentre outros. É importante salientar que, na presente investigação, os termos ‘objetos escolares’; ‘objetos de ensino’; ‘objetos didáticos’; ‘artefatos’ e ‘materiais didáticos’ são utilizados como sinônimos da compreensão com a qual dialogamos que qualifica tais expressões como materialidades utilizadas por docentes e discentes no contexto do ensino (Fiscarelli, 2009Fiscarelli, R. B. (2009). A construção do saber sobre a utilização de objetos no ensino brasileiro. (Tese de Doutorado em Educação Escolar). Universidade Estadual Paulista, Araraquara.).
  • 10
    Isso não significa dizer que, nos limites do gabinete, não eram ministrados conteúdos teóricos. Há indícios no livro de registros de aulas teóricas nas quais eram lecionados apenas conteúdos teóricos.
  • 24
    Rodadas de avaliação: R1: dois convites; uma avaliação recebida. R2: dois convites; uma avaliação recebida.
  • 25
    Como citar este artigo: Oliveira, F. A., & Gomes, M. M. Práticas escolares no laboratório do gabinete do ensino de História Natural/Biologia no Colégio Pedro II (1960-1970). Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e255
  • 26
    Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 27
    O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Código de Financiamento 001. Os autores agradecem ao Núcleo de Documentação e Memória (NUDOM) do Colégio Pedro II por ter possibilitado o acesso ao seu acervo.
  • 28
    Licenciamento: Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Editado por

Editor-associado responsável: José Gonçalves Gondra E-mail: gondra.uerj@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2022
  • Aceito
    04 Nov 2022
  • Publicado
    01 Fev 2023
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