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EM BUSCA DE UMA NOVA FORMA DE ENVELHECER: CONTROVÉRSIAS DA MEDICINA ANTI-AGING E MUDANÇAS NA REGULAÇÃO MÉDICA DO ENVELHECIMENTO

IN SEEK OF A NEW WAY OF GETTING OLDER: CONTROVERSY ON ANTI-AGING MEDICINE AND CHANGES IN THE MEDICAL REGULATIONS OF AGING

Resumo

O artigo analisa mudanças na abordagem médica do envelhecimento e as implicações dessas transformações na forma como esse processo é vivenciado por pacientes. A pesquisa apresenta uma análise de controvérsias no contexto da organização da medicina anti-aging no Brasil. A discussão aborda o processo de medicalização do envelhecimento a partir das controvérsias sobre o papel da biomedicina na conjuntura do aumento da expectativa de vida. O texto se concentra na relação entre autoridade médica e a condução individual do processo de envelhecer, considerando o paradigma do envelhecimento ativo. A análise destaca a estratégia da medicina anti-aging de constituir uma abordagem de estilo de vida que reorganiza a relação médico/paciente concentrando-se na interação e no protagonismo dos pacientes como vantagem em um contexto institucional desfavorável.

Palavras-chave:
Envelhecimento; medicalização; medicina anti-aging; técnicas do corpo; estilo de vida

Abstract

The article analyzes changes in the medical approach of aging and identifies its consequences in the way patients are living the aging process. This research presents an analysis of controversy in the context of the organization of anti-aging medicine in Brazil. The discussion addresses the medicalization of aging by considering the controversy about the role of biomedicine in the conjuncture of life expectancy improvements. It is emphasized the linkage between medical authority and individual conduction of aging with the background of active aging as a paradigm. This analysis highlights the anti-aging medicine strategy of creating an approach of the lifestyle that reorganizes the doctor/patient relationship by focusing on close interaction with patients and giving them a leading role in the therapeutic process, which becomes an asset in a disadvantageous institutional context.

Keywords:
Aging; medicalization; anti-aging medicine; body techniques; lifestyle

A ABORDAGEM DO DECLÍNIO FÍSICO DO ENVELHECIMENTO NA BIOMEDICINA

Este artigo analisa mudanças na abordagem médica do envelhecimento e as implicações dessas transformações na forma como esse processo é vivenciado por pacientes a partir das controvérsias suscitadas pela medicina anti-aging no Brasil. O objetivo é compreender as condições que favorecem o fortalecimento de práticas anti-aging em um contexto institucional desfavorável, concentrando-se nas condições específicas dessa abordagem no âmbito da relação entre profissionais e pacientes.

A busca por meios de preservar a vida e estender seu tempo de duração, que acompanhou o processo civilizatório (Elias, 2001Elias, Norbert. (2001). A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar.), tem na dimensão natural de envelhecimento um impasse. Na trajetória tecnocientífica biomédica, o investimento na possibilidade de intervir e controlar o descenso físico e cognitivo decorrente da passagem dos anos impulsionou diferentes empreendimentos. Como exemplo, pesquisadores como Brown-Sequard, no século XIX, e Serge Voronoff no século XX, que se destacaram na chamada organoterapia, buscaram a compreensão de princípios do funcionamento fisiológico para criar meios de retardar ou reverter o processo de senescência - o envelhecimento biológico. A sugestão de métodos controversos e os resultados questionáveis renderam aos estudos sobre envelhecimento o estigma do charlatanismo, desconfiança que as ciências especializadas tiveram que contrapor em seu desenvolvimento. Assim, a ascensão da ciência moderna relegou as iniciativas anti-aging à marginalidade dos objetivos e métodos científicos, como meta improvável e fantasiosa (Mykytyn, 2007Mykytyn, Courtney. (2007). Executing aging: an ethnography of process and event in anti-aging medicine. Doctoral dissertation. University of Southern California.). A ideia da “fonte da juventude”, que passou a frequentemente designar esse tipo de projeto, remete a uma desgastada insistência de tentar burlar o que a natureza já determinou para a finita vida humana.

No desenvolvimento da biomedicina, a abordagem do envelhecimento se concentrou na dimensão natural e inevitável desse fenômeno. A formação da gerontologia e da geriatria como modalidade médica especializada nas condições particulares da velhice, no século XX, constituiu a base biomédica de compreensão desse processo, estabelecendo as especificidades de uma derradeira fase de vida. As noções de natureza e de inevitabilidade se articulam na previsão de um declínio físico e cognitivo gradativo que está presente nas representações sobre o envelhecimento e, sobretudo, na concepção tradicional da velhice.

No contexto atual de envelhecimento das populações, observa-se a ampliação de movimentos de mudança da perspectiva desse processo. As novas propostas, contudo, evidenciam um contraste com a abordagem naturalizante do envelhecimento − como um fenômeno biológico específico, necessário e inevitável −, hegemônica no modelo biomédico.

A década de 1990 pode ser considerada um marco de mudanças na concepção do envelhecimento. É nesse momento que se organiza, de forma mais sistemática e institucionalizada, o que viria a ser conhecido como medicina anti-aging. Como o próprio nome sugere, estava sendo apresentada uma ideia de contraposição ao envelhecimento que apontava mudanças na materialidade da vivência desse processo no corpo. Essa proposta tem como base os avanços tecnocientíficos, sobretudo no âmbito biomédico de controle de doenças, com destaque para aquelas associadas ao envelhecimento (Kampf & Botelho, 2009Kampf, Antje & Botelho, Lynn. (2009). Anti-aging and biomedicine: critical studies on the pursuit of maintaining, revitalizing and enhancing aging bodies. Medicine Studies, 1 p. 187-195. ).

Atualmente, a abordagem anti-aging não é reconhecida pelas instituições médicas e autoridades da saúde. A despeito, porém, de frequentes acusações de charlatanismo e dos esforços para conter sua disseminação, até por meios legislativos e judiciais, essa vertente tem se fortalecido e ganhado cada vez mais adeptos tanto entre profissionais quanto entre pacientes (Mehlman et al., 2004Mehlman, Maxwell et al. (2004). Anti-aging medicine: can consumers be better protected?. The Gerontologist, 44/3, p. 304-310.).

No Brasil, as primeiras instituições direcionadas ao desenvolvimento de práticas médicas anti-aging se organizaram a partir do final de década de 1990, influenciadas, principalmente, pela medicina anti-aging americana, com destaque para a American Academy of Anti-aging Medicine (A4M) na formação de profissionais. Embora tais práticas tenham gradativamente se disseminado desde então, mais recentemente, em 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM), órgão regulador da prática médica no Brasil, iniciou um esforço institucional para conter o avanço da medicina anti-aging no país com a publicação da Resolução CFM 1.999/2012 (Conselho Federal de Medicina, 2012b), que proíbe tratamentos com objetivo anti-aging, principalmente aqueles que envolvem suplementação de vitaminas e minerais e uso de hormônios. A resolução dava sequência ao Parecer-Consulta CFM 29/2012, que apresenta a avaliação dos métodos e tratamentos anti-aging. Essa avaliação foi realizada após um pedido de regulamentação feito pelo diretor de uma das instituições de medicina anti-aging no Brasil. Na ocasião foi apresentado um estudo com as supostas bases científicas dos tratamentos anti-aging. Com a proibição dos tratamentos, os profissionais praticantes reagiram com críticas ao CFM e processos judiciais.

Partindo desse contexto de conflito e controvérsia, este artigo apresenta uma pesquisa realizada com 14 médicos praticantes da medicina anti-aging, seis médicos que participaram do processo de avaliação ocorrido na Câmara Técnica de Geriatria do CFM, e cinco pacientes adeptos dos tratamentos anti-aging, com idades entre 23 e 60 anos.1 O processo de pesquisa incluiu observação em campo em eventos das instituições promotoras da medicina anti-aging, um curso e um congresso internacional, e um fórum de geriatria promovido pelo CFM, no qual foi discutida a atual situação jurídica das práticas anti-aging no país. Além disso, houve acompanhamento da atuação dos profissionais da medicina anti-aging e análise de material produzido por eles, como artigos, livros, páginas em redes sociais e sites. Para a discussão aqui proposta, a análise concentra-se nas entrevistas e materiais produzidos pelos profissionais.

A pesquisa foi conduzida de acordo com princípios da teoria ator-rede (TAR) (Latour, 2004Latour, Bruno. (2004). Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Bauru: Edusc. , 2005, 2011) para definir o que é a chamada medicina anti- aging, compreender qual é sua particularidade e situá-la no contexto mais amplo da biomedicina. É preciso considerar o fato de que os praticantes da medicina anti-aging são profissionais com formação tradicional e, ao mesmo tempo em que se portam como críticos e dissidentes do modelo médico oficial, são parte dele e fazem questão de ser, uma vez que não reivindicam seu exercício como uma prática alternativa. Dessa forma, a pesquisa buscou, desde o início, seguir a constituição das controvérsias, identificando o processo de construção das proposições em conflito.

Considerando que as práticas associadas à medicina anti-aging são diversas, o objeto de análise não estava definido previamente. Era necessário identificar no contexto biomédico de que maneira o conceito de anti-aging estava presente e como diferentes agentes se associavam e se diferenciavam em torno dessas práticas. A abordagem teórico-metodológica da TAR é pertinente por enfatizar não a identificação de grupos estáveis, já delimitados, mas o processo de formação dos grupos por meio de laços instáveis, incertos, mutáveis e compostos por diferentes elementos.

A percepção da trajetória de formação dos grupos é possível por meio dos traços deixados pelas controvérsias. A pesquisa foi desenhada de modo a destacar os processos de associações que diferenciam a medicina anti-aging de um modelo convencional e oficial de medicina para o envelhecimento − ela é caracterizada, portanto, por um empreendimento de identificação dos vínculos de pessoas, lugares, coisas, instituições e ideias que constituem o campo da medicina anti-aging. A Academia Brasileira de Medicina Antienvelhecimento (ABMAE) foi referência inicial para acompanhar a constituição de elos que estabelecem um contexto particular de divergências sobre intervenções no envelhecimento. Nessa perspectiva, os três principais vieses de análise - os profissionais praticantes, os críticos e os pacientes - permitiram seguir a trajetória da abordagem anti-aging como proposição, identificando as articulações favoráveis e contrárias que definem o cenário médico-científico no âmbito do envelhecimento.

O ENVELHECIMENTO INEVITÁVEL E A NECESSIDADE DE PREPARAÇÃO DO CORPO PARA ENVELHECER

Em “As técnicas do corpo”, Mauss (2003Mauss, Marcel. (2003). As técnicas do corpo. In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, p. 399-422.) destaca a variação das formas com que o corpo se manifesta, tanto entre as sociedades quanto entre os indivíduos. A análise de Mauss indica que mesmo os movimentos corporais considerados naturais e comuns, como andar e marchar, são realizados de maneiras distintas. As técnicas variam no tempo, e aquelas consideradas adequadas e ideais em um determinado momento podem ser substituídas por outras, com critérios distintos. Com a ideia de técnica do corpo, o autor ressalta que a postura e os modos de realizar movimentos passam por um processo longo de aprendizagem e aprimoramento, cujo principal aspecto é a especificidade. O corpo, como primeiro e mais natural instrumento humano, simultaneamente objeto e meio técnico, modifica-se em uma trajetória de educação, cujas instruções se manifestam de maneira duradora e, na maior parte do tempo, de forma inconsciente.

As técnicas do corpo como natureza social de que fala Mauss integram as dimensões coletiva e individual, a materialidade física do corpo e a mente. É nesse sentido que, posteriormente, Bourdieu elabora o conceito de habitus como um conjunto de disposições duradouras que se sobrepõem à consciência e à vontade dos indivíduos, destacando o processo de incorporação dessas disposições a partir da posição ocupada pelo sujeito no meio social (Bourdieu & Nice 1977). De maneira similar, a noção de habilidade é fundamental para Ingold (1999Ingold, Tim. (1999). Three in one: on dissolving the distinctions between body, mind and culture. The Laboratory of Comparative Human Cognition. San Diego. XMCA Research Paper Archive. Disponível em <http://lchc.ucsd.edu/mca/Paper/ingold/ingold2.htm>. Acesso em 10 dez. 2018.
http://lchc.ucsd.edu/mca/Paper/ingold/in...
, 2000) na constituição de um conceito de organismo-pessoa em que a natureza do corpo não pode ser compreendida como base, anterior, sobre a qual se moldam diferentes noções de pessoalidade. O organismo-pessoa se constitui no engajamento dos indivíduos no mundo. Em conformidade com essa discussão, a análise das controvérsias na abordagem médica do envelhecimento é contexto propício para pensar as técnicas corporais na condução do processo de envelhecimento alinhadas às mudanças promovidas pela maior longevidade das populações.

Michel Foucault (1979Foucault, Michel. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal., 1987) estabelece uma relação entre o disciplinamento do corpo e o controle da alma. Por meio das limitações e regras a que os indivíduos são submetidos, suas subjetividades são moldadas em um processo que define a percepção de si e orienta suas condutas. A disciplina, como técnica que expressa relações de poder em diferentes dimensões da vida cotidiana, articula saberes, discursos e práticas, materializando diferentes formas de regulação. No biopoder, que caracteriza as sociedades contemporâneas, a lógica de controle sobre o corpo, individualmente, se integra à perspectiva da população.

As práticas biomédicas constituem instância em que as concepções sobre o processo natural de envelhecimento estabelecem parâmetros e expectativas que condicionam a experiência de envelhecer dos indivíduos. As controvérsias em torno das intervenções nesse processo vão se expressar como diferentes modelos de regulação médica da vivência das mudanças, físicas e mentais.

O envelhecimento em uma perspectiva biomédica hegemônica é percebido como um processo com padrões relativamente estáveis e universais, que fazem com que a experiência do declínio físico, ao menos de um ponto de vista biológico, não tenha grande variação. A concepção tradicional da velhice como fase derradeira da vida destaca a decadência gradativa das funções corporais, e, nesse âmbito, a organização e especialização do conhecimento sobre envelhecimento no modelo biomédico, na geriatria e gerontologia, foram fundamentais para demarcar um estágio específico do ciclo de vida. A delimitação da velhice como fase, com suas dificuldades e necessidades próprias, favoreceu, em um primeiro momento, a homogeneização da condição dos velhos (Debert, 2004Debert, Guita. (2004). A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.), o que foi necessário para o reconhecimento, de um ponto de vista político, das questões relacionadas ao envelhecimento. Nesse contexto, a identificação do envelhecimento como um problema social foi também um processo de medicalização da velhice que, como sugere o conceito de Conrad (1992Conrad, Peter. (1992). Medicalization and social control. Annual Review of Sociology, 18/1, p. 209-232.), passou a ser pensada, descrita e tratada principalmente de um ponto de vista médico, compreendida por meio da linguagem própria da medicina.

Desde o final do século XX, contudo, um movimento de revisão de uma concepção da velhice atrelada ao aspecto de declínio e limitações vem desestabilizando a perspectiva de passividade na vivência do envelhecimento no que diz respeito às transformações decorrentes de um processo biológico tido como inevitável e inalterável. O conceito de envelhecimento ativo proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é parte significativa desse movimento de mudanças. Como ressalta António (2015António, Manuel André Simões Homem Cristo. (2015). Envelhecimento ativo e o recurso à medicina tradicional chinesa: entre a responsabilidade individual e os fatores sociais determinantes da saúde. Tese de Doutorado (antropologia da saúde). Universidade de Lisboa.), esse conceito foi instituído não apenas para tratar de políticas públicas, mas para ser uma proposta de educação para a vivência do ciclo de vida como um todo, de modo que as pessoas se preparem para conduzir, de forma consciente, o próprio envelhecimento. Assim, a noção de atividade não diz respeito somente ao tipo de envelhecimento esperado, mas também à própria postura perante o processo biológico para que essa forma de envelhecer produtiva, feliz, participante e saudável seja possível.

Essa proposta poderia ser percebida como uma ambiguidade no modelo biomédico, uma vez que, como destaca António (2015António, Manuel André Simões Homem Cristo. (2015). Envelhecimento ativo e o recurso à medicina tradicional chinesa: entre a responsabilidade individual e os fatores sociais determinantes da saúde. Tese de Doutorado (antropologia da saúde). Universidade de Lisboa.), a promoção de uma postura ativa das pessoas idosas em relação à própria saúde nesse novo paradigma do envelhecimento ativo contrastaria com a ênfase da atuação da biomedicina em tratar as condições específicas da velhice e com a ideia de que essa parcela da população é mais vulnerável, até em relação a efeitos colaterais de tratamentos. Há também a associação da biomedicina à conquista de uma vida mais longa por meio do controle de doenças e condições crônicas. Haveria, portanto, a combinação de duas tendências: a expertise e a autoridade médica no âmbito gerontológico são associadas ao incentivo ao autocuidado como parte do processo terapêutico. Além disso, os programas de promoção do envelhecimento ativo alinham duas perspectivas conflitantes: a necessidade de intervenção, em longo prazo, nas condições em que se envelhece e a noção do envelhecimento como um processo naturalmente estabelecido. Desse modo, o reconhecimento de determinantes sociais das condições de envelhecer contrasta com o direcionamento para a maior responsabilização individual.

Embora seja um dos objetivos da política do envelhecimento ativo não limitar a reflexão sobre o envelhecimento a uma questão de saúde, o conceito é elaborado a partir do domínio biomédico, tendo como base a experiência e a produção de conhecimento especializado na geriatria/gerontologia. Observa-se em relação à medicalização da velhice uma mudança nas relações entre pacientes e especialistas que acompanha as mudanças éticas e morais da condição de idoso nas populações que se tornam envelhecidas.

Zorzanelli, Ortega e Bezerra Junior (2014Zorzanelli, Rafaela Teixeira; Ortega, Francisco & Bezerra Júnior, Benilton. (2014). Um panorama sobre as variações em torno do conceito de medicalização entre 1950-2010. Ciência & Saúde Coletiva, 19, p. 1859-1868.) apontam a imprecisão da concepção de medicalização, dada a amplitude de situações, processos e objetos a que o conceito tem sido relacionado, o que torna necessária a delimitação do sentido da medicalização na análise. Ainda que a noção de medicalização seja frequentemente utilizada para criticar a autoridade biomédica sobre os indivíduos, há uma conceituação mais ampla, como a definida por Peter Conrad, que excede a atuação médica e abrange os processos em que diferentes aspectos da vida são tratados por meio da linguagem e de recursos médicos. Posto que o envelhecimento não foi em si abordado como uma condição patológica pela biomedicina, a medicalização desse processo na atualidade passa pela articulação de discursos e conhecimentos especializados elaborados por atores diversos, articulados sobretudo pela concepção de estilo de vida saudável, que permeia a noção de envelhecimento ativo. Como sugerem Clarke et al. (2003Clarke, Adele et al. (2003). Biomedicalization: technoscientific transformations of health, illness, and US biomedicine. American Sociological Review, 68/2, p. 161-194.), o desenvolvimento tecnocientífico, em áreas como genética e biologia molecular, permite intervenções cada vez mais sofisticadas e acessíveis, o que amplia as opções a que os indivíduos podem recorrer em busca do aprimoramento de si.

Nesse mesmo sentido, Azize (2008Azize, Rogério. (2008). Uma neuro-Weltanschauung? Fisicalismo e subjetividade na divulgação de doenças e medicamentos do cérebro. Mana, 14/1, p. 7-30.) e Rohden (2011Rohden, Fabíola. (2011). “O homem é mesmo a sua testosterona”: promoção da andropausa e representações sobre sexualidade e envelhecimento no cenário brasileiro. Horizontes Antropológicos, 17/35, p. 161-196., 2017) dão destaque à utilização de remédios e hormônios não apenas como terapia de cura, mas como recursos para melhorar o desempenho pessoal e atingir maiores satisfação consigo mesmo e bem-estar. A associação entre a maior disponibilidade de recursos e a possibilidade de modificar características específicas constitui, todavia, cenário propício à ampliação da percepção de disfunções que precisam ser tratadas. Como destaca Elliot (2004), a busca por essas tecnologias está diretamente associada a expectativas presentes na sociedade que fazem com que os indivíduos se sintam “deficientes” em diferentes aspectos. Assim, a disponibilização de meios para evitar o declínio tem a potencialidade de modificar a experiência de envelhecer pela expectativa de maior variação nas formas possíveis de envelhecimento.

POR UM PROCESSO DE ENVELHECIMENTO AUTÔNOMO E SAUDÁVEL: AS CONTROVÉRSIAS DA MEDICINA ANTI-AGING

A avaliação dos métodos e tratamentos empregados por profissionais praticantes da medicina anti-aging, realizada pelo CFM, considerou um conjunto de fatores que seriam priorizados nesse tipo de abordagem, com especial atenção à modulação hormonal e ao uso de suplementos. Além de analisar o estudo “Fisiologia hormonal: impacto na promoção de um envelhecimento saudável”, que reúne referências bibliográficas apresentadas como fundamentação da medicina anti-aging, os membros da Câmara Técnica de Geriatria do CFM fizeram pesquisas próprias em bases de dados científicos, sobretudo das biociências, como é o caso do sistema MEDLINE/PubMed (Conselho Federal de Medicina, 2012a). Essa busca considerou termos frequentemente utilizados para caracterizar as práticas anti-aging, tais como anti-aging, anti-aging medicine, somathopause, bioidentical hormones, hormonal modulation etc.

A conclusão dos pareceristas foi a de que a medicina anti-aging está mais para um ramo controverso de pesquisa biomédica básica em desenvolvimento do que para uma prática com pressupostos suficientemente desenvolvidos que lhe permita ser uma modalidade médica. Os membros do comitê de avaliação consideraram os estudos apresentados de baixa qualidade, defasados e destacaram que nenhum trazia, efetivamente, evidências científicas da eficácia na reversão ou retardamento do envelhecimento. Além da falta de pesquisas clínicas, enfatizaram o fato de que a literatura de base apresentada pelos praticantes da medicina anti-aging não incluía estudos voltados para o grupo de idosos, o que, na perspectiva dos críticos, deveria ser o alvo principal.

Os médicos do CFM entrevistados na pesquisa alegaram considerar que a medicina anti-aging é uma questão de marketing e mercado, uma tentativa de vender uma solução para aquilo que as pessoas temem e não podem evitar. Considerada prática pautada em pseudociência, a medicina anti-aging é vista como risco à saúde e seus praticantes são considerados charlatões em busca de lucro fácil ou jovens profissionais ingênuos, ludibriados por um discurso que promete grandes resultados - proporcionais ao alto custo dos tratamentos. Mais do que uma proposta fantasiosa, os tratamentos anti-aging seriam uma forma de aproveitar um contexto favorável e legítimo de buscas por um envelhecimento ativo e saudável.

A preocupação é sobre utilizar essa motivação que existe de todo mundo viver bem, plenamente, lindo sempre, funcional, com todas as capacidades. É uma motivação. A preocupação nossa é usar essa motivação para ganhar dinheiro quando você utiliza intervenções que não têm esse resultado. E a pessoa em si não tem a formação suficiente técnica para entender e poder tomar uma decisão adequada (médica geriatra da Câmara Técnica de Geriatria do CFM em entrevista realizada em 1o ago. 2017).

A prática da medicina anti-aging é considerada um movimento alheio à medicina oficial e científica, uma vez que suas proposições falhariam em alcançar os princípios básicos da prática biomédica, de acordo com os paradigmas estabelecidos e os protocolos vigentes.

A discordância entre profissionais contrários e favoráveis às práticas anti-aging, todavia, não se restringe ao aspecto técnico dos tratamentos propostos. A proposta da medicina anti-aging implica um questionamento sobre a possibilidade de intervenção no processo de envelhecimento. A controvérsia, portanto, abrange a própria concepção do processo de envelhecimento como fenômeno, uma vez que sugere, em algum nível, a contraposição à espontaneidade e singularidade desse processo.

A acusação de charlatanismo permeia todo o debate a respeito de práticas anti-aging, dado que é a identificação com a cientificidade o que dá legitimidade e autoridade à prática biomédica. Se, por um lado, o contexto institucional desfavorável e as críticas aos padrões médicos convencionais sugerem uma ruptura com o modelo biomédico, por outro a medicina anti-aging não é apresentada como uma medicina alternativa. Ao contrário, sua atuação promove uma disputa pela cientificidade.

Nesse âmbito, é necessário considerar que os profissionais que a praticam e defendem não constituem um grupo exclusivo, isolado das instituições médicas oficiais. A condição ambígua desses profissionais é um aspecto fundamental para compreender como uma prática condenada por instituições da saúde pode estar atraindo cada vez mais pacientes. Para tanto, é preciso ir além da ideia de uma mera promessa fantasiosa que usa o medo do declínio do envelhecimento e considerar o que faz médicos e pacientes procurarem esse tipo de abordagem.

UMA MEDICINA DO ESTILO DE VIDA

Os médicos praticantes da medicina anti-aging que participaram da pesquisa apresentaram como principal motivação para aderir a essas práticas a frustração com as limitações que observam da medicina convencional. Para eles, muitas condições apresentadas pelos pacientes não tinham soluções eficazes, pois eram tratadas de forma isolada e com terapias direcionadas aos sintomas. Esses profissionais oferecem uma perspectiva crítica comum, a de que o modelo biomédico se tornou excessivamente materialista, mecanicista, impessoal, fragmentado por especializações, superficial e direcionado à cura, negligenciando o aspecto da prevenção de doenças, sobretudo aquelas consideradas crônicas. Em relação ao envelhecimento, especificamente, os médicos alegam inconformidade com a suposta passividade da abordagem biomédica em relação às mudanças físicas gradativas pelo fato de elas serem naturais e parte intrínseca do processo.

Um dos médicos entrevistados, membro de uma das instituições médicas pioneiras de medicina anti-aging no Brasil, afirma que o contexto de elaboração de práticas anti-aging está diretamente relacionado ao aumento das doenças crônicas e à inabilidade da medicina convencional em lidar com as demandas que acompanham o aumento da expectativa de vida.

O A4M, o American Anti-aging Medicine, já tem 23 anos. E isso, quando eu recebi um prospecto de um simpósio em New Jersey, eu me entusiasmei: o que é isso? A dúvida que veio para mim foi: o que é isso? Fui lá. O simpósio durou quatro dias, saí de lá, assim, empolgado, com uma nova visão da medicina. Qual era a nova visão? Uma visão de antecipação, referente ao histórico das doenças que eles chamam de doenças metabólicas, que nós conhecemos como doenças crônicas. Antecipar o quê? O seu diagnóstico no processo de envelhecimento nosso (médico cirurgião plástico, praticante da medicina anti-aging, em entrevista realizada em São Paulo em 21 jul. 2015).

Na contraposição ao modelo materialista, mecanicista e impessoal hegemônico da biomedicina, a abordagem anti-aging teria como foco a prevenção e a análise do paciente como um todo, em que a especialização não está nas partes do corpo e no conhecimento, mas nas condições individuais de cada paciente. Essas condições, contudo, não devem ser interpretadas apenas de um ponto de vista físico imediato, mas incluir o histórico de vida, os hábitos, a personalidade, condições psicológicas, fatores genéticos, entre outros aspectos.

A sugestão da necessidade de ter uma perspectiva do paciente como um “todo” em uma abordagem holística busca opor uma mentalidade dicotômica da biomedicina, entre o corpo e a mente. Nesse sentido, uma das características da medicina anti-aging no Brasil é a referência de medicinas não ocidentais, como a ayurveda e a medicina tradicional chinesa. Essa estratégia holística se alinha à ênfase dada à relação entre a particularidade de cada paciente e a totalidade de uma abordagem médica que cuide da pessoa: corpo-mente-espírito. Se, porém, essa abordagem implica a integração de diferentes fatores, que variam individualmente, ela depende também de uma mudança na forma do atendimento médico e na relação entre profissionais e pacientes.

Foucault (1988Foucault, Michel. (1988). Technologies of the self: a seminar with Michel Foucault. Amherst: University of Massachusetts Press.) define como tecnologias do self o conjunto de técnicas que permitem aos indivíduos realizar intervenções em si mesmos, não apenas no corpo, mas também em seus pensamentos e condutas, ressaltando a integração entre corpo e alma na conformação de suas subjetividades. No processo de constituição de uma ética de transformação de si, Foucault (2006) destaca a presença de dois princípios filosóficos associados: ocupar-se/cuidar de si mesmo e conhecer a si mesmo, ainda que o primeiro tenha sido obscurecido pela moral cristã. O cuidado de si se dá em relação a um contexto social, ao passo que expressa a busca pelo domínio de si como uma forma de libertação. O compartilhamento de conhecimento sobre processos metabólicos e desencadeamento de doenças vai ser o elemento fundamental da constituição da abordagem particular da medicina anti-aging.

Promovida como uma medicina do estilo de vida, a medicina anti-aging vai ter como foco um constante incentivo às mudanças de atitude e de hábitos. Tal mudança dependeria, contudo, de uma reeducação dos pacientes para que, assim como os profissionais que se tornaram críticos aos padrões da medicina, possam identificar novos fatores que precisam ser tratados e pensar no cuidado com a saúde de forma preventiva, antecipando-se ao estabelecimento de patologias.

As práticas da medicina anti-aging se distinguem por um conjunto de estratégias, recursos e métodos alinhados por um ideal de aprimoramento das funcionalidades do corpo. É possível destacar cinco pilares que caracterizam a perspectiva anti-aging: a perspectiva ortomolecular, com a reposição de elementos do próprio corpo, vitaminas e sais minerais, em quantidades adequadas às necessidades do organismo; aprimoramento da fisiologia hormonal, a mais controversa das proposições por causa dos possíveis efeitos colaterais; nutrição; condicionamento físico; e o equilíbrio mente-corpo-espírito.

Este último pilar é referente à elaboração de uma narrativa da saúde como resultado de um bem-estar que transcende a dimensão física e mental, expressando a integração entre os vários aspectos da vida humana. É nesse viés que a influência de medicinas não ocidentais se torna mais evidente, pela inclusão de práticas como a meditação no contexto de tratamento oferecido nas clínicas. O foco no aprimoramento das condições de funcionamento do corpo está associado à centralidade que a noção de metabolismo adquire na narrativa da saúde da medicina anti-aging. O metabolismo é a dimensão que integra aspectos individuais às condições externas. Como processo contínuo e em permanente interação com o meio, é apresentado como a materialidade determinante do envelhecimento, uma vez que é a sua alteração que desencadeia a decadência do organismo. Todavia, por seu caráter sistemático, o metabolismo afetaria e seria afetado tanto pelo ambiente externo quanto por fatores subjetivos dos indivíduos. Essa perspectiva justifica o investimento no controle, em longo prazo, dos diferentes fatores que contribuem para o funcionamento dos processos fisiológicos do corpo. O metabolismo depende do bom funcionamento de cada uma de suas partes, as quais, interligadas, dependem de todas as outras. As doenças, que nessa lógica são desencadeadas pelo desequilíbrio nas funções metabólicas, poderiam ser evitadas ou retardadas por meio da identificação de fatores que alteram os processos metabólicos ao longo do tempo.

Nessa perspectiva, as disfunções e doenças dependem do tipo e da quantidade de danos acumulados no metabolismo, os quais variam individualmente de acordo com as condições de vida. O envelhecimento é caracterizado como o resultado do acúmulo gradativo de disfunções do corpo, que como tal não pode ser compreendido por um padrão definido principalmente por parâmetros cronológicos. O diferencial da abordagem anti-aging estaria, portanto, na premissa de que ao tratar das disfunções metabólicas é possível retardar ou reverter o processo de declínio característico do envelhecimento.

Desse ponto de vista, as transformações físicas consideradas típicas da velhice deixam de ser consideradas normais por ser consequência de um processo natural. A normalidade é afastada de um referencial cronológico, que pressupõe o declínio, e definida em relação à função em si. Um dos médicos pesquisados assim define a medicina anti-aging:

Uma eterna e profunda preocupação com todos os fatores que são capazes de tirar a vitalidade da pessoa. [...] É botar a pessoa, em qualquer idade, em parâmetros de normalidade e não aceitar que aquilo é assim mesmo. Entendeu? “Ah, a glicose sobe com a idade.” Por quê? Não tem que subir. “Ah, porque a insulina ficou fraca.” Fortalece a insulina. Essa é a diferença, você olhar o envelhecimento com olhar de “é assim mesmo”. Tem que olhar combatendo, você tem que fazer combate (médico cardiologista, especialista ortomolecular, praticante da medicina anti-aging, em entrevista realizada no Rio de Janeiro em 10 ago. 2015).

Para esses médicos, em um modelo médico impessoal, mecanicista e fragmentado em atendimento especializado não seria possível uma abordagem que lide com a totalidade dos fatores que precisam estar em equilíbrio nas condições de vida do paciente. Assim, somente as consequências das alterações seriam identificadas, muitas vezes em estado avançado ou crônico. Nesse ponto, a configuração do modelo médico convencional, considerada ineficiente, é associada à trama de interesses políticos e econômicos que estariam afastando os padrões médicos do cuidado com a saúde do paciente de forma integrada.

Para garantir a integridade metabólica e a saúde das pessoas ao longo do tempo seria necessário prover ao corpo os nutrientes e hormônios necessários às funções básicas, bem como retirar elementos danosos ao organismo. Esses dois movimentos implicam o combate a práticas que são disseminadas como padrões no estilo de vida, sobretudo nas sociedades ocidentais. O consumo de alimentos predominantemente industrializados, o contato com substâncias tóxicas e a utilização sistemática de medicamentos são algumas das tendências da vida cotidiana apontadas como obstáculos à manutenção das condições ideais de funcionamento do corpo. Modificar esse condicionamento, contudo, dependeria do enfrentamento de grupos de interesse, principalmente das indústrias farmacêutica e alimentícia.

Nesse contexto desfavorável, o sucesso da abordagem proposta na medicina anti-aging dependeria principalmente do engajamento dos pacientes que, cientes dos fatores que ameaçam sua saúde e envelhecimento, precisam se responsabilizar e se esforçar para superar os hábitos danosos. Na constituição de uma narrativa da saúde própria, a noção de estilo de vida estabelece um vínculo entre uma série de fatores exteriores e a experiência individual, ressaltando, ao mesmo tempo, o condicionamento da vida em sociedade e a agência do indivíduo como fator imprescindível para um bom envelhecimento.

O discurso centralizado na dimensão do estilo de vida enfatiza uma perspectiva em que o tratamento não se realiza principalmente no contato de médico e paciente, mas por meio de autoconsciência e autodisciplina em relação às mudanças propostas, colocando os pacientes como parte ativa da construção do cuidado médico. Nesse sentido, tem relevância para o desenvolvimento da medicina anti-aging no Brasil a forma específica de interação entre os profissionais e os pacientes.

Os profissionais mantêm canais de comunicação e interação com os pacientes, principalmente nas redes sociais e sites pessoais. O discurso dos médicos praticantes da medicina anti-aging é composto por meio de linguagem própria, com vocabulário técnico específico associado a problemas e situações próximos da realidade do público em geral. Termos como índice glicêmico, micronutrientes, marcadores de inflamação, oxidantes, disbiose, resistência insulínica, entre outros, são introduzidos na narrativa sobre a saúde em explicações didáticas sobre o funcionamento do corpo. Constantemente são apresentados os processos que ocorrem no corpo durante a ingestão de determinados alimentos e bebidas ou durante uma atividade física, buscando mostrar os benefícios e malefícios das condutas diárias. As doenças são abordadas em termos dos fatores que as originam, demarcando toda uma trajetória de ações que contribuem para seu surgimento. As informações são associadas à publicação de artigos científicos que mostram os fatores mencionados nessas explicações e servem de base para as críticas a referências em saúde defendidas pelas instituições médicas oficiais, que são consideradas equivocadas ou ultrapassadas.

Todo o conteúdo instrutivo é ilustrado pelo exemplo dos próprios profissionais. A rotina organizada com cuidados com a saúde, que incluem atividades físicas regulares, alimentação saudável e sem alimentos industrializados, o uso de hormônios e a reposição de vitaminas e sais minerais, apresenta ao público os médicos como pacientes da medicina que promovem. Essa conduta é percebida tanto como evidência da eficácia dos tratamentos quanto como uma aproximação entre os profissionais e os pacientes, uma vez que os médicos passariam pelas mesmas dificuldades para seguir os tratamentos. A postura dos médicos como exemplo cria, no processo de interação, um vínculo que transpõe a relação médico/paciente: há o compartilhamento de um estilo de vida.

Mauss (2003Mauss, Marcel. (2003). As técnicas do corpo. In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, p. 399-422.) destaca como um dos principais aspectos do processo de aprendizagem das técnicas do corpo a imitação prestigiosa, visto que os indivíduos imitam atos bem-sucedidos, observando aqueles em quem confiam ou cuja autoridade reconhecem. Na constituição de uma narrativa da saúde própria da medicina anti-aging, os médicos, como especialistas e praticantes, estabelecem-se como orientadores, mais do que como autoridades absolutas diante de pacientes passivos, promovendo maior horizontalização da relação médico/paciente.

As pesquisas no campo da antropologia médica/da saúde têm explorado as diferentes perspectivas sobre os processos de saúde e doença entre aqueles que buscam a cura e aqueles que realizam as práticas de cura (Kleinman, 1978Kleinman, Arthur. (1978). Concepts and a model for the comparison of medical systems as cultural systems. Social Science & Medicine. Part B. Medical Anthropology, 12, p. 85-93.; Duarte, 1998Duarte, Luiz Fernando Dias. (1998). Introdução. In: Duarte, Luiz Fernando Dias & Leal, Ondina Fachel. Doença, sofrimento, perturbação: perspectivas etnográficas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 9-27.; Freidson, 2008). Considerando variados contextos de análise, é possível afirmar que a atuação dos que curam e dos que são curados passa pelo estabelecimento de possibilidades terapêuticas que são definidas por meio de uma relação de formas e níveis de conhecimento. O que se destaca nessas relações de conhecimento é a constituição de capacidades, expectativas e papéis específicos que delimitam e são delimitados na experiência de adoecer. No contexto da biomedicina, como um sistema fundamentado em ciência para pensar o processo saúde/doença, a relação entre os pacientes e os profissionais passa pelo estatuto da cientificidade. É nesse marco que as relações envolvidas no processo de cura são definidas principalmente. Com o incentivo ao conhecimento sobre os fatores incluídos nos processos de saúde e doença e à participação direta dos pacientes nas controvérsias sobre as práticas anti-aging, há um desdobramento da questão da cientificidade: na perspectiva dos pacientes, a contestação da cientificidade se estende à medicina oficial e a percepção desse aspecto é definida ao longo de suas experiências de adoecimento e busca por soluções.

Observa-se no caso da medicina anti-aging que a constituição de uma narrativa da saúde focalizada no estilo de vida dá ênfase ao aspecto do autocuidado, assumindo um posicionamento em que é preciso conquistar cotidianamente o envelhecimento ativo. A possibilidade de um envelhecimento saudável, ativo, produtivo é condicionada a uma escolha pessoal de aprendizado e autogestão contra as tendências danosas dos padrões de vida predominantes. Essa estratégia se aproxima da noção de etopolítica proposta por Nikolas Rose (2013Rose, Nikolas. (2013). A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus.: 46), que consiste nas “tentativas de modelar a conduta dos seres humanos mediante influência em seus sentimentos, crenças e valores - em resumo, agindo sobre a ética”. É possível considerar que a medicina anti-aging investe na disseminação de uma ética da longevidade saudável, em que a possibilidade de envelhecer bem está vinculada ao cuidado com a própria saúde ao longo do tempo.

UMA MEDICINA PARA O ENVELHECIMENTO, NÃO DO ENVELHECIMENTO

Embora a controvérsia em torno da medicina anti-aging esteja centrada na abordagem do envelhecimento como alvo de intervenção médica, destaca-se como uma das características dessa vertente uma proposta de práticas médicas que não são concentradas na temática do envelhecimento e da condição da velhice. O envelhecimento aparece como o plano mais amplo em que os demais processos do corpo se integram ao longo do tempo, e o envelhecimento ativo e saudável é a meta resultante de um constante esforço por uma vida mais saudável.

Uma das questões iniciais da pesquisa foi identificar a proposta específica de medicina para o envelhecimento na medicina anti-aging. Para compreender seu direcionamento é preciso considerar que essa proposta é antecedida por uma perspectiva distinta do envelhecimento como fenômeno biológico. Ao passo que as instituições da saúde julgam a medicina com base em sua inadequação aos parâmetros biomédicos estabelecidos, a medicina anti-aging se desenvolve no sentido de abrir a caixa-preta do envelhecimento na abordagem biomédica, afastando uma concepção desse processo como algo em si mesmo: é preciso pensar o envelhecimento como o resultado de outros processos. A medicina anti-aging explora a tendência de tentar pensar não a velhice em si, mas toda a trajetória de vida como uma preparação para o envelhecimento ativo. A ênfase em um descolamento entre o envelhecimento cronológico e o biológico, todavia, afasta a projeção da velhice como uma fase específica da vida. Uma vez que o envelhecimento físico não precisa, necessariamente, acompanhar progressivamente a passagem do tempo e se define ao longo do processo de vida, as intervenções devem ser constantes.

Um dos principais argumentos contra a medicina anti-aging é a ineficácia dos tratamentos visando ao retardamento ou à reversão dos sinais do envelhecimento. A abordagem específica do envelhecimento na medicina anti-aging, contudo, demandou questionar quais as expectativas dos pacientes ao procurar esse tipo de medicina.

Os cinco pacientes considerados na pesquisa tinham 23, 30, 41, 56 e 60 anos, sendo dois homens e três mulheres. Com diferentes trajetórias e fazendo acompanhamento com médicos distintos nas cidades de São Paulo, Campinas, Brasília e Rio de Janeiro, esses pacientes apresentam similaridades significativas. Eles demonstram principalmente um descontentamento com a medicina convencional e frustração em relação à expectativa que tinham quando procuraram ajuda médica. Nesse âmbito, há uma convergência das críticas com aquelas apresentadas pelos médicos.

Ao abordar as controvérsias em torno da liberação do fornecimento da fosfoetanolamina sintética para o tratamento de câncer, Castro e Almeida (2017Castro, Rosana & Almeida, Rafael Antunes. (2017). Testemunho, evidência e risco: reflexões sobre o caso da fosfoetanolamina sintética. Anuário Antropológico, 1, p. 37-60.) destacam o papel dos pacientes na legitimação da substância como resultado de um processo científico. Diante da oposição de cientistas e representantes de instâncias institucionais de regulação de medicamentos e tratamentos, o testemunho dos pacientes como evidência da eficácia da substância não opera no sentido de negação da necessidade de comprovação científica, mas no questionamento dos padrões de legitimação. O caso ressalta a organização dos pacientes como um forte elo do processo de associações que desestabilizam e reorientam a institucionalização de práticas terapêuticas na biomedicina.

Os pacientes pesquisados afirmam que a experiência com a medicina oficial, anterior à adesão à medicina anti-aging, foi caracterizada por muitos especialistas e exames que frequentemente não traziam nenhuma solução para os sintomas e incômodos que sentiam. Os relatos destacaram uma situação comum em que eram informados pelos profissionais de que não havia nada de errado com eles, que estavam normais, mesmo quando isso significava ausência de resposta para um sintoma que vinha causando sofrimento. A afirmação da normalidade também aparecia quando os sintomas apresentados eram vistos como parte de um processo natural e esperado, que é o caso do envelhecimento.

A paciente A, de 56 anos, ao descrever sua trajetória de mais de uma década buscando médicos de diferentes especialidades para descobrir a causa de problemas que vinha apresentando desde os 40 anos de idade, como enxaquecas, ganho de peso e depressão, afirma:

Eu falei “Ah, deve ser isso mesmo porque a nossa medicina não tem nada. Eles acham que ser idoso é usar fralda, tomar sinvastatina, Omeprazol e uma pilha de remédios. Está bom, eu acho que vou ter que aderir, porque me parece que não existe outra forma de envelhecer que não seja desse jeito”. Aí comecei a seguir o Dr. X. Seis meses depois eu falei “Vou lá! Vou marcar consulta”. E aí fui, né? Mas assim... “Mais um que vai falar que para a minha idade eu estou ótima. Se ele falar, eu vou mandar ele para aquele lugar!” (paciente, mulher, 56 anos, São Paulo, 1o maio 2017).

Esses pacientes destacam que se sentiam sem meios de decidir sobre a condução do próprio tratamento. Alegam que vivenciavam situações de conflito por discordar dos tratamentos propostos pelos médicos sem poder participar das decisões. Questionamentos não respondidos ou menosprezados e a insistência quanto à necessidade de alguma intervenção, como o uso de um medicamento, são citados pelos pacientes como fatores que lhes causavam desconforto.

Três dos cinco pacientes conheceram a medicina anti-aging pelas redes sociais de médicos praticantes; uma conheceu por indicação após ver o resultado do tratamento em uma amiga; e um havia procurado um endocrinologista e só depois soube que ele era praticante desse tipo de abordagem. Eles destacam como atrativo, sobretudo, o fato de os médicos serem exemplo daquilo que estavam falando e de perceber neles aquilo que buscavam. Além disso, ressaltam as informações técnicas que eram disponibilizadas pelos médicos: os conteúdos sobre saúde, as críticas aos hábitos danosos ao organismo e as discussões e debates que promoviam com os pacientes. No âmbito do primeiro contato, os pacientes citam a atenção que receberam em longas consultas, que frequentemente passavam de uma hora, a oportunidade que tiveram para falar de todas as suas preocupações, a quantidade de fatores que foram considerados e a ausência de um discurso acomodado com “é assim mesmo”. Os discursos sobre condutas que favorecem uma vida mais saudável e o foco em mudanças que podem e devem ser feitas pelas próprias pessoas, a despeito da intervenção médica, são percebidos por esses pacientes como um contexto de maior liberdade para expressar seus pontos de vistas como aqueles que vivenciam as desvantagens no corpo.

Nessa perspectiva, os pacientes indicam que se sentiam participando da construção do processo de cura e manutenção da saúde. Tal percepção é evidente no relato do paciente B, de 60 anos, ex-executivo de uma multinacional que abandonou o cargo como parte da mudança de estilo de vida para conquistar mais saúde.

E o meu problema de coluna que se transformou num caso muito complicado. Ele exigia, como parte do tratamento, uma mudança de estilo de vida. Foi aí que eu conheci o Dr. X, na parte endocrinológica, e ele foi adiante com uma espécie de coaching de antienvelhecimento. [...] Mudei tudo, mudei tudo. Tudo, tudo, tudo. Desde trabalho, onde eu, obviamente, planejei isso. [...] Causei um fato e me adaptei a ele (paciente, homem, 60 anos, Rio de Janeiro, 4 maio 2015).

Todos os pacientes alegam saber das controvérsias em torno dos métodos de tratamento da medicina anti-aging. Satisfeitos com os resultados que obtiveram, alinham-se, todavia, ao posicionamento dos médicos com críticas aos interesses políticos e econômicos das instituições que regulam as práticas médicas. Há, nesse ponto, uma inversão da legitimidade, uma vez que a medicina oficial passa a ser percebida com suspeição. Os pacientes afirmam que após a experiência com a medicina anti-aging têm dificuldades de lidar com médicos convencionais, pois já não aceitam as limitações e tendem a entrar em conflito por questionar o que é dito.

Submetidos a um tratamento baseado em mudanças no estilo de vida, que além das vitaminas e hormônios inclui dietas específicas, exercícios físicos e uma reorganização dos hábitos diários para preservar o sono e o equilíbrio entre trabalho e lazer, esses pacientes sugerem em suas falas que a medicina anti-aging é apenas o ponto de partida e o direcionamento de uma mudança que eles mesmos conduziram. Posto que os tratamentos não são estabelecidos em torno da temática específica do envelhecimento, os pacientes não veem esse processo como uma tentativa de rejuvenescer, mas como uma forma de se preparar para um envelhecimento diferente e melhor.

Ninguém tem a ilusão de que você simplesmente vai conseguir congelar completamente a passagem do tempo. As células vão se degenerando. Mas a questão é suavizar os efeitos negativos. É suavizar as perdas que a idade traz e diminuir esse impacto. Não é uma obsessão pela eterna juventude. Eu acho que a passagem do tempo tem coisas positivas, tem a sabedoria que vem, tem a maturidade, tem a serenidade que você adquire, mas eu acho que é você conseguir diminuir esse impacto negativo. Então, para mim, o envelhecimento ideal é aquele envelhecimento que você tem o mínimo de perdas com o máximo de ganhos (paciente, mulher, 41 anos, São Paulo, 2 maio 2017).

Freidson (2008) destaca, no estabelecimento da medicina moderna, que para conquistar o monopólio das práticas terapêuticas foi necessário o desenvolvimento de uma tecnologia de trabalho que fosse percebida como segura e prática. Esse requisito é relacionado ao fato de a prática médica depender principalmente do interesse do indivíduo leigo. A escolha não poderia ser forçada; ela precisa ser atraída por meio de bons resultados conquistados por meio da fundamentação em conhecimento. A estratégia de convencimento da medicina anti-aging desloca esse conhecimento da figura do especialista, unicamente, para a relação de busca de soluções entre profissionais e pacientes.

Ao usar a definição de ideal regulatório para se referir à concepção de self, Rose (2011Rose, Nikolas. (2011). Inventando nossos selfs: psicologia, poder e subjetividade. Petrópolis: Vozes.) aborda essa forma particular com que os indivíduos percebem a si mesmos, em termos de uma experiência de vida interiorizada, como consequência de processos histórica e geograficamente situados. Rose ressalta o caráter normativo da noção de self na contemporaneidade. Esse self como uma experiência de si e como uma ética de autoavaliação se forma a partir de um aparato de técnicas e tecnologias específicas. Nos regimes de corporeidade pelos quais o corpo passa, ele não é um mero conjunto de órgãos, propriedades e funções, mas o resultado de agenciamentos por meio dos quais o “lado de dentro” é articulado ao “lado de fora”. O corpo é maquinado, desenvolvendo as capacidades para condutas específicas, e é essa corporeidade que informa a relação do indivíduo consigo mesmo.

O autor identifica na contemporaneidade a permanência de um self empreendedor que se constituiu a partir da década de 1980, com a prevalência de valores neoliberais definidores de uma noção de pessoa como um ente subjetivo que deve aspirar à autonomia e se orientar pela realização pessoal. Tais valores predominantes definiriam uma forma distinta de julgamento, o que evidencia uma especificidade do regime de self contemporâneo. Se outrora os regimes do self tinham como característica predominante a presença da autoridade, na contemporaneidade o regime do self depende mais de especialistas que “transfiguram questões existenciais sobre o propósito da vida e significado do sofrimento em questões técnicas, quanto a formas mais eficientes de gerenciar o mau funcionamento e melhorar a qualidade de vida” (Rose, 2011Rose, Nikolas. (2011). Inventando nossos selfs: psicologia, poder e subjetividade. Petrópolis: Vozes.: 210).

Ao propor uma abordagem médica personalizada e holística, de modo a lidar não apenas com o físico, mas com uma dimensão mais subjetiva dos pacientes, contraditoriamente a medicina anti-aging se estabelece a partir de uma noção de pessoa típica da modernidade, a pessoa-indivíduo (Dumont 1997Dumont, Louis. (1997). Homo hierarchicus: o sistema de castas e suas implicações. São Paulo: Edusp.; Duarte 2003Duarte, Luiz Fernando Dias. (2003). Indivíduo e pessoa na experiência da saúde e da doença. Ciência & Saúde Coletiva, 8/1, p. 173-183. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232003000100013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 12 jul. 2018.
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), autônoma, independente e livre. Por explorar a diversidade das condições de envelhecer no âmbito da abordagem biológico-cronológica da vida, a estratégia anti-aging evidencia a relação entre a percepção da dimensão física e a constituição moral dos indivíduos ao longo da trajetória de vida. Assim, a medicina anti-aging se estabelece como alternativa por meio da contestação da ideia de ciclo de vida biológico como um padrão, investindo na ainda incipiente noção da individualidade da expressão do ciclo de vida em termos funcionais e de potencialidades.

O holismo da proposta anti-aging opera menos como uma ruptura com o modelo biomédico dicotômico do que como uma estratégia de ampliar a concepção do envelhecimento, viabilizando um processo terapêutico de aprimoramento do corpo para resistir ao declínio físico. Com um discurso focalizado no estilo de vida e na manutenção da funcionalidade do corpo ao longo do tempo, a medicina anti-aging é atrativa para pacientes que percebem um descompasso entre a queda em seus desempenhos e a responsabilidade de se manter ativos e produtivos. A ideia do cuidado de si é eficiente na ocultação de regulações e padrões disciplinares, que são mais facilmente identificados pelos pacientes na medicina convencional, favorecendo uma percepção do envelhecimento como um processo heterogêneo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As práticas da medicina anti-aging têm sido analisadas do ponto de vista de uma promessa de eterna juventude. Nesse sentido, as críticas enfatizam a falta de evidências científicas de que é possível retardar ou reverter o envelhecimento tratando o processo em si, como se uma pílula mágica − ou hormônio − oferecida para desfazer as mudanças físicas fosse, invariavelmente, falhar. A análise da medicina anti-aging na prática, todavia, mostra um contexto mais complexo, que expressa um conjunto de transformações nas condições de vida, sobretudo no que diz respeito ao aumento da expectativa de vida e ao papel da biomedicina na condução desse processo.

A ideia de tentar controlar o ciclo de vida para evitar a decadência não é nova, mas na contemporaneidade esse empreendimento se estabelece de forma específica, respondendo a questões que surgem na incerteza de uma vida cada vez mais longa em sociedades com menos jovens. Envelhecer é uma experiência que envolve fatores de ordem biológica, política, social, cultural, familiar, econômica, religiosa. É no contraste entre a universalidade desse processo biológico e as particularidades das condições em que cada indivíduo envelhece que se apresentam os principais conflitos dessa experiência, sobretudo no âmbito da institucionalização e padronização de procedimentos para lidar com o envelhecimento.

Em uma sociedade que valoriza a autonomia, a independência e a liberdade, a expectativa do declínio como algo inevitável é percebida como uma contradição da conquista de uma vida mais longa. Especialmente em um contexto de valorização do envelhecimento ativo, a abordagem biomédica passa a ser questionada de um ponto de vista das limitações que tem para lidar com a ampliação do tempo de vida que favoreceu diretamente.

Não é por acaso que o principal público atraído pela medicina anti-aging não é formado por idosos, mas por aqueles que começam a perceber um descompasso entre seus desempenhos físicos e a necessidade de continuar ativo e desenvolver novos projetos. A abordagem da medicina anti-aging como estilo de vida favorece a percepção de continuidade, uma vez que não é direcionada a tratar as condições da velhice. Ao focalizar seu discurso nas transformações que ocorrem no corpo, como perda de massa muscular, redução dos níveis hormonais, resistência insulínica, acúmulo de gordura, a medicina anti-aging vai ao encontro da percepção subjetiva dos pacientes quanto ao seu estado de normalidade ou adoecimento. Desse modo, é possível para esses pacientes pensar o processo de adaptação para uma vida longa não como preparação para a velhice, mas como um processo constante de aprimoramento de si.

A vantagem da medicina anti-aging está no favorecimento de uma perspectiva menos especializada do envelhecimento em um contexto em que esse processo tende a ser pensado não como rupturas, mas como continuidade do curso de vida. Na conjuntura apresentada, a crítica da cientificidade tende a ter menos impacto do que o esperado, pois o que garante o fortalecimento dessa vertente em um contexto institucional desfavorável é o seu posicionamento de mediação na contestação de antigas concepções biomédicas do envelhecimento feita pelos próprios pacientes.

  • 1
    A pesquisa foi conduzida de acordo com as diretrizes e normas estabelecidas pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep) e submetida à supervisão do Comitê de Ética do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram necessárias medidas de preservação da identidade dos participantes, o que implica adaptações no tratamento de dados e na exposição de informações ao longo do desenvolvimento da análise. Médicos e pacientes são referenciados por uma letra, quando necessário, e são apresentadas somente informações imprescindíveis para a compreensão das situações analisadas, evitando qualquer elemento que possa facilitar a identificação das pessoas envolvidas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2019
  • Revisado
    11 Ago 2019
  • Aceito
    29 Out 2019
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