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Em torno da ideia de associativismo negro em São Paulo (1930-2010) 1 1 Agradeço aos pareceres anônimos recebidos, com excelentes contribuições críticas, para que este artigo chegasse a sua redação final e melhor. Também agradeço às colegas Mariana Miggiolaro Chaguri e Simone Meucci que assistiram à primeira exposição deste texto, conferindo o suporte necessário para que ele fosse adiante. E à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo Auxílio Regular à Pesquisa Processo 2017/06218-9, permitindo as condições materiais para reflexão.

On the idea of black associativism at São Paulo (1930-2010)

Resumo

O artigo faz breve balanço bibliográfico da maneira como alguns cientistas sociais trataram a ideia de associativismo negro na cidade e no estado de São Paulo. Sugere também uma discussão acerca de tentar investigar o associativismo negro no período pós-abolição como uma história da cidadania negra, permitindo conectar diferentes experiências ao longo do século XX e mais recentes, viabilizando importantes questionamentos sociológicos.

Palavras-chave
Associativismo; associativismo negro; São Paulo; pensamento social brasileiro

Abstract

The article discusses a short bibliographical analyses on how some social scientists have written on the idea of black associativism, specially of its experiences at São Paulo, the state and the city. It also suggests a debate on researching black associativism at Post Abolition period as a black citizenship history, which allows to connect different experiences during the twentieth century and even the most recent periods, enabling important sociological questions.

Keywords
Associativism; black associativism; São Paulo: Brazilian social thinking

Viso discutir aspectos da ideia do associativismo político negro, com foco em São Paulo, tema que figura em pesquisas de antropologia, história e sociologia brasileiras desde a década de 1930 e também entre os próprios intelectuais e ativistas negros brasileiros, em diálogo harmônico ou tensionado com a produção das ciências sociais. Há entre aqueles pesquisadores, aparentemente, a constatação do associativismo negro como uma experiência concreta, sem que haja definição conceitual explícita.

Associativismos negros em prol de um fim coletivo fazem parte da história política, religiosa e cultural brasileira. Estão presentes no período colonial, imperial e republicano as irmandades leigas católicas (desde o século XVIII, como as de Boa Morte, do Rosário dos Homens Pretos, de São Benedito etc.), a imprensa negra (desde o século XIX); clubes e sociedades beneficentes, recreativos, protetivos negros (criados em meados do século XIX) na Bahia, em Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul etc., além dos mais conhecidos como espaços de religiosidade de origem africana, encontrados no candomblé (desde o século XIX em São Paulo, segundo Prandi, 1991Prandi, Reginaldo. (1991). Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo: Hucitec.). Tais associações figuram na paisagem social organizando redes de solidariedade e troca de ideias, acompanhando a luta por direitos, antirracista e antidiscriminatória.

A ideia de um associativismo negro tem ocupado parte importante do debate das ciências sociais e historiografia brasileiras por meio de artigos, teses e livros, em que se trata especialmente dos sentidos da organização coletiva negra, tomando-se por base o período temporal após a Abolição, preocupando-se em particular com a construção coletiva de significados sobre a cidadania e seus direitos na República para aquele grupo social. Vale notar que a participação em uma atividade ou entidade não exclui flagrar o mesmo sujeito social ou entidade coletiva em outras, com fins semelhantes (Leite & Cuti, 1992Leite, José C. & Cuti. (1992). ...e disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.; Pinto, 2014Pinto, Ana Flávia M. (2014). Fortes laços em linhas rotas: literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade do século XIX. Tese de Doutorado. IFCH/Universidade Estadual de Campinas.; Silva, 2017aSilva, Mário A. M. da.(2017a). Rastros do Cisne Preto: Lino Guedes, um escritor negro pelos jornais (1913-1969). Estudos Históricos, 26/52, p. 369-390.; Tiede, 2018Tiede, Lívia M. (2018). O associativismo negro paulistano e o Gandhi da Frente: Frederico Baptista de Souza - São Paulo/Brasil (1875-1937). II Seminário Internacional Histórias do Pós-Abolição no Mundo Atlântico, Rio de Janeiro.)

Quero sugerir uma definição, ainda que inicial, do que penso ser o associativismo negro neste artigo: os sentidos do querer e fazer coletivo de homens e mulheres de frações sociais do grupo étnico negro (essa construção política e histórica), organizados sob uma atividade ou entidade no espaço público, voltados para os interesses do grupo que procuram representar, em grande medida reivindicativos de direitos de cidadania e respeitabilidade da diferença social de existência. Com essa definição, procurarei ler e dialogar com os trabalhos discutidos adiante. Ela é consonante ao que afirma Petrônio Domingues (2018aDomingues, Petrônio. (2018a). Associativismo negro. In: Schwarcz, Lilia & Gomes, Flávio. Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, p. 113-119.: 113;119), em verbete recente:

Todas tinham como objetivo satisfazer necessidades sociais, econômicas, culturais, religiosas e humanas de um segmento populacional que vivia em condições adversas[…] As associações negras não se limitaram a denunciar problemas, mas tentaram apontar caminhos para superá-los. Diversas foram as soluções preconizadas: o soerguimento moral, a melhora do nível educacional e cultural, a valorização da subjetividade, relacionada à construção de identidades; a necessidade de protestar diante das injustiças e de atuar politicamente. Contudo, a principal solução advogada foi a união, considerada pré-requisito para os negros se fortalecerem, conquistarem espaço na sociedade e, assim, superarem problemas comuns que enfrentavam.

Agudizados com os processos sociais da Abolição e República desde o final do século XIX, portanto, os negros, como um conjunto significativo da população brasileira, por vezes caracterizado como insolidário (Vianna, 1987Vianna, Francisco J. de O. (1987). Populações meridionais do Brasil: história, organização, psicologia. Belo Horizonte/Niterói: Itatiaia/UFF.) ou bestializado (Carvalho, 1987Carvalho, José M. de. (1987). Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras.), ter-se-iam que haver com as consequências de processos de mudança social tão profundos e que os afetariam diretamente, fazendo-os agir e reagir em meio a tais momentos de crise e experiências do processo social. A ação coletiva organizada negra sempre esteve presente na nossa paisagem política; o problema tem sido sua explicitação. Sugiro que também no Brasil o associativismo negro faz parte de uma esquecida história cívica, “a missing part of America’s civic past”, pensando comparativamente com o trabalho da socióloga estadunidense Theda Skocpol (2006)Skocpol, Theda et. al. (2006). What a mighty power we can be: African American fraternal groups and the struggle for racial equality. Princeton/Oxford: Princeton University Press., que realizou com sua equipe um estudo de sociologia histórica acerca da existência de diferentes associações negras em atividade desde 1775, antes da Guerra Civil ou Guerra de Secessão (1861-1865, portanto, antes da Abolição), que constituem um capítulo importante, tanto da vida democrática mais ampla como das lutas específicas por direitos do grupo negro, culminadas no século XX.

Fraternidades prepararam cidadãos para uma participação mais ampla ensinando habilidades organizacionais e de liderança para milhões de americanos. […] Do século XIX aos anos 1960, organizações fraternas afro-americanas também tiveram contribuições muito importantes para a luta por igualdade de direitos […] Negligenciar o fraternalismo afro-americano limitou nosso entendimento sobre uma longa luta pelos direitos civis e as raízes institucionais dos modernos protestos negros (Skocpol, 2006Skocpol, Theda et. al. (2006). What a mighty power we can be: African American fraternal groups and the struggle for racial equality. Princeton/Oxford: Princeton University Press.: 05 e 09).2 2 Nessa e nas demais citações em idioma estrangeiro a tradução é minha. No original: Fraternal groups have prepared citizens for wider participation by teaching organizational and leadership skills to millions of Americans.[...]From the nineteenth century to the 1960s, African American fraternal organizations also made central contributions to the struggle for equal rights. […] Neglect of African American fraternalism has also constricted our understanding of long-standing civil rights struggles and the institutional roots of modern black protests.

Por que São Paulo como local de análise para este artigo? Compreendendo, de um lado, no âmbito de um certo momento da história das ciências sociais no Brasil a importância paulatina da produção paulista e dos espaços de realização da sociologia e antropologia profissionais, considerando o mundo universitário, tendo São Paulo como um local distintivo nas primeiras décadas do século XX (Miceli, 2001Miceli, Sergio (org.). (2001). História das ciências sociais no Brasil. 2 v. São Paulo: Sumaré.; Arruda, 2001Arruda, Maria A. N. (2001). Metrópole e cultura: São Paulo no meio do século XX. Bauru: Edusc.; Bastos & Botelho, 2010Bastos, Elide R. & Botelho, André. (2010). Horizontes das ciências sociais: pensamento social brasileiro. In: Martins, Carlos B. (org.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: sociologia. São Paulo: Anpocs.); de outro ângulo, não se pode ignorar uma escassez significativa que tem sido apontada contemporaneamente sobre estudos de organizações e associações negras paulistas - especialmente no âmbito da historiografia que vem se ocupando do tema - em comparação ao volume de produção de pesquisas em outros estados da federação como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Maranhão etc. (Lucindo, 2020Lucindo, Willian R. S. (2020). Comemorações, cidadania e festas: o associativismo negro em Piracicaba e Campinas nas três primeiras décadas do século XX. Tese de Doutorado. IFCH/Universidade Estadual de Campinas.; Barone & Rios, 2019Barone, Ana & Rios, Flávia (orgs.). (2019). Negros nas cidades brasileiras (1890-1950). São Paulo: Intermeios/Fapesp.; Silva, 2011Silva, Fernanda O. da. (2011). Os negros, a constituição de espaço para os seus e o entrelaçamento desses espaços: associações e identidades negras em Pelotas (1820-1943). Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.; Vargas, 2010Vargas, Giane. (2010). Clubes sociais negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria.). Em resumo: num certo momento da história das ciências sociais no Brasil, pesquisadores e/ou pesquisas realizadas nos espaços paulistas lidaram com o tema do associativismo negro de maneira muito interessante. Em outro, como procurarei demonstrar, abriu-se um cenário de lacunas e indagações, comparáveis pela ausência em face da produção similar em outros espaços acadêmicos e federativos.

Discutindo a questão social como problema sociológico

Um texto do antropólogo Arthur Ramos pode ser considerado um ponto de partida para esta discussão, no âmbito da história das ciências sociais. Em 1983, por ocasião do cinquentenário da Abolição e das comemorações organizadas, Ramos escreveu sobre o que denominou “O Espírito Associativo do Negro Brasileiro” título, aliás, de sua comunicação. Seu texto estava encomendado com o propósito de comemoração da data pelo então Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, chefiado por Mário de Andrade.3 3 “Era a sede do Departamento de Cultura. Combinamos de ir eu, o Francisco Lucrécio e o Fernando Góis[...] O Mário de Andrade conversou com a gente e expôs a situação dele. Ele queria apenas o aval, o contato de representantes da coletividade negra, pessoas representativas, porque o plano dele já estava todo estabelecido e a verba não dava para mais nada. Então não fizemos objeção nenhuma e ele contou qual era o plano dele. [...] O Mário de Andrade propôs fazer no Trocadero uma série de conferências, em que participaria num dia um conferencista branco e no outro um conferencista indicado pela comissão negra. E assim foi feito. Então apareceram as pessoas interessadas em falar pela Coletividade Negra. Dentre essas estava o Lucrécio. Para a comissão do Departamento de Cultura, vinha do Rio o professor Arthur Ramos” (Leite & Cuti, 1992: 132).

O autor trata o assunto como um produto da escravidão, em que os africanos trazidos para cá, como sujeitos de culturas variadas, carregaram consigo tais matrizes, que se misturaram solidariamente em face do subjugo comum, iniciada no trânsito atlântico, dentro dos navios negreiros, explicando, para ele, a formação dos diferentes quilombos, a partir do século XVI; das irmandades e confrarias religiosas, no século XVII; os processos de alforria como fruto de solidariedade escrava e mesmo os grupos de cordões, blocos carnavalescos a partir do século XIX; atingindo associações negras ou mesmo a Frente Negra Brasileira, no século XX, organizações herdeiras dos processos anteriores e formas solidárias distintivas, naquele momento, para o negro entender as recusas de oportunidades e reivindicar seus direitos como cidadão. Em seus termos,

Já no navio negreiro, onde se misturavam negros provenientes dos pontos mais diversos, e pertencentes a povos e culturas desiguais, houve uma solidariedade na dor, uma associação no sofrimento, por uma compreensão mútua do destino comum. E os escravos no navio negreiro chamavam-se uns aos outros “malungo”, isto é, companheiro, camarada [...] Nas plantações, nos engenhos e nas fazendas, na mineração ou nos trabalhos de ganho, na cidade, grupos e associações negras se formaram também condicionados pela escravidão.[...] Libertos, os negros adquiriram o hábito de trabalharem em associações. Surgiram assim os grupos de trabalho nos campos e nas cidades[...] Depois da escravidão, até hoje, o Negro brasileiro conservou este espírito de associação, que o regime escravagista lhe havia acentuado como necessidade de defesa (Ramos, 1938Ramos, Arthur. (1938). O espírito associativo do negro brasileiro. Revista do Arquivo Municipal, 47, p. 105-126.: 106, 107, 114 e 123).

O artigo de Ramos descreve o associativismo do negro brasileiro como forma derivada das condições a que estiveram sujeitos os africanos aqui chegados de diferentes regiões e grupos culturais daquele continente. Não leva em consideração que formas associativas já pudessem existir prévias ao tráfico, e as estruturas sociais e mentais se reorganizassem aqui não apenas na solidariedade da dor; tampouco que, se há uma necessidade de defesa, haveria um ataque em curso, conferindo agência protagonista para a ação social efetuada por aqueles escravizados e seus sucessores cidadãos negros. Caracterizado como um espírito, tende a ser compreendido como algo inato à condição social do grupo subjugado, o que se torna um problema histórico sociológico ao se questionar sobre as condições sociais de existência da associação ou sua ideia. De toda maneira, o autor anuncia que tal tendência se manteria na passagem do escravo ao cidadão, o que permite conectá-lo com outros trabalhos subsequentes sobre o assunto.

Em 1945, ainda durante o Estado Novo, a socióloga Virgínia Leone Bicudo apresentou sua tese Estudo de atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo, constituindo o primeiro trabalho de pós-graduação em ciências sociais sobre a questão racial no Brasil (Bicudo, 2010Bicudo, Virgínia L. (2010). Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. São Paulo: Sociologia e Política.; Gomes, 2013Gomes, Janaína D. (2013). Os segredos de Virgínia: estudos de atitudes raciais em São Paulo (1945-1955). Tese de Doutorado. PPGAS/Universidade de São Paulo.), na Escola Livre de Sociologia de São Paulo. Bicudo preocupa-se em entender o preconceito e a discriminação racial sofridos pelos negros na capital paulista, por meio das diferentes formas de interação social (no ambiente escolar, no passeio público, a sociabilidade em clubes, nas relações afetivas e matrimoniais, no ambiente de trabalho etc.), valendo-se da cidade como um laboratório para o estudo dessas relações, conflitivas e também negociadas.

Os estudos de atitudes foram empregados numa área mista da psicologia social e da sociologia, sendo mormente voltados para a explicação das reações individuais a uma situação desfavorável. Bicudo, entretanto, também se ocupará das reações coletivas, entrevistando membros de uma Associação de Negros Brasileiros e analisando seu jornal, intitulado Os Descendentes de Palmares, nomes fictícios - a associação era a Frente Negra Brasileira (FNB, 1931-1937), e o periódico analisado por Bicudo, A Voz da Raça, o que a faz a primeira cientista social a pesquisar a FNB. Dessa forma, para a autora, uma das atitudes coletivas de reação ao preconceito e à discriminação do cidadão negro, em São Paulo, teria sido a criação de uma associação negra, de sociabilidade cultural, política e recreativa como a Frente Negra Brasileira.

A “Associação de Negros Brasileiros” apresenta-se como ensaio de um movimento coletivo, liderado por negros conscientes de seu status ligado à barreira de cor.[…] Os líderes negros tiveram de lutar contra a falta de sentimento de solidariedade entre eles […] A “Associação de Negros Brasileiros” representou uma tentativa de pretos conscientes para lutar contra as restrições do branco, despertando a consciência de grupo, desenvolvendo um programa definido de reivindicações referentes aos aspectos econômico, social e político (Bicudo, 2010Bicudo, Virgínia L. (2010). Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. São Paulo: Sociologia e Política.: 154 e 161).

Há uma diferença de abordagem de Bicudo em relação a Ramos quanto ao problema do associativismo. Uma “consciência ativa” e reativa aos problemas colocados pelas restrições das ações dos brancos leva à criação de uma associação, com um programa organizacional da coletividade. Ainda no âmbito da sociologia paulista, em 1951, Roger Bastide publicou o estudo “A imprensa negra do estado de São Paulo”(Bastide, 1973Bastide, Roger. (1973) [1951]. A imprensa negra do estado de São Paulo. In: Estudos afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, p.129-156.: 129-156), trabalho que se tornaria referência para pesquisas sobre o tema. Estudou a imprensa negra paulista como uma forma de entender a “consciência coletiva do negro”, que se organizara no começo do século XX em torno de clubes e associações “da raça”. O marco temporal de Bastide é 1915 (com a publicação de O Menelick) até o começo dos anos 1950, que corresponde à produção dos jornais a que teve acesso com intelectuais negros da capital paulista.

Ali, O Menelick, O Xauter, O Auriverde, O Clarim, Clarim d’ Alvorada, A Voz da Raça, entre outros, são entendidos como uma forma organizativa de negros, vocalizada e autossustentada por meio de seus intelectuais e associações, que teriam múltiplas funções: segundo o autor, expressar a visão social de mundo daquele grupo, noticiar fatos diversos, divertir-se e sociabilizar-se, normatizar o comportamento da coletividade, suscitar e almejar uma imagem pública para o negro, conferir autoestima e mostrar um padrão compatível com os valores da sociedade envolvente. Mas também progressivamente denunciar o preconceito e a discriminação vividos no quotidiano, sendo a imprensa negra reconhecida como espaço em que o indivíduo pode reportar-se à coletividade, somar-se às lutas sociais, receber o apoio solidário e cobrar mudanças. Em seus termos, “Em certa medida pode-se mesmo dizer que a imprensa preta saiu desse movimento associativo; muitos jornais são primitivamente órgãos de um clube que procura entender-se. E não obstante, os jornalistas se queixam do individualismo do negro, da falta de espírito de solidariedade” (Bastide, 1973Bastide, Roger. (1973) [1951]. A imprensa negra do estado de São Paulo. In: Estudos afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, p.129-156.: 155).

O associativismo político negro em São Paulo - e também no interior do estado - mesmo perseguido durante o Estado Novo (1937-1945), manteve-se atuante e incômodo para alguns setores sociais. Além disso, com a deposição de Vargas e um novo respiro democrático, as atividades políticas retornam à baila (com a possibilidade de liberdade associativa e legislativa) e isso também atinge o grupo social negro em São Paulo (Sotero, 2015Sotero, Edilza. (2015). Representação política negra no Brasil pós-Estado Novo. Tese de Doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.).

Esse novo negro, forjado no universo de esforços de solidarismo reivindicativo político e cultural, provocou a publicação dos dois artigos de Paulo Duarte, divididos entre 16 e 17 de abril (1947Duarte, Paulo. (1947). Negros do Brasil. O Estado de São Paulo.) “Negros do Brasil”, em que ele afirmava o começo do surgimento de um tipo diferente de negro, distinto daquele das memórias das pessoas mais velhas, o negro bondoso, as amas de leite. Para ele, um dos produtos do governo Vargas de 1932 e do Estado Novo foi a criação de algo que inexistia no Brasil: o problema do negro, que passou a ser reivindicado pelos ativistas negros de então.

No Brasil está acontecendo o contrário [dos Estados Unidos]: o negro aparenta o desejo de separar-se do branco. Já na revolução de 1932, fizeram eles questão de um batalhão negro; nas suas sociedades negras só excepcionalmente pode entrar um branco e é comum a gente estar ouvindo organizações artificiais e sem a menor justificativa, como frentes negras, legiões negras etc.[...] Deposto o ditador, a palavra liberdade envolveu as massas como uma atmosfera dentro da qual tudo pudesse ser feito, sem o menor freio ou restrição.[...] Oxalá não sejam as terríveis consequências das tragédias já desencadeadas os únicos argumentos capazes de convencer o país da necessidade de uma ação enérgica e imediata. Por enquanto a solução do problema se reduz apenas a um pouco de polícia, um pouco de compreensão e um pouco de educação. [...] Muito mais agradável continuar-se a usar essa expressão natural: negros do Brasil do que quando a eles por qualquer motivo alguém se referir ter à boca essa outra expressão que já vai ficando mais frequente do que devia: a negrada (Duarte, 1947Duarte, Paulo. Negros do Brasil. (1947) O Estado de São Paulo, 16 e 17 de abr.).

Esses artigos se tornaram parte da gênese da Pesquisa Unesco de Relações Raciais (1951-1955). De um lado, por meio da revista Anhembi e pelas reações que seu texto provocara, também no meio negro, Duarte afirma interesse de patrocinar pesquisa sobre relações raciais (Maio, 1997Maio, Marcos C. (1997). A história do Projeto Unesco: estudos raciais e ciências sociais no Brasil. Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro.). Entre alguns leitores negros organizados, no entanto, elaborou-se contra-argumento, que veio a público em maio de 1947, no jornal Alvorada. O artigo se intitulava “O Esgar do Sr. Paulo Duarte”, escrito por José Correia Leite, militante histórico da Imprensa Negra Paulista. De acordo com o depoimento de Leite ao escritor Cuti [Luiz Silva], o Alvorada era um jornal ligado à Associação dos Negros Brasileiros e Associação José do Patrocínio, entidade fundada por ele, Fernando Góes, Raul Joviano do Amaral (do antigo grupo do jornal Clarim D’Alvorada) e Francisco Lucrécio, Roque dos Santos, entre outros (ligados à antiga Frente Negra Brasileira) (Leite & Cuti, 1992Leite, José C. & Cuti. (1992). ...e disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.: 142-144; 258-259).

De outro, isso é simultâneo ao esforço da Unesco em patrocinar uma pesquisa acerca do estado das relações raciais no Brasil (Maio, 1997Maio, Marcos C. (1997). A história do Projeto Unesco: estudos raciais e ciências sociais no Brasil. Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro.). A parte que coube a São Paulo contou com os trabalhos de pesquisa de Roger Bastide, Florestan Fernandes, Virgínia Bicudo, Aniela Ginsburg e Oracy Nogueira, publicados em relatório, além das colaborações de campo de Renato Jardim Moreira, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Os livros Brancos e negros em São Paulo, de 1955, e A integração do negro na sociedade de classes, de 1964, são fruto daqueles trabalhos dos anos 1950. Isolando-se os capítulos “A luta contra o preconceito de cor” (Bastide & Fernandes, 2008Bastide, Roger & Fernandes, Florestan. (2008) [1955]. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre os aspectos de formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. 4 ed. São Paulo: Global.: 224-262) e “Os movimentos sociais no meio negro” (Fernandes, 1978Fernandes, Florestan. (1978) [1964]. A integração do negro na sociedade de classes: no limiar de uma nova era. 3 ed. v. 2. São Paulo: Ática.: 07-115), redigidos em intervalos de tempo distintos, observa-se a preocupação em analisar os sentidos dos esforços coletivos de negros associados, com os quais os cientistas sociais tiveram contato e com cujo apoio expresso contaram por meio das reuniões organizadas pelos sociólogos na Faculdade de Filosofia e na Biblioteca Mário de Andrade, para onde convergiram Jorge Prado Teixeira, Raul Joviano do Amaral, José Correia Leite, Arlindo Veiga dos Santos, Guaraná de Santana, Geraldo Campos de Oliveira, Henrique Cunha etc. representando coletivos negros como a Associação José do Patrocínio, Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, a Frente Negra Brasileira e Legião Negra de São Paulo (já extintas pelo Estado Novo), Associação dos Negros Brasileiros, diversas experiências de jornais da imprensa negra, entre outros.4 4 Nominalmente são citados além desses: Francisco Lucrécio, Raul Joviano do Amaral, Edgar Santana, Geraldo de Paulo, Ângelo Abataiguara, Francisco Morais, Luís Lobato, Afonso Dias, José Pelegrini, Vicente de Paula Custódio, Paulo Luz, Vitalino B. Silva, Mario Vaz Costa, Carlos Assunção, Romeu Oliveira Pinho, Joaquim Valentim, Nestor Borges, Cirineu Góis, José Assis Barbosa, Adélio Silveira, Aníbal de Oliveira, Luís Aguiar, Benedito Custódio de Almeida, Gil Carvalho, José Inácio do Rosário, Sofia de Campos, Aparecida Camargo, Nair Pinheiro, Benedita Vaz Costa, Maria de Lourdes Rosário, Maria Helena Barbosa, Ruth de Sousa e Nilza de Vasconcelos (Bastide & Fernandes, 2008: 24-25).

No primeiro trabalho da dupla de sociólogos, a progressiva consciência acerca do preconceito e discriminação, com base na cor e/ou no status legado pela condição de descendentes de escravizados, seria o fermento necessário para que um conjunto de homens e mulheres negros se articulasse em torno de jornais, clubes, associações etc. Já no segundo texto, valendo-se dos dados da pesquisa anterior, Fernandes aprofunda aquele debate, sendo incisivo acerca da denúncia do mito da democracia racial, mas, também, sobre os limites dos movimentos sociais no meio negro, que no esforço de ajustar a ordem social e a ordem racial tornar-se-iam campeões da reforma social: exigiriam radicalmente a existência da democracia racial, sendo esta obstada por fatores variados, em particular a resistência dos brancos a uma plena sociedade de direitos iguais. A questão racial, portanto, é um limite objetivo para a realização democrática brasileira, nas análises de Fernandes.

a única força de sentido realmente inovador, e inconformista, que opera em consonância com os requisitos de integração e desenvolvimento da ordem social competitiva, procede da ação coletiva dos “homens de cor”. Desse lado, a reorganização dos movimentos reivindicatórios e sua calibração ao presente parece algo fundamental. Hoje, o “meio negro” está mais diferenciado. Esses movimentos deveriam atender à variedade de interesses sociais, econômicos e culturais que emergiram no seio da “população de cor”[...] No estabelecimento de uma política de integração racial assim orientada, os diversos segmentos da “população de cor” merecem atenção especial e decidida prioridade. De um lado, porque de outra maneira seria difícil reaproveitar-se, totalmente, essa importante parcela da população nacional no regime de trabalho livre. De outro, porque não se pode continuar a manter, sem grave injustiça, o “negro” à margem do desenvolvimento de uma civilização que ele ajudou a levantar.[...] Por um paradoxo da história, o “negro” converteu-se, em nossa era, na pedra de toque da nossa capacidade de forjar nos trópicos este suporte de civilização moderna (Fernandes, 1978Fernandes, Florestan. (1978) [1964]. A integração do negro na sociedade de classes: no limiar de uma nova era. 3 ed. v. 2. São Paulo: Ática.: 460-463).

Os argumentos levantados por Fernandes dizem respeito aos informes recebidos por uma experiência coletiva de associações negras em atividade em São Paulo desde os anos 1920 até meados da década de 1960 - homens e mulheres, alguns autodidatas, outros com pouca ou média instrução formal, funcionários públicos ou empregados no setor de serviços, raros com nível superior de educação. Como afirmaria décadas depois o historiador George Reid Andrews (1998Andrews, George R. (1998). Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc.: 197-242), pessoas que, em sua luta social quotidiana, conseguiriam se organizar, tentariam viver numa democracia racial, empenhando-se em fazer com que ela valesse efetivamente.

De associações a movimentos, distanciamentos e aproximações

O golpe de estado civil-militar de 1964 cria um intervalo forçado no tipo de forma de estudo sobre o associativismo negro praticado em São Paulo, em que os estudos sobre o negro operavam como uma espécie de metonímia para a mudança social brasileira - a questão racial é um problema sociológico para a realização democrática dessa sociedade. Considerados subversivos, cassados, exilados e aposentados compulsoriamente, aqueles sociólogos tiveram seus programas de estudos e seus projetos políticos interrompidos, com significativas mudanças para a área de Ciências Sociais no Brasil, após 1968, bem como para os objetos de pesquisa focalizados até então (Fernandes, 1977Fernandes, Florestan. (1977). A geração perdida. In: A sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, p. 213-252.; Velho, 1983Velho, Otávio G. (1983). Processos sociais no Brasil pós-64: as ciências sociais. In: Almeida, Maria H.T. & Sorj, Bernardo (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, p. 240-261.; Silva, 2012Silva, Mário A. M. da. (2012). Fazer história, fazer sentido: Associação Cultural do Negro (1954-1964). Lua Nova, 85, p. 227-273., 2018; Trapp, 2018Trapp, Rafael P. (2018). O elefante negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil (São Paulo, década de 1970). Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense.).

Alguns desses projetos envolviam alianças interessantes e de rendimentos significativos, como por exemplo as relações estabelecidas entre alguns dos sociólogos uspianos e a Associação Cultural do Negro, fundada em 1954 em São Paulo.5 5 Indico aqui o artigo que publiquei mais detidamente sobre o assunto (Silva, 2018) e também o trabalho de Trapp (2018), que oferece excelente continuidade crítica a essas relações, por meio do pensamento de Eduardo de Oliveira e Oliveira e sua atuação na Associação Cultural do Negro. Congregando mais de 700 sócios de ambos os sexos e variadas profissões, de acordo com as fichas de seu arquivo, e localizada, numa primeira fase (até 1964) no 16o andar do Edifício Martinelli, Centro da cidade, esforçou-se em publicar jornais (Mutirão e Níger), periódicos e debates (série Cultura Negra), discussões públicas sobre a questão racial (tendo como seus aliados e associados sociólogos e intelectuais como Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Paula Beiguelman, José Mindlin, Eduardo de Oliveira e Oliveira - este último seu dirigente no período final), bem como em ser um espaço, temporário, de recepção a debates sobre a luta anticolonial em países africanos de expressão portuguesa (Moura, 1983Moura, Clóvis. (1983). Organizações negras. In: Singer, Paul & Brant, Vinicius C. (orgs). São Paulo: o povo em movimento. Petrópolis/São Paulo: Vozes/Cebrap, p. 143-175.; Domingues, 2018bDomingues, Petrônio. (2018b). “Em defesa da humanidade”: a Associação Cultural do Negro. Dados, 61/1, p. 171-211.; Silva, 2012Silva, Mário A. M. da. (2012). Fazer história, fazer sentido: Associação Cultural do Negro (1954-1964). Lua Nova, 85, p. 227-273., 2017bSilva, Mário A. M. da.(2017b). Outra ponte sobre o Atlântico Sul: descolonização africana e alianças político-intelectuais em São Paulo nos anos 1960. Análise Social, 52/225, p. 804-826., 2018).

A fase após 1965 até seu fim se dará no bairro pobre e negro da Casa Verde, sob a presidência do sociólogo negro Eduardo Oliveira e Oliveira e da advogada branca Gilcéria de Oliveira (Silva, 2012Silva, Mário A. M. da. (2012). Fazer história, fazer sentido: Associação Cultural do Negro (1954-1964). Lua Nova, 85, p. 227-273., 2018; Trapp, 2018Trapp, Rafael P. (2018). O elefante negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil (São Paulo, década de 1970). Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense.). Aí seu caráter se alterará, sendo um espaço voltado para a comunidade do bairro, realizando cursos de alfabetização e reforço escolar ou para debates sobre a identidade negra, por meio da história africana e brasileira. Cerra suas portas em 1976, sob a presidência de Oliveira e Oliveira. Não há conexão com novos projetos de ativistas negros coetâneos (e mais jovens, de outra geração) na cidade de São Paulo e que serão responsáveis por uma nova fase e face do associativismo negro como Centro de Cultura e Arte Negra - Cecan, 1974 (Silva, 1994Silva, Joana M. F. (1994). Centro de cultura e arte negra: trajetória e consciência étnica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.), Movimento [Negro] Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR, posterior MNU, 1978), Seção Afro-Latino-América (jornal Versus, 1977) ou a antologia anual de contos e poemas dos Cadernos Negros em 1978 (Silva, 2013Silva, Mário A. M. da.(2013) A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000). Rio de Janeiro: Aeroplano.). Embora haja ligação dos membros das antigas associações do passado com os novos ativistas dos anos 1970, há uma mudança na forma de atuação e mesmo de compreensão e interesse acerca do que seriam as pautas do grupo social negro (Trapp, 2018Trapp, Rafael P. (2018). O elefante negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil (São Paulo, década de 1970). Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense.). Algo significativo, por exemplo, em termos de nomenclatura, é que esses novos ativistas passam a compor algo chamado de movimento negro - atrelado à temática dos movimentos sociais identitários dos anos 1970 - e não mais algo como associações negras (Alberti & Pereira, 2007Alberti, Verena & Pereira, Amílcar (orgs). (2007). Histórias do movimento negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas.; Pereira, 2013Pereira, Amílcar. (2013). O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas.).

Neste ponto do texto vale a pena abrir um espaço para demonstrar aspectos dessa desconexão entre a reflexão sociológica e a produção da sociedade do ponto de vista dos novos movimentos negros, dada a conjuntura dos anos 1970, sob a ditadura civil-militar. Um artigo da socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz (1974)Queiroz, Maria Isaura P. de. (1974). Collectivités noires et montée socio-économique des noirs au Brésil. Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien, 22, p. 105-131., publicado pela primeira vez em francês sob o título “Collectivités noires et montée socio-économique des noirs au Brésil”. O estudo das coletividades negras atrelado à sua ascensão socioeconômica não deveria espelhar indivíduos negros e coletividades étnicas, mesmo que intimamente ligados. Destarte, ela sugere uma primeira definição do que estava entendendo por coletividade negra - que se atrela aqui a uma ideia de associativismo negro:

Empregaremos aqui o termo “coletividade” no sentido de “grupo social”: conjunto de indivíduos que possuem, pelo fato de sua reunião, algo a mais que se encontre em cada indivíduo separado - algo que forma uma “consciência coletiva”. Essa consciência coletiva tende a se exprimir pelas associações voluntárias, cristalizadas e formalizadas, em que os objetivos são aceitos voluntariamente pelos membros. A existência ou não de coletividades negras e suas características pode ser conhecida pela existência ou não de associações voluntárias de negros e pelos objetivos que elas se atribuem (Queiroz, 1974Queiroz, Maria Isaura P. de. (1974). Collectivités noires et montée socio-économique des noirs au Brésil. Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien, 22, p. 105-131.:106).6 6 Nous employons ici le terme “collectivité” dans le sens de “groupe social”: ensembles d’individus possédant, du fait même de leur réunion, quelque chose de plus que ce qu’on trouve dans chaque individu séparé, quelque chose qui forme une “conscience collective”. Cette conscience collective tend à s’exprimer par des associations volontaires, cristallisées et formalisées, dont les buts sont acceptés de leur plein gré par les membres. L’existence ou non de collectivités noires et leurs caractéristiques peuvent être connues par l’existence ou non d’associations volontaires de noirs, et par les buts qu’elles se donnent.

Ao tratar do pós-abolição, Queiroz mescla argumentos que são semelhantes aos de Fernandes e Gilberto Freyre,7 7 “Au moment du passage de la situation d’esclave à la situation d’homme libre, tout cela pesa sur l’intégration des noirs [...] Pour bien comprendre la situation des noirs dans le développement d’une ville comme São Paulo, par exemple, il est nécessaire de prendre en ligne de compte ce trait caractéristique, mais aussi le fait que la fin de l’esclavage ne signifiait pas la fin de rapports directs, affectifs et paternalistes entre les ethnies [...] le complexe de rapports unissant maîtres et esclaves” (Queiroz, 1974:112-113). “No momento da passagem da situação do escravo à situação de homem livre, tudo isso pesava sobre a integração dos negros […] Para compreender corretamente a situação dos negros no desenvolvimento de uma cidade como São Paulo, por exemplo, é necessário considerar esse traço característico, mas também o fato de que o fim da escravidão não significou o fim das relações diretas, afetivas e paternalistas entre as etnias […] o complexo de relações que uniam senhores e escravos”. mas os observa com uma certa fraqueza associativa do mundo negro. Embora não precise exatamente as datas, em particular tratando de São Paulo, sugere que, antes dos anos 1930-1940, não houve numa primeira fase do pós-abolição a formação de associações voluntárias ou confrarias, como dantes (com fins de apoio econômico); nem, por outro lado, associações voluntárias novas surgiram para promoção de bailes e encontros, apenas atividades lúdicas como algo importante. Seu argumento geral é de que, nesse momento, as associações negras estão preocupadas, de certa forma, em ser parte de uma pequena burguesia e, assim, também com sua ascensão social. Em sendo barrados pelos brancos, isso teria sido motivo para sua radicalização política - uma explicação sua a respeito da existência da Frente Negra Brasileira.

Em torno dos anos 1930-1940, quando a industrialização da cidade de São Paulo estava em plena aceleração, os sintomas de endurecimento da situação de segregação no nível pequeno-burguês se tornaram mais claros. Foi o momento em que a Frente Negra Brasileira, uma associação cujos objetivos eram principalmente políticos, estava em expansão; e também circulavam vários pequenos jornais, apresentando as reivindicações dos negros. Um agravamento das relações interétnicas estava ocorrendo em cidades como São Paulo; os negros acusavam veementemente os brancos de se opor a sua ascensão social. Associações negras mudaram objetivos e comportamentos; elas eram acima de tudo políticas, eram agressivas, questionavam a posição dos negros na sociedade global [...] O conteúdo de suas demandas mostra que não se tratava estritamente de integração: eles queriam ir mais alto e encontravam obstáculos em seu caminho. Integrados à pequena burguesia, eles queriam fazer parte do meio e protestavam contra as dificuldades que ali encontravam. Grupo étnico minoritário cujos problemas pareciam estar ligados ao processo de industrialização (Queiroz, 1974Queiroz, Maria Isaura P. de. (1974). Collectivités noires et montée socio-économique des noirs au Brésil. Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien, 22, p. 105-131.: 115-116).8 8 Vers les années 30-40, lorsque l’industrialisation de la ville de S.Paulo était en pleine accélération, les symptômes d’un raidissement de la situation de ségrégation au niveau petit-bourgeois sont devenus plus nets. C’est le moment où la « Frente Negra Brasileira » (Front Noir Brésilien), association dont les buts étaient surtout politiques, était en expansion; où plusieurs petits journaux circulaient aussi, présentant les revendications des noirs. Une aggravation des rapports inter-ethniques était en cours dans des villes comme celle de S.Paulo; les noirs accusaient avec véhémence les blancs de s’opposer à leur montée sociale. Les associations noires changèrent de buts et de comportements; elles furent surtout politiques, elles se montrèrent agressives, elles contestèrent la position du noir dans la société globale […] Le contenu de leurs revendications montre qu’ils ne s’agissait pas d’intégration à proprement parler: ils voulaient monter plus haut, et ils retrouvaient des obstacles sur leur chemin. Intégrés à la petite bourgeoisie, ils voulaient pénétrer dans la moyenne, et s’insurgeaient contre les difficultés qu’ils y rencontraient. Groupe ethnique minoritaire dont les problèmes paraissaient liés au processus d’industrialisation [...] .

É curioso o fato de que a luta contra o racismo não aparece como uma questão em seus argumentos, para justificar veemência e agressividade. A Frente Negra Brasileira estaria ocupada com questões relativas à ascensão social e não com uma luta antirracista. Também o fato de a FNB ter sido desmobilizada pelo golpe do Estado Novo, em novembro de 1937, tampouco é mencionado: “As associações reivindicativas e políticas desapareceram depois dos anos 1950, enquanto a industrialização, ao contrário, acelera-se velozmente, e a cidade de São Paulo se transforma numa metrópole”9 9 Les associations revendicatrices et politiques disparaissent après les années 50, alors que l’industrialisation, au contraire, s’accélere de plus en plus et que la ville de S. Paulo se transforme en une métropole. (Queiroz, 1974Queiroz, Maria Isaura P. de. (1974). Collectivités noires et montée socio-économique des noirs au Brésil. Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien, 22, p. 105-131.: 116). Por não tematizar o golpe de estado civil-militar de 1964, mesmo num texto escrito para o público do exterior em revista estrangeira, há dificuldade para compressão sobre seus argumentos a respeito da realidade dos anos 1970 e o mundo das associações negras:

Atualmente, não há mais associações negras agressivas de tipo político em São Paulo, como as que existiam no período anterior; Associações “recreativas”, pelo contrário, não apenas continuam a existir, mas estão se tornando mais numerosas. Seus nomes são indicativos da orientação de suas atividades: “União Filantrópica Recreativa do Negro Brasileiro”; “Casa de Cultura Afro-Brasileira”; “Associação Cultural do Negro”; “Aristocrata Clube” etc. Por sua própria orientação, destinam-se à afirmação social e cultural do negro na sociedade “paulistana”, mas não possuem atividades políticas ou econômicas. Retomaram, portanto, a tendência mais antiga das associações a partir do início do século XX e não continuam com a reivindicação e a política das associações entre 1930 e 1950 (Queiroz, 1974Queiroz, Maria Isaura P. de. (1974). Collectivités noires et montée socio-économique des noirs au Brésil. Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien, 22, p. 105-131.: 116).10 10 Il n’existe plus à S. Paulo, à l’heure actuelle, des associations noires agressives et de type politique, pareilles à celles qui avaient existé dans la période antérieure; les associations “récréatives” au contraire, non seulement continuent d’exister, mais deviennent plus nombreuses. Leurs noms sont révélateurs de l’orientation de leurs activités: “União Filantrópica Recreativa do Negro Brasileiro” (Union Philanthropique et Récréative du Noir Brésilien); “Casa da Cultura Afro-Brasileira” (Maison de la Culture Afro-Brésilienne); “Associação Cultural do Negro” (Association Culturelle du Noir); “Aristocrata Clube” (Club des Aristocrates), etc. De leur propre aveu, elles se destinent à l’affirmation sociale et culturelle du noir dans la société “paulistana”, mais n’ont pas des activités politiques ou économiques. Elles ont donc repris la tendance plus ancienne des associations du début du XXe siècle, et ne continuent pas celle, revendicatrice et politique, des associations de 1930-1950.

Desprovidas do contexto político e de análise específica sobre o estado de cada associação, as afirmações tornam-se problemáticas. Os sentidos do associativismo negro não são estanques e fora do contexto histórico em que eles se desenvolvem. Das quatro associações negras citadas, conheço dados sobre três, e todas elas tinham suas especificidades de reivindicação política, rivalizando-se ou cooperando entre si e sobrevivendo à conjuntura dos anos mais repressivos da ditadura civil-militar em curso. Fosse a já mencionada Associação Cultural do Negro ou, ainda, a Casa de Cultura Afro-Brasileira11 11 Ambas as associações são memórias de José Correia Leite (Leite & Cuti, 1992: 190-192) como organizações que rivalizaram a existência da Associação Cultural do Negro, em circunstâncias específica. Acerca da Casa de Cultura Afro-Brasileira, sabe-se que ela foi responsável por tentar organizar em São Paulo, em 1963, um Congresso Mundial da Cultura Negra. Estavam à frente do Congresso o poeta Eduardo de Oliveira (que também foi vereador da cidade) e Anna Florência de Jesus. (também responsável pela Casa). Sua sobrinha, a professora da Faculdade de Direito da USP, dra. Eunice Prudente, forneceu-me algumas informações sobre a tia e a Casa: “Anna Florência foi presidente da Juventude Operária Católica do estado de SP e integrou o Conselho Nacional do movimento, tanto que representou o Brasil em congresso internacional em Roma (1957), quando visitou vários países europeus. Ao retornar ao Brasil sua ideia foi levar os ideários jocistas para o movimento negro, na época integrado por várias associações culturais e recreativas. Não sendo compreendida, assisti a lideranças negras dizendo a ela que não queriam “política” em sua associação. Assim, em 1962 fundou a Casa da Cultura Afro-Brasileira, graças a espaço cedido pela Ação Católica Brasileira, na Rua Wenceslau Braz no Centro velho de São Paulo. Havia reuniões às sextas-feiras à noite, com presença de mais de 50 pessoas. Pessoas faziam pesquisas sobre o negro brasileiro, apareciam advogados, professoras, muitos funcionários públicos, empregadas domésticas, poetas. Lá conheci o saudoso professor Eduardo de Oliveira e sua esposa, Deise, que havia sido jocista, como minhas tias. Também permanece perdida na história da família a chamada ao Deops, tempos depois da instalação da ditadura. Interrogaram Anna Florência sobre os objetivos da Casa da Cultura e por que fazia as reuniões. Embora já fosse do conhecimento de todos que certos tipos que apareciam nas reuniões estavam espreitando nossas discussões” (correio eletrônico de Eunice Aparecida Prudente de Jesus a Mário Augusto Medeiros da Silva em 24 jul. 2013). e o Aristocrata Clube,12 12 Sobre o Aristocrata Clube, Aza Pinho e Jasmin Pinho dirigiram em 2004 o documentário Aristocrata Clube. Ver: http://site.videobrasil.org.br/acervo/obras/textos/243822 Associação de profissionais liberais negros e funcionários públicos criada em 1961. Esteve com sede aberta em São Paulo até os anos 1990. Retomou suas funções recentemente: http://www.aristocrataclube.com.br/ Acessos em 30 abr. 2020. todas possuíam atividades de interesse político e apoio econômico aos sócios. E mesmo a crítica final de Queiroz é questionável, ao remeter às associações do início do século XX, supostamente de caráter “apenas” recreativo: por que a sociabilidade festiva não seria uma forma de afirmação política da vida negra, cujos direitos civis e sociais no pós-abolição, solapados pelo racismo, esteve continuamente em perigo?

Ainda chama atenção esse descompasso pelo agradecimento expresso em nota de rodapé e na bibliografia de seu texto, pelas informações concedidas sobre as associações: “Agradecemos ao senhor Eduardo de Oliveira, que muito gentilmente nos cedeu os dados recolhidos para sua tese de doutorado, em vias de elaboração (1971)”13 13 Nous remercions M. Eduardo de Oliveira, qui très aimablement nous a comuniqué des données recueillies pour sa thèse de doctorat, en voie d’élaboration (1971). (Queiroz, 1974Queiroz, Maria Isaura P. de. (1974). Collectivités noires et montée socio-économique des noirs au Brésil. Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien, 22, p. 105-131.: 116). Isso é particularmente intrigante, pois este seria Eduardo de Oliveira e Oliveira, o sociólogo negro que realizava, de fato, tese na USP sobre relações raciais, sob orientação de Ruy Coelho, e foi o último presidente da Associação Cultural do Negro.

Na ocasião da publicação desse texto, ele se encontrava às voltas com o trabalho da tese, em diálogo com associações e intelectuais negros paulistanos e dos EUA, e estaria cada vez mais crítico em relação aos trabalhos da Escola Sociológica Paulista acerca das relações raciais (Trapp, 2018Trapp, Rafael P. (2018). O elefante negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil (São Paulo, década de 1970). Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense.). Essa crítica desembocaria na peça de teatro escrita por ele e Thereza Santos, E agora falamos nós, e na Quinzena do Negro, realizada na USP em 1977, com estudos críticos das relações raciais, por intelectuais negros. Ou seja, Oliveira e Oliveira era alguém do meio e conhecedor da realidade das associações negras. Mas também não concluiu sua tese, encerrou as atividades da ACN em 1976 e morreu em condições duvidosas em 1980.

O artigo de Queiroz ainda tem passagens complicadas sobre as questões das mulheres negras, a ocupação de espaços públicos e a inserção numa pequena burguesia negra paulistana. Tudo isso atrelado às discussões sobre ascensão social econômica e não versando sobre racismo e luta antirracista. É necessário salientar que entre os temas de especialização da socióloga não estavam os estudos de relações raciais (Kosminsky, 1999Kosminsky, Ethel V. (org.). (1999). Agruras e prazeres de uma pesquisadora: ensaios sobre a sociologia de Maria Isaura Pereira de Queiroz. Marília: Unesp/Fapesp.). O artigo é estranho aos seus domínios temáticos (teoria sociológica francesa, sociologia política, milenarismo, festas populares, estudos de movimentos sociais no campo e metodologia científica), e, destarte, a desconexão com os movimentos sociais negros nos anos 1970 torna-se flagrante.

Nos anos 1980, um novo conjunto de estudos nas ciências sociais, orientado por remanescentes ou próximos da sociologia uspiana de décadas anteriores, retoma temas e questões relativos à forma de estudo do associativismo negro. Destacam-se A imprensa negra paulista (1915-1963), de Míriam Nicolau Ferrara (1986)Ferrara, Miriam N. (1986). A imprensa negra paulista (1915-1963). São Paulo: FFLCH-USP.; os estudos sobre os cordões carnavalescos e as origens do samba paulista no século XX com as pesquisas Samba na cidade de São Paulo (1900-1930), de Ieda Marques Britto (1986)Britto, Iêda M. (1986). Samba na cidade de São Paulo (1900-1930): um exercício de resistência cultural. São Paulo: FFLCH-USP., e Carnaval em branco e negro, de Olga Rodrigues von Simson (2007)Von Simson, Olga R. de M. (2007) [1988]. Carnaval em branco & negro: carnaval popular paulistano 1914-1988. Campinas/São Paulo: Ed. Unicamp/Edusp/Imprensa Oficial do Estado..

Ferrara (1986)Ferrara, Miriam N. (1986). A imprensa negra paulista (1915-1963). São Paulo: FFLCH-USP. atualiza o trabalho de Bastide, tanto temporal como tematicamente, propondo uma discussão mais aprofundada sobre o racismo e a presença de ideias a respeito da África na imprensa negra paulista por meio dos jornais da coletividade negra. Junto com o sociólogo Clóvis Moura, que já havia feito um balanço das organizações negras em São Paulo (Moura, 1983Moura, Clóvis. (1983). Organizações negras. In: Singer, Paul & Brant, Vinicius C. (orgs). São Paulo: o povo em movimento. Petrópolis/São Paulo: Vozes/Cebrap, p. 143-175.:143-175), ela se responsabilizará em coletar os jornais com os antigos intelectuais negros e microfilmar o material remanescente, por intermédio da Biblioteca Mário de Andrade. Britto (1986)Britto, Iêda M. (1986). Samba na cidade de São Paulo (1900-1930): um exercício de resistência cultural. São Paulo: FFLCH-USP. sugere em seu trabalho uma interessante discussão sobre os sentidos da sociabilidade atribuídos pelos migrantes negros do interior de São Paulo para a capital, fundamentalmente pobres e da classe trabalhadora, condensando-se especialmente em bairros como Glicério, Barra Funda, Bixiga, de onde saíram clubes de futebol como o São Geraldo, os cordões como Camisa Verde e Branco, Cai-Cai (posteriormente conhecido como Vai-Vai). Vale destacar que os cordões são entendidos como associações recreativas de lazer da classe trabalhadora negra, pouco estudadas até então, bem como aquela classe, seccionada pelo caráter étnico e seu lazer. Também no trabalho de Britto se apresenta a conexão entre lazer e religiosidade, seguindo uma pista apontada por Mário de Andrade (1937)Andrade, Mário de. (1937). O samba rural paulista. Revista do Arquivo Municipal, 4/41., nos anos 1930, ao abordar o samba e as romarias para Pirapora do Bom Jesus praticados por aqueles homens e mulheres negros.

O estudo de von Simson (2007)Von Simson, Olga R. de M. (2007) [1988]. Carnaval em branco & negro: carnaval popular paulistano 1914-1988. Campinas/São Paulo: Ed. Unicamp/Edusp/Imprensa Oficial do Estado., defendido originalmente como Brancos e negros no carnaval popular paulistano, 1914-1988, se deterá também sobre o lazer na cidade de São Paulo, entre o final do século XIX e, particularmente, para os negros, entre 1914 e 1960, marcando temporalmente a criação do cordão Grupo Carnavalesco Barra Funda por Dionízio Barbosa e as modificações do samba em São Paulo, dando origem às escolas de samba. De cordão a escola, era necessário entender o que se passava com as associações recreativas negras. Também no final dos anos 1980 se dará a pesquisa de Regina Pahim Pinto (1993)Pinto, Regina P. (1993). O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. Tese de Doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo., sobre a Frente Negra Brasileira, que seria a tese O movimento negro em São Paulo: luta e identidade, defendida na USP. Aqui se tem uma crítica por dentro da forma como os intelectuais uspianos (em particular, Fernandes) estudaram a FNB, vista como uma organização conservadora, orientada pelos valores monarquistas e autoritários de seu líder, Arlindo Veiga dos Santos. Pahim Pinto sugere outra leitura, utilizando fundamentalmente o jornal A Voz da Raça como fonte para discussão de sentidos alternativos construídos no quotidiano dos negros organizados de São Paulo. A autora sugerirá, aliás, uma ponte entre as propostas do associativismo negro dos anos 1930 e aquele que tomará a cena pública a partir de 1978.

Se até aqui os estudos sobre o associativismo negro foram majoritariamente realizados por cientistas sociais, é importante mencionar a contribuição crítica realizada por historiadores, que trataram os mesmos objetos, entre o final dos anos 1990 e a década de 2000. Nesse sentido, por exemplo, podem-se destacar ainda os estudos de Petrônio Domingues (2005)Domingues, Petrônio. (2005). A insurgência de ébano: a história da Frente Negra Brasileira (1931-1937). Tese de Doutorado. PPGS/Universidade de São Paulo. sobre a Frente Negra Brasileira ou o trabalho de Ana Flávia Magalhães Pinto (2010)Pinto, Ana Flávia M. (2010). Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro. a respeito da imprensa negra no século XIX, revisitando e ampliando o escopo sobre os objetos anteriormente tratados pelos cientistas sociais; e, nessa mesma senda, focalizando São Paulo, os trabalhos de Paulina Alberto (2017)Alberto, Paulina. (2017) [2011]. Termos de inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Ed. Unicamp. e Petrônio Domingues (2018b, 2019Domingues, Petrônio. (2019). Protagonismo negro em São Paulo. São Paulo: Edições Sesc.).

É igualmente interessante notar que os historiadores passaram a realizar estudos de caso cada vez mais apurados acerca de sociedades beneficentes, associações recreativas, de mútuo apoio e socorro, irmandades leigas etc. em diferentes estados da federação, incluído São Paulo (cf. Scarano 1978Scarano, Julita. (1978). Devoção e escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no distrito Diamantino no século XVIII. São Paulo: Editora Nacional.; Maciel, 1987Maciel, Cleber da Silva. (1987). Discriminações raciais: negros em Campinas (1888-1921). Campinas: Editora da Unicamp.; Amaral, 1991Amaral, Raul J. (1991). Os pretos do Rosário de São Paulo. 2 ed. São Paulo: Scortecci.; Quintão, 2002Quintão, Antonia A. (2002). Irmandades negras: outro espaço de luta e resistência (São Paulo:1870-1890). São Paulo: Annablume.; Reginaldo, 2010Reginaldo, Lucilene. (2010). Os Rosários dos Angolas. Irmandades de africanos e crioulos na Bahia setecentista. São Paulo: Alameda.; Vargas, 2010Vargas, Giane. (2010). Clubes sociais negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria.; Silva, 2011Silva, Fernanda O. da. (2011). Os negros, a constituição de espaço para os seus e o entrelaçamento desses espaços: associações e identidades negras em Pelotas (1820-1943). Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.; Lucindo, 2020Lucindo, Willian R. S. (2020). Comemorações, cidadania e festas: o associativismo negro em Piracicaba e Campinas nas três primeiras décadas do século XX. Tese de Doutorado. IFCH/Universidade Estadual de Campinas.). O que está em jogo nesses estudos, entre outros aspectos, é a experiência negra, particularmente as suas práticas de associativismo de diferentes facetas, no Brasil, em momentos-chave do período imperial e republicano. Não será possível esgotar tal bibliografia no horizonte deste artigo e tampouco é seu escopo, que está presente em outros trabalhos.

Continuidades e descontinuidades: releituras e outros caminhos

A investigação sobre o tema do associativismo tem sido recolocada em bases novas, questionando uma produção de longo fôlego no pensamento social brasileiro, tendo novamente a crise da Abolição e a sociedade reorganizada no pós-abolição como repositório de questões irresolutas de nossa realidade social, alcançando ainda o século XXI. Recorde-se a perspectiva do pensamento social brasileiro, por exemplo, o tema do “insolidarismo”, que pode ser lido como oposição ao associativismo e já era apontado em 1918 por Francisco J. Oliveira Vianna (1987)Vianna, Francisco J. de O. (1987). Populações meridionais do Brasil: história, organização, psicologia. Belo Horizonte/Niterói: Itatiaia/UFF. que, em Populações meridionais, tratava o problema como algo de destaque para os estratos superiores da sociedade (resultado da “anarquia branca” entre os aristocratas rurais que, paulatinamente e por necessidade, se transformam em caudilhos no Sudeste e no Sul do país). Ao apontar o fato como preocupação, por contraste, deixava de lado as outras camadas da população dos quatro primeiros séculos de formação do Brasil, uma vez que a escravidão, por exemplo, organizava a massa negra africana; e quanto aos indígenas, “pacificados”, controlados e mortos ou a plebe rural de homens livres estavam submetidos igualmente ao poder dos nobres da terra). A solidariedade social e seu oposto, portanto, seriam questões próprias à camada historicamente dirigente do Brasil, identificada étnica e politicamente como branca e livre.14 14 “Entre o operariado rural, o trabalhador salariado dos campos, e a nobreza fazendeira interpõe-se uma terceira classe - a classe dos que [...]não loca, porém, não loca o seu braço ao senhor das terras.[…] Entre essa classe e os grandes proprietários também não se forma nenhuma relação de solidariedade consistente e forte: a que existe é instável, fugidia, infixa[...]” (Vianna, 1987: 122) E mais adiante: “Não o ampara a solidariedade de classe[…] O homem que não tem latifúndio é, no interior, um homem permanentemente indefeso. É de todo, em todo, um desprotegido. Nenhuma instituição, de caráter social, o ampara[…] O nosso homem do povo, o nosso campônio é essencialmente homem de clã, o homem da caravana, o homem que procura um chefe, e sofre sempre uma como que vaga angústia secreta todas as vezes que, por falta de um condutor ou de um guia, tem necessidade de agir por si, autonomicamente” (Vianna, 1987: 142 e 147)

Se o “abolicionismo foi o primeiro grande movimento social brasileiro”, como sustenta Angela Alonso (2011: 193), a hipótese sobre deficiência da vida associativa brasileira do século XIX fica em xeque em face da quantidade de associações espalhadas em diferentes estados do Brasil imperial, com suas Sociedades contra a Escravidão ou Sociedades Emancipadoras, flagradas em pesquisa pela autora, entre 1860-1888 (Alonso, 2011Alonso, Angela. (2011). Associativismo avant la lettre - as sociedades pela abolição da escravidão no Brasil oitocentista. Sociologias, 28, p. 166-199., 2015Alonso, Angela. (2015). Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88). São Paulo: Companhia das Letras.) e no imediato pós-abolição (Martins, 2017Martins, Gabriela P. (2017). Entre a espada e a coroa: abolicionistas em confrontos políticos no imediato pós-abolição (1888-1889). Tese de Doutorado. PPGS/Universidade de São Paulo.).

Cabe refletir, igualmente, acerca da capacidade reativa e auto-organizativa negra às situações de impasse e mesmo de desencontro de interesses em relação às diferentes facetas do movimento abolicionista (composto, como demonstra aquela autora, por sujeitos vários, em espaços sociais distintos, que orbitavam do Parlamento ao mundo dos escravizados e libertos; de membros da elite política a alijados tradicionais, como mulheres, crianças e negros etc.15 15 “Meu segundo ponto diz respeito aos partícipes dessa política. Trazendo para a vida política estratos sociais marginalizados pelas instituições políticas imperiais, agregando mulheres, libertos, trabalhadores não qualificados, e mesmo crianças, o movimento brasileiro foi mais inclusivo que as variantes hispânicas, restritas basicamente à classe média […] Tanto em estilo de ativismo quanto em perfil dos mobilizados, o movimento brasileiro se parece mais com os casos britânico e norte-americano, com seu modelo de mobilização de massas urbanas, do que com o francês, centrado no parlamento […] Nesse sentido, e independentemente de seus resultados práticos, em vez de confirmar uma endêmica tradição de insolidarismo brasileiro, o movimento abolicionista promoveu, antes, uma democratização da política dentre nós. Mais próximo do que falava Tocqueville do que presumiu Oliveira Vianna” (Alonso, 2011: 194). ). De fato, um de seus maiores impasses são as situações subsequentes ao 13 de maio de 1888.

A atuação escrava, dos libertos e dos intelectuais e ativistas negros ainda no século XIX não é algo a ser deixado de lado, caso se queira compreender o quadro associativo negro do século XX não apenas em São Paulo. E essa conexão não é simples de ser feita, mas extremamente necessária para tentar explicar uma espécie de continuidade da memória associativa, que ultrapasse sociológica e historicamente aquela dimensão do espírito, de que falava Arthur Ramos, dando-lhe sentido concreto. Luiz Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, José Ferreira de Menezes, Joaquim de Paula Brito com maior ou menor intensidade, são nomes lembrados por intelectuais e ativistas negros do século XX em suas lides, com usos e sentidos a ser esquadrinhados. Esses e outros sujeitos, como demonstrou Ana Flávia Magalhães Pinto (2014)Pinto, Ana Flávia M. (2014). Fortes laços em linhas rotas: literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade do século XIX. Tese de Doutorado. IFCH/Universidade Estadual de Campinas., compuseram uma rede de atuação no Rio de Janeiro e em São Paulo, de intensa negociação e conflito com seus pares abolicionistas não negros, mas perduraram como exemplos para os que vieram depois.

Conforme fui avançando na reunião e na leitura das fontes, pude perceber uma série de articulações diretas e indiretas existentes entre eles. Compartilhando espaços semelhantes, muitos deles não apenas souberam da existência um do outro, como também desenvolveram ações conjuntas […] Gente na música, no teatro, na imprensa, em instituições de ensino… cada ponta que se puxa traz enrolada em si um ou mais fios. […] Os personagens centrais desta narrativa sobre experiências de literatos negros nas últimas décadas do século XIX e início do XX são Machado de Assis, José Ferreira de Menezes, Luiz Gama, José do Patrocínio, Ignácio de Araújo Lima, Arthur Carlos e Theóphilo Dias de Castro, que viveram e deixaram marcas na história das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo (Pinto, 2014Pinto, Ana Flávia M. (2014). Fortes laços em linhas rotas: literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade do século XIX. Tese de Doutorado. IFCH/Universidade Estadual de Campinas.: 03, 08).

Já os jornais da imprensa negra paulista dos séculos XIX e XX sinalizam essa pista, igualmente trilhada por Pinto. Pode-se argumentar que tanto aqueles sujeitos (rábulas, impressores, advogados, engenheiros, médicos negros ou mestiços) como a forma jornal ou literatura negra constituir-se-iam expressões de uma fração específica do grupo negro (Silva, 2017aSilva, Mário A. M. da.(2017a). Rastros do Cisne Preto: Lino Guedes, um escritor negro pelos jornais (1913-1969). Estudos Históricos, 26/52, p. 369-390.). Essa luta pela cidadania e sua memória cívica, entretanto, pode ser nublada até mesmo pela discussão da existência de uma vida associativa em outras frações da classe trabalhadora, onde a clivagem principal apresentada pelos pesquisadores é a oposição do capital (burguesia) ao trabalho (proletariado). Ou a demandas da classe trabalhadora, pobre, da periferia por participação do direito à cidade. É evidente que isso não é de menor importância. Mas não deve ser a única mirada possível numa cidade onde historicamente convivem tantos quereres e ações quanto é sua multifacetada existência, enfeixada pela experiência negra (González, 1982González, Lélia. (1982). O movimento negro na última década. In: González, Lélia & Hasenbalg, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero.) ou de variadas migrações estrangeiras e internas, por exemplo. Se assim o for, repete-se o que foi criticado recentemente como o “paradigma da ausência” (Nascimento, 2016Nascimento, Álvaro P. (2016). Trabalhadores negros e “paradigma da ausência”: contribuições à história social do trabalho no Brasil. Estudos Históricos, 29/59, p. 607-626.).

Esse ponto um tanto nebuloso da ideia de associativismo ou participação aparece nos trabalhos organizados por Leonardo Avritzer e Felix Sanchez (2004)Avritzer, Leonardo & Sanches, Félix. (2004). O associativismo paulistano. Belo Horizonte: [s.n.]. e Avritzer (2004)Avritzer, Leonardo (org.). (2004). A participação em São Paulo. São Paulo: Editora Unesp., acompanhado pelas análises de Adriano Duarte (2008)Duarte, Adriano. (2008). “Em busca de um lugar no mundo”: movimentos sociais e política na cidade de São Paulo nas décadas de 1940 e 50. Estudos Históricos, 21/42, p. 195-219. e Paulo Fontes (2013)Fontes, Paulo. (2013). Trabalhadores e associativismo urbano no governo Jânio Quadros em São Paulo (1953-1954). Revista Brasileira de História, 33/66, p. 71-94.. Em nenhum dos trabalhos desses cientistas sociais e historiadores é oferecida uma definição muito clara do que os autores compreendem por ambos os termos. Mas, apesar disso, de maneira difusa, associação e participação estão ligadas às experiências históricas das ideias de cidadania e democracia. Assim, as Sociedades de Amigos de Bairros (SABs) e os Comitês Democráticos Populares (ligados ao Partido Comunista Brasileiro), formas de organizações populares criadas no período de democratização após o Estado Novo (1945) e até o governo Jânio Quadros-João Goulart (1964), são o ponto de chegada nos dois últimos pesquisadores e o ponto de partida para os trabalhos de Avritzer, suscitando discussões interessantes sobre a organização popular e as demandas pela cidade, nas últimas seis décadas do século XX, culminando na discussão do Orçamento Participativo e de políticas públicas em São Paulo.

Todavia, apesar de haver um esforço interessante de observar, por exemplo, a dinâmica reivindicativa ao gabinete do então prefeito Jânio Quadros por meio das cartas enviadas durante as comemorações do IV Centenário por meio das SABs dos bairros mais pobres, mostrando o outro lado da festa (Fontes, 2013Fontes, Paulo. (2013). Trabalhadores e associativismo urbano no governo Jânio Quadros em São Paulo (1953-1954). Revista Brasileira de História, 33/66, p. 71-94.: 73-74), ou do esforço de aproximação do PCB da vida dos trabalhadores, inserindo-os num discurso democrático e dos direitos, igualmente mapeados geograficamente, as clivagens de gênero ou étnica não são inquiridas, mesmo em se tratando de bairros em que fatalmente se encontraria uma população negra ou migrante (Lapa, Freguesia do Ó, Mooca, Casa Verde etc.) ou em atividades como a têxtil, que historicamente empregava mulheres.

Os trabalhadores expressaram e confrontaram os desafios dessa era por meio de uma série de estratégias. Suas redes sociais, baseadas no mais das vezes em relações informais entre familiares, amigos, conterrâneos e membros da comunidade, foram fundamentais não apenas para o processo de migração das zonas rurais para a cidade, que grande parte deles vivenciou, mas também para o enfrentamento das dificuldades da vida urbana e dos dilemas do mundo do trabalho. Tais redes e relações informais também estavam na base de uma verdadeira “onda associativa” e de boa parte da ação política experimentada pelas classes populares em São Paulo naquele período. Os sindicatos foram um dos eixos da forte associatividade dos trabalhadores, mas o fenômeno não ficou restrito a eles, nem exclusivamente ao embate entre operários e industriais. Ao contrário, associações de bairro, recreativas, educacionais, beneficentes, étnicas, mutualistas, cooperativistas, religiosas e artístico-culturais formaram uma gama complexa e heterogênea de organizações que claramente expressavam o processo formativo de uma classe multifacetada, com diferentes valores comunitários (Fontes, 2013Fontes, Paulo. (2013). Trabalhadores e associativismo urbano no governo Jânio Quadros em São Paulo (1953-1954). Revista Brasileira de História, 33/66, p. 71-94.: 75).

Esse padrão analítico também se encontra em Avritzer, que observa o cenário após os anos 1970 até os dias correntes da última década, sob a marca da experiência do Orçamento Participativo e das associações religiosas.16 16 “há, na cidade de São Paulo, desde o final de década de 1970, um núcleo da população associada que se organiza independentemente do Estado e tem práticas associativas e hábitos associativos próprios. [...] Pelo menos três importantes tradições culturais participativas estão presentes na cidade de São Paulo, o comunitarismo cristão, a tradição socialista-democrática e a cultura popular. Esses grupos estão na base da população associada na cidade que, de acordo com os nossos dados, alcança 19% da população (cerca de dois milhões de pessoas) e tem potencial para se estender aos 38% dos indivíduos que declaram ter vontade de participar.[…] O núcleo da sanfona da participação na cidade de São Paulo é constituído pelo associativismo religioso e pelo associativismo popular […] a base desse associativismo é a presença de 1.139 comunidades populares na cidade, havendo praticamente uma para cada três paróquias.[…] A mesma análise pode ser feita para setores do associativismo popular na cidade de São Paulo. O associativismo popular paulistano tem na sua base pelos menos três movimentos importantes, o movimento pela melhoria das condições de saúde, o movimento de moradia e o associativismo comunitário” (Avritzer, 2004: 46-48). Da história do trabalho à ciência política, ao que parece, a discussão mudou, junto com aspectos da própria dinâmica do querer e agir coletivos visando a um fim específico na vida da cidade de São Paulo. Mas essa resposta ainda não parece suficiente, sociologicamente. Ela é descritiva de algo que tem base factual, mas é restrito a clivagens específicas. Onde estão, nessas análises, os e as descendentes negros e negras daquelas experiências associativas narradas ao longo deste artigo? Os trabalhadores, em vida associativa, não têm gênero ou etnia como marcadores sociais de diferença?

Algo que pode ser um exemplo sincrônico contraposto à temporalidade daquelas análises: elas não são capazes de descrever, do ponto de vista da participação no mundo político-partidário, algo referente à interface dos movimentos sociais negros, de base popular, com o Estado nos anos 1980 em diante, notadamente na redemocratização com o governo de André Franco Montoro (1983-1987), com a experiência dos Conselhos Estaduais de Participação Feminina ou de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, da Constituinte de 1988 e da reorganização da vida política na Nova República (González, 1982González, Lélia. (1982). O movimento negro na última década. In: González, Lélia & Hasenbalg, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero.; Santos, 2007Santos, Ivair A. A dos. (2007). O movimento negro e o Estado (1983-1987): o caso do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Governo de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial.; Rios, 2014Rios, Flávia M. (2014). Elite política negra no Brasil: relação entre movimentos sociais, partidos políticos e Estado. Tese de Doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.).

Ao continuar inquirindo por onde andaram os descendentes negros de variadas experiências associativas narradas por aqui (e outras reinventadas), aquelas abordagens também não respondem, do ângulo da produção e dinâmica cultural, à emergência autônoma dos saraus periféricos paulistanos dos anos 2000 - cada vez mais organizados como associações, que, aliás, demandam do Estado políticas específicas (como editais de fomento cultural, municipal e estadual) - formados por uma população majoritariamente negra e mestiça, descendente de migrações internas e articuladas com aspectos de projetos do grupo social negro que a antecedeu - como os debates do movimento negro nos anos 1970 e 1980, de literatura e associações negras de então (Camargo, 1987Camargo, Oswaldo. (1987). O negro escrito. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado.; Quilombhoje, 1985Quilombhoje (org.). (1985). Reflexões sobre a literatura afro-brasileira. São Paulo: Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra.; Peçanha, 2012Peçanha, Érica. (2012). É tudo nosso! Produção cultural na periferia paulistana. Tese de Doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.; Silva, 2013Silva, Mário A. M. da.(2013) A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000). Rio de Janeiro: Aeroplano.; Tennina et al., 2015Tennina, Lucía et al. (2015). Polifonias marginais. Rio de Janeiro: Aeroplano.).

Tem-se portanto uma agenda de pesquisa ainda bastante aberta para discutir a ideia de associativismo em São Paulo, angulada pelas experiências de cidadãos negros, que criam e reinventam experiências históricas ao longo do século XX alcançando nossos dias. Tais como seus antepassados fizeram muito antes mesmo da Abolição. Não é possível ignorar tal fato, tanto quanto se trata de um desafio tentar construir linhas de memória dessas iniciativas. Ainda que sejam rotas tracejadas, com descontinuidades e desconhecimentos entre si, elas configuram uma experiência importante na história da cidadania que tem cor, gênero, classe e memória coletiva. E uma longa luta por direitos.

NOTAS

  • 1
    Agradeço aos pareceres anônimos recebidos, com excelentes contribuições críticas, para que este artigo chegasse a sua redação final e melhor. Também agradeço às colegas Mariana Miggiolaro Chaguri e Simone Meucci que assistiram à primeira exposição deste texto, conferindo o suporte necessário para que ele fosse adiante. E à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo Auxílio Regular à Pesquisa Processo 2017/06218-9, permitindo as condições materiais para reflexão.
  • 2
    Nessa e nas demais citações em idioma estrangeiro a tradução é minha. No original: Fraternal groups have prepared citizens for wider participation by teaching organizational and leadership skills to millions of Americans.[...]From the nineteenth century to the 1960s, African American fraternal organizations also made central contributions to the struggle for equal rights. […] Neglect of African American fraternalism has also constricted our understanding of long-standing civil rights struggles and the institutional roots of modern black protests.
  • 3
    “Era a sede do Departamento de Cultura. Combinamos de ir eu, o Francisco Lucrécio e o Fernando Góis[...] O Mário de Andrade conversou com a gente e expôs a situação dele. Ele queria apenas o aval, o contato de representantes da coletividade negra, pessoas representativas, porque o plano dele já estava todo estabelecido e a verba não dava para mais nada. Então não fizemos objeção nenhuma e ele contou qual era o plano dele. [...] O Mário de Andrade propôs fazer no Trocadero uma série de conferências, em que participaria num dia um conferencista branco e no outro um conferencista indicado pela comissão negra. E assim foi feito. Então apareceram as pessoas interessadas em falar pela Coletividade Negra. Dentre essas estava o Lucrécio. Para a comissão do Departamento de Cultura, vinha do Rio o professor Arthur Ramos” (Leite & Cuti, 1992Leite, José C. & Cuti. (1992). ...e disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.: 132).
  • 4
    Nominalmente são citados além desses: Francisco Lucrécio, Raul Joviano do Amaral, Edgar Santana, Geraldo de Paulo, Ângelo Abataiguara, Francisco Morais, Luís Lobato, Afonso Dias, José Pelegrini, Vicente de Paula Custódio, Paulo Luz, Vitalino B. Silva, Mario Vaz Costa, Carlos Assunção, Romeu Oliveira Pinho, Joaquim Valentim, Nestor Borges, Cirineu Góis, José Assis Barbosa, Adélio Silveira, Aníbal de Oliveira, Luís Aguiar, Benedito Custódio de Almeida, Gil Carvalho, José Inácio do Rosário, Sofia de Campos, Aparecida Camargo, Nair Pinheiro, Benedita Vaz Costa, Maria de Lourdes Rosário, Maria Helena Barbosa, Ruth de Sousa e Nilza de Vasconcelos (Bastide & Fernandes, 2008Bastide, Roger & Fernandes, Florestan. (2008) [1955]. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre os aspectos de formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. 4 ed. São Paulo: Global.: 24-25).
  • 5
    Indico aqui o artigo que publiquei mais detidamente sobre o assunto (Silva, 2018Silva, Mário A. M. da.(2018). Órbitas sincrônicas: sociólogos e intelectuais negros em São Paulo, anos 1950-1970. Sociologia & Antropologia, 8/1, p. 109-131.) e também o trabalho de Trapp (2018)Trapp, Rafael P. (2018). O elefante negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil (São Paulo, década de 1970). Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense., que oferece excelente continuidade crítica a essas relações, por meio do pensamento de Eduardo de Oliveira e Oliveira e sua atuação na Associação Cultural do Negro.
  • 6
    Nous employons ici le terme “collectivité” dans le sens de “groupe social”: ensembles d’individus possédant, du fait même de leur réunion, quelque chose de plus que ce qu’on trouve dans chaque individu séparé, quelque chose qui forme une “conscience collective”. Cette conscience collective tend à s’exprimer par des associations volontaires, cristallisées et formalisées, dont les buts sont acceptés de leur plein gré par les membres. L’existence ou non de collectivités noires et leurs caractéristiques peuvent être connues par l’existence ou non d’associations volontaires de noirs, et par les buts qu’elles se donnent.
  • 7
    Au moment du passage de la situation d’esclave à la situation d’homme libre, tout cela pesa sur l’intégration des noirs [...] Pour bien comprendre la situation des noirs dans le développement d’une ville comme São Paulo, par exemple, il est nécessaire de prendre en ligne de compte ce trait caractéristique, mais aussi le fait que la fin de l’esclavage ne signifiait pas la fin de rapports directs, affectifs et paternalistes entre les ethnies [...] le complexe de rapports unissant maîtres et esclaves” (Queiroz, 1974Queiroz, Maria Isaura P. de. (1974). Collectivités noires et montée socio-économique des noirs au Brésil. Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien, 22, p. 105-131.:112-113). “No momento da passagem da situação do escravo à situação de homem livre, tudo isso pesava sobre a integração dos negros […] Para compreender corretamente a situação dos negros no desenvolvimento de uma cidade como São Paulo, por exemplo, é necessário considerar esse traço característico, mas também o fato de que o fim da escravidão não significou o fim das relações diretas, afetivas e paternalistas entre as etnias […] o complexo de relações que uniam senhores e escravos”.
  • 8
    Vers les années 30-40, lorsque l’industrialisation de la ville de S.Paulo était en pleine accélération, les symptômes d’un raidissement de la situation de ségrégation au niveau petit-bourgeois sont devenus plus nets. C’est le moment où la « Frente Negra Brasileira » (Front Noir Brésilien), association dont les buts étaient surtout politiques, était en expansion; où plusieurs petits journaux circulaient aussi, présentant les revendications des noirs. Une aggravation des rapports inter-ethniques était en cours dans des villes comme celle de S.Paulo; les noirs accusaient avec véhémence les blancs de s’opposer à leur montée sociale. Les associations noires changèrent de buts et de comportements; elles furent surtout politiques, elles se montrèrent agressives, elles contestèrent la position du noir dans la société globale […] Le contenu de leurs revendications montre qu’ils ne s’agissait pas d’intégration à proprement parler: ils voulaient monter plus haut, et ils retrouvaient des obstacles sur leur chemin. Intégrés à la petite bourgeoisie, ils voulaient pénétrer dans la moyenne, et s’insurgeaient contre les difficultés qu’ils y rencontraient. Groupe ethnique minoritaire dont les problèmes paraissaient liés au processus d’industrialisation [...] .
  • 9
    Les associations revendicatrices et politiques disparaissent après les années 50, alors que l’industrialisation, au contraire, s’accélere de plus en plus et que la ville de S. Paulo se transforme en une métropole.
  • 10
    Il n’existe plus à S. Paulo, à l’heure actuelle, des associations noires agressives et de type politique, pareilles à celles qui avaient existé dans la période antérieure; les associations “récréatives” au contraire, non seulement continuent d’exister, mais deviennent plus nombreuses. Leurs noms sont révélateurs de l’orientation de leurs activités: “União Filantrópica Recreativa do Negro Brasileiro” (Union Philanthropique et Récréative du Noir Brésilien); “Casa da Cultura Afro-Brasileira” (Maison de la Culture Afro-Brésilienne); “Associação Cultural do Negro” (Association Culturelle du Noir); “Aristocrata Clube” (Club des Aristocrates), etc. De leur propre aveu, elles se destinent à l’affirmation sociale et culturelle du noir dans la société “paulistana”, mais n’ont pas des activités politiques ou économiques. Elles ont donc repris la tendance plus ancienne des associations du début du XXe siècle, et ne continuent pas celle, revendicatrice et politique, des associations de 1930-1950.
  • 11
    Ambas as associações são memórias de José Correia Leite (Leite & Cuti, 1992Leite, José C. & Cuti. (1992). ...e disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.: 190-192) como organizações que rivalizaram a existência da Associação Cultural do Negro, em circunstâncias específica. Acerca da Casa de Cultura Afro-Brasileira, sabe-se que ela foi responsável por tentar organizar em São Paulo, em 1963, um Congresso Mundial da Cultura Negra. Estavam à frente do Congresso o poeta Eduardo de Oliveira (que também foi vereador da cidade) e Anna Florência de Jesus. (também responsável pela Casa). Sua sobrinha, a professora da Faculdade de Direito da USP, dra. Eunice Prudente, forneceu-me algumas informações sobre a tia e a Casa: “Anna Florência foi presidente da Juventude Operária Católica do estado de SP e integrou o Conselho Nacional do movimento, tanto que representou o Brasil em congresso internacional em Roma (1957), quando visitou vários países europeus. Ao retornar ao Brasil sua ideia foi levar os ideários jocistas para o movimento negro, na época integrado por várias associações culturais e recreativas. Não sendo compreendida, assisti a lideranças negras dizendo a ela que não queriam “política” em sua associação. Assim, em 1962 fundou a Casa da Cultura Afro-Brasileira, graças a espaço cedido pela Ação Católica Brasileira, na Rua Wenceslau Braz no Centro velho de São Paulo. Havia reuniões às sextas-feiras à noite, com presença de mais de 50 pessoas. Pessoas faziam pesquisas sobre o negro brasileiro, apareciam advogados, professoras, muitos funcionários públicos, empregadas domésticas, poetas. Lá conheci o saudoso professor Eduardo de Oliveira e sua esposa, Deise, que havia sido jocista, como minhas tias. Também permanece perdida na história da família a chamada ao Deops, tempos depois da instalação da ditadura. Interrogaram Anna Florência sobre os objetivos da Casa da Cultura e por que fazia as reuniões. Embora já fosse do conhecimento de todos que certos tipos que apareciam nas reuniões estavam espreitando nossas discussões” (correio eletrônico de Eunice Aparecida Prudente de Jesus a Mário Augusto Medeiros da Silva em 24 jul. 2013).
  • 12
    Sobre o Aristocrata Clube, Aza Pinho e Jasmin Pinho dirigiram em 2004 o documentário Aristocrata Clube. Ver: http://site.videobrasil.org.br/acervo/obras/textos/243822 Associação de profissionais liberais negros e funcionários públicos criada em 1961. Esteve com sede aberta em São Paulo até os anos 1990. Retomou suas funções recentemente: http://www.aristocrataclube.com.br/ Acessos em 30 abr. 2020.
  • 13
    Nous remercions M. Eduardo de Oliveira, qui très aimablement nous a comuniqué des données recueillies pour sa thèse de doctorat, en voie d’élaboration (1971).
  • 14
    “Entre o operariado rural, o trabalhador salariado dos campos, e a nobreza fazendeira interpõe-se uma terceira classe - a classe dos que [...]não loca, porém, não loca o seu braço ao senhor das terras.[…] Entre essa classe e os grandes proprietários também não se forma nenhuma relação de solidariedade consistente e forte: a que existe é instável, fugidia, infixa[...]” (Vianna, 1987Vianna, Francisco J. de O. (1987). Populações meridionais do Brasil: história, organização, psicologia. Belo Horizonte/Niterói: Itatiaia/UFF.: 122) E mais adiante: “Não o ampara a solidariedade de classe[…] O homem que não tem latifúndio é, no interior, um homem permanentemente indefeso. É de todo, em todo, um desprotegido. Nenhuma instituição, de caráter social, o ampara[…] O nosso homem do povo, o nosso campônio é essencialmente homem de clã, o homem da caravana, o homem que procura um chefe, e sofre sempre uma como que vaga angústia secreta todas as vezes que, por falta de um condutor ou de um guia, tem necessidade de agir por si, autonomicamente” (Vianna, 1987Vianna, Francisco J. de O. (1987). Populações meridionais do Brasil: história, organização, psicologia. Belo Horizonte/Niterói: Itatiaia/UFF.: 142 e 147)
  • 15
    “Meu segundo ponto diz respeito aos partícipes dessa política. Trazendo para a vida política estratos sociais marginalizados pelas instituições políticas imperiais, agregando mulheres, libertos, trabalhadores não qualificados, e mesmo crianças, o movimento brasileiro foi mais inclusivo que as variantes hispânicas, restritas basicamente à classe média […] Tanto em estilo de ativismo quanto em perfil dos mobilizados, o movimento brasileiro se parece mais com os casos britânico e norte-americano, com seu modelo de mobilização de massas urbanas, do que com o francês, centrado no parlamento […] Nesse sentido, e independentemente de seus resultados práticos, em vez de confirmar uma endêmica tradição de insolidarismo brasileiro, o movimento abolicionista promoveu, antes, uma democratização da política dentre nós. Mais próximo do que falava Tocqueville do que presumiu Oliveira Vianna” (Alonso, 2011Alonso, Angela. (2011). Associativismo avant la lettre - as sociedades pela abolição da escravidão no Brasil oitocentista. Sociologias, 28, p. 166-199.: 194).
  • 16
    “há, na cidade de São Paulo, desde o final de década de 1970, um núcleo da população associada que se organiza independentemente do Estado e tem práticas associativas e hábitos associativos próprios. [...] Pelo menos três importantes tradições culturais participativas estão presentes na cidade de São Paulo, o comunitarismo cristão, a tradição socialista-democrática e a cultura popular. Esses grupos estão na base da população associada na cidade que, de acordo com os nossos dados, alcança 19% da população (cerca de dois milhões de pessoas) e tem potencial para se estender aos 38% dos indivíduos que declaram ter vontade de participar.[…] O núcleo da sanfona da participação na cidade de São Paulo é constituído pelo associativismo religioso e pelo associativismo popular […] a base desse associativismo é a presença de 1.139 comunidades populares na cidade, havendo praticamente uma para cada três paróquias.[…] A mesma análise pode ser feita para setores do associativismo popular na cidade de São Paulo. O associativismo popular paulistano tem na sua base pelos menos três movimentos importantes, o movimento pela melhoria das condições de saúde, o movimento de moradia e o associativismo comunitário” (Avritzer, 2004Avritzer, Leonardo (org.). (2004). A participação em São Paulo. São Paulo: Editora Unesp.: 46-48).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2019
  • Revisado
    03 Maio 2020
  • Aceito
    29 Jul 2020
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