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Do Congo ao Coração da Europa, outros discursos para antigas diferenças raciais

From Congo to The heart of Europe, other discourses for ancient racial differences

Resumo

Um movimento messiânico oriundo da África colonial transmutou-se em igreja, a Igreja kimbanguista. Assim, um cristianismo ressignificado faz o caminho de volta à Europa secularizada. A continuidade dessa igreja em tempos pós-coloniais e sua capacidade de reunir centenas de refugiados congoleses e angolanos nos arredores de Paris e de Bruxelas é resultado da exegese bíblica elaborada pelos seguidores de Simon Kimbangu. A interpretação sui generis acerca da origem bíblica da humanidade e do pecado original revelou-se a lógica da diferença que separa o mundo dos brancos do mundo dos negros. Numa Europa que jamais deixou de classificar os indivíduos a partir da aparência, a teologia kimbanguista apresenta-se como uma espécie de discurso de retorno. Uma forma de dialogar, em seus próprios termos, com a classificação e o lugar que lhes foram atribuídos pelo colonizador, no passado, e que, renitentes, permanecem.

Palavras-chave
Religião; kimbanguismo; relações raciais; pós-colonialismo; racismo

Abstract

A messianic movement from colonial Africa was transmuted into a church, the Kimbanguist Church. Thus a renowed Christianity makes its way back to secularized Europe. The continuity of this church in post-colonial times and its ability to gather hundreds of Congolese and Angolan refugees outside Paris and Brussels is a result of biblical exegesis elaborated by followers of Simon Kimbangu. The sui generis interpretation of the biblical origin of humanity and original sin has revealed itself: the logic of difference separating the white world from the black world. In a Europe that has never failed to classify individuals from their appearance, Kimbanguist theology presents itself as a sort of discourse of return. A way of discussing, in their own terms, with the classification and place assigned to them by the colonizer in the past. And that reluctant, they remain.

Keywords
Religion; kimbanguism; race relations; post colonialism; racism

Na década de 1990, trabalhos como o de Verena Stolcke (1995)Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation). e outros denunciavam uma nova teoria da xenofobia a espreitar o continente europeu após a Segunda Guerra Mundial. Uma nova retórica anti-imigração elaborada pela direita europeia que justificava a exclusão e discriminação dos imigrantes a partir de um discurso culturalista. A emergência desse discurso seria uma indicação de que a Europa teria superado o preconceito racial alicerçado no racialismo1 1 Appiah (1997: 75) faz importante referência ao racialismo como ponto central para emergência dos racismos mais odiosos da era moderna e argumenta que o conceito de raça pretendeu “biologizar aquilo que é cultura, a ideologia”.. do século XIX? Ou o preconceito cultural cujo alvo era a população de imigrantes seria a nova face de um novo estilo de racismo, uma espécie de “racismo sem raça” (Baker apud Stolcke, 1995Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation).)? Em 2005, um trabalho de pesquisa etnográfica realizado com congoleses na Bélgica e na França indicava que o fundamentalismo cultural, como Stolcke (1995)Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation). denominou essa nova retórica de exclusão que caracteriza o cenário político europeu vis-à-vis os imigrantes, tem coexistido com a velha fórmula do racismo, alicerçado do racialismo do século XIX. O coração da Europa2 2 Em referência à posição geográfica da França e da Bélgica no continente europeu e, igualmente, uma alusão à célebre obra literária de Joseph Conrad Coração das trevas. não superou o preconceito racial. Havia certamente subsumido o racismo sem raça à realidade cotidiana dos imigrantes no velho continente, como aponta Stolcke (1995)Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation)..

Objetivando compreender as continuidades e descontinuidades de uma Igreja congolesa interpretada como um movimento político de resistência à dominação belga no Congo (Balandier, 1984Balandier, Georges. (1984) [1955]. Sociologie actuelle de l’Afrique Noire: dynamique des changements sociaux en Afrique. Paris: PUF.), foi possível perceber como esses imigrantes significavam o preconceito racial com o qual precisam conviver diariamente no velho continente. Trata-se da Igreja kimbanguista. Este artigo apresenta pelo menos um dos mecanismos de produção de sentidos acerca do preconceito racial na Europa. Nesse caso, um significado produzido por aqueles que são alvo desse tipo de preconceito, os próprios imigrantes, em sua maioria refugiados políticos dos conflitos pós-coloniais na África. A compreensão desse mecanismo de caráter religioso, lança nova luz sobre a resiliência do kimbanguismo que resiste à contemporaneidade.

No caso concreto que este artigo pretende discutir, os imigrantes kimbanguistas foram os informantes, em geral, congoleses e angolanos. Os filhos e netos desses imigrantes nascidos na Europa também integram esta análise, ao se identificar como kimbanguistas. Neste artigo, argumenta-se que a manutenção do preconceito racial na Europa e alhures permite compreender a continuidade de uma Igreja originada nos anos mais austeros da administração colonial belga no Congo. O universo dos movimentos político-religiosos, mais conhecidos nos círculos acadêmicos como movimentos messiânicos, ocorridos na África colonial precisa ser discutido à luz de sua resiliência. Estamos observando movimentos vivos e globalizados no século XXI. É preciso compreender o que os faz fazer sentido hoje. Podem-se apontar paradigmas existenciais distintos ao da resistência política para os explicar. Também é possível, contudo, sustentar que uma Europa que tem recrudescido as tensões raciais torna-se terreno fértil para abrigar cosmologias e teologias que dão conta de explicar a origem da distinção/dominação branca. Esse tipo de explicação também enseja possibilidades de superação da subjugação dos negros, como veremos.

Assim, neste artigo, observa-se que a persistência do preconceito de caráter racial na Europa e no mundo também é capaz de explicar a atualidade da Igreja kimbanguista e a reunião de centenas de fiéis em galpões no bairro de Saint-Denis (em Paris), aos domingos, e nos arredores de Bruxelas. O coração da Europa, excepcionalmente secularizado (se o compararmos ao Brasil e aos países da África) tornou-se um lugar privilegiado para observar o dito retorno do cristianismo, vindo de antigas colônias africanas.

Os acontecimentos mais recentes ocorridos na Europa envolvendo refugiados3 3 O recrudescimento de medidas de restrição à entrada na Europa de refugiados vindos da África e do Oriente Médio. A ampliação do número de pessoas em campos de refugiados na Europa vivendo em situação precária, como no campo de refugiados de Calais, no norte da França, também conhecido como a selva e desmantelado em 2016. e amplamente divulgados pela mídia internacional reacenderam a discussão sobre o racismo. Este artigo pretende discuti-lo sob o prisma daqueles que precisam vivenciá-lo diariamente e encontrar caminhos para dotá-lo de algum significado que enseje sua superação no futuro.

Este trabalho é o resultado do desenvolvimento de um projeto de pesquisa cujo objetivo era estudar comunidades desterritorializadas. A pesquisa etnográfica foi conduzida a partir da análise da rede de sociabilidade produzida no interior da Igreja de Jesus Cristo sobre a Terra por seu Enviado Especial Simon Kimbangu ou, simplesmente, Igreja kimbanguista. A pesquisa foi iniciada no Rio de Janeiro e, mais tarde, continuada nos arredores de Bruxelas e de Paris.

Notas Sobre o Kimbanguismo

Faz-se necessário um brevíssimo histórico acerca do kimbanguismo. Trata-se de um movimento religioso iniciado por um jovem mukongo4 4 O termo mukongo refere-se a um único indivíduo do Kongo e o termo bakongo refere-se ao plural desses indivíduos. Trata-se de um grupo étnico-linguístico, também denominado Ba-kongo, que ocupou, e ainda o faz, o noroeste de Angola, o sudeste da República Democrática do Congo e parte do Congo Brazaville. Na convenção africana, utilizam-se K e não C. Neste trabalho convencionei utilizar a letra ‘k’ para me referir ao lendário reino do Kongo e a letra ‘c’ para descrever aqueles países que emergiram em face da colonização do continente africano (Congo belga, República Democrática do Congo, entre outros). Assim nos termos que remontam à ancestralidade do reino do Kongo e sua língua, o kikongo, mantive a grafia utilizada pela convenção africana. Desse modo, neste trabalho serão grafadas as formas mukongo e bakongo. nascido em Nkamba - no antigo Congo belga, atual República Democrática do Congo (RDC) -, Simon Kimbangu. Após ter sido acusado formalmente e perseguido pela administração colonial por incitação à desordem pública, Kimbangu entregou-se voluntariamente às autoridades coloniais em 1921. Ele foi condenado à prisão perpétua por um tribunal de guerra e, decorridos 30 anos, morreu no cárcere. Desde então, o movimento religioso iniciado por ele transmutou-se em Igreja.

Kimbangu foi catequista em uma igreja batista de sua cidade natal, Nkamba (próxima a Kinshasa, capital da RDC). Impedido de se tornar pastor nessa igreja, Kimbangu fez-se uma das principais evidências da expressão cristã autóctone em meio à dominação colonial. E atraía centenas de seguidores para seus sermões. As narrativas sobre os milagres que então operava ampliaram sua popularidade e o número de seguidores.

Trata-se da Igreja oriunda do mesmo kimbanguismo estudado por Georges Balandier (1984)Balandier, Georges. (1984) [1955]. Sociologie actuelle de l’Afrique Noire: dynamique des changements sociaux en Afrique. Paris: PUF. na década de 1950 como um movimento messiânico, de reação à colonização política e espiritual vivenciada pelos bakongo. De acordo com Balandier e outros pesquisadores, havia conexão direta entre opressão política e a emergência de movimentos religiosos de caráter profético ou salvífico. A situação colonial, expressão usada por Balandier, ensejava o sonho da libertação que poderia ser alcançada por meio das expectativas milenaristas.

Nesse universo dos movimentos político-religiosos, também conhecidos como movimentos salvíficos, a liberdade tornar-se-ia realidade com a chegada do messias, que traria consigo o fim da condição colonial. Como revelam Balandier (1984)Balandier, Georges. (1984) [1955]. Sociologie actuelle de l’Afrique Noire: dynamique des changements sociaux en Afrique. Paris: PUF. e MacGaffey (2000)MacGaffey, Wyatt. (2000). Kongo political culture, the conceptual challenge of the particular. Indiana: Indiana University Press., é inegável o impacto ideológico de Kimbangu na região da bacia do rio Congo, notadamente no Congo belga (atual RDC), em parte do antigo Congo francês (atual República do Congo) e em Angola, regiões colonizadas por Bélgica, França e Portugal, respectivamente. A Conferência de Berlim (1884) registrou a partilha do continente africano entre os principais países da Europa e legitimou a dominação colonial conduzidas nos séculos XIX e XX.

Note-se que o kimbanguismo não foi a única expressão cristã autóctone a emergir durante o período colonial no continente africano. Balandier (1984)Balandier, Georges. (1984) [1955]. Sociologie actuelle de l’Afrique Noire: dynamique des changements sociaux en Afrique. Paris: PUF. registrou a pluralização de ideologias cristãs em meio ao recrudescimento da administração colonial e a formação de consciências independentistas. Segundo o antropólogo francês, o sistema colonial orquestrava seu próprio fim ao incitar a reação messiânica. Tratava-se de interpretar o kimbanguismo como uma evidência empírica da dinâmica social que ocorria dentro da situação colonial. É preciso destacar que o anúncio da chegada do messias seria evidência (ou esperança) do fim da colonização missionária europeia. Significava, igualmente, a liberdade política.

Assim, recorrendo a Sociologie actuelle de l’Afrique noire (Balandier, 1984Balandier, Georges. (1984) [1955]. Sociologie actuelle de l’Afrique Noire: dynamique des changements sociaux en Afrique. Paris: PUF.), é inevitável o questionamento sobre a resiliência do kimbanguismo - tal como é inevitável buscar as conexões entre a situação colonial e o pós-colonialismo. Que fatores teriam proporcionado a continuidade de um movimento iniciado em 1921 e interpretado como uma forma política de resistência à opressão perpetrada pelo governo colonial belga?5 5 Ver detalhes sobre a exploração e dominação no Estado Livre do Congo em Hochschild (1999). Tomando Weber (2000)Weber, Max. (2000). Economia e sociedade, v. 1, 4 ed. Brasília: Editora UNB. como referência, pode-se afirmar que a rotinização do carisma de Kimbangu foi responsável pela transmutação do movimento religioso em Igreja. Mediante a burocratização foi elaborada, ao longo dos anos que se seguiram, uma organização eclesial complexa. Segue, contudo, a questão: que fatores ligariam o presente ao passado colonial?

Observar a dinâmica social da África pós-colonial, com intensas e complexas relações envolvendo política, etnicidade e territorialidade, nos oferece uma perspectiva promissora para compreender a atualidade do kimbanguismo naquele continente, como se pode ler em Sarró, Blanes e Viegas (2008)Sarró, Ramon; Blanes, Ruy Lleras & Viegas, Fátima. (2008). La guerre dans la paix: ethnicité et angolanité dans l’Église kimbanguiste de Luanda. Politique Africaine, 110, p. 84-101..

O kimbanguismo, entretanto, também é hoje uma evidência de que o cristianismo dos colonizadores está de volta à Europa secularizada vis-à-vis países como Brasil e República Democrática do Congo. Trata-se de um cristianismo que espalhado por diferentes países, tornou-se transcontinental. Assim, foi necessário discutir o sentido do kimbanguismo para os refugiados (congoleses e angolanos), seus filhos e netos hoje residentes no velho continente.

A Pesquisa de Campo

Foi na cidade do Rio de Janeiro que tive o primeiro contato com os kimbanguistas, refugiados congoleses e angolanos que viviam na Vila do João, região conhecida como Complexo da Maré.6 6 Um conjunto de diversas favelas com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) de acordo com dados do IBGE (2010). Situada na região norte da capital fluminense, era área de manguezal e foi ocupada por palafitas desde as primeiras décadas do século XX. Com o tempo a população local aterrou a região, tornada bairro da Maré pela lei municipal n. 2119 de 19 de janeiro de 1994. Iniciei a pesquisa de campo buscando uma espécie de sentido oculto que explicasse heuristicamente a crença religiosa dos kimbanguistas nossos contemporâneos (Poll, 2001Poll, Ana Paula. (2001). Do baixo Congo ao Brasil, um olhar antropológico sobre o significado da Igreja kimbanguista no contexto carioca. Dissertação de Mestrado. PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro.). No começo, o papel do kimbanguismo como marcador identitário em meio aos conflitos étnicos ocorridos ao longo da colonização do continente africano e intensificados durante os distúrbios pró e pós-independência conduzia a pesquisa. Com ênfase no trágico episódio dos “regressados” ocorrido em Luanda, em 1993.7 7 Ver em Bittencourt (1999) detalhes acerca da situação dos regressados (angolanos residentes no norte de Angola durante os conflitos entre Unita e MPLA) no episódio conhecido como massacre dos bakongo.

Observando a circulação de material fonográfico e dos próprios kimbanguistas (em geral, na condição de refugiados políticos) por diferentes continentes, era possível interpretar essa Igreja como uma rede de sociabilidade que, entre outras coisas, possibilitava o fluxo de pessoas e de mensagens religiosas sobre o devir. Circulavam os chamados hinos inspirados,8 8 Compostos pelos fiéis (alguns deles pastores) a partir da intervenção do Espírito Santo, compreendido pelos kimbanguistas como o próprio Simon Kimbangu. sermões, imagens de cultos realizados em Nkamba e de pessoas, em geral, kimbanguistas que eram acolhidos por outros já residentes na cidade-destino (no caso concreto, o Rio de Janeiro). Continuar a pesquisa de campo na Bélgica, como foi feito, traria a oportunidade de revelar o caráter transcontinental do kimbanguismo, tornado Igreja.9 9 Os dados etnográficos utilizados para análise neste artigo foram obtidos a partir de pesquisas de campo realizadas exclusivamente nos arredores de Bruxelas, na Bélgica, e em Paris, na França; pesquisa realizada para meu doutoramento (Poll, 2008). Meu primeiro contato com a Igreja kimbanguista, reitero, ocorreu na cidade do Rio de Janeiro. Os dados etnográficos da pesquisa no Rio de Janeiro foram utilizados na elaboração de minha dissertação de mestrado (Poll, 2001).

Certamente, ir ao encontro do passado colonial (no velho continente), contido na gênese do movimento que deu origem à Igreja, parecia uma oportunidade promissora para a pesquisa. A Bélgica recebeu centenas de congoleses e angolanos (entre outras nacionalidades) como refugiados políticos, e muitos deles eram kimbanguistas. Além disso, exportava para o Brasil (e outros países e continentes) a maior parte dos DVDs, CDs e fitas cassete contendo material de divulgação do kimbanguismo.10 10 Destaca-se que alguns desses materiais com conteúdo religioso chegavam ao Brasil vindos diretamente do continente africano. Um situação paradoxal em vários sentidos. O cristianismo que fora instrumentalizado a serviço da dominação espiritual e política durante a colonização fazia o caminho de volta.

Como apontou Blanes (2009)Blanes, Ruy Lleras. (2009). O Messias entretanto já chegou. Relendo Balandier e o profetismo africano na pós-colônia. Campos - Revista de Antropologia, 10/2., “o messias já havia chegado”. Durante a pesquisa etnográfica, Kimbangu era descrito pelos fiéis como o próprio paráclito, o Consolador, o Espírito Santo. Assim, a perspectiva escatológica do conceito de messianismo, contida na análise de Balandier (1984)Balandier, Georges. (1984) [1955]. Sociologie actuelle de l’Afrique Noire: dynamique des changements sociaux en Afrique. Paris: PUF. parecia perder seu sentido. Kimbangu não era mais o anunciante; convertera-se, ele próprio, ao enunciado. Simon Kimbangu não era mais um profeta; tornara-se o enviado especial de Deus.

A evidência inicial era de que muito havia mudado, a começar, é claro, pela ‘situação colonial’. Havia, contudo, conexões inegáveis com o passado. Dentre elas podem-se destacar a menção constante ao martírio de Kimbangu, provocado pelos administradores coloniais; a frequente descrição do antigo reino do Kongo (Balandier, 1992Balandier, Georges. (1992) [1965]. La vie quotidienne au royaume de Kongo du XVIe au XVIIIe siècle. Paris: Hachette.; De Heusch, 2000De Heusch, Luc. (2000). Le roi de Kongo et les monstres sacrés. Paris: Gallimard.) como berço da humanidade e de Nkamba como a nova Jerusalém; e, finalmente, a promessa constante de um devir promissor para o homem negro, o prenúncio do fim da subjugação dos negros pelos brancos. Apesar de o kimbanguismo nos conduzir pelo universo de uma comunidade desterritorializada e de suas estratégias de sobrevivência, o teor das mensagens eletrônicas, bem como das peças teatrais registradas em DVDs, dos hinos inspirados e dos sermões religiosos, nos remetia à sua teologia. E esta nos apresentava uma interpretação sui generis do Antigo Testamento. É preciso destacar que se trata de significados sui generis considerando o conjunto argumentativo elaborado pelos fiéis envolvendo a origem bíblica da humanidade e do pecado original, como veremos a seguir. Assim, a teologia kimbanguista parecia conter, pelo menos em parte, a explicação acerca da resiliência do kimbanguismo e de sua atualidade. Desse modo, a Igreja kimbanguista como rede de sociabilidade e de fluxos transcontinentais perdia espaço para a centralidade que a teologia descrita pelos fiéis passava a ocupar na pesquisa.

Também é importante destacar que a pesquisa etnográfica tornava evidente a conexão entre a identidade kimbanguista e a identidade negra na Bélgica e na França, como já havia demonstrado Gampiot (2004)Gampiot, Aurélien Mokoko. (2004). Kimbanguisme & identité noire. Paris: L’Harmattan.. Em Kimbanguisme et l´identité noire, o autor afirma que a teologia e sua reatualização por meio dos hinos inspirados, das interpretações desses hinos e dos novos sermões são promotoras de uma identidade social positiva para homens e mulheres negros e, principalmente, para aqueles que residem hoje na Europa.

Não tenho a pretensão de escrever uma nova interpretação sobre o tema, mas de trazê-lo de volta sob diferente prisma. Trata-se de apresentar como a teologia kimbanguista reelaborou antigas taxonomias raciais e o fez a partir da apropriação do discurso racial introduzido pelo colonizador. Ao que tudo indica, o ponto de partida foi a dotação de um sentido próprio à origem bíblica da humanidade e ao pecado original. Essa perspectiva analítica permite a compreensão acerca da continuidade dessa Igreja ao mesmo tempo que elucida o cenário das relações raciais na Europa contemporânea.

La Mauvaise Intelligence, o Pecado Original

Certa vez, como fazia habitualmente nos fins de semana durante a pesquisa de campo, hospedei-me na residência de um pastor kimbanguista, o chamado pastor nacional,11 11 Denominação que ele próprio utilizava para descrever suas funções na Igreja. que vivia em Bruxelas havia quase uma década. Naquela sexta-feira, quase toda a família estava reunida em torno de algumas fotos e um álbum de família. O evento havia sido motivado pela recente chegada de uma senhora, vinda de Kinshasa. Aquela pequena reunião familiar conduzida pelo pastor surpreendeu-me pela relevância com que uma das fotos era apreciada. Ela retratava o próprio pastor nacional de modo muito incomum. Ele era um homem austero e usava, invariavelmente, trajes sociais impecáveis. Na foto que todos observavam, ele aparecia num salão, em meio a quatro outros homens, trajando uma espécie de vestido feito com sacos para transporte de mantimentos. Era tecido bastante ordinário que compunha a veste mal-ajambrada em seu corpo. Normalmente, o pastor era visto em ternos alinhados ou em fardamento militar, como nas fotos espalhadas pela casa. Ele havia participado do governo militar de Mobuto Sese Seko.12 12 Fato que lhe garantiu a cidadania belga após o pedido de asilo político quando, em maio de 1997, Laurent Dériré Kabila assumiu o governo na então declarada República Democrática do Congo. Na foto que ganhava destaque naquela tarde, além de malvestido, ele estava irreconhecível, estranhamente sujo. Tinha uma espécie de lama amarelada espalhada pelo corpo e pelo rosto, e aparecia de joelhos com as mãos cobrindo parte da face. Dois dos homens que também apareciam na foto estavam deitados no chão perto dele.

Diante da imagem, indaguei o que faziam, sujos, malvestidos e ajoelhados (ou deitados) no chão. Ele respondeu que tudo aquilo fazia parte da cerimônia em que havia sido consagrado pastor da Igreja kimbanguista. Perguntei, então, por que se vestia daquela forma e por que tanta lama espalhada por seu rosto e corpo. O pastor respondeu-me com outra questão: “o que sabe sobre o pecado original?” Quando eu havia apenas começado a esboçar um arremedo de resposta que envolvia Eva, Adão e a maçã, interrompeu-me e se apressou em apresentar-me o homem negro como o primeiro ser humano criado por Deus à sua semelhança, logo, um Deus negro.

Os estudos de paleontologia e de genética humanas foram utilizados por ele, naquela ocasião, para reforçar sua tese criacionista. A publicação, em artigos de jornal e revistas, de estudos que descrevem a origem da espécie humana ocorrida no continente africano foram mencionados numa tentativa de assegurar a comprovação de que o primeiro ser humano era negro. Era a ciência corroborando os ensinamentos bíblicos, “o homem fora criado à semelhança de seu próprio criador”. Artigos de jornal que estavam guardados juntamente com as fotos ajudaram a ilustrar sua narrativa. Segundo o pastor nacional, os brancos só teriam sido criados por Deus depois da expulsão do homem negro do paraíso. Naquela ocasião. Deus teria concedido seu perdão parcial aos primeiros seres humanos, os pecadores, ou seja, os negros. A criação do homem branco era, para ele, um sinal da parcialidade desse perdão.

O pastor continuava com sua foto em mãos durante as explicações bíblicas e já havia criado um suspense para revelar-me sua interpretação acerca do pecado original. “A relação sexual entre Adão e Eva não foi pecaminosa”, afirmava ele. E continuava, “não teria sido essa a razão pela qual Deus os expulsara do paraíso”, pode-se ler na bíblia: “Crescei-vos e multiplicai-vos”, disse o pastor, em tom profético. Imediatamente, perguntei qual teria sido, então, o motivo pelo qual o casal fora expulso do paraíso. Ele disse que havíamos nos esquecido da serpente e da maçã, personagens que também estavam presentes na cena bíblica. Então, a metáfora da serpente como o mal, o diabo, aproximou sua história da criação daquela que eu já conhecia. Mas, “e o fruto proibido?”, perguntou-me o pastor. “La mauvaise intelligence”, ele mesmo respondeu. A maçã representa o fruto proibido, oferecido por Eva a Adão, mas esse fruto não teria sido a licenciosidade da relação sexual oferecida pela mulher. De acordo com o pastor, a razão da ira de Deus para com o homem, nesse caso o homem negro (Adão), fora a utilização da mauvaise intelligence. Eva havia proposto a Adão um conhecimento que permitiria o controle sobre o mundo que Deus criou, a saber, a feitiçaria. O conhecimento sobre o mundo e seu controle deveria ser prerrogativa do criador, revelou o pastor. O conhecimento oferecido pelo diabo (pelo mal), a feitiçaria, ou melhor, la mauvaise intelligence seduziu Eva, que a intermediou, oferecendo a Adão. Ao aceitar, Adão, um homem negro, condenou seus descendentes à danação, à expulsão do paraíso e às subsequentes mazelas a que estão submetidos até hoje. Almejar igualar-se à condição do criador teria sido o pecado mortal cometido pelo homem negro; as consequências do pecado cometido são o legado de seus filhos, netos e toda sua linhagem. Para livrar-se das consequências do pecado cometido por seus ancestrais, os descendentes deveriam, primeiramente, reconhecê-lo, reconhecer que seus antepassados invejaram o poder do criador, exclamava o pastor.

Como percebia a si mesmo como herdeiro de uma maldição divina, só a máxima humilhação poderia livrá-lo daquilo a que um passado vergonhoso o sentenciou, a saber, ao status minoritário diante do homem branco. Por essa razão, a consagração de um pastor kimbanguista, como fora a sua, é essencialmente um ritual de humilhação e de reconhecimento acerca do pecado cometido por seus ancestrais. Por isso, estava tão sujo e malvestido durante sua consagração.

De modo semelhante Peter Fry (2000)Fry, Peter. (2000). O Espírito Santo contra o feitiço e os espíritos revoltados: ‘civilização’ e ‘tradição’ em Moçambique. Mana, 6/2, p. 65-95. também foi remetido ao Antigo Testamento. Em “O Espírito Santo contra o feitiço e os espíritos revoltados: civilização e tradição em Moçambique,13 13 Na história analisada por Fry (2000) o homem negro também aparece como pecador, mas, diferentemente da exegese bíblica kimbanguista, sua origem é pré-adâmica. No surpreendente relato do bispo entrevistado por Fry, Deus cria o homem duas vezes, primeiramente ele cria o homem negro, só depois Adão e Eva, brancos. E o homem negro (tomando as vezes de serpente) seduz Eva e a leva a cometer o pecado original que determina sua expulsão e a de Adão (mais tarde seduzido por Eva) do paraíso. Apesar das diferenças significativas entre as duas interpretações bíblicas acerca da gênese humana e do poligenismo que sustenta a crença da divisão da humanidade em raças distintas, ambas parecem ter sido, e continuar sendo, eficientes em explicar a chamada inferioridade dos negros. Como esclarece Fry (2000), apesar de sua prática antirracista, o discurso poligenista do bispo zionista sugere uma predestinação inexorável para os negros africanos, a saber, estar à mercê dos espíritos malignos ou revoltados. Fry descreve como fiéis de uma igreja zionista, situada na cidade de Chimoio,14 14 Capital da província central de Manica, em Moçambique. interpretam a história bíblica acerca da gênesis humana e reavivam as interdições contidas no Levítico para se livrar dos espíritos revoltados. As semelhanças entre as revelações do bispo zionista, descritas por Fry (2000)Fry, Peter. (2000). O Espírito Santo contra o feitiço e os espíritos revoltados: ‘civilização’ e ‘tradição’ em Moçambique. Mana, 6/2, p. 65-95., e aquelas descritas pelo pastor kimbanguista diante de sua foto não estão restritas apenas à importância conferida ao Levítico. A dicotomia entre tradição e civilização também lhes tem servido como base argumentativa para explicar as causas do sofrimento dos negros seja na África colonial ou na Europa contemporânea. Tanto no caso da Igreja zionista quanto no que diz respeito à Igreja de Kimbangu, o reconhecimento de uma condição pregressa amaldiçoada funciona como elemento central capaz de explicar o “atraso do homem negro”, ou ainda, o “atraso do continente africano”.

Eu ainda não tinha, entretanto, evidências suficientes para afirmar que a revelação do pastor representava uma crença generalizada entre os kimbanguistas. Inicialmente considerei a hipótese de ser apenas idiossincrática. Com o passar do tempo, porém, ficou claro que a maioria pensava nos mesmos termos. Diferentemente da narrativa direta do pastor no episódio da foto, o material impresso e fonográfico que circulava entre os fiéis também divulgava essa interpretação bíblica capaz de explicar a diferença, tornada ontológica, entre brancos e negros.

Aos poucos outros fatos pareciam se encaixar nessa lógica monocromática de separação do mundo entre brancos e negros. Desde o início do contato com os kimbanguistas na Bélgica, eu havia sido renomeada; chamavam-me Ana mundele.15 15 Termo utilizado para designar um indivíduo branco na região da bacia do rio Congo, na África. Meu comportamento era quase sempre classificado. Essa taxonomia frequente acerca da minha conduta cotidiana acomodava variações. Ora eu fazia algo porque era mundele, ora porque, afinal..., eu “não era tão mundele assim”. Para os kimbanguistas, com quem convivi na Bélgica a cor da pele constituía, naquele universo de representações, um padrão para ação dos sujeitos. Com um tom de pele híbrido (ao tomar esse universo monocromático como referência), faziam-se necessárias as classificações frequentes sobre meu comportamento cotidiano.

Foi a revelação acerca do pecado original e da espécie de poligenismo produzida para explicar o papel dos negros e dos brancos no episódio da criação do mundo e nas gerações subsequentes que permitiu a compreensão dessa divisão entre “mundo dos brancos (mundele)” e “mundo dos negros (moyndo)”. E essa distinção, introduzida pelo colonizador, ganhava outros contornos assentados na interpretação bíblica da diferença.

O que a experiência no campo de pesquisa na Bélgica apontava também pode ser verificado em Paris. Naquela ocasião, circulava entre os kimbanguistas uma publicação escrita por Alphonse Bandzouzi (2002)Bandzouzi, Alphonse. (2002). Le kimbanguisme. Paris: (edição do próprio autor).,16 16 Pastor kimbanguista residente em Paris que publicou, em janeiro de 2002, sem auxílio de editora, sua obra intitulada Le kimbanguisme da qual foram extraídos parágrafos imprescindíveis para a análise aqui proposta. a partir da qual foi possível identificar as (inúmeras) origens bíblicas da divisão do mundo entre os mundele e os moyndo e constatar definitivamente que a narrativa do pastor nacional (Bélgica) não era idiossincrática.

No texto de Bandzouzi, a feitiçaria também aparece como uma espécie de herança maldita, um patrimônio dos negros, descendentes dos primeiros seres humanos que habitaram a Terra. Com os personagens bíblicas do Antigo Testamento ele constrói uma espécie de árvore genealógica da humanidade, a partir da qual se observa a humanidade reunida pela criação divina e, em seguida, separada por uma espécie de poligenismo sui generis que caracteriza a narrativa acerca da proliferação dos homens e das raças pela superfície da Terra. E, nesse contexto, evidencia a centralidade do antigo reino do Kongo e de Israel como terras sagradas para o kimbanguismo e para o cristianismo, respectivamente.

Seguindo a interpretação bíblica de Bandzouzi, a primeira geração de seres humanos, os homens negros e pecadores, foram expulsos do paraíso e exterminados pelo dilúvio, restando apenas Noé, sua esposa e seus filhos. Os filhos de Noé, salvos do fim dos tempos pela complacência divina, dão origem às raças humanas. A partir dessa segunda geração a Terra teria sido, então, repovoada.

Assim que Noé concebe Sem, Cham e Japeht ele percebe que a pele de seus três filhos tinha cores diferentes. Pela descendência de Noé, o Eterno viria fazer aparecer as raças. Sem era da raça branca. Ele tinha a pele mais clara entre os três filhos de Noé. Cham era da raça negra. Sua pele era de cor semelhante a dos seus parentes que haviam vivido durante a primeira geração. Japeht tinha a pele vermelha, a coloração representava uma raça intermediária entre a raça negra e a raça branca... Foi a partir de Noé que as primeiras mutações genéticas conduziram ao aparecimento das raças. Esse fenômeno se desenvolveu com o cruzamento de variados tipos de indivíduos de raças diferentes17 17 Aqui e nas demais citações em idiomas estrangeiros, a tradução é minha. (Bandzouzi, 2002Bandzouzi, Alphonse. (2002). Le kimbanguisme. Paris: (edição do próprio autor).: 28, grifo meu).

Intrigantemente, a sequência desse texto nos apresenta Cham como o filho pecador. O pecado cometido por Cham, ter observado a nudez de seu pai embriagado pelo vinho que cultivava, teria provocado a ira e a maldição de seu próprio pai que condenara, então, o senhor de Canaã (Cham) à escravidão perpétua. “Qu’il soit l’esclave des esclaves de ses frères18 18 “Que ele seja o escravo dos escravos de seus irmãos”. teria exclamado Noé, como descreve Bandzouzi. Nunca consegui relatos orais que pudessem esclarecer se a cor da pele de Cham, “semlable à celle de ses parents qui avaient vécu pendant la première génération”,19 19 “Como aquela de seus parentes que teriam vivido durante a primeira geração”. foi determinante na execução de seu pecado. Infelizmente, porém, por razões que busco evidenciar neste trabalho, penso que sim. Se com o episódio da maldição de Cham, Bandzouzi pretendeu explicar “A maldição do homem negro: o aparecimento da escravidão”, nas páginas seguintes, o autor tentou elucidar o episódio histórico que conduzira o homem negro ao aprisionamento.

Ouvindo o clamor de Noé, humilhado por seu filho mais novo, Deus teria atendido aos apelos do pai e condenado Cham, Canaã e o homem negro à escravidão. Eles deveriam servir como escravos, aos seus irmãos de raça diferente; o mesmo aconteceria com seus descendentes. Enquanto Sem e sua linhagem foram abençoados e protegidos por Deus contra os inimigos, e Japhet e os seus ganhavam mais possessões territoriais, Cham tornava-se, ao que tudo indica, irremediavelmente escravo. Sobre a condição do homem negro, ou seja, dos descendentes de Cham, Alphonse Bandzouzi (2002: 29) pontuou:

Por causa do erro de Cham, o homem negro foi relegado ao último estágio entre todos os homens da Terra. Ele se tornou seu servidor e escravo. Espiritualmente, teve uma estagnação. O desenvolvimento e a inteligência do homem negro conheceriam redução que, ao longo dos séculos, o conduziu à servidão aos descendentes de Sem e de Japeht, os quais haviam obtido a bênção divina e tinham se desenvolvido harmoniosamente. O homem negro se tornou escravo e continua até o fim do segundo milênio após Jesus Cristo.

As demais personagens bíblicas que dão vida ao texto de Bandzouzi corroboram a exegese acerca do malogro africano, continente destinado a abrigar aqueles que foram amaldiçoados pelo criador. Nimrod, neto de Cham e rei de Babel (apesar da maldição, como salienta Bandzouzi), pretendia tornar-se um soberano com mais poderes do que já havia conseguido alcançar e, para atingir seu intento, teria feito uso da feitiçaria, explica-nos Bandzouzi. De acordo com o pastor, apesar de ser de raças diferentes, todos os descendentes de Noé falavam a mesma língua. Assim sendo, Nimrod, decidido a ampliar sua força dominadora, teria reunido todos os feiticeiros em Schinear e os teria mandado construir uma grande torre para sediar as forças ocultas e representar o poder de Lúcifer. Como todos nós sabemos, o plano demoníaco de Nimrod fracassou quando Deus amaldiçoou a empreitada, impedindo que cada um daqueles reunidos para a construção da torre pudesse compreender o que outro dizia. Conforme revela Bandzouzi, a partir desse episódio, deu-se início às diferentes línguas faladas pelos homens. Foi também a partir dessa ocasião que a África Central se tornou o local com a maior concentração de línguas do mundo.

A maior concentração de dialetos e patois do mundo se encontra na África Central porque os homens dispersados pelo Eterno estavam lá em maioria instalados: a maior parte das tribos tinha encontrado asilo nas regiões vizinhas, e poucos tinham imigrado para fora da África Central (Bandzouzi, 2002Bandzouzi, Alphonse. (2002). Le kimbanguisme. Paris: (edição do próprio autor).: 30).

O impressionante relato que descreve a concentração de feiticeiros na África Central também nos ajuda a compreender a promessa de envio de um Consolador, o Espírito Santo, Simon Kimbangu.

A sucessão de maldições e castigos divinos dispensados ao homem negro não terminaria com a decadência de Nimrod, mas ainda prosseguiria com outras personagens do antigo testamento. Esaú, primogênito de Isaac e Rebecca, também era da raça negra e, corroborando uma espécie de patrimônio maldito a acompanhar o homem negro desde o início dos tempos, concede, por preguiça, seu direito à primogenitura a seu irmão mais jovem, o branco Jacó. Tornando-se dele escravo, Esaú condena seus descendentes, habitantes do reino do Kongo, à escravidão. A linhagem de Jacó é apresentada por Bandzouzi como aquela dos filhos de Israel. Assim, ao construir a árvore genealógica da humanidade, a partir de sua livre tradução de um hino inspirado, o autor revela a exegese kimbanguista descrevendo a origem da linhagem bíblica de Simon Kimbangu (Esaú) e também a de Jesus Cristo.

Explicando a linhagem bíblica de Simon Kimbangu e o passado amaldiçoado do homem negro, ele considera ser possível explicar a condição atual dos negros e do continente africano de um modo geral. A ancestralidade e a natureza marcada na tez revelam o passado amaldiçoado no caso dos negros africanos ou, ainda, um passado abençoado, como teria ocorrido com os brancos europeus.

Foi assim que após reflexão amadurecida, ao observar o mesmo bloqueio em todos os homens negros ao longo dos continentes, ele compreenderia que há alguma coisa que falta neles e que os impede de ir ao fim de suas ambições e de seus pensamentos. De maneira geral, a maioria dos homens negros é incapaz de se colocar em condições favoráveis em uma iniciativa para poder melhorar seu meio ambiente e seu bem-estar em vista de atingir um nível de vida global comparável àquele dos homens pertencentes às outras raças (Bandzouzi, 2002Bandzouzi, Alphonse. (2002). Le kimbanguisme. Paris: (edição do próprio autor).: 30).

A leitura bíblica apresentada por ele e, sobretudo, por seus seguidores buscava explicar a diferença já seguramente destacada pelo colonizador e representada pelo “abismo do progresso” que separava o homem branco do homem negro. O fato que merece destaque, a partir dessa narrativa, é que o contexto pós-colonial não fez desaparecer o abismo que separa negros de brancos, que segue fazendo sentido na Europa contemporânea (e no resto do mundo). O pós-colonialismo não arrefeceu as desigualdades entre os continentes africano e europeu, tampouco fez desaparecer a razão que faz o homem ocidental olhar para sua própria civilização como o apanágio da humanidade.

La Mauvaise Intelligence e a Cosmologia Kongo

Como sugere MacGaffey (2000)MacGaffey, Wyatt. (2000). Kongo political culture, the conceptual challenge of the particular. Indiana: Indiana University Press., a cosmologia Kongo não sucumbiu à introdução da colonização, da violência física e simbólica que ela acarretou, nem tampouco à abrangência das missões católicas e protestantes. No que diz respeito aos kimbanguistas, em sua maioria bakongo e seus descendentes, pode-se, entretanto, afirmar que a cosmologia Kongo hibridou-se. Uma hibridação resultante do movimento de interação dialógico que envolveu o sistema de representação kongo e sua trajetória histórica de encontro com a modernidade e a religião ocidentais. Se, na cosmologia kongo, como descrita pela antropologia clássica, os antepassados ofereciam proteção a seus descendentes, na contemporaneidade da Igreja de Simon Kimbangu essa proteção depende do cumprimento dos mandamentos bíblicos. O Antigo Testamento, o respeito a suas interdições e preceitos tornaram-se obrigações e, ao mesmo tempo, um poderoso mecanismo para os livrar dos infortúnios. Interdições e obrigações que, segundo os fiéis, quando respeitadas, devem conduzir os kimbanguistas à salvação.

Sobre o movimento dialógico que caracteriza essa mudança social é necessário destacar, como fez Mary Douglas (1999)Douglas, Mary. (1999). Os Lele revisitados, 1987 - acusações de feitiçaria à solta. Mana, 5/2, p. 7-30. acerca dos Lele (revisitados), que o movimento e a mudança não têm valor explicativo por si só, ou seja, não explicam o que precisa ser explicado. Penso que a introdução do Antigo Testamento no contexto colonial, em especial, em meio ao colonialismo belga, tenha representado uma alternativa viável para tornar inteligível a condição de sofrimento e dominação. A interpretação da feitiçaria como uma herança maldita dos negros africanos e do Antigo Testamento como o livro capaz de revelar essa história e, igualmente, sua superação explica a contemporaneidade do medo do feitiço e a observação das interdições apontadas no Levítico como meio para se livrar dos infortúnios, alcançando a proteção. Para construir essa argumentação, contudo, não foi necessário negar a centralidade dos antepassados e de sua história pregressa.

Autores como Geschiere (1997)Geschiere, Peter. (1997). The modernity of witchcraft, politics and the occult in postcolonial Africa. Charlottesville: University Press of Virginia. afirmam que as práticas e ideias contemporâneas sobre a feitiçaria são muito mais uma resposta às exigências da modernidade do que evidência de um costume cultural persistente, não havendo, por exemplo, entre os camaroneses, em The modernity of witchcraft, contradição entre modernidade e tradição. No caso kimbanguista a feitiçaria parece ser evocada como herança do passado maldito que precisa ser superado. Certamente, seguindo a perspectiva de Geschiere (1997)Geschiere, Peter. (1997). The modernity of witchcraft, politics and the occult in postcolonial Africa. Charlottesville: University Press of Virginia., trata-se de uma resposta às exigências da modernidade, sobretudo, aos discursos e práticas racistas nela contidos.

A introdução da escravidão, das teorias racialistas, da administração burocrática da vida coletiva, da exploração naquela região tornava premente um elo entre os antepassados, a condição colonial e seus desdobramentos. A interpretação bíblica kimbanguista parece ter sido esse elo. Assim sendo, a despeito das mudanças introduzidas pelo colonialismo, alguns aspectos fundamentais da cosmologia kongo perduraram, sobretudo a reverência para com os antepassados e a crença na feitiçaria. Esta última, como aponta MacGaffey (2000)MacGaffey, Wyatt. (2000). Kongo political culture, the conceptual challenge of the particular. Indiana: Indiana University Press., representa o principal recurso utilizado para a organização das relações de poder, administração e controle da vida social.

Os kimbanguistas, entretanto, cumpridores dos mandamentos, não precisam buscar o kindoki20 20 Termo em kikongo para designar contrafeitiço (ou proteção contra o feitiço). Em geral, administrado pelo ndoki (singular) ou bandoki (plural), ou seja, pelos feiticeiros. porque estão protegidos pelo Deus supremo, por respeitar os mandamentos, por sua conduta ascética e, sobretudo, por ter renunciado à utilização de minkisi,21 21 Complexo ritual utilizado para prover algo, livrar indivíduos ou grupos de infortúnios, curar doenças, identificar e punir malfeitores, favorecer a fertilidade e a prosperidade, entre outros. ou seja, por renunciar à mauvaise intelligence. Esse trunfo protege os kimbanguistas dos efeitos nefastos do feitiço e, ao mesmo tempo, torna possível, em função da abrangência coletiva de seus ensinamentos, a redenção dos negros. Ao que tudo indica, no entanto, essa proteção está diretamente relacionada a um frágil equilíbrio, em geral ameaçado pelas acusações e conflitos sociais que ocorrem no seio da comunidade religiosa. Conflitos como o descrito por Sarró, Blanes e Viegas (2008)Sarró, Ramon; Blanes, Ruy Lleras & Viegas, Fátima. (2008). La guerre dans la paix: ethnicité et angolanité dans l’Église kimbanguiste de Luanda. Politique Africaine, 110, p. 84-101. em sua análise acerca do caráter transnacional da Igreja. Nesse texto, os autores analisaram a recente crise de sucessão que envolve o controle da complexa estrutura eclesiástica da Igreja kimbanguista e sua imbricada relação com a etnicidade numa região de fronteiras.

O Kimbanguismo, o Messianismo e o Discurso

Diferentemente da proposta de análise de Balandier, que enfatizava a dinâmica social e o contato com uma nova cosmologia que se impunha ao modus vivendi preexistente, este trabalho analisa os traços de continuidade entre o kimbanguismo do início do século XX e o kimbanguismo contemporâneo. Não seria possível, contudo, negligenciar o fato de que o enciclopédico trabalho de campo de Balandier inscrevia-se na história como referência para a compreensão dessa Igreja e, sobretudo, para a análise de sua transformação. Não se deve negligenciar outras abordagens acerca das Igrejas Independentes Africanas, notadamente as de Comaroff e Comaroff (1997)Comaroff, Jean & Comaroff, John. (1997). Of revelation and revolution: christianity, colonialism, and consciousness in South Africa, v. 2, The dialectics of modernity on a South African frontier. Chicago: University of Chicago Press. e Meyer (2010)Meyer, Birgit. (2010). Pentecostalism and globalization. In: Anderson, Allan et al. (eds.). Studying global pentecostalism: theories and methods. Berkeley: University of California Press, p. 113-129.. Cabe destacar, porém, que a referência à obra de Balandier se justifica neste trabalho muito mais pelo fato de que é com ela que dialogam os próprios kimbanguistas do que por uma preferência pela abordagem sociopolítica em detrimento de outras existentes. Os kimbanguistas, especialmente os pastores, citam Balandier, Lanternari, Susan Asch, Marie Luise-Martin porque foram esses (antropólogos e teólogos) que se dedicaram à compreensão do kimbanguismo. E humanistas como J. A. Horton recusaram-se sempre a aceitar o mundo em que vivem os kimbanguistas (até hoje).

Assim, tratava-se de compreender (também) em que medida o diálogo com as análises antropológicas foi incorporado ao discurso contemporâneo dos próprios fiéis. Parece-me que a descrição de Kimbangu como o líder político de um movimento religioso serviu como um elemento discursivo para reforçar a lógica da separação entre o mundo dos brancos e o mundo dos negros. Tal como vocalizado pelos fiéis, “Kimbangu não foi líder de um movimento político religioso, foi o Espírito Santo enviado por Deus para redenção da África”. Descrevê-lo como líder político é “coisa de mundele”, dizem os kimbanguistas.

Se conceitualmente, tanto na história da antropologia quanto na ciência da religião, a divisão entre o político e o religioso não se sustenta, para os kimbanguistas, apesar de o universo sagrado definir os rumos do mundo profano - ou servir como espelho do outro, como afirma Durkheim (1996)Durkheim, Émile. (1996). As formas elementares da vida religiosa. Rio de Janeiro: Editora Martins Fontes. em As formas elementares da vida religiosa -, reconhecer Kimbangu como líder político implicaria reconhecer sua condição mundana, essencialmente ordinária.

Considerando os conflitos que envolvem a transmutação do movimento religioso em Igreja, os fiéis reiteram cotidianamente a condição sagrada de Simon Kimbangu, definindo-o como o Espírito Santo. Essa divisão entre o universo político e religioso também corrobora a separação entre o mundo dos negros e dos brancos. Afinal, “mundeles não acreditam em feitiçaria”, dizem os kimbanguistas. Assim como antropólogos estão convencidos da indissociável relação entre o universo político e o religioso.

Certamente um mundo segregado entre brancos e negros não foi iniciativa dos bakongo ou dos congoleses, tampouco dos kimbanguistas, mas, em meio à introdução da administração colonial, era preciso dar sentido à segregação imposta. Era necessária uma explicação para a dominação e subjugação vivenciada pelos colonizados, contudo, produzida em seus próprios termos (utilizando as categorias intelectuais e os fragmentos dessa relação disponíveis). O desenvolvimento da teologia kimbanguista parece ter sido a alternativa possível para esse propósito. Uma alternativa capaz de explicar a distinção já fortemente assinalada pelos colonizadores.

Os kimbanguistas deram outro sentido ao discurso da diferença, o discurso racialista (e racista) do colonizador, e construíram uma explicação bíblica para a distinção tão incisiva que a administração colonial já havia imposto. A manutenção da fé em Kimbangu como o Consolador, e não como líder político, representa a esperança no fim da subjugação dos negros pelos brancos.

A teologia kimbanguista revela, no combate à feitiçaria, uma possiblidade de redenção para os negros, colonizados no passado e alvo de preconceitos e humilhações no cotidiano. Assim, é possível afirmar que estamos diante de uma espécie de discurso de retorno, como proposto por Michel Foucault (2013)Foucault, Michel. (2013). Arqueologia do saber. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária., no qual a lógica da diferença entre a África e os africanos e a Europa e os europeus continuou sendo reelaborada, a despeito das pretensões do colonizador. Um discurso para produzir a verdade sobre a versão introduzida pelos colonizadores, a saber, a diferença ontológica entre os brancos europeus e os negros africanos.

Em A invenção da África Mudimbe (2019Mudimbe, Valentin Yves. (2019). A invenção da África, gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Petrópolis: Vozes.: 12) elabora argumento semelhante acerca da história do discurso africanista e afirma que, apesar de não oferecer compreensão acerca das visões de mundo que vicejam na África, “também se pode dizer que é nesses próprios discursos que os mundos africanos foram estabelecidos como realidades para o conhecimento. E hoje os próprios africanos leem, desafiam, reescrevem esses discursos como uma maneira de explicar e definir sua cultura, história e ser”.

Assim, os kimbanguistas seguem reescrevendo o discurso racista do colonizador e, nesse caso, oferecendo aos fiéis a possibilidade vindoura de um mundo em que os negros não serão mais subjugados pelos brancos.

Breve Consideração sobre o Debate acerca do Racismo na Europa

Verena Stolcke (1995)Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation)., em “Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe”, afirma que o racismo, como nós o conhecíamos, tornou-se uma prática politicamente desacreditada após a Segunda Guerra Mundial e as críticas às teorias racistas nazistas. Esse fato teria ensejado um novo sistema de conceituação para as clivagens, uma nova retórica da exclusão de imigrantes assentada nas diferenças culturais.

Cabe, contudo, como sugere Stolcke (1995)Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation)., indagar: raça e eugenia teriam sido, de fato, sistematicamente superadas, tanto política quanto culturalmente? Qual o lugar dessa nova retórica de exclusão para a compreensão das relações raciais no velho continente? A nova retórica da exclusão, sustentada pela exaltação de uma identidade nacional baseada na ideia de exclusividade cultural elaborada por partidos de direita e governos conservadores na Europa, indicaria o declínio do racismo? O trabalho desenvolvido pela Unesco e outras instituições em defesa da igualdade humana na diversidade cultural teria produzido como efeito a superação no continente europeu do racialismo e dos racismos mais odiosos da era moderna?

Segundo Stolcke (1995)Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation)., a abrangência da tradição boasiana não teria impedido o desenvolvimento de novas formas e mecanismos sociais de clivagem para além dos pressupostos racialistas e eugenistas. Sobre a exclusão dos imigrantes na Europa, Stolcke (1995: 2) descreve, parafraseando as representações europeias acerca desses excluídos, “immigrants who lack ‘our’ moral and cultural values, simply because they are there”. Para a autora, a demonização do racismo e a abrangência do discurso acerca da diversidade cultural integram o discurso político europeu vis-à-vis o cenário da imigração europeia.

Apesar de a exclusão dos imigrantes estar ancorada no fato de serem estrangeiros e, portanto, culturalmente diferentes, essa nova retórica da exclusão é justificada em função dos instintos humanos de preservação da identidade cultural, algo inerente à condição humana. Desse modo, de acordo com Stolke (1995), sustenta-se também a partir de uma teoria pseudobiológica. Assim, o termo raça pode até estar ausente desse discurso, mas a autora afirma tratar-se de racismo, “não obstante um racismo sem raça” (Rex, 1973; Balibar, 1991; Solomos, 1991; Giroy, 1991 apud Stolcke, 1995Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation).).

Por último, mesmo quando essa nova ‘teoria da xenofobia’ (Barker, 1981) não emprega categorias raciais, a demanda para excluir os imigrantes em virtude de serem outsiders, culturalmente diferentes, é ratificada por apelos aos instintos humanos básicos; ou seja, em termos de uma teoria pseudobiológica (Stolcke, 1995Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation).: 4).22 22 Original: Lastly, even when this new ‘theory of xenophobia’ (Barker, 1981) does not employ racial categories, the demand to exclude immigrants by virtue of their being culturally different ‘aliens’ is ratified through appeals to basic human instincts, that is, in terms of a pseudobiological theory.

Não pretendo negligenciar as alterações nos discursos e representações europeias acerca da diversidade cultural, sua abrangência e sua transformação em elemento de distinção e exclusão para a população de imigrantes, notadamente os imigrantes refugiados, mas não pude evitar as questões que meu trabalho de campo me instigou a levantar considerando as ponderações de Stolcke (1995)Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation).. Como é possível saber a priori quem é culturalmente diferente? Ou seja, mesmo antes de ter estabelecido contato com o suposto imigrante, quais são os sinais diacríticos capazes de revelar sua cultura? Suspeito que a cor da pele, os traços fisionômicos ou fenotípicos, entre outros aspectos tradicionalmente utilizados como marcadores raciais e a partir da nova retórica considerados culturais, sejam elementos centrais nesse processo de identificação acerca da diversidade cultural.

Para Stolcke (1995: 8), “O fenótipo tende agora a ser empregado como um marcador de origem imigrante, em vez de “raça”, sendo interpretado como justificativa para o ressentimento anti-imigrante”.23 23 Original: Phenotype tends now to be employed as a marker of immigrant origin rather than “race’s” being construed as the justification for anti-immigrant resentment. Se o fenótipo continua sendo empregado para marcar a origem do imigrante, como afirma a autora, penso que aquilo que historicamente marcou os racismos mais odiosos não declinou, a saber, a redução do homem em seu sentido ontológico à sua aparência. Na verdade, continua a fazê-lo.

Sem aprofundar a discussão denunciada por Stolcke (1995)Stolcke, Verena. (1995). Talking culture: new boundaries, new rhetorics of exclusion in Europe. Current Anthropology, 36/1, p. 1-24 (special issue: Ethnographie Authority and Cultural Explanation). acerca da emergência da nova retórica de exclusão anti-imigração na Europa posso certamente assegurar-lhes, a partir dos dados etnográficos de que disponho, que o discurso racialista está presente e se renova na Europa. Essa é uma das perspectivas que nos permite compreender a atualidade do kimbanguismo no velho continente. O discurso de retorno kimbanguista não aponta apenas para uma distinção cultural, separando o mundo dos brancos do mundo dos negros. Não que desconheçam as diferenças, ao contrário, eles as conhecem muito bem. A exegese bíblica kimbanguista essencializa essa distinção, descrevendo e classificando o comportamento cultural (o uso do feitiço) pela cor da pele (uma herança maldita).

Sabemos que toda taxonomia é arbitrária mas, como sugere Hacking (2007)Hacking, Ian. (2007). Kinds of people: moving targets. Proceedings of the British Academy, 151. 2006 Lectures, p. 285-318., é preciso analisar com mais cuidado os desdobramentos dos sistemas classificatórios sobre os sujeitos, ou melhor, sobre aqueles que são classificados. Quais são os desdobramentos provocados pela classificação? Afinal, em que medida as pessoas são afetadas por tais sistemas? Como aponta Hacking (2007)Hacking, Ian. (2007). Kinds of people: moving targets. Proceedings of the British Academy, 151. 2006 Lectures, p. 285-318., os efeitos provocados nas pessoas pelo processo classificatório podem alterar a lógica de classificação, ou seja, as próprias classificações.

Seguindo a perspectiva de Hacking (2007: 2) - “a new scientific classification may bring into being a new kind of person, conceived of and experienced as a way to be a person” -, talvez possamos avaliar a extensão contemporânea das teorias racialistas e evolucionistas. Assim, talvez possamos compreender como “selvagens”, “não aptos” e “feiticeiros” alteraram o sistema de classificação do qual foram alvos para a garantia dos vis controle, exploração e dominação.

Discurso e Classificação

Em meio à exegese bíblica elaborada pelos kimbanguistas, não seria possível considerar essa igreja apenas como um símbolo da resistência bakongo em meio à dinâmica social da África pós-colonial ou, ainda, como o ponto de partida para a construção de uma identidade social positiva para os negros em geral. Todas essas interpretações são muito pertinentes e verossímeis. O cenário de igrejas kimbanguistas lotadas na Europa, contudo, tornou-se terreno fértil para ouvir sermões, hinos inspirados e apreciar o material fonográfico produzido por pastores e fiéis. O que tornava tudo aquilo possível e pertinente para os imigrantes refugiados residentes no continente europeu?

Reitero a importância do impacto das análises que foram feitas sobre o kimbanguismo (desde a mobilização provocada por Kimbangu até os estudos acadêmicos subsequentes à independência da antiga colônia belga) para a percepção que os fiéis têm acerca de si mesmos e de sua Igreja. Destaco também o processo de classificação e clivagem perpetrado pela administração colonial como determinantes na interpretação da diferença reelaborada pelos kimbanguistas. Como os sujeitos interagem com a nomeação, com a classificação que lhes foi atribuída? Como Foucault (2013)Foucault, Michel. (2013). Arqueologia do saber. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. apontou, não só as coisas são criações discursivas, o próprio homem também é uma invenção historicamente situada. Desse modo, observamos que os indivíduos não se transformam diretamente naquilo em que os classificamos, mas são afetados pelos nomes que lhes damos, sobretudo em função dos relacionamentos que tecemos a partir do princípio classificador construído. Um universo de significados e de mundos possíveis emerge a partir da produção discursiva e das taxonomias que a acompanham.

Esse mecanismo de afetação provoca o efeito looping, como destaca Hacking (2007)Hacking, Ian. (2007). Kinds of people: moving targets. Proceedings of the British Academy, 151. 2006 Lectures, p. 285-318.. Tal efeito diz respeito à maneira pela qual a classificação feita interage com as pessoas classificadas. Esse nominalismo de caráter bem mais dinâmico, proposto por Foucault (1996)Foucault, Michel. (1996). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra., inscreve-se de modo inovador na filosofia contemporânea e foi fundamental para que eu pudesse compreender o mecanismo discursivo com o qual os kimbanguistas negociaram sua identidade e passaram a se descrever como herdeiros de Adão e Eva, os primeiros pecadores.

Mediante a convivência com os kimbanguistas, observando suas dificuldades de inserção na sociedade europeia (tanto em Bruxelas quanto em Paris), pude compreender o impacto do sistema classificatório e denominativo para aqueles que, no passado, foram colonizados e subjugados em função da classificação que receberam.

Considerações finais

Na Europa, as tensões raciais entre imigrantes e europeus tornaram-se uma janela a partir da qual foi possível compreender a atualidade de Kimbangu e de sua teologia. As políticas europeias em geral, vis-à-vis os imigrantes refugiados, sobretudo aqueles vindos da África, tornaram-se fundamentais para compreender o mundo monocromático desenhado por meio da exegese bíblica kimbanguista. Um universo em preto e branco acionado no momento de leitura e interpretação bíblicas era igualmente vivenciado, sob outros termos, nos espaços públicos do velho continente.

No campo de pesquisa, deparei-me com outro discurso acerca da diferença entre negros e brancos. La mauvaise intelligence revelou-se a lógica da diferença que separa o mundo dos brancos do mundo dos negros. Pela interpretação bíblica kimbanguista, constatei que as teorias racialistas não haviam sido superadas, mas, certamente ganharam novo significado. Um sentido que permanecia tão pertinente no contexto da África colonial quanto na contemporaneidade pós-colonial. Numa Europa que jamais deixou de classificar os indivíduos a partir das aparências, aquela teologia apresentava-se como um discurso de retorno. Uma forma de dialogar, em seus próprios termos, com a classificação e o lugar que lhes foram atribuídos no passado e que, renitentes, permaneciam.

Ao mesmo tempo em que constituem uma explicação teológica para o status minoritário do homem negro no mundo (incluído o contemporâneo), as mensagens kimbanguistas predizem um devir promissor para os negros em geral. Assim, Gampiot (2004)Gampiot, Aurélien Mokoko. (2004). Kimbanguisme & identité noire. Paris: L’Harmattan. considera essa teologia promotora de uma identidade social positiva. Certamente é. Na afirmação teológica de um futuro redentor para os negros, contudo, está contida a reatualização do discurso racialista, introduzido pelo colonizador, um discurso que reforça a ontológica distinção entre brancos e negros, agora renovada pela emergência da nova retórica de exclusão anti-imigração.

Se, de um lado, é possível vislumbrar a emergência de identidades sociais positivas resultantes da interação dos sujeitos com antigas taxonomias, eu, Ana mundele, continuo a pensar a partir de um mosaico de cores, tons e nuanças, nem por isso menos socialmente cruel e excludente, sobre a efetiva possibilidade de vivenciarmos na igualdade da humanidade a enorme diversidade (inclusive de cores) à qual nossa condição humana nos sentenciou.

NOTAS

  • 1
    Appiah (1997Appiah, Kwame Anthony. (1997). Na casa de meu pai - a África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto.: 75) faz importante referência ao racialismo como ponto central para emergência dos racismos mais odiosos da era moderna e argumenta que o conceito de raça pretendeu “biologizar aquilo que é cultura, a ideologia”..
  • 2
    Em referência à posição geográfica da França e da Bélgica no continente europeu e, igualmente, uma alusão à célebre obra literária de Joseph Conrad Coração das trevas.
  • 3
    O recrudescimento de medidas de restrição à entrada na Europa de refugiados vindos da África e do Oriente Médio. A ampliação do número de pessoas em campos de refugiados na Europa vivendo em situação precária, como no campo de refugiados de Calais, no norte da França, também conhecido como a selva e desmantelado em 2016.
  • 4
    O termo mukongo refere-se a um único indivíduo do Kongo e o termo bakongo refere-se ao plural desses indivíduos. Trata-se de um grupo étnico-linguístico, também denominado Ba-kongo, que ocupou, e ainda o faz, o noroeste de Angola, o sudeste da República Democrática do Congo e parte do Congo Brazaville. Na convenção africana, utilizam-se K e não C. Neste trabalho convencionei utilizar a letra ‘k’ para me referir ao lendário reino do Kongo e a letra ‘c’ para descrever aqueles países que emergiram em face da colonização do continente africano (Congo belga, República Democrática do Congo, entre outros). Assim nos termos que remontam à ancestralidade do reino do Kongo e sua língua, o kikongo, mantive a grafia utilizada pela convenção africana. Desse modo, neste trabalho serão grafadas as formas mukongo e bakongo.
  • 5
    Ver detalhes sobre a exploração e dominação no Estado Livre do Congo em Hochschild (1999)Hochschild, Adam. (1999). O fantasma do rei Leopoldo. São Paulo: Companhia das Letras..
  • 6
    Um conjunto de diversas favelas com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) de acordo com dados do IBGE (2010)IBGE. Censo Demográfico. (2010). Aglomerados Subnormais. Brasília: IBGE.. Situada na região norte da capital fluminense, era área de manguezal e foi ocupada por palafitas desde as primeiras décadas do século XX. Com o tempo a população local aterrou a região, tornada bairro da Maré pela lei municipal n. 2119 de 19 de janeiro de 1994.
  • 7
    Ver em Bittencourt (1999)Bittencourt, Marcelo. (1999). Dos jornais às armas - trajectorias da constestação angolana. Lisboa: Vega. detalhes acerca da situação dos regressados (angolanos residentes no norte de Angola durante os conflitos entre Unita e MPLA) no episódio conhecido como massacre dos bakongo.
  • 8
    Compostos pelos fiéis (alguns deles pastores) a partir da intervenção do Espírito Santo, compreendido pelos kimbanguistas como o próprio Simon Kimbangu.
  • 9
    Os dados etnográficos utilizados para análise neste artigo foram obtidos a partir de pesquisas de campo realizadas exclusivamente nos arredores de Bruxelas, na Bélgica, e em Paris, na França; pesquisa realizada para meu doutoramento (Poll, 2008Poll, Ana Paula. (2008). A trajetória europeia de um ‘profeta’ africano [Simon Kimbangu]. Tese de Doutorado. PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Meu primeiro contato com a Igreja kimbanguista, reitero, ocorreu na cidade do Rio de Janeiro. Os dados etnográficos da pesquisa no Rio de Janeiro foram utilizados na elaboração de minha dissertação de mestrado (Poll, 2001Poll, Ana Paula. (2001). Do baixo Congo ao Brasil, um olhar antropológico sobre o significado da Igreja kimbanguista no contexto carioca. Dissertação de Mestrado. PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro.).
  • 10
    Destaca-se que alguns desses materiais com conteúdo religioso chegavam ao Brasil vindos diretamente do continente africano.
  • 11
    Denominação que ele próprio utilizava para descrever suas funções na Igreja.
  • 12
    Fato que lhe garantiu a cidadania belga após o pedido de asilo político quando, em maio de 1997, Laurent Dériré Kabila assumiu o governo na então declarada República Democrática do Congo.
  • 13
    Na história analisada por Fry (2000)Fry, Peter. (2000). O Espírito Santo contra o feitiço e os espíritos revoltados: ‘civilização’ e ‘tradição’ em Moçambique. Mana, 6/2, p. 65-95. o homem negro também aparece como pecador, mas, diferentemente da exegese bíblica kimbanguista, sua origem é pré-adâmica. No surpreendente relato do bispo entrevistado por Fry, Deus cria o homem duas vezes, primeiramente ele cria o homem negro, só depois Adão e Eva, brancos. E o homem negro (tomando as vezes de serpente) seduz Eva e a leva a cometer o pecado original que determina sua expulsão e a de Adão (mais tarde seduzido por Eva) do paraíso. Apesar das diferenças significativas entre as duas interpretações bíblicas acerca da gênese humana e do poligenismo que sustenta a crença da divisão da humanidade em raças distintas, ambas parecem ter sido, e continuar sendo, eficientes em explicar a chamada inferioridade dos negros. Como esclarece Fry (2000)Fry, Peter. (2000). O Espírito Santo contra o feitiço e os espíritos revoltados: ‘civilização’ e ‘tradição’ em Moçambique. Mana, 6/2, p. 65-95., apesar de sua prática antirracista, o discurso poligenista do bispo zionista sugere uma predestinação inexorável para os negros africanos, a saber, estar à mercê dos espíritos malignos ou revoltados.
  • 14
    Capital da província central de Manica, em Moçambique.
  • 15
    Termo utilizado para designar um indivíduo branco na região da bacia do rio Congo, na África.
  • 16
    Pastor kimbanguista residente em Paris que publicou, em janeiro de 2002, sem auxílio de editora, sua obra intitulada Le kimbanguisme da qual foram extraídos parágrafos imprescindíveis para a análise aqui proposta.
  • 17
    Aqui e nas demais citações em idiomas estrangeiros, a tradução é minha.
  • 18
    “Que ele seja o escravo dos escravos de seus irmãos”.
  • 19
    “Como aquela de seus parentes que teriam vivido durante a primeira geração”.
  • 20
    Termo em kikongo para designar contrafeitiço (ou proteção contra o feitiço). Em geral, administrado pelo ndoki (singular) ou bandoki (plural), ou seja, pelos feiticeiros.
  • 21
    Complexo ritual utilizado para prover algo, livrar indivíduos ou grupos de infortúnios, curar doenças, identificar e punir malfeitores, favorecer a fertilidade e a prosperidade, entre outros.
  • 22
    Original: Lastly, even when this new ‘theory of xenophobia’ (Barker, 1981) does not employ racial categories, the demand to exclude immigrants by virtue of their being culturally different ‘aliens’ is ratified through appeals to basic human instincts, that is, in terms of a pseudobiological theory.
  • 23
    Original: Phenotype tends now to be employed as a marker of immigrant origin rather than “race’s” being construed as the justification for anti-immigrant resentment.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2019
  • Revisado
    16 Abr 2020
  • Aceito
    16 Set 2020
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