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(18)22 + (19)22 = ?

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Resumo

O artigo procura fazer um duplo balanço da Semana de Arte Moderna e da Independência. Mais do que isso, pretende explorar livremente a relação entre os dois acontecimentos, em uma perspectiva que já pode ser chamada de longa duração. Para realizar o balanço, são utilizados como materiais especialmente trabalhos sobre o pensamento político e social brasileiro. Procura-se, sobretudo, esboçar uma interpretação do modernismo brasileiro, na qual é ressaltado, em dissonância com o que pode ser chamado de uma espécie de sensibilidade sobre 1922 que tem ganhado força, seu caráter fundamentalmente democrático. De maneira complementar, para que o argumento ganhe corpo, mobiliza-se uma interpretação da Independência, identificada com Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes, que chama a atenção para as deficiências democráticas de 1822, que marcam o país desde então. Relaciona-se, a partir daí, em sentido oposto, a orientação democrática de 1922.

Palavras-chave:
Modernismo; Independência; Democracia; Pensamento político e social

Abstract

The article seeks to evaluate the Brazilian Modern Art Week and Independence. Even more, it seeks to freely explore the relations between both events in a perspective that can already be considered as long-term. For this evaluation, the material used is especially works of Brazilian political and social thought. We try specially to start to develop an interpretation of Modernism that emphasizes its democratic character, what contrasts with the prevailing view about the movement. Besides, to strengthen the argument, is mobilized a certain interpretation about Independence, identified with Caio Prado Jr. and Florestan Fernandes, that highlights the democratic deficiencies of 1822, which mark the country since then. In an opposite sense, we relate it to the democratic character of 1922.

Keywords:
Modernism; Independence; Democracy; Political and social thought

INTRODUÇÃO

2022 é um ano de efemérides. Comemora-se, em especial, o bicentenário da Independência e o centenário da Semana de Arte Moderna. As duas datas têm, além do mais, relação, aqueles que eram conhecidos como futuristas de São Paulo, tendo decidido como se apresentar ao Brasil, rebatizados de modernistas no centenário da Independência1 1 Já em 1920, Oswald de Andrade (apud Brito, 1958: 152), em crônica no Jornal do Comércio (SP), anunciava: “cuidado, senhores da camelote, a verdadeira cultura e a verdadeira arte vencem sempre. Um pugilo pequeno, mas forte, prepara-se para fazer valer o nosso Centenário”. . As efemérides são também oportunidades de balanços. Por exemplo, o primeiro centenário da Independência incentivou Vicente Licínio Cardoso a reunir intelectuais “da geração nascida com a República” (Cardoso, 1924Cardoso, Vicente Licínio (org.). (1924). À margem da história da República. Rio de Janeiro: Edição do Anuário do Brasil.: 14), como Francisco José de Oliveira Vianna, Francisco Pontes de Miranda, Gilberto Amado, Ronald de Carvalho e Tristão de Athayde, para avaliarem os rumos do país. Apesar de suas diferenças, defenderam, em confronto com o que interpretavam como sendo a artificialidade da recente experiência republicana, o estabelecimento do que chamaram de consciência nacional. Ironicamente, porém, o produto dos esforços, o volume À margem da história da República, só foi publicado em 1924.

O propósito deste artigo, escrito em 2022, é fazer um duplo balanço: da Semana de Arte Moderna e da Independência. Mais do que isso, pretendo explorar livremente a relação entre os dois acontecimentos, em uma perspectiva que já pode ser chamada de longa duração. Tenho consciência, portanto, de estar situado em um certo momento, o que não deixa de influenciar minha avaliação.

Para realizar o balanço, uso como material especialmente trabalhos do pensamento político e social brasileiro. Procuro, sobretudo, esboçar uma interpretação do modernismo brasileiro, recorrendo à análise de Antonio Gramsci a respeito do romantismo europeu. Por minha parte, ressalto, em dissonância com o que pode ser chamado de uma espécie de sensibilidade sobre 1922 que tem ganhado força, seu caráter fundamentalmente democrático2 2 Por exemplo, Gênese Andrade, em sua apresentação de livro recente, afirma: “no contexto das reivindicações das minorias e das representatividades, as ausências e silêncios falam mais alto nas reflexões do século XXI sobre a Semana e seus desdobramentos” (Andrade, G., 2022: 9). . De maneira complementar, para que o argumento ganhe corpo, mobilizo uma interpretação da Independência, identificada com Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes, que chamam a atenção para o pouco espaço garantido no país, em vias de constituição, para a maioria da sua população. Cada momento do artigo é aparentemente autônomo, mas ganha sentido pleno ao final do texto, indicando como com o modernismo, em dissonância com a direção dominante no país desde a Independência, abre-se espaço para um sentido mais democrático para a vida nacional. Parte-se de uma análise abrangente - perspectiva hoje pouco comum -, com preocupações que em geral andam separadas, vinculadas a disciplinas como Ciências Sociais e Letras. Meu palpite, todavia, é que cada um desses pontos de vista poderá ajudar a avançar no entendimento do outro.

UM ESBOÇO DE INTERPRETAÇÃO DO MODERNISMO

A história da Semana de Arte Moderna é conhecida. O pequeno grupo de “futuristas de São Paulo”, congregados a partir da polêmica exposição de Anita Malfatti, em 1917, decide fazer uma espécie de happening, que tire o público de seu torpor. É verdade que desde que as pinturas com ar expressionista da jovem artista retornada à pátria depois de temporadas de estudos na Alemanha e nos Estados Unidos tinham chamado a atenção de uns poucos - como Oswald de Andrade, Emiliano Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida - outros tantos tinham se juntado às hostes modernistas. Para isso foi importante a “descoberta” das esculturas de Victor Brecheret, que comoveram também Menotti del Picchia. Juntam-se igualmente ao círculo, moços que fizeram estudos na Europa, como Sérgio Milliet, Rubens de Moraes e outros ativos no mundo literário paulistano, como Plínio Salgado e Luís Aranha (Brito, 1958Brito, Mario da Silva. (1958). História do modernismo brasileiro: antecedentes da Semana de Arte Moderna. São Paulo: Edição Saraiva.; Gonçalves, 2012Gonçalves, Marcos Augusto. (2012). 1922: A semana que não terminou. São Paulo: Companhia das Letras .).

No entanto, os moços paulistas - na casa dos trinta anos - precisavam de aliados para se lançarem ao cenário nacional. Entre eles, é especialmente importante o apoio do diplomata e escritor consagrado José Pereira da Graça Aranha (54 anos) e do cafeicultor e empresário Paulo Prado (53 anos). Consta-se que a própria ideia da Semana de Arte Moderna teria surgido de conversa de Di Cavalcanti com o ex-secretário de Joaquim Nabuco, recém-chegado da Europa e cioso das novidades artísticas vindas do Velho Mundo. Significativamente, esse membro fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) aparece na imprensa da época como patrocinador da Semana e profere a primeira conferência do evento. Mais que isso, o autor de Canaã - romance que segundo Oswald, “ninguém havia lido, mas todos admiravam” (Andrade, O., 1954Andrade, Oswald de. (1954). O Modernismo. Anhembi. 17/49, p. 26-32.: 28) - é decisivo para colocar os “futuristas de São Paulo” em contato com moços cujas ideias são mais ou menos parecidas do Rio de Janeiro, como Ronald de Carvalho, Rafael de Almeida e Heitor Villa Lobos3 3 Sobre os futuristas paulistas, ver: Fabris (1994). Sobre o modernismo carioca, ver: Gomes (1992). .

Entre os apoios que os artistas e escritores conseguem é decisivo o do comitê patrocinador da Semana de Arte Moderna, que paga o aluguel do Teatro Municipal onde o evento ocorre. Por trás dele, estão ilustres representantes dos “barões do café” e, liderando o grupo, Paulo Prado, que tem inclusive negócios com Graça Aranha. O filho do conselheiro Antônio Prado e responsável pela empresa da família, a Companhia Prado-Chaves Exportadora - que chegou a vender, em 1918, 20,25% do café exportado pelo porto de Santos (Levi, 1977Levi, Darrell. (1977). A família Prado. São Paulo: Cultura 70.) - é, além do mais, um intelectual que ajuda a organizar o evento4 4 Sobre Paulo Prado, ver: Berriel (2013); Waldman (2010). . Seu suporte e de outros de sua classe ajuda a explicar a presença em um evento de vanguarda, associado com a ruptura de nomes do mundo oficial paulista, a começar pelo governador do estado, Washington Luís.

Desse breve relato sobre os preparativos da Semana de Arte Moderna já se pode destacar algumas das questões que têm provocado controvérsia a respeito do modernismo; em especial, sua relação com São Paulo e, mais especificamente, com a burguesia cafeeira do estado.

A crônica “A bandeira futurista”, que Menotti del Picchia publica em outubro de 1921 no Correio Paulistano, é reveladora da maneira como os modernistas enxergam o lugar de São Paulo no Brasil. A ocasião para o artigo é a partida de uma espécie de comitiva modernista para acompanhar a leitura no Rio de Janeiro de poemas do então livro inédito Pauliceia desvairada, de Mário de Andrade. O cronista social do órgão oficial do Partido Republicano Paulista (PRP), que escreve sob o pseudônimo de Hélios, procura sugerir, como indica o próprio título do artigo, a repetição de supostas proezas em um novo cenário: “os paulistas, renovando as façanhas dos seus maiores, reeditam, no século da gasolina, a epopeia das bandeiras” (Hélios, 1921Hélios. (1921). A bandeira futurista. Correio Paulistano , p. 3.: 3)5 5 Sinal de que os propósitos dos modernistas paulistas são, em parte, bem-sucedidos é o artigo “Os independentes de São Paulo”, de Ronald de Carvalho. Nele, o escritor carioca afirma que “o papel histórico de São Paulo é o de produzir bandeiras”. Os paulistas seriam uma gente prática que contrastaria com os nativos de outros estados, que “exportam gramáticos e bacharéis, críticos e doutores para a capital”. Dela surgiria “uma raça vigorosa” (Carvalho, 1972: 197), na qual os diferentes povos imigrantes que afluíram para São Paulo desapareceriam, fundindo-se, o que indicaria a força do meio. Em termos culturais, “depois do agricultor aparece o artista, segundo o ritmo de todas as verdadeiras civilizações” (Carvalho, 1972: 198), que estaria envolvido na difícil tarefa de renovação das letras nacionais. .

É possível considerar que é uma das intenções do modernismo a extensão da hegemonia paulista para além da economia e da política, procurando dotá-la igualmente de uma dimensão cultural. Nessa referência, é significativo como se passa de um projeto de atualização da periferia diante do centro capitalista - no qual está incluída a Semana de Arte Moderna - para a busca da originalidade paulista e brasileira (Berriel, 2013Berriel, Carlos. (2013). Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado. Campinas: Editora Unicamp.). No vocabulário da época se pensa até que essa diferença teria base racial, boa parte dos modernistas contribuindo para a literatura bandeirante desenvolvida antes e depois do movimento.

A evocação do herói paulista está inserida em uma literatura criada a partir do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), fundado em 1894, e do PRP, em que o bandeirante se torna um verdadeiro mito. Na década de 1920, com a publicação dos testamentos e inventários dos velhos paulistas por iniciativa de Washington Luís - sucessivamente prefeito e governador de São Paulo - esse quase gênero ganha impulso nas obras de autores como Afonso d’Escragnolle Taunay, Alfredo Ellis Junior, Paulo Prado e José de Alcântara Machado6 6 Sobre a literatura referente ao bandeirantismo, ver: Ferreti (2008); Ferreira (2002); Monteiro (2001). .

É verdade que a burguesia cafeeira paulista não é homogênea, como fica claro pela fundação, em 1926, em oposição ao PRP, do Partido Democrático (PD), que escolheu Antônio Prado como presidente. Em um programa liberal, o novo partido atrai, para além da oligarquia, setores das camadas médias. Também os modernistas sentem atração por um ou outro partido. De acordo com Sérgio Miceli (1979), seria possível até identificar naqueles próximos ao PRP, como Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, uma atitude de engajamento político, nacionalista, ao passo que os ligados ao PD, como Mário de Andrade, Alcântara Machado e Sérgio Milliet seriam favoráveis à autonomia da arte.

Em termos mais diretos, com o “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, em 1924, os modernistas se dividem. Oswald de Andrade proclama então: “Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornal. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a vegetação. Pau-Brasil” (Andrade, O., 1972Andrade, Oswald de. (1972). Obras completas. VI. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 10). Já Graça Aranha retruca, três meses depois, na conferência “O espírito moderno”, que marca seu rompimento com a ABL: “se escaparmos da cópia europeia não devemos permanecer na incultura. Ser brasileiro não significa ser bárbaro. Os escritores que no Brasil procuram dar de nossa vida a impressão de selvageria, de embrutecimento, de paralisia espiritual, são pedantes literários” (Aranha, 1925Aranha, Graça. (1925). O espírito moderno. São Paulo: Companhia Gráfica Editora Monteiro Lobato.: 43).

Já em 1926, Prudente de Moraes Neto considera que com o Pau Brasil se iniciou uma nova fase de nossa literatura, que Eduardo Jardim (1978Jardim, Eduardo. (1978). A brasilidade modernista. Rio de Janeiro: Graal.) chamou de “segundo tempo” modernista. De acordo com o modernista, até 1924 o modernismo teria funcionado como uma frente única, reunindo escritores com orientações muito variadas. No entanto, “a poesia pau-brasil perturbava os que mais se diziam modernistas” (Moraes Neto, 1926Moraes Neto,Prudente de. (1926). O lado oposto e outros lados. A Manhã, p. 3.: 3), deixando claro que a unidade do movimento já não seria mais possível.

Basicamente o que divide os modernistas é a atitude “construtiva” ou “destrutiva” diante da cultura brasileira e ocidental. De maneira significativa, Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde (1926Athayde, Tristão de. (1926). Construtivismo e destrutivismo. O Jornal, p. 4.), utiliza a metáfora política para o modernismo, identificando Oswald com a “esquerda” do movimento. Já Ribeiro Couto, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e Manuel Bandeira, críticos à orientação favorável à destruição da tradição cultural ocidental e brasileira, poderiam ser identificados com a “direita” modernista.

O contraste se acentua entre os movimentos Antropofágico e Verdeamarelo7 7 A oposição entre o Pau Brasil e a Antropofagia, de um lado, e o Verdeamarelo e a Anta, do outro, não é mero acaso, já que, em boa medida, eles se constituíram uns em confronto com os outros. Já em 1925, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, em artigo de 23 de setembro no Correio Paulistano, afirmavam que depois de cuidadosa investigação historiográfica, “tivemos notícia de tal madeira. Trata-se de um espécime de flora colonial, muita aproveitável a tinturarias”. Segundo os autores, além do Pau Brasil não existir mais, “interessou holandeses e portugueses, franceses e chineses, menos os brasileiros, que dele só tiveram notícia pelos historiadores”. Portanto, contra uma postura pretensamente colonialista, que seguiria as “receitas da Europa” (Ricardo & Salgado, 1925: 8), defendem que seria preciso afirmar uma poesia Verde e Amarelo. Três dias depois, no mesmo jornal, Oswald responde com uma carta a Menotti del Picchia intitulada “O lado oposto”, em que informa: “apenas me ausentei de São Paulo dez dias e tive o prazer de contar dez tentativas de assassinato da poesia Pau Brasil”. Tal poesia teria ao menos o mérito “de deixar o Cassiano Ricardo verde, o Plínio Salgado azul e você amarelo. Ergueram-se os três em legítima bandeira nacional, faltando apenas as respectivas estrelas” (Andrade, O., 1925: 5). Sobre a disputa, ver: Ricupero (2018). . Ambos, remetendo ao romantismo, tomam o indígena como símbolo do Brasil. No entanto, a Antropofagia não aceita o índio catequizado, que apareceria “nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses” (Andrade, O., 1972Andrade, Oswald de. (1972). Obras completas. VI. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 16). Diante dessa representação, opõe o índio antropófago que, ritualisticamente, ao comer sua vítima, absorveria suas qualidades. Em resumo, diante do “bom selvagem” preferiria o “mau selvagem” (Campos, 1975Campos, Augusto de. (1975). Revistas re-vistas. In: Andrade, Oswald de. Revista de Antropofagia. São Paulo: Metal Leve.). Nessa referência, aquilo que é comido também é digerido, ou seja, modificado. Portanto, o antropófago, que serve como marco diferenciador da América “selvagem” diante da Europa “civilizada”, funciona também, como sugere o antropólogo e crítico colombiano Carlos Jáuregui (2008Jáuregui, Carlos. (2008). Canibalia. Madrid: Iberoamericana.), como uma chave para a entrada no que poderia ser uma outra modernidade.

Em contraste, o texto que marca o fim do grupo Verdeamarelo, “O atual momento literário”, e, que ficou conhecido como Manifesto Nhengaçu ou Verdeamarelo, defende que os tupis, ao invés de comer o inimigo, estariam prontos “para serem absorvidos”. Sua migração rumo ao Atlântico teria, dessa maneira, preparado o terreno para a posterior conquista portuguesa. Desde então, o índio teria desaparecido objetivamente “para viver subjetivamente”. Não por acaso, o totem tupi seria a Anta, animal não carnívoro, “que abre caminhos” (Del Picchia et al., 1929Del Picchia, Menotti et al. (1929). O atual momento literário. Correio Paulistano , 17 maio, p. 4.: 4).

Com base na evolução do modernismo discutida anteriormente, pode-se argumentar que a preocupação política vai progressivamente ganhando espaço diante da estética, como faz Beatriz Azevedo (2016Azevedo, Beatriz. (2016). Antropofagia: palimpsesto selvagem. São Paulo: Cosac Naify.), ao tratar da relação entre o Pau Brasil e a Antropofagia8 8 João Lafetá (2000) aponta, em termos mais amplos, como o modernismo passa de uma atitude fundamentalmente estética, nos anos 1920, para uma preocupação crescentemente política, na década de 1930. .

Em um sentido diferente, acredito que é possível interpretar nosso modernismo em termos análogos à análise de Gramsci a respeito do romantismo europeu. De acordo com o revolucionário sardo, em observação aparecida no Caderno 14, § 72, o romantismo foi “uma especial relação ou ligação entre intelectuais e o povo, a nação, isto é, um reflexo particular da ‘democracia’ (em sentido amplo), nas letras” (Gramsci, 2001Gramsci, Antonio. (2001). Quaderni del carcere. Torino: Einauldi.: 1739).

Em particular, o esforço dos modernistas brasileiros de harmonizarem a língua escrita com a língua falada tem claramente sentido democrático9 9 Sobre a questão, ainda pouco explorada, ver especialmente: Lara (1980). . Já em 1922, Mário de Andrade proclama, no “Prefácio Interessantíssimo” de Paulicéia Desvairada: “a língua brasileira é das mais ricas e sonoras. E possui o admirabilíssimo ão” (Andrade, M., 1922Andrade, Mário de. (1922). Paulicéia desvairada. São Paulo: Casa Mayença.: 22-23). Pouco depois, Oswald de Andrade defende, no “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”: “a língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos” (Andrade, O., 1972Andrade, Oswald de. (1972). Obras completas. VI. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 6). Por sua vez, Manuel Bandeira lembra, em 1930, em “Evocação do Recife”: “a vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros / vinha da boca do povo na língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil / Ao passo o que nós / O que fazemos / É macaquear / A sintaxe lusíada…” (Bandeira, 1976Bandeira, Manuel. (1976). Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora.: 106-107). Ainda em 1933, Gilberto Freyre argumenta, em Casa Grande & Senzala, que a maneira de o brasileiro adotar pronomes oblíquos antes e depois do verbo - em contraste com o português que só admite uma maneira de empregá-los, depois do verbo - indicaria “a força, ou antes, a potencialidade da cultura brasileira” (Freyre, 1963Freyre, Gilberto. (1963). Casa Grande e Senzala. Brasília, DF: Editora da UnB.: 378)10 10 Também no “Prefácio interessantíssimo”, Mário de Andrade pergunta e responde: “Pronomes? Escrevo brasileiro” (Andrade, M., 1922: 33). Teve depois acalorada discussão epistolar com seu amigo Manuel Bandeira a respeito da questão do uso dos pronomes. Já Oswald de Andrade no poema “Pronominais”, publicado em Pau-Brasil, afirma: “Dê-me um cigarro/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco / Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro” (Andrade, O., 1990: 120). .

Mário alimenta até o projeto de escrever uma “Gramatiquinha da fala brasileira”, que não chega a terminar11 11 No entanto, em uma atitude subversiva, contrastando com as regras que as gramáticas tradicionais procuram determinar, a do escritor busca reunir constâncias da fala brasileira (Almeida, 2013). . Preocupação como essa, como percebe o autor na sua famosa conferência de vinte anos depois da Semana, aproxima-o do “amigo José Alencar, meu irmão” (Andrade, M., 1974Andrade, Mário de. (1974). Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins.: 247) e o modernismo do romantismo. Ambos os movimentos enfrentam, além do mais, adversários como o neoclassicismo e o parnasianismo, identificados com as normas rígidas da gramática. Em sentido contrário, modernistas se voltam contra a artificialidade defendendo a autenticidade, o que se refletiria também no comportamento.

Elaborando o argumento, Mário defende, em crônica no Diário Nacional, jornal oficial do PD, que a língua é um fenômeno social. Portanto, considera que haveria uma língua brasileira, fruto da experiência distinta do povo brasileiro. No entanto, complicando a questão, avalia que nossa língua “é também o português” (Andrade, M., 1976Andrade, Mário de. (1976). Táxi e crônicas do Diário Nacional. São Paulo: Livraria Duas Cidades.: 111), da qual a fala brasileira partiria e, com a qual, em grande parte, coincidiria. Em termos mais concretos, diante da tentativa, em 1929, da ABL de adotar um sistema ortográfico para o Brasil, o poeta modernista a avalia positivamente. Considera especialmente que ela pode alimentar a literatura brasileira, que “mesmo com suas obras primas, foi sempre uma reimposição em letra de forma nacional, de experiências estranhas, já fixadas” (Andrade, M., 1976Andrade, Mário de. (1976). Táxi e crônicas do Diário Nacional. São Paulo: Livraria Duas Cidades.: 168)12 12 Para além do nacionalismo - que aproxima modernistas de românticos - é decisivo na experimentação linguística o apelo exercido pela modernidade. No caso, trata-se de aproximar a literatura moderna da vida moderna. Para tanto, passa-se a fazer uso, como indica Cecília de Lara, de “neologismos como aeroplano, Kodak, cinematrógrafo, jazz-band, fox trot, etc. muitos deles envelhecidos aos olhos de hoje” (Lara, 1980: 160). A atração pela modernidade também se reflete na forma como as obras são expressas - recorrendo-se a elipses, à polifonia, à simultaneidade - assunto que foge da nossa discussão. .

De maneira mais direta, a viagem pelo Brasil serve como outro importante instrumento de ligação de modernistas com o povo. O grupo que na primeira delas visita, entre a Quaresma e a Semana Santa de 1924, cidades históricas de Minas Gerais acompanhando o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, corresponde bem àquele que circulava em torno do modernismo no seu “primeiro tempo”; uma mescla de artistas mais ou menos bem-nascidos, como a pintora Tarsila do Amaral e os escritores Mário de Andrade e Oswald de Andrade e seu filho Nonê, com membros eminentes da burguesia cafeeira paulista, como Paulo Prado, Dona Olívia Guedes Penteado, René Thiollier e Goffredo da Silva Telles13 13 Sobre as vindas de Blaise Cendrars ao Brasil, ver: Eulálio (2001). .

A viagem é, em termos gerais, importante para os modernistas. Oswald dedica seu Pau-Brasil “a Blaise Cendrars por ocasião da descoberta do Brasil” (Andrade, O., 1990Andrade, Oswald de. (1990) Pau-Brasil. São Paulo: Globo.: 61). Já Paulo Prado, no prefácio do livro, defende que “Oswald de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Place Clichy - umbigo do mundo - descobriu, deslumbrado, a sua própria terra” (Prado, 1990Prado, Paulo. (1990). Poesia Pau Brasil. In: Andrade, Oswald de. Pau Brasil. São Paulo: Globo , p. 57-60.: 57). Ou seja, ao passo que o poeta sugere vincular sua descoberta à viagem pelo Brasil, o homem de negócios a localiza em Paris, mais especificamente na “Place Clichy - umbigo do mundo”. É verdade que a relação entre centro e periferia se complica se levarmos em conta que Oswald indica, na sua dedicatória, ter sido acompanhado pelo globe-trotter Blaise Cendrars na sua “descoberta do Brasil”, enquanto Paulo Prado ressalta, logo depois no seu prefácio, que “a volta à Pátria confirmou no encantamento das descobertas manuelinas, a revelação surpreendente que o Brasil existe” (Prado, 1990Prado, Paulo. (1990). Poesia Pau Brasil. In: Andrade, Oswald de. Pau Brasil. São Paulo: Globo , p. 57-60.: 57). Em termos mais complexos, a viagem pelo país ajuda esses modernistas a se darem conta de que o primitivismo, que as vanguardas europeias valorizaram como exotismo, é parte constitutiva de sua realidade, que Tarsila, Oswald e Mário logo incorporam como matéria artística de suas obras (Candido, 1976Candido, Antonio. (1976). Literatura e sociedade. São Paulo: Editora Nacional.).

Outra faceta da questão - não espacial, mas temporal - é a valorização por parte de Paulo Prado do momento da chegada dos portugueses ao Brasil, contrastada com a artificialidade da Independência, na sua visão, voltada para a Europa. De maneira semelhante à avaliação de Oliveira Vianna, o mecenas do modernismo paulista identifica o alheamento da realidade brasileira com o “grito do Ipiranga”: “que nos fez viver num sonho” (Prado, 1990Prado, Paulo. (1990). Poesia Pau Brasil. In: Andrade, Oswald de. Pau Brasil. São Paulo: Globo , p. 57-60.: 57)14 14 Já Populações meridionais do Brasil afirma: “Há um século estamos vivendo de sonhos e ficções” (Vianna, 1987: 20-21). Em termos mais amplos, a geração portuguesa de 1870 que o tio de Paulo, Eduardo Prado, frequentou e que influenciou o próprio autor do prefácio de Pau-Brasil insistia na distância entre o pensamento de liberais e seu país, o que teria como marco a Revolução Constitucional do Porto, de 1820. Ver: Berriel (2013). . Significativamente, crônicas e fontes coloniais são abundantemente usadas no livro de Oswald que prefacia.

Mas quem leva mais longe a “viagem modernista” é Mário de Andrade, que, nas suas estadias no Amazônia, em 1927, e no Nordeste, entre o fim de 1928 e o início de 1929, visita especialmente o que Caio Prado Júnior chamou depois de “setor inorgânico” do Brasil: índios, populações ribeirinhas, “vaticanos”, seringueiros, vaqueiros, cantadores de coco, mocambos, “catimbós” etc.15 15 Sobre as viagens em Mário de Andrade, ver: Botelho (2013); Lopez (1972, 1983); Santos (2012). . Para registrar seus deslocamentos, faz uso inclusive de um instrumento relativamente novo, a fotografia. Na primeira viagem, põe os pés, pela primeira e única vez, fora do Brasil, chegando a Iquitos, na Amazônia peruana e, pela Madeira Mamoré, à fronteira com a Bolívia. A estadia, mais lírica, do escritor no “mundo das águas” acaba influenciando a redação final de Macunaíma (1928), com a referência à Constelação da Ursa Maior, que fecha a rapsódia, sendo decorrência dessa experiência.

Já para a viagem ao Nordeste, prepara-se lendo uma literatura que pode orientá-lo nas suas pesquisas. Está desacompanhado, mas encontra intelectuais como Luís da Câmara Cascudo e artistas populares, como Chico Antônio. Suas observações ao longo dos deslocamentos por Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte assumem um sentido marcadamente etnográfico, reunindo, como destaca Telê Porto Ancona Lopez: “fartíssimo material de pesquisa sobre danças domésticas, sobre melodias do Boi, sobre música de feitiçaria, religiosidade popular, crenças e superstições, poesia popular” (Lopez, 1983Lopez, Telê Porto Ancona. (1983). Viagens etnográficas de Mário de Andrade. In: Andrade, Mário de. O turista aprendiz . São Paulo: Livraria Duas Cidades, p. 15-23.: 6)16 16 Já à frente do Departamento de Cultura de São Paulo, Mário promove a Missão de Pesquisa Folclórica que, em 1938, repete, em grande parte, seu itinerário no Nordeste, passando por Ceará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Maranhão e Pará. .

A interpretação de Gramsci a respeito do romantismo é relativamente curta e se relaciona com um problema maior: o porquê da não existência de uma literatura popular na Itália. Pergunta-se, assim, se houve um romantismo italiano e conclui que a resposta depende do que se entende por romantismo. No seu caso, não entende o romantismo tanto em referência a seu aspecto literário, mas, como vimos, como uma especial ligação entre intelectuais e povo.

No entanto, na Itália a maior parte dos intelectuais teria um sentimento de casta, vendo-se como mais próximos de predecessores ilustres do passado do que de um camponês da Apúlia ou da Sicília. Em resumo, os intelectuais, mesmo que acidentalmente fossem de origem popular, segundo o Caderno 3, parágrafo 63, “não conhecem nem sentem as necessidades, as aspirações, os sentimentos difusos” (Gramsci, 2011: 2117) do povo.

A atitude oposta poderia ser entendida como uma “ida ao povo”, termo que se relaciona com a experiência dos narodniks russos, que abriu caminho, entre as décadas 1860 e 1870, para que jovens intelectuais se juntassem aos camponeses apelando para sua revolta, mas acabassem sendo frequentemente denunciados à polícia17 17 Ver: Venturi (1977). Gramsci usa a expressão, “ida ao povo”, para defender, no Caderno 8, § 145, que “todo movimento intelectual se torna ou volta a ser nacional se se verifica uma ‘ida ao povo’, se teve uma fase ‘Reforma’ e não apenas uma fase ‘Renascimento’” (Gramsci, 2011: 1030)18 18 Em um sentido mais específico, havia se referido a “ida ao povo” no Caderno 6, associando-a a um movimento literário francês, do qual fez parte, entre outros, Jean Guéhenno, e tinha a aspiração de ser popular, apesar de não ter sucesso. Também usa o termo, no Caderno 23, tratando dos romances naturalistas e veristas, estudados por Francesco de Sanctis, que, depois da derrota da democracia na Revolução de 1848 e do advento da grande indústria e do operariado, apareceram na Europa ocidental procurando se associar ao povo. Ver: Cingari (2021); Mezzina (2009). .

De maneira sugestiva, Antonio Candido, ao falar do modernismo brasileiro, considera que “manifestou-se uma ‘ida ao povo’, um V Narod, por toda parte e também aqui, onde foi o coroamento natural da pesquisa localista, da redefinição cultural desencadeada em 1922” (Candido, 1976Candido, Antonio. (1976). Literatura e sociedade. São Paulo: Editora Nacional.: 126). Igualmente, Luciano Martins avalia que o modernismo representa um “‘ir ao povo’ à maneira brasileira” (Martins, 1987Martins, Luciano. (1987). A gênese de uma intelligentsia brasileira: os intelectuais e a política (1920-1940). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2/4, p. 65-87.), o que reconhece não exclui suas ambiguidades, aspecto que alimentaria esse movimento de ideias19 19 O sociólogo carioca chega a considerar que a partir do modernismo se teria formado uma intelligentsia brasileira. A associação de intelectuais brasileiros à categoria de intelligentsia, de origem russa e que é desenvolvida teoricamente por Karl Mannheim, no sentido de ser entendida como uma “camada social sem vínculos”, provoca viva controvérsia. Daniel Pécaut defende que, entre os anos 1920 e 1940, teria surgido tal grupo social no Brasil, que possuiria um sentido de missão. Sérgio Miceli, por sua vez, insiste na origem social dos intelectuais e na orientação, voltada para o interesse, presente da sua atuação. Sobre a polêmica, ver: Bastos e Botelho (2010). .

Quem leva mais longe o projeto de aproximar nação e povo entre os modernistas brasileiros é, como vimos, Mário de Andrade. No entanto, essa orientação não aparece pronta e acabada, mas vai se delineando com o tempo, ao ponto de na sua avaliação do modernismo, realizada vinte anos depois da Semana e em meio à luta contra o nazifascismo, considerar: “apesar da nossa atualidade, da nossa nacionalidade, da nossa universalidade, uma coisa não ajudamos verdadeiramente, duma coisa não participamos: o amilhoramento político-social do homem” (Andrade, M., 1974Andrade, Mário de. (1974). Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins.: 255).

Mesmo assim, o modernismo é um marco no pensamento e na cultura brasileira. Sua importância deriva principalmente de sua orientação democrática, que faz com que, desde então, o popular se torne uma questão incontornável para intelectuais brasileiros, e não uma preocupação de um ou outro escritor isolado. Para tanto, é especialmente importante como depois da Revolução de 1930 o modernismo se difunde e, como indica Antonio Candido (2003Candido, Antonio. (2003). A educação pela noite. São Paulo: Ática.), se “rotiniza”. Ou seja, assim como a dominação carismática, analisada por Max Weber, em razão do seu caráter extraordinário precisar evoluir para outras formas de dominação mais estáveis, a iconoclastia modernista pôde ser incorporada, com tensões e acomodações, pela ordem sociopolítica pós-1930, tendo servido especialmente aos propósitos de alargar o âmbito da participação popular na cultura.

Nessa referência, é sugestivo, voltando a Gramsci, associar o romantismo europeu, na sua tendência democrática, à Revolução Francesa. Pode-se pensar em algo de comparável na relação do modernismo brasileiro com a Revolução de 1930, momento decisivo na modernização conservadora do país e que escapa ao escopo deste artigo. Mas é um pouco antes, com a década de 1920, que o popular se torna uma das grandes preocupações do pensamento e da cultura brasileira. É verdade que tal questão encontra então balizas claras, negros e índios, por exemplo, sendo representados em obras, mas não se fazendo representar nelas20 20 Sobre a questão da representação dos subalternos, ver: Spivak (2010). . Por outro lado, é o modernismo que abre caminho para que esses grupos subalternos e outros marginalizados, como os homossexuais, tenham espaço na vida intelectual brasileira. Já a posição das mulheres é ambígua; artistas plásticas, como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, são decisivas em diferentes momentos do movimento, mas as escritoras não encontram, de maneira geral, grande espaço nas letras modernistas.

UMA INTERPRETAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA

A Independência pode ser considerada um marco na história brasileira, já que rompe com o estatuto colonial e aponta para a constituição de uma nação. Não por acaso, tanto Caio Prado Jr. como Florestan Fernandes chamam a Independência de revolução. Por outro lado, como percebem os autores, essa revolução encontra limites precisos: cria-se uma ordem jurídico-política, mas a velha estrutura socioeconômica da colônia é mantida. Significativamente, o próprio Estado-nação estabelecido é incompleto; engendra as instituições associadas ao Estado, mas a formação da nação não se completa. Até porque, devido a uma orientação que vem da colônia, a grande maioria do que seria o povo com o qual a nova nação deveria contar - escravizados e homens livres pobres - não tem lugar nela.

O resultado é que o esforço complementar do romantismo brasileiro de criar símbolos nacionais e realizar algo como uma independência literária não se conclui. Românticos se dedicam a estabelecer uma literatura e uma historiografia nacional, mas ela apenas diz respeito a uma parcela bastante limitada da população (Ricupero, 2004Ricupero, Bernardo. (2004). O romantismo e a ideia de nação no Brasil (1830 - 1870). São Paulo: Martins Fontes .). Tal aspiração só é levada verdadeiramente adiante, quase cem anos depois, pelo modernismo. Não por acaso, como percebe Mário de Andrade, há uma afinidade profunda entre o romantismo e o modernismo entendidos em sentido lato: “nós tivemos no Brasil um movimento espiritual (não falo apenas escola de arte) que foi absolutamente necessário, o romantismo”. Ele se relacionaria ao

estado revolucionário de que resultou a Independência política, e teve como padrão bem briguento a primeira tentativa de língua brasileira. O espírito revolucionário modernista, tão necessário como o romântico, preparou o estado revolucionário de 30 em diante, e também teve como padrão a segunda tentativa de nacionalização da linguagem (Andrade, M., 1974Andrade, Mário de. (1974). Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins.: 250).

Como notou pioneiramente Caio Prado Jr., indicando uma certa linha de interpretação da história brasileira, desde a Independência, passa a existir “um desacordo fundamental entre o sistema econômico legado pela colônia e as novas necessidades de uma nação livre e politicamente emancipada” (Prado Jr., 1985: 140). Em outras palavras, a principal contradição existente no Brasil, a partir de 1822, seria entre a nova organização jurídico-política e a antiga estrutura socioeconômica. Por um lado, para se ter Estado-nação, era necessário tomar como modelo o que existe no centro capitalista, o que levaria à transplantação de instituições liberais que deveriam garantir a cidadania. Por outro lado, a economia, baseada no que o historiador chamou de grande exploração - grandes unidades, trabalhadas pelo braço escravo, que produzem para o mercado externo - está voltada para necessidades estranhas à maior parte da população, escravos e homens livres pobres. A partir dessa avaliação, a transformação que o militante defende é no sentido da economia e da sociedade realizarem as promessas contidas na ordem política, criando, em linha similar ao que argumentou Gramsci, uma nação que se identifique com seu povo.

Não por acaso, o início do século XIX tem grande importância para Caio Prado Jr. Conforme chama a atenção Wilma Peres Costa (2005Costa, Wilma Peres. (2005). A independência na historiografia brasileira. In: Jancsó, István (org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, p. 53-118.), o período é tanto interpretado pelo autor dando destaque à ruptura representada pelo acontecimento da “revolução da Independência” visão presente em Evolução política do Brasil (1933Prado Jr., Caio. (1933). Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense .), como enfatizando a continuidade existente entre colônia e nação, conforme Formação do Brasil contemporâneo (1942). No entanto, nos dois casos, trata-se principalmente de vislumbrar o aparecimento de uma nação no país que até então tinha sido uma colônia.

Para além de fatores externos ao Brasil - como a Revolução Industrial que pressionou contra o pacto colonial e a invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas que faz com que a corte metropolitana se transferisse para o Rio de Janeiro - Caio Prado Jr. presta atenção, em seu primeiro livro, no desenvolvimento de fatores internos à colônia. Destaca, entre eles, como os interesses portugueses e brasileiros vão progressivamente se diferenciando. Em particular, aumentaria a oposição entre os cada vez mais numerosos comerciantes lusitanos, beneficiados pelo monopólio que gozavam produtos vindos do reino, e os grandes proprietários rurais nativos, favoráveis ao livre comércio.

Com o conflito entre portugueses e brasileiros e confundindo-se com ele, surge, segundo o autor, “um conflito interno e prolongado de classes e grupos sociais” (Prado Júnior, 1963: 188). Com a Revolução do Porto, de 1820, formou-se no Brasil, a exemplo de Portugal, um partido democrático que enfrentaria a reação. Se identificariam com o primeiro grupo camadas médias e setores populares, mas significativamente não escravos, ao passo que o segundo grupo seria constituído sobretudo por portugueses, a maior parte comerciantes, ligados ao Antigo Regime. Contudo, entre os dois grupos, apareceria um terceiro, “menos definido e hesitante”, que se tornaria o núcleo do chamado partido brasileiro. Seu principal líder é José Bonifácio e defende a permanência da corte no Rio de Janeiro. Com a volta de Dom João VI para Portugal passaria a não ter opção, a não ser trabalhar pela Independência. Até porque essa é “a única solução normal do seu problema político, o único meio de impedir o contágio revolucionário e o progresso da democracia” (Prado Júnior, 1963: 191). O objetivo comum da Independência faz mesmo com que haja momentânea união das forças políticas brasileiras.

Em termos mais profundos, percebe-se, portanto, que a Independência não é, segundo Evolução política do Brasil, resultado da mobilização democrática, mas do medo com “o contágio revolucionário”, que motivaria o principal grupo que a promove. Nesse sentido, é o temor diante dos setores populares uma das principais razões para a emancipação política. Tal interpretação de Caio Prado Jr. pode ser aproximada, como destaca Carlos Nélson Coutinho (1989Coutinho, Carlos Nélson. (1989). Uma via não clássica para o capitalismo. In: d’Incao, Maria Angela (org.). História e ideal: ensaios sobre Caio Prado Junior. São Paulo: Brasiliense , p. 115-131.), da análise de Gramsci a respeito da Revolução-Restauração que teria ocorrido no Risorgimento italiano, quando grupos dominantes se antecipam à possível ação das classes subalternas.

Trata-se nos dois casos, em termos mais amplos, de analisar “vias não clássicas de desenvolvimento capitalista” (Coutinho, 1989Coutinho, Carlos Nélson. (1989). Uma via não clássica para o capitalismo. In: d’Incao, Maria Angela (org.). História e ideal: ensaios sobre Caio Prado Junior. São Paulo: Brasiliense , p. 115-131.). Tais caminhos para o capitalismo têm justamente como sua principal característica a não ruptura com o passado, tal como teria ocorrido com a Revolução Francesa. Captura bem esse caráter a fórmula Revolução-Restauração que Gramsci adota do francês Edgard Quinet. Isto é, os dois polos convivem tensamente, o primeiro (Revolução), pressionando para frente, ao passo que o segundo (Restauração), se não detendo o processo, fazendo com que ele se combine com condições pretéritas.

Apesar de toda a inovação de Evolução política do Brasil, o estudo ainda se dá em termos mais tradicionais, usando marcos conhecidos. No entanto, Formação do Brasil contemporâneo: colônia busca sinais de transformação menos óbvios. Significativamente, nele, o acontecimento da Independência não tem tanta importância. No livro, a preocupação principal, em uma perspectiva de “longa duração”, é perceber como a orientação interna à sociedade, identificada com o que, na linguagem ainda biológica do seu autor, é nomeado de “setor inorgânico” da colônia, ganha relevo diante do “setor orgânico”, voltado para o exterior. O setor orgânico é identificado com a grande exploração, que produz para o mercado externo. Já o setor inorgânico por escolha, ou falta dela, seria constituído pelas atividades voltadas para o mercado interno.

Ou seja, corresponderia ao que não pertence ao “corpo” da grande exploração; ou melhor, como na situação colonial ela seria uma realidade a qual não se poderia fugir, seria o que nela teria um papel subalterno. Pertenceria ao setor inorgânico, por exemplo, a pecuária e a produção de mandioca, assim como a multidão de atividades de difícil classificação ou inclassificáveis. Surgiria daí, para além de senhores e de escravos, um verdadeiro grupo social, “dos desclassificados, dos inúteis e inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou sem ocupação alguma” (Prado Jr., 1942: 279), que Maria Sylvia Carvalho Franco estudou posteriormente em um belo trabalho sobre os “homens livres pobres”. Não por acaso, a principal característica do setor inorgânico seria a desorganização, sendo “a instabilidade e incoerência que a caracterizam, tendendo em todos os casos para estas formas extremas de desagregação social, tão salientes e características da vida brasileira […]: a vadiagem e a caboclização” (Prado Jr., 1942: 343).

O mais surpreendente é que é para esse grupo que Caio Prado Jr. lança suas esperanças de transformação política. Mas como fazer isso, se a situação do setor inorgânico beiraria o caos? Nessa referência, como aponta Maria Odila Silva Dias (1989)Dias, Maria Odila Silva. (1989). Os impasses do inorgânico. In: d’Incao, Maria Angela (org.). História e ideal: ensaios sobre Caio Prado Junior . São Paulo: Brasiliense , p. 377-406., pode-se dizer que Formação do Brasil contemporâneo: colônia lida com “os impasses do inorgânico”.

Mais ainda, encontra-se justamente aí a riqueza do livro. Se o setor orgânico - baseado na escravidão que, segundo a caracterização de Alberto Torres lembrada pelo historiador, seria a única coisa organizada na colônia - está voltado para fora, para o mercado externo, a nação deveria se voltar para dentro, para o mercado interno, como se teria com a multidão de atividades de difícil classificação ou inclassificáveis que Caio Prado Jr. discute. Pode-se até argumentar que a desordem que caracterizaria o setor inorgânico não seria mero acaso no quadro da economia e da sociedade colonial. Em compensação, ele deveria ser a base para a transformação da antiga colônia em nação, o que corresponderia a uma mudança fundamentalmente política. A aposta no “setor inorgânico” é, além do mais, pouco óbvia para um marxista. Se essa teoria identifica a mudança com classes e grupos identificados com setores de ponta da economia e da sociedade - como a classe operária no capitalismo - o historiador brasileiro sugere que grupos em posição marginal podem ter um papel decisivo na transformação da sua sociedade.

É principalmente revelador perceber a motivação política por trás da obra de Caio Prado Jr21 21 Ver: Ricupero (2000). . Ela encontra-se, por exemplo, na intenção, confessada logo no início de Formação do Brasil contemporâneo: colônia, de que o livro sirva de introdução a uma “interpretação do Brasil de hoje, que é realmente o que interessa”. Nessa inspiração, escrevendo em pleno Estado Novo, para entender seu tempo, o autor sente a necessidade de “ir tão longe” (Prado Jr., 1942: 6), até o início do século XIX, período em que, para além da colônia, começa-se a perceber a formação da nação. Em termos mais positivos, ganha sentido a observação que diz ter ouvido de um certo professor estrangeiro, “que invejava os historiadores brasileiros que podiam assistir as cenas mais vivas de seu passado” (Prado Jr., 1942: 12)22 22 De maneira sugestiva, diversos professores estrangeiros assinalaram coisa parecida. Claude Lévi-Strauss notou que “após os Nambiquara da idade da pedra, já não era mais o século XVI para onde os Tupi-Caraíba me fizeram recuar, mas certamente, ainda, o século XVIII, tal como se pode imaginá-lo nos pequenos portos das Antilhas, ou no litoral. Eu atravessara um continente. Mas o término bem próximo da minha viagem tornara-se sensível para mim, antes de mais nada, por esse mergulho no fundo dos tempos” (Lévi-Strauss, 1996: 351). Por sua vez, segundo Emília Viotti da Costa, Lucien Febvre, em viagem pelo Brasil, já depois da publicação de Formação do Brasil contemporâneo: colônia, fez afirmação similar: “discorreu sobre a alegria de ver homens vivendo lado a lado em diferentes períodos históricos. O Brasil era como um museu de coisas vivas, no qual o passado mantinha-se intacto” (Costa, 1978: 178). É possível também imaginar que o discípulo de Febvre, Fernand Braudel, que como Lévi-Strauss foi professor na Universidade de São Paulo (USP), encontrou no Brasil o fio condutor da sua obra: o convívio entre diferentes tempos históricos. Ou seja, este nativo do país da Revolução Francesa pode ter percebido melhor quando ensinava em um país onde são pouco comuns as rupturas com o passado a presença de uma história de curta duração, feita de acontecimentos ruidosos, junto a uma história mais discreta, de média duração, correspondente a conjunturas, e, subjacente a elas, uma história quase imperceptível, de longa duração. Ver: Aguirre Rojas (1997). .

A motivação política também está subjacente a A revolução burguesa no Brasil (1975)23 23 Ver: Ricupero (2011). . É o golpe de 1964 e o “golpe dentro do golpe” que foi o Ato Institucional 5 (AI - 5), responsável pela aposentadoria da Florestan Fernandes da USP, que leva seu autor a escrever o livro. Como explica, pouco depois da sua publicação, “para mim, não se tratava de isolar a sublevação militar de uma dominação de classes arraigada” (Fernandes, 1978Fernandes, Florestan. (1978). Resposta às intervenções: um ensaio de interpretação sociológica crítica. Encontros com a civilização brasileira , 4, p. 200-207.: 202). No entanto, devido a diversas vicissitudes, A revolução burguesa no Brasil é preparada em diferentes momentos. A primeira e a segunda partes do livro são elaboradas com base em notas de aula, em 1966; a terceira parte, em 1973, depois de o sociólogo passar alguns anos na Universidade de Toronto. A unidade entre as três partes do trabalho não é inclusive óbvia. Não deixa de ser significativo, como nota Maria Arminda do Nascimento Arruda (1995Arruda, Maria Arminda do Nascimento. (1995). A sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a escola paulista. In: Miceli, Sergio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo: Sumaré, p. 107-231.), que a ligação entre a primeira e a terceira parte “se dá através de um capítulo (segunda parte) denominado […] de ‘Fragmento’” (Arruda, 1995Arruda, Maria Arminda do Nascimento. (1995). A sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a escola paulista. In: Miceli, Sergio (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo: Sumaré, p. 107-231.: 60).

É na primeira parte de A revolução burguesa no Brasil que Florestan Fernandes trata da Independência, o tom do trabalho sendo menos pessimista do que na terceira parte, quando discute a “autocracia burguesa” revelada, de maneira mais clara, com o golpe de 1964. De forma similar à Evolução política do Brasil, A revolução burguesa no Brasil considera a Independência como a primeira grande revolução brasileira. Ela delimitaria o fim da era colonial e o início da formação da sociedade nacional. Desde então, o poder deixaria de ser imposto de fora para ser organizado de dentro, as camadas senhoriais impondo seu domínio para além do nível doméstico. Mas em um outro sentido, os senhores rurais também teriam contribuído para fazer da Independência uma “revolução dentro da ordem”. Em outras palavras, a ruptura do estatuto colonial teria sido motivada, em grande parte, pelo desejo de manutenção da estrutura da sociedade colonial.

Estaria presente, dessa maneira, desde a Independência, o que o autor caracteriza como uma polarização dinâmica, representada pelo estabelecimento de uma organização jurídico-política autônoma com a conservação da ordem social da colônia24 24 Como explica Gabriel Cohn (1999), a categoria de “polarização dinâmica” indicaria a presença no mesmo objeto de orientações opostas, que conviveriam em permanente tensão. . O primeiro elemento, revolucionário, teria agido no plano da política, abrindo caminho para a formação da sociedade nacional. Já o elemento conservador teria pressionado pela manutenção da antiga estrutura social. Caio Prado Júnior já chamara a atenção para a presença dessas duas orientações, mas Florestan ressalta que a intimidade entre os dois aspectos seria tanta que se teria estabelecido um verdadeiro amálgama entre o novo, a organização jurídico-político, e o velho, seu substrato material, social e moral - ou para falar como o sociólogo, se encontrariam, lado a lado, caracteres autônomos, associados à sociedade nacional, com heteronômicos, ligados à era colonial.

A Independência, ao não entrar em conflito com a estrutura da sociedade colonial, levaria à superposição dos planos de poder. A dominação senhorial, bem como as estruturas sociais que a sustentariam, teria se mantido ao nível da economia escravista. Por outro lado, onde o liberalismo teria sido influente, na organização do aparelho estatal, se teria criado uma situação de quase autonomia, em que a dominação senhorial só interviria indiretamente. Portanto, a ordem legal conviveria com a dominação tradicional estabelecendo uma dualidade estrutural. Tal análise é extremamente original, contrastando com a maior parte das interpretações marxistas da história brasileira às quais, de maneira geral, A revolução burguesa no Brasil vincula-se. Mesmo um autor como Caio Prado Júnior - que fornece boa parte das referências para Florestan Fernandes analisar a Independência - não chega a ir tão longe ao destacar o peso da política nela.

Mas o livro não se limita a fazer uso de um arsenal marxista. No “ecletismo bem temperado” (Cohn, 1986Cohn, Gabriel. (1986). Padrões e dilemas: o pensamento de Florestan Fernandes. In: Antunes, Ricardo et al. (orgs.). A inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, p. 125-148.), que caracteriza a obra do seu autor, é igualmente sugestivo como maneja as categorias de “ideologia” e “utopia”, que toma emprestadas de Mannheim25 25 O sociólogo húngaro é importante para o sociólogo brasileiro já antes de 1964, repercutindo sobre ele especialmente sua crença de que o conhecimento sociológico poderia se converter em força para a transformação social. Ver: Villas Bôas (2002). . Com a concretização da Independência, ideologia e utopia liberal, já presentes durante a colônia, passariam por processos de reelaboração. Depois de estabelecida a representação e a democratização no âmbito das camadas senhoriais, a ideologia liberal trataria principalmente da integração nacional. Assim, o “senhor” se transformaria também em “cidadão”, as recém-criadas ordem legal e sociedade civil passando a conviver juntas. De maneira complementar, a utopia liberal se reconstituiria em um sentido negativo, pressionando pela transformação da realidade. No entanto, seria difícil de distinguir entre elementos ideológicos e utópicos, o que refletiria a própria situação histórica, além da inconsistência e ambiguidade do liberalismo.

No entanto, a relação ainda assumiria outra dimensão. A ordem legal favoreceria a concentração de poder político por parte das camadas senhoriais a tal ponto “que ‘sociedade civil’ e ‘estamentos sociais dominantes’ passam a significar a mesma coisa” (Fernandes, 1976Fernandes, Florestan. (1976). A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara.: 40). Quando se faria referência a “interesses da nação” se estaria falando, na verdade, em “interesses da grande lavoura”. Nesse sentido, as possibilidades de mando para o membro da camada senhorial, metamorfoseado em senhor-cidadão, potencializaram-se, passando a ser exercidas também ao nível político. Em torno do Estado nacional haveria uma socialização de privilégios sociais comuns, o que retiraria os senhores do isolamento colonial. No processo de ampliação e burocratização da dominação senhorial, Florestan considera, em uma chave weberiana, que ela se transformaria em dominação estamental propriamente dita. Com a estamentalização da sociedade civil, o liberalismo passaria a ser encarado como privilégio.

O sociólogo ressalta, contudo, que subsistiria uma tensão entre o Estado, convertido em instrumento da dominação estamental, e o seu componente utópico. A integração jurídico-político da sociedade nacional passaria a se dar apenas em espaços onde o Estado seria capaz de acumular poder suficiente para enfrentar ou, em sentido oposto, não desafiar a dominação senhorial. Portanto, no processo de integração nacional, os interesses da sociedade civil teriam mais peso do que a ação estatal.

O liberalismo representaria, em outras palavras, a ruptura com o passado em um “momento de vontade indecisa”. Essa indecisão ocorreria como reflexo da relação do liberalismo com o estamento senhorial, o que faria com que a ruptura não pudesse tomar uma atitude clara no presente, tendo que se ligar a um projeto para o futuro, mesmo remoto. Nisso, apareceria um novo elemento, a busca pelo “progresso” existente em outras nações, que marcou o “primeiro tempo” modernista. Segundo Florestan, o aspecto utópico do liberalismo talvez nunca chegasse a se realizar, ou melhor, conduzisse a lugar nenhum. De qualquer maneira, haveria aí uma mudança em relação à dominação tradicional, baseada no “eterno ontem”, já que se passaria a valorizar o “futuro como medida de valor dos processos históricos” (Fernandes, 1976Fernandes, Florestan. (1976). A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara.: 53).

Apesar de todas as mudanças promovidas com a Independência, Florestan, assim como Caio Prado Júnior, avalia que o núcleo mais importante da economia continuaria a produzir para a exportação. Em outras palavras, apesar da nova ordem legal, que imporia o controle interno da economia, a produção e o consumo ainda estariam voltados para o mercado externo. Mesmo assim, persistiriam atividades já presentes antes da Independência e ligadas ao mercado interno, como a lavoura de subsistência, a criação de gado e a produção artesanal e manufatureira. Elas corresponderiam, em boa medida, ao que Formação do Brasil contemporâneo: colônia caracteriza como o setor inorgânico da colônia.

Em sentido diferente, A revolução burguesa no Brasil destaca o “fazendeiro de café”, junto com o “imigrante”, como um dos principais agentes humanos que impulsionariam o desenvolvimento capitalista do Brasil. O primeiro teria, quase que inadvertidamente, separado a fazenda e a riqueza por ela produzida do status senhorial. Já o segundo, nunca teria procurado o status senhorial, mas a riqueza. A própria posição marginal de São Paulo teria, de certa maneira, contribuído para que lá não se desenvolvesse plenamente o estilo senhorial. Especialmente a região de fronteira do Oeste paulista teria promovido a substituição do trabalho escravizado pelo trabalho livre, menos custoso e mais produtivo26 26 Outros intérpretes do Brasil destacam de forma ainda mais forte a mudança representada pelo café na história brasileira. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, o café ao se tornar, a partir da segunda metade do século XIX, a principal cultura brasileira favoreceria o avanço de uma “revolução lenta”, que poria fim à herança rural e ibérica. O cafeeiro poderia ser até chamado de planta democrática, pois diferentemente da cana e do algodoeiro, não exigiria cultivo em terrenos extensos. Além do mais, a fazenda de café não seria tão autossuficiente como o engenho de açúcar, tendo que recorrer à cidade para garantir o abastecimento de variados suprimentos. O produtor de café seria mesmo bastante similar ao farmer, “que é no fundo um tipo citadino mais do que rural” (Holanda, 1936: 136). Já o retrato que Celso Furtado dá sobre os cafeicultores paulistas é sugestivamente de um grupo que exerce uma certa direção sobre o resto da sociedade. Em contraste com a elite açucareira, controlaria tanto a produção como a comercialização do café. Em termos mais fortes, o grupo açucareiro não teria sido capaz de desenvolver uma consciência de seus próprios interesses, ao passo que os cafeicultores “compreendem a enorme importância que poderia ter o governo como instrumento da ação econômica” (Furtado, 2009: 183). . No entanto, o fazendeiro de café pouco se distinguiria, de início, do senhor rural. Na verdade, desde o começo da colonização, também o senhor rural possuiria uma face capitalista, ligada ao comércio de exportação. Ou seja, a orientação senhorial ou capitalista do cafeicultor paulista não seria absoluta.

Em termos mais profundos, não ocorreria, segundo Florestan Fernandes, com a Independência o deslocamento dos velhos grupos dominantes por novos grupos. A oligarquia não perderia sua base de poder, bastando para tanto, modernizar-se. A atração que a burguesia sentiria pela oligarquia favoreceria esse comportamento, seus horizontes culturais sendo basicamente os mesmos, marcados por preocupações particularistas. Assim, estranhamente, “o mundo oligárquico reproduz-se fora da oligarquia” (Fernandes, 1976Fernandes, Florestan. (1976). A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara.: 176). Haveria, a partir daí, uma unificação das classes possuidoras, que acabariam por se identificar com uma visão de mundo e um estilo de vida burguês. Não seriam, porém, apenas seus interesses materiais que a oligarquia garantiria, sendo ela também que determinaria a repressão ao escravo e ao proletariado como eixos principais da revolução burguesa no Brasil. Em um outro sentido, a associação com a oligarquia faria da burguesia brasileira uma classe ultraconservadora e mesmo reacionária, o que abriria caminho para o que Florestan Fernandes caracteriza como o padrão autocrático de dominação.

Mas apesar de tudo, a burguesia se veria como uma classe revolucionária, democrática e nacionalista. Sofreria influência da ideologia e da utopia burguesas elaboradas nas nações centrais e hegemônicas do capitalismo. Nessa orientação, os requisitos legais e ideais da ordem social competitiva chegariam a ser reproduzidos. Por outro lado, seriam válidos apenas para as classes dominantes, esgotando-se em um “circuito fechado”.

Em resumo, foi criada, desde a Independência, uma situação de fusão do velho com o novo. Essa fusão seria, além de tudo, funcional para o tipo de capitalismo praticado na periferia do sistema. O capitalismo se superporia ao que existia anteriormente, aproveitando-se das “condições extremamente favoráveis de acumulação original, herdadas da colônia e do período neo-colonial” (Fernandes, 1976Fernandes, Florestan. (1976). A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara.: 210). Como resultado, conviveria com formas econômicas extra capitalistas, de onde seriam extraídas parte do excedente econômico que financiaria a modernização.

Não é difícil perceber a centralidade do tema da “revolução burguesa” para Florestan Fernandes em seu livro de 1975, cujo título é justamente A revolução burguesa no Brasil. No contexto de sua publicação a questão ganha importância. Particularmente influente é o aparecimento, em 1966, de Origens sociais da ditadura e da democracia, escrito por Barrington Moore Jr. No trabalho, o sociólogo norte-americano rejeita a visão da teoria da modernização, segundo a qual, todas as sociedades seguiriam basicamente o mesmo caminho rumo à modernidade, problema que o sociólogo brasileiro também vinha enfrentando.

Em contraste, Moore Jr. identificou três tipos de modernização: a “revolução burguesa”, a “revolução pelo alto” e a “revolução camponesa”. No primeiro tipo de revolução, como teria ocorrido na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, um processo violento, protagonizado por “um grupo na sociedade com uma base independente, o qual ataca obstáculos […] herdados do passado” (Moore Jr., 1983Moore Jr., Barrington. (1983). Origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes.: 5), abriria caminho para a combinação de capitalismo na economia e democracia na política. Já na “revolução pelo alto”, como teria ocorrido na Alemanha e no Japão, uma aristocracia territorial teria derrotado uma revolução popular, mantendo sua posição dirigente durante a industrialização, o que acabaria favorecendo o fascismo. Por fim, em uma “revolução camponesa”, como a da Rússia e da China, a vitória de um campesinato revolucionário acabaria levando ao comunismo.

Em possível diálogo com Moore, Florestan Fernandes não entende a revolução burguesa como um simples episódio histórico, mas como um fenômeno estrutural, que não segue um caminho único. Portanto, trataria-se fundamentalmente de estudar, em uma linguagem mannheimiana, o “estilo” específico que a revolução burguesa assume no Brasil. Diversos fatores, que variariam de acordo com as condições históricas, determinariam como seria o padrão de dominação burguesa, como se daria a transformação capitalista e qual seria a relação entre eles. Ao debater com a literatura a respeito do tema, o sociólogo brasileiro defende que a revolução burguesa no seu país ofereceria especial interesse, já que por estar relativamente adiantada permitiria entender como ela se daria, em linhas gerais, em outros países de capitalismo dependente e subdesenvolvido. Nesse sentido, nossa revolução burguesa seria tanto particular ao Brasil como típica do que ocorre na situação periférica.

Pode-se considerar que o tema da “revolução burguesa” também é central para Caio Prado Jr. É verdade que a questão aparece de maneira mais indireta para o autor. No entanto, ao rejeitar a “teoria ortodoxa da revolução brasileira” - o que motiva boa parte da polêmica em torno de A revolução brasileira (1966) - explicita o problema. Não aceita, em especial, as “teses sobre os países coloniais, semicoloniais e dependentes”, da III Internacional, que inspiraram a política do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da maior parte da esquerda do país.

Tais teses defendiam que os países não europeus - entendidos como bloco homogêneo - deveriam realizar uma “Revolução Democrático-Burguesa de Libertação Nacional”, inspirada, em linhas gerais, na Revolução Francesa. O proletariado deveria se aliar a uma chamada burguesia nacional e ao campesinato contra latifundiários e o imperialismo. Tal revolução poria fim a resíduos feudais e abriria caminho para o desenvolvimento capitalista, etapa necessária antes da realização da Revolução Socialista. O trabalho historiográfico de Caio Prado Jr. indicara, entretanto, que não existiria “burguesia nacional”, “campesinato” e “latifundiários” no Brasil, o país tendo seguido, de acordo com nosso autor, o que Carlos Nélson Coutinho (1989Coutinho, Carlos Nélson. (1989). Uma via não clássica para o capitalismo. In: d’Incao, Maria Angela (org.). História e ideal: ensaios sobre Caio Prado Junior. São Paulo: Brasiliense , p. 115-131.) chamou de uma “via não clássica de desenvolvimento capitalista”. Em termos mais concretos, apesar da Independência, não se teria rompido com o “sentido da colonização”, já vinculado ao capitalismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se é que há relação entre o modernismo e a Independência, pode-se perguntar: como se dá o encontro entre os dois? Em termos mais superficiais, pode-se assinalar que ele se dá na efeméride, o centenário da Independência tendo servido para aqueles que Ronald de Carvalho chamou de “os independentes de São Paulo” se lançarem à cena nacional com a Semana de Arte Moderna. Em termos mais profundos, como indica Mário de Andrade na sua conferência de balanço do modernismo, o que chama de movimento espiritual modernista não deixou de preparar a Revolução de 1930, assim como o romantismo brasileiro estaria relacionado com a Independência. Em outras palavras, o escritor percebe uma relação íntima entre a cultura e a vida política e social mais ampla.

Indo mais longe, a Independência, como apontam Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes, é uma ruptura que encontra limites claros; a criação de uma nova organização jurídico-política, inspirada no liberalismo, convivendo com a manutenção da velha estrutura socioeconômica herdada da colônia. Na modernização conservadora brasileira, os anos 1920 e 1930 representam, por sua vez, um momento decisivo. O domínio da burguesia cafeeira de São Paulo, que se estabeleceu ao longo da Primeira República, chega então ao seu apogeu e declínio27 27 Expressão de um certo projeto de “sãopaulanizar” o Brasil é a candidatura, em 1930, Júlio Prestes, que rompe o arranjo “café com leite” e é impulsionada pelo então presidente Washington Luís. Independentemente do sucesso da Revolução de 1930, se Prestes tivesse chegado ao poder também se teria rompido com o pacto entre os grandes estados que sustentava o arranjo oligárquico da Primeira República (Lessa, 1988). . Com a crise da República, que tem em 1922 um momento decisivo, o sentimento de dissociação entre Estado, sociedade e cultura se dissemina. É, em boa parte, tal sensação que alimenta iniciativas como o livro À margem da história da República (Cardoso, 1924Cardoso, Vicente Licínio (org.). (1924). À margem da história da República. Rio de Janeiro: Edição do Anuário do Brasil.) e a Semana de Arte Moderna (Botelho, 2022Botelho, André. (2022). Projetos para o Brasil. Mimeo.). Por sua vez, a Revolução de 1930 abre caminho para que novos setores, como oligarquias dissidentes, camadas médias e setores populares, sejam incorporados ao novo arranjo de poder (Fausto, 1982Fausto, Boris. (1982). A revolução de 1930. São Paulo: Brasiliense .). De maneira significativa, os modernistas se identificam e servem tanto ao projeto de hegemonia da burguesia cafeeira de São Paulo como à nova ordem política estabelecida depois de 1930, ajudando a estabelecer uma certa identidade nacional.

No entanto, as contradições, tensões e ambiguidades que o modernismo expressa não devem nos surpreender se o entendemos, como quer André Botelho, tal qual um “movimento cultural” - o que não deixa de ter afinidade com a associação, por parte de Mário de Andrade, dele com um “movimento espiritual” e não “apenas de escola de arte” (Andrade, M., 1974Andrade, Mário de. (1974). Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins.: 250)28 28 Botelho define movimento cultural, em analogia com movimento social, como “iniciativa articulada - embora descentrada e heterárquica na coordenação das ações - para a alteração, controle ou seleção dos recursos culturais disponíveis nos processos de reflexividade mais geral da vida social” (Botelho, 2021: 203). . Na verdade, podemos entender melhor as oscilações do modernismo se pensarmos “sua interação num campo de forças abrangente e em movimento” (Botelho, 2021: 204), relacionado com as próprias mudanças e continuidades da sociedade e da política brasileira.

De maneira significativa, um dos grandes temas do modernismo é a combinação do arcaico com o moderno, também preocupação central da interpretação de Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes a respeito da Independência. Em termos artísticos, os aspectos sociais que continuariam a vincular a nação politicamente emancipada à colônia são enfatizados como elementos diferenciadores em relação às demais nações. Nesse sentido, a existência de diferentes temporalidades históricas em um mesmo espaço nacional é tomada como matéria artística para os modernistas, o que é bem sintetizado na fórmula do título de artigo de Roberto Schwarz que parte do poema, “pobre alimária”, de Oswald de Andrade: “a carroça, o bonde e o poeta modernista” (Schwarz, 1989Schwarz, Roberto. (1989). Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras .).

Por outro lado, para o primo mais jovem de Paulo Prado, Caio Prado Jr., assim como para os modernistas, especialmente Mário de Andrade, a viagem pelo Brasil é parte decisiva de seu trabalho. No seu caso, a viagem pelo seu país torna-se um método original para estudar a história brasileira. As permanências dessa história - que chamaram a atenção de modernistas - fariam que formas econômicas e sociais típicas de diferentes épocas convivessem lado a lado. Em outros termos, o historiador considerou que no Brasil o tempo como que se projetaria no espaço, o que abriria caminho para que fosse “muitas vezes preferível uma viagem pelas nossas diferentes regiões, à compulsa de documentos e textos” (Prado Júnior, 1954Prado Jr., Caio. (1954). Diretrizes para uma política econômica brasileira. São Paulo: Gráfica Urupês.: 30). Consequentemente, assim como Mário de Andrade, levava sempre a tiracolo nas suas viagens pelo Brasil uma máquina fotográfica.

Chegando à nossa época, o projeto de se criar uma nação, presente desde 1822, encara desafios inéditos. Pode-se considerar que tal projeto se tornou, há algum tempo, antiquado. No entanto, foi no sentido de procurar realizá-lo que se tomaram as principais iniciativas que se chocaram com o passado colonial. É verdade que medidas, como a Abolição, sempre foram insuficientes, não integrando plenamente os ex-escravizados à vida nacional. No caso do pensamento e da cultura, os modernistas, apesar de todas suas limitações, abriram caminho para que o popular se tornasse uma questão central para o país.

Em poucas palavras, se tínhamos acabado de nos acostumar a imaginar que o passado colonial estava cada vez mais distante, a orientação que o país assumiu nos últimos anos indica como a obra estabelecida a partir de 1822 é frágil. O próprio presidente, pouco depois de assumir, explicitou o problema: “o Brasil não é terreno vazio, onde nós podemos construir alguma coisa para nosso povo”. O que fez com que concluísse: “nós temos que desconstruir muita coisa para depois recomeçarmos a fazer”.

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  • Waldman, Thais Chang. (2010). Moderno bandeirante: Paulo Prado entre espaços e tradições. Tese de doutorado em Antropologia Social. Universidade de São Paulo.

NOTAS

  • 1
    Já em 1920, Oswald de Andrade (apud Brito, 1958Brito, Mario da Silva. (1958). História do modernismo brasileiro: antecedentes da Semana de Arte Moderna. São Paulo: Edição Saraiva.: 152), em crônica no Jornal do Comércio (SP), anunciava: “cuidado, senhores da camelote, a verdadeira cultura e a verdadeira arte vencem sempre. Um pugilo pequeno, mas forte, prepara-se para fazer valer o nosso Centenário”.
  • 2
    Por exemplo, Gênese Andrade, em sua apresentação de livro recente, afirma: “no contexto das reivindicações das minorias e das representatividades, as ausências e silêncios falam mais alto nas reflexões do século XXI sobre a Semana e seus desdobramentos” (Andrade, G., 2022Andrade, Gênese. (2022). Modernismos: 1922 - 2022. São Paulo: Companhia das Letras.: 9).
  • 3
    Sobre os futuristas paulistas, ver: Fabris (1994)Fabris, Annateresa. (1994). O futurismo paulista. São Paulo: Perspectiva.. Sobre o modernismo carioca, ver: Gomes (1992)Gomes, Ângela Castro. (1992). Essa gente do Rio… Os intelectuais cariocas e o modernismo. Estudos Históricos , 6/11, p. 62-77..
  • 4
    Sobre Paulo Prado, ver: Berriel (2013)Berriel, Carlos. (2013). Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado. Campinas: Editora Unicamp.; Waldman (2010)Waldman, Thais Chang. (2010). Moderno bandeirante: Paulo Prado entre espaços e tradições. Tese de doutorado em Antropologia Social. Universidade de São Paulo..
  • 5
    Sinal de que os propósitos dos modernistas paulistas são, em parte, bem-sucedidos é o artigo “Os independentes de São Paulo”, de Ronald de Carvalho. Nele, o escritor carioca afirma que “o papel histórico de São Paulo é o de produzir bandeiras”. Os paulistas seriam uma gente prática que contrastaria com os nativos de outros estados, que “exportam gramáticos e bacharéis, críticos e doutores para a capital”. Dela surgiria “uma raça vigorosa” (Carvalho, 1972Carvalho, Ronald. (1972). Os independentes de São Paulo. In: Batista, Marita et al. (org.). Brasil: 1º tempo modernista - 1917/29: documentação. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, p. 197-200.: 197), na qual os diferentes povos imigrantes que afluíram para São Paulo desapareceriam, fundindo-se, o que indicaria a força do meio. Em termos culturais, “depois do agricultor aparece o artista, segundo o ritmo de todas as verdadeiras civilizações” (Carvalho, 1972Carvalho, Ronald. (1972). Os independentes de São Paulo. In: Batista, Marita et al. (org.). Brasil: 1º tempo modernista - 1917/29: documentação. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, p. 197-200.: 198), que estaria envolvido na difícil tarefa de renovação das letras nacionais.
  • 6
    Sobre a literatura referente ao bandeirantismo, ver: Ferreti (2008)Ferreti, Danilo. (2008). O uso político do passado bandeirante: o debate entre Oliveira Vianna e Alfredo Ellis (1920 -1926). Estudos Históricos, 21/41, p. 59-78.; Ferreira (2002)Ferreira, Antonio. (2002). A epopeia bandeirante: letrados, instituições, invenção histórica (1870 - 1940). São Paulo: Editora da Unesp.; Monteiro (2001)Monteiro, John. (2001). Tupis, Tapuias e historiadores: estudo de história indígena e do indigenismo. Tese de livre docência. Universidade Estadual de Campinas..
  • 7
    A oposição entre o Pau Brasil e a Antropofagia, de um lado, e o Verdeamarelo e a Anta, do outro, não é mero acaso, já que, em boa medida, eles se constituíram uns em confronto com os outros. Já em 1925, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo, em artigo de 23 de setembro no Correio Paulistano, afirmavam que depois de cuidadosa investigação historiográfica, “tivemos notícia de tal madeira. Trata-se de um espécime de flora colonial, muita aproveitável a tinturarias”. Segundo os autores, além do Pau Brasil não existir mais, “interessou holandeses e portugueses, franceses e chineses, menos os brasileiros, que dele só tiveram notícia pelos historiadores”. Portanto, contra uma postura pretensamente colonialista, que seguiria as “receitas da Europa” (Ricardo & Salgado, 1925Ricardo, Cassiano & Salgado, Plínio. (1925). Verde e amarelo. Correio Paulistano , p. 8.: 8), defendem que seria preciso afirmar uma poesia Verde e Amarelo. Três dias depois, no mesmo jornal, Oswald responde com uma carta a Menotti del Picchia intitulada “O lado oposto”, em que informa: “apenas me ausentei de São Paulo dez dias e tive o prazer de contar dez tentativas de assassinato da poesia Pau Brasil”. Tal poesia teria ao menos o mérito “de deixar o Cassiano Ricardo verde, o Plínio Salgado azul e você amarelo. Ergueram-se os três em legítima bandeira nacional, faltando apenas as respectivas estrelas” (Andrade, O., 1925Andrade, Oswald de. (1925). O lado oposto. Correio Paulistano, 26 set., p. 5.: 5). Sobre a disputa, ver: Ricupero (2018)Ricupero, Bernardo. (2018). O ‘original’ e a ‘cópia’ na Antropofagia. Sociologia & Antropologia, 8, p. 875-912..
  • 8
    João Lafetá (2000)Lafetá, João. (2000). 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Editora 34. aponta, em termos mais amplos, como o modernismo passa de uma atitude fundamentalmente estética, nos anos 1920, para uma preocupação crescentemente política, na década de 1930.
  • 9
    Sobre a questão, ainda pouco explorada, ver especialmente: Lara (1980)Lara, Cecília de (1980). Experimentação linguística na prosa. Primeiro momento: os modernistas. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 22, p. 155-166..
  • 10
    Também no “Prefácio interessantíssimo”, Mário de Andrade pergunta e responde: “Pronomes? Escrevo brasileiro” (Andrade, M., 1922Andrade, Mário de. (1922). Paulicéia desvairada. São Paulo: Casa Mayença.: 33). Teve depois acalorada discussão epistolar com seu amigo Manuel Bandeira a respeito da questão do uso dos pronomes. Já Oswald de Andrade no poema “Pronominais”, publicado em Pau-Brasil, afirma: “Dê-me um cigarro/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco / Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro” (Andrade, O., 1990Andrade, Oswald de. (1990) Pau-Brasil. São Paulo: Globo.: 120).
  • 11
    No entanto, em uma atitude subversiva, contrastando com as regras que as gramáticas tradicionais procuram determinar, a do escritor busca reunir constâncias da fala brasileira (Almeida, 2013Almeida, Aline de. (2013). Edição genética d’a gramatiquinha da fala brasileira de Mário de Andrade. Dissertação de Mestrado. DLCV/Universidade de São Paulo.).
  • 12
    Para além do nacionalismo - que aproxima modernistas de românticos - é decisivo na experimentação linguística o apelo exercido pela modernidade. No caso, trata-se de aproximar a literatura moderna da vida moderna. Para tanto, passa-se a fazer uso, como indica Cecília de Lara, de “neologismos como aeroplano, Kodak, cinematrógrafo, jazz-band, fox trot, etc. muitos deles envelhecidos aos olhos de hoje” (Lara, 1980Lara, Cecília de (1980). Experimentação linguística na prosa. Primeiro momento: os modernistas. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 22, p. 155-166.: 160). A atração pela modernidade também se reflete na forma como as obras são expressas - recorrendo-se a elipses, à polifonia, à simultaneidade - assunto que foge da nossa discussão.
  • 13
    Sobre as vindas de Blaise Cendrars ao Brasil, ver: Eulálio (2001)Eulálio, Alexandre. (2001). A aventura brasileira de Blaise Cendrars. São Paulo: Edusp..
  • 14
    Populações meridionais do Brasil afirma: “Há um século estamos vivendo de sonhos e ficções” (Vianna, 1987Vianna, Francisco José Oliveira. (1987). Populações meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia.: 20-21). Em termos mais amplos, a geração portuguesa de 1870 que o tio de Paulo, Eduardo Prado, frequentou e que influenciou o próprio autor do prefácio de Pau-Brasil insistia na distância entre o pensamento de liberais e seu país, o que teria como marco a Revolução Constitucional do Porto, de 1820. Ver: Berriel (2013)Berriel, Carlos. (2013). Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado. Campinas: Editora Unicamp..
  • 15
    Sobre as viagens em Mário de Andrade, ver: Botelho (2013)Botelho, André. (2013). A viagem de Mário de Andrade à Amazônia: entre raízes e rotas. Revista do IEB, 57, p. 15-50.; Lopez (1972Lopez, Telê Porto Ancona. (1972). Mário de Andrade: ramais e caminhos. São Paulo: Livraria Duas Cidade s., 1983Lopez, Telê Porto Ancona. (1983). Viagens etnográficas de Mário de Andrade. In: Andrade, Mário de. O turista aprendiz . São Paulo: Livraria Duas Cidades, p. 15-23.); Santos (2012)Santos, Marcelo Burgos. (2012). Viagens de Mário de Andrade: a construção cultural do Brasil. Tese de doutorado em Ciências Sociais. Pontifica Universidade Católica de São Paulo..
  • 16
    Já à frente do Departamento de Cultura de São Paulo, Mário promove a Missão de Pesquisa Folclórica que, em 1938, repete, em grande parte, seu itinerário no Nordeste, passando por Ceará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Maranhão e Pará.
  • 17
    Ver: Venturi (1977)Venturi, Franco. (1977). II populismo russo. Torino: Einauldi ..
  • 18
    Em um sentido mais específico, havia se referido a “ida ao povo” no Caderno 6, associando-a a um movimento literário francês, do qual fez parte, entre outros, Jean Guéhenno, e tinha a aspiração de ser popular, apesar de não ter sucesso. Também usa o termo, no Caderno 23, tratando dos romances naturalistas e veristas, estudados por Francesco de Sanctis, que, depois da derrota da democracia na Revolução de 1848 e do advento da grande indústria e do operariado, apareceram na Europa ocidental procurando se associar ao povo. Ver: Cingari (2021)Cingari, Salvatore. (2021). The term “populism” in Gramsci’s Prison Notebooks. International Gramsci Society, 4/2, p. 25-42.; Mezzina (2009)Mezzina, Domenico. (2009). Populismo. In: Liquori, Guido & Voza, Pasquale (orgs.). Dizionario gramsciano. Roma: Carocci Editore, p. 654-656..
  • 19
    O sociólogo carioca chega a considerar que a partir do modernismo se teria formado uma intelligentsia brasileira. A associação de intelectuais brasileiros à categoria de intelligentsia, de origem russa e que é desenvolvida teoricamente por Karl Mannheim, no sentido de ser entendida como uma “camada social sem vínculos”, provoca viva controvérsia. Daniel Pécaut defende que, entre os anos 1920 e 1940, teria surgido tal grupo social no Brasil, que possuiria um sentido de missão. Sérgio Miceli, por sua vez, insiste na origem social dos intelectuais e na orientação, voltada para o interesse, presente da sua atuação. Sobre a polêmica, ver: Bastos e Botelho (2010)Bastos, Elide Rugai & Botelho, André. (2010). Para uma sociologia dos intelectuais. Dados, 53/4, p. 889-919..
  • 20
    Sobre a questão da representação dos subalternos, ver: Spivak (2010)Spivak, Gayatri. (2010). Can the subaltern speak: reflections on the history of an idea. New York: Columbia University Press..
  • 21
    Ver: Ricupero (2000)Ricupero, Bernardo. (2000). Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo no Brasil. São Paulo: Editora 34 ..
  • 22
    De maneira sugestiva, diversos professores estrangeiros assinalaram coisa parecida. Claude Lévi-Strauss notou que “após os Nambiquara da idade da pedra, já não era mais o século XVI para onde os Tupi-Caraíba me fizeram recuar, mas certamente, ainda, o século XVIII, tal como se pode imaginá-lo nos pequenos portos das Antilhas, ou no litoral. Eu atravessara um continente. Mas o término bem próximo da minha viagem tornara-se sensível para mim, antes de mais nada, por esse mergulho no fundo dos tempos” (Lévi-Strauss, 1996Lévi-Strauss, Claude. (1996). Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras .: 351). Por sua vez, segundo Emília Viotti da Costa, Lucien Febvre, em viagem pelo Brasil, já depois da publicação de Formação do Brasil contemporâneo: colônia, fez afirmação similar: “discorreu sobre a alegria de ver homens vivendo lado a lado em diferentes períodos históricos. O Brasil era como um museu de coisas vivas, no qual o passado mantinha-se intacto” (Costa, 1978Costa, Emília Viotti da. (1978). A revolução burguesa no Brasil. In: Félix, Moacir (org.). Encontros com a civilização brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , p. 176-185.: 178). É possível também imaginar que o discípulo de Febvre, Fernand Braudel, que como Lévi-Strauss foi professor na Universidade de São Paulo (USP), encontrou no Brasil o fio condutor da sua obra: o convívio entre diferentes tempos históricos. Ou seja, este nativo do país da Revolução Francesa pode ter percebido melhor quando ensinava em um país onde são pouco comuns as rupturas com o passado a presença de uma história de curta duração, feita de acontecimentos ruidosos, junto a uma história mais discreta, de média duração, correspondente a conjunturas, e, subjacente a elas, uma história quase imperceptível, de longa duração. Ver: Aguirre Rojas (1997)Aguirre Rojas, Carlos. (1997). Braudel a debate. México: JGH Editores..
  • 23
    Ver: Ricupero (2011)Ricupero, Bernardo. (2011). Florestan Fernandes and interpretations of Brazil. Latin American Perspectives, 38/3, p. 112-123..
  • 24
    Como explica Gabriel Cohn (1999)Cohn, Gabriel. (1999). A revolução burguesa no Brasil. In: Mota, Lourenço Dantas (org.). Introdução ao Brasil: um banquete nos trópicos. São Paulo: Editora Senac, p. 393-412., a categoria de “polarização dinâmica” indicaria a presença no mesmo objeto de orientações opostas, que conviveriam em permanente tensão.
  • 25
    O sociólogo húngaro é importante para o sociólogo brasileiro já antes de 1964, repercutindo sobre ele especialmente sua crença de que o conhecimento sociológico poderia se converter em força para a transformação social. Ver: Villas Bôas (2002)Villas Bôas, Glaucia (2002). Os portadores da síntese: sobre a recepção de Karl Mannheim. Cadernos CERU2, 13/2, p. 125-143..
  • 26
    Outros intérpretes do Brasil destacam de forma ainda mais forte a mudança representada pelo café na história brasileira. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, o café ao se tornar, a partir da segunda metade do século XIX, a principal cultura brasileira favoreceria o avanço de uma “revolução lenta”, que poria fim à herança rural e ibérica. O cafeeiro poderia ser até chamado de planta democrática, pois diferentemente da cana e do algodoeiro, não exigiria cultivo em terrenos extensos. Além do mais, a fazenda de café não seria tão autossuficiente como o engenho de açúcar, tendo que recorrer à cidade para garantir o abastecimento de variados suprimentos. O produtor de café seria mesmo bastante similar ao farmer, “que é no fundo um tipo citadino mais do que rural” (Holanda, 1936Holanda, Sérgio. (1936). Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora .: 136). Já o retrato que Celso Furtado dá sobre os cafeicultores paulistas é sugestivamente de um grupo que exerce uma certa direção sobre o resto da sociedade. Em contraste com a elite açucareira, controlaria tanto a produção como a comercialização do café. Em termos mais fortes, o grupo açucareiro não teria sido capaz de desenvolver uma consciência de seus próprios interesses, ao passo que os cafeicultores “compreendem a enorme importância que poderia ter o governo como instrumento da ação econômica” (Furtado, 2009Furtado, Celso. (2009). Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras .: 183).
  • 27
    Expressão de um certo projeto de “sãopaulanizar” o Brasil é a candidatura, em 1930, Júlio Prestes, que rompe o arranjo “café com leite” e é impulsionada pelo então presidente Washington Luís. Independentemente do sucesso da Revolução de 1930, se Prestes tivesse chegado ao poder também se teria rompido com o pacto entre os grandes estados que sustentava o arranjo oligárquico da Primeira República (Lessa, 1988Lessa, Renato. (1988). A invenção republicana. São Paulo: Vértice.).
  • 28
    Botelho define movimento cultural, em analogia com movimento social, como “iniciativa articulada - embora descentrada e heterárquica na coordenação das ações - para a alteração, controle ou seleção dos recursos culturais disponíveis nos processos de reflexividade mais geral da vida social” (Botelho, 2021: 203).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2022
  • Revisado
    27 Maio 2022
  • Aceito
    07 Jul 2022
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