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REPETIÇÃO DIFERENÇA: SILVIANO SANTIAGO E O CENTENÁRIO DO MODERNISMO QUE VIRÁ (SEGUIDO DE “ALEIJADINHO, BRETAS E OS POETAS MODERNISTAS (1927-1930)”)* 1 N. E. Originalmente publicado como Prefácio a Rodrigo José Ferreira Bretas, “Traços biográficos do finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho”. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.

REPETITION DIFFERENCE: SILVIANO SANTIAGO AND THE CENTENARY OF THE COMING MODERNISM (FOLLOWED BY “ALEIJADINHO, BRETAS AND THE MODERNIST POETS (1927-1930)”)

Resumo

Este registro de pesquisa situa um texto importante de Silviano Santiago dentro do debate sobre o que se pode fazer, hoje, com o legado do modernismo. Ainda, coloca questões sobre este movimento cultural para além do seu marco simbólico mais consagrado, a Semana de Arte Moderna de São Paulo, de 1922. Em 2024, comemoraremos o centenário da viagem modernista a Minas Gerais: um bom momento para rediscutir eurocentrismo, cosmopolitismo, ideais de pureza e unidade na cultura brasileira, bem como limites e possibilidades da nossa dependência cultural no cenário mundial.

Palavras-chave:
Modernismo; Dependência cultural; Cosmopolitismo; Silviano Santiago

Abstract

This research register places an important Silviano Santiago’s text in the debates over what can be done with the modernist legacy. Also, it questions this cultural movement beyond its most consecrated symbolic mark, the Modern Art Week of São Paulo, of 1922. In 2024, we celebrate the centenary of the modernist trip to Minas Gerais: a good moment to rediscuss the eurocentrism, cosmopolitanism, purity and unity ideals in the Brazilian culture, in addition to the limits and possibilities of our cultural dependence in the world scene.

Keywords:
Modernism; Cultural dependency; Cosmopolitanism; Silviano Santiago

“Virá que eu vi”

Caetano Veloso, Um índio

INTRODUÇÃO

O modernismo brasileiro tem sido um tema constante nos escritos críticos de Silviano Santiago. Talvez se pudesse ponderar que nenhum crítico da cultura em atuação entre o século XX e início do XXI seria capaz de passar ao largo desse movimento cultural que deu ao Brasil uma cultura brasileira, com todos os problemas e contradições que isso, evidentemente, implica. Mas, Silviano tem feito bem mais do que reagir ao modernismo, afinal, como muitos nesse centenário da Semana de Arte Moderna, tem ele também retornado ao tema, como crítico e como ficcionista. Já observei noutros momentos (Botelho, 2017Botelho, André. (2017). Cosmopolitismos e interpretações do Brasil. Puxando conversa com Silviano Santiago e Mário de Andrade. In: Miranda, Wander Melo (org). Suplemento literário especial Silviano Santiago. Belo Horizonte: UFMG, p. 16-18.; 2019Botelho, André. (2019). Sinal dos tempos: anacronismo e atualidade de uma literatura nos trópicos. In: Santiago, Silviano. Uma literatura nos trópicos. Recife: CEPE Editora, p. 361-379.) a centralidade do modernismo para seu programa crítico-cultural, e isso de fato não é nenhum segredo, embora não me anime a, como outros de seus intérpretes, tentar sujeitá-lo à decantação dos Andrades: se mais Oswald ou se mais Mário.

Pelo núcleo crucial da crítica de Santiago, a saber, a dependência das culturas subalternas e a crítica ao eurocentrismo, ambos os Andrades entram na economia interna da reflexão do autor (Santiago, 2005Santiago, Silviano . (2005). Mário, Oswald e Carlos, intérpretes do Brasil. Alceu. 5/10, p. 5-17.). Cada um do seu jeito próprio, e isso seria menos sinal de qualquer hesitação do crítico mineiro do que da força do problema que, corajoso, aceitou enfrentar. Claro, Silviano dispõe como poucos de um verdadeiro arsenal teórico para se manter em combate, às vezes intempestivo e feroz, outras, com sua conhecida paciência, mas sempre com humor agudo. Sendo precursor da teoria pós-colonial, decolonial e afins, não se deixa domesticar facilmente por rótulos. Persiste atento às armadilhas dos ideais de “unidade” e de “pureza” que, pioneiramente, desconstruiu no ensaio-florete “O entre-lugar do discurso latino-americano”, de 1971. Nele, a violência simbólica do discurso eurocêntrico e a geopolítica do conhecimento a que ele dá lastro são atingidos tanto de modo pioneiro quanto certeiro (Santiago, 2019Santiago, Silviano . (2019). O entre-lugar do discurso latino-americano. In: Santiago, Silviano . Uma literatura nos trópicos. Recife: CEPE Editora , p. 9-30.).

A dinâmica cultural e social não é uma linha reta, porém, e nas espirais ou dobras do contemporâneo - este tema inquietante sobre o qual Silviano escreveu em ensaio memorável nesta Sociologia & Antropologia (Santiago, 2017Santiago, Silviano . (2017). A moda como metáfora do contemporâneo. Sociologia & Antropologia. 7/1, p. 105-124.) -, aqueles ideais de unidade e pureza voltam à cena bélica identitária contemporânea, às vezes compartilhados em lados diferentes do front.

Muitos textos de Silviano Santiago poderiam ser escolhidos para o registro de pesquisa no contexto das comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna. “Fechado para balanço (sessenta anos do modernismo)” (Santiago, 2002aSantiago, Silviano. (2002a). Fechado para balanço (sessenta anos do modernismo). In: Santiago, Silviano. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, p. 75-93.), de 1982, por exemplo, deu o tom para o que temos feito nos últimos 40 anos. Nele, Silviano explicitou a precariedade com que inevitavelmente a crítica faz suas demarcações, bem como sua tendência a operar com procedimentos estabilizadores e cânones muito parciais, que implicam, potencialmente, na exclusão de propostas marginais aos grupos que organizam as revisões (Santiago, 2002aSantiago, Silviano. (2002a). Fechado para balanço (sessenta anos do modernismo). In: Santiago, Silviano. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, p. 75-93.). Igualmente pertinente seria trazer “A permanência do discurso da tradição no modernismo” (Santiago, 2002bSantiago, Silviano . (2002b). A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: Santiago, Silviano . Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco , p. 94-123.), de 1985, em que o crítico evidenciou como a então já impressionante massa formada pela sua fortuna crítica era perpassada por linhas de sentido que ultrapassam as convicções positivistas de objetividade e subjetividade (Santiago, 2002aSantiago, Silviano. (2002a). Fechado para balanço (sessenta anos do modernismo). In: Santiago, Silviano. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, p. 75-93.). Quem deixará de reconhecer, hoje, que essa fortuna é ela mesma, em certo sentido, produto de uma rotinização de determinadas intepretações, poder-se-ia dizer hegemônicas, que explicita o caráter de construção social do modernismo e seus significados na cultura brasileira? E talvez já forme verdadeiras tradições intelectuais (Coelho, 2012Coelho, Frederico. (2012). A Semana sem fim. Rio de Janeiro: Casa da palavra.) ou mesmo “epistemes”, no sentido dado por Michel Foucault (2002Foucault, Michel. (2002). A arqueologia do saber. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária.).

Balanços são bons para pensar. Nem sempre porque permitem trazer a inovação à tona, mas, antes, ao contrário: o são pela fixação de recorrências, rotinas e repetições que buscam evidenciar ou esclarecer. O texto de Silviano Santiago que trouxemos para esse registro de pesquisa é diferente; além de partir desses balanços e reflexões anteriores sobre o modernismo, também, de alguma forma, os implica. Mas, em adição a explicitar sua teoria mais ampla e sofisticada sobre o original e a cópia, o texto abre ainda novas possibilidades de exploração do modernismo como um movimento cultural que não apenas tenta fixar a identidade nacional, mas a problematiza por uma visão crítica do eurocentrismo; que não apenas tenta domesticar as diferenças em uma unidade de sentido, mas afirma o potencial cosmopolita da relação com a diferença; que não apenas pensa a cultura brasileira como cópia, mas como repetição com diferença. Temos enfrentado essas frentes de pesquisa, de modo multidisciplinar e coletivo, no projeto MinasMundo, cujas ações podem ser conhecidas na nossa página, e para o qual o pensamento de Silviano Santiago é uma das matrizes.

“Aleijadinho, Bretas e os poetas modernistas (1927-1930)” (Santiago, 2013Santiago, Silviano . (2013). Aleijadinho, Bretas e os poetas modernistas (1927-1930). In: Bretas, Rodrigo José Ferreira. Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho. Belo Horizonte: UFMG , p. 8-33.) aponta se não para outro modernismo, para um novo sentido não necessariamente intencionado em seu momento inaugural. Sim, se a Semana de Arte Moderna de São Paulo, cujo centenário ora se comemora, pode ser legitimamente considerada a performance coletiva inaugural do modernismo, ela foi somente isso e assim mesmo porque houve desdobramentos com alcances importantes de alguns dos temas nas obras e trajetórias de alguns de seus participantes e, por conseguinte, na cultura brasileira. Justamente por essas decorrências do evento, este passou a ser visto como um bem-sucedido happening inaugural. Um desses desdobramentos que, mais do que a confirmação das intenções originais dos semanistas, trouxe, antes, bifurcação e mudança de sentido no âmbito do próprio movimento que então encorpava, foi justamente a viagem de parte desses semanistas às hoje consideradas cidades históricas mineiras, durante a quaresma e a semana santa de 1924. Mudanças de rotas, trajetos não lineares.

A caravana dessa que passou para a crônica do modernismo como uma viagem de “descoberta do Brasil” foi integrada por artistas modernistas paulistas e seus mecenas, como Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e seu filho Nonê, Paulo Prado, dona Olívia Guedes Penteado, René Thiollier e Gofredo da Silva Telles, e foi montada, a princípio, para desenfastiar o poeta franco-suíço Blaise Cendrars que visitava o Brasil (Botelho, 2012Botelho, André. (2012). De olho em Mário de Andrade: uma descoberta intelectual e sentimental do Brasil. São Paulo: Claroenigma.; Eulálio, 2001Eulálio, Alexandre (org.). (2001). A aventura brasileira de Blaise Cendrars. 2. ed. São Paulo: Edusp.). Eles puderam percorrer Minas Gerais da tradição, deliciando-se com as cidadezinhas, as histórias, a música, a arquitetura e a imaginária religiosa.

Mário de Andrade, tomando-o como exemplo, não chegou a Minas em 1924 sem saber exatamente o que esperar. Em 1919, quando foi ao estado pela primeira vez, a fim de participar, moço católico que era, de uma conferência na Congregação da Imaculada Conceição da Igreja de Santa Efigênia, em Ouro Preto, acabou descobrindo o barroco desconcertante de Aleijadinho. Esse encontro mudaria o modernismo e a própria cultura mineira, criando uma abertura para o cosmopolitismo na cultura brasileira. Mário escreveria sobre o tema ao longo de anos, por exemplo no ensaio “O Aleijadinho”, publicado somente em 1935; como também no artigo “A arte religiosa no Brasil: em Minas Gerais” publicado na Revista do Brasil, em 1920, que dá continuidade a outros dois artigos publicados na mesma revista em números do mesmo ano: “A arte religiosa no Brasil: triumpho eucharístico de 1733” e “A arte religiosa no Rio” (Andrade, M., 1920Andrade, Mário de. (1920). A arte religiosa no Rio. Revista do Brasil, 5/52, p. 289-293., 1984Andrade, Mário de. (1984). Aspectos das artes plásticas no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia.).

Foi em Minas Gerais, segundo Mário, que, mais livre das influências portuguesas, a arte religiosa assumiria caráter mais particular e “o estilo barroco estilizou-se” (Andrade, M., 1920Andrade, Mário de. (1920). A arte religiosa no Rio. Revista do Brasil, 5/52, p. 289-293.: 103). Desenvolveu-se, portanto, um estilo barroco “nacional”, que Mário denominaria intrínseco, isto é, incorporado à forma artística. Na arquitetura, por exemplo, “o amor das linhas curvas, dos elementos contorcidos e inesperados” que sintetizariam a orientação barroca, segundo o modernista, “passa da decoração para o próprio plano do edifício”, e os elementos decorativos se inscrevem também no risco e na projeção das fachadas, no perfil das colunas e na forma das naves (Andrade, M., 1920Andrade, Mário de. (1920). A arte religiosa no Rio. Revista do Brasil, 5/52, p. 289-293.: 103). Isso lhe confere um feitio próprio equiparável, “sob o ponto de vista histórico, ao egípcio, ao grego, ao gótico”, afirma o hiperbólico Mário. E ninguém realizou melhor esse barroco que Antonio Francisco Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho, único artista brasileiro que Mário considerava genial.

Segundo Mário de Andrade, a genialidade do Aleijadinho não podia ser apreendida a partir do significado europeu desse conceito, que excluía a possibilidade de o gênio cometer erros e fazer “também obras feias e dispensáveis” (Andrade, M., 1984Andrade, Mário de. (1984). Aspectos das artes plásticas no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia.: 23, grifo do autor); ao contrário, empenhava-se em “reverter feiuras ostensivas em sutilezas do belo”. Mário via Aleijadinho como um imitador perspicaz e sobretudo um deformador sistemático e inventivo que levou a tradição luso-colonial da nossa arquitetura ao clímax, ao lhe dar uma solução, na falta de expressão melhor, original, porque brasileira. Brasileira, mas colonial, “não fixa ainda”, daí a ser considerado um “boato-falso da nacionalidade”. Aleijadinho não copia (isto é, realiza repetição acrítica), mas imita, ou seja, submete o modelo estético europeu à deformação - gesto que guarda afinidade com os processos de nivelamento e desnivelamento na (re)criação da música popular. A importação é, portanto, constitutiva do barroco colonial brasileiro, mas, se a criação artística na colônia não era autônoma, tampouco era mera cópia dos padrões metropolitanos.

É na viagem de 1924 que a experiência assume sentido coletivo. Os modernistas descobrem que o “primitivismo estético”, que então atraía o interesse das vanguardas artísticas da Europa como meio de revitalização de uma longa tradição considerada decadente, encontrava-se, no caso brasileiro, não em lugares distantes e exóticos, mas no meio de nós, entranhado em nossa sensibilidade. A viagem, da qual há registros de Mário em “Crônicas de Malazarte VIII” (Andrade, M., 1993Andrade, Mário de. (1993). Crônicas de Malazarte VIII. Aletria: Revista De Estudos De Literatura, 1, p. 156-160.), teve efeitos profundos na pintura de Tarsila do Amaral, na poesia pau-brasil de Oswald de Andrade, e na poesia de Mário, notadamente em Clã do jabuti, publicado em 1927. Mais ainda, teve efeitos decisivos na orientação do movimento modernista e duradouros na cultura brasileira, sentidos até hoje (Botelho & Hoelz, 2022Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2022). O modernismo como movimento cultual. Mário de Andrade, um aprendizado. Petrópolis: Vozes.).

Poucas vezes se encontrará na história cultural brasileira um momento como aquele, quando projetos de identidades coletivas não pareciam necessariamente excluir, mas, antes, compor com sentidos cosmopolitas. Afinal, a valorização do primitivismo estético aprendida pelos brasileiros com as vanguardas artísticas europeias ao mesmo tempo que lhes conferia certa contemporaneidade, digamos, “externamente”, também parecia começar a fazer um novo sentido “internamente”. Também aqui sempre ambígua, a valorização do “primitivo” acabou favorecendo uma nova percepção sobre o “popular”. E é essa nova percepção que se coloca na base do projeto coletivo modernista de desrecalque da cultura brasileira e de reconhecimento da dignidade de formas culturais não eurocêntricas.

A redescoberta modernista do Brasil no passado colonial das cidades mineiras informará uma espécie de sensibilidade sociológica do país, bem como a questão sobre a possibilidade de termos, além do temário, uma forma, digamos, brasileira. A questão é tratada de modo crítico por Silviano Santiago no texto a seguir, em que refaz a genealogia desse encontro e reflete sobre limites e potencialidades desse movimento de desrecalque cultural que, embora tímido de início, cobraria fôlego na obra dos modernistas com o passar dos anos. Combina, assim, uma aguda percepção dos constrangimentos sociais e, como se diria hoje, geopolíticos da consagração artística numa sociedade mestiça, escravocrata e periférica à fórmula da repetição como diferença. Isso, como já discuti em outro momento, traz a obra de Silviano para o primeiro plano do interesse de uma sociologia política da cultura, embora, evidentemente, não se extinga nela (Botelho, 2019Botelho, André. (2019). Sinal dos tempos: anacronismo e atualidade de uma literatura nos trópicos. In: Santiago, Silviano. Uma literatura nos trópicos. Recife: CEPE Editora, p. 361-379.).

Ainda em conjectura sobre o pensamento de Santiago, em geral, chama a atenção o movimento de reescrita incessante - que perfaz como uma espécie de tarefa de Sísifo - das culturas periféricas, mas nem por isso menos cosmopolitas, no jogo agudo entre original e cópia, como a brasileira. A reescrita é um dispositivo crítico para problematizar visões ontológicas estáveis e às vezes mesmo teleológicas associadas à ideia canônica de “formação”, tema central não apenas para a literatura, mas também para as interpretações da sociedade brasileira, com a qual Silviano dialoga (Franco, 1997Franco, Maria Sylvia de Carvalho. (1997). Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Unesp.; Holanda, 1996Hollanda, Sérgio Buarque de. (1996). Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.; Prado Jr., 1989Prado Jr, Caio. (1989). Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense.; Schwarz, 2008Schwarz, Roberto. (2008). O pai de família e outros estudos. São Paulo: Companhia das Letras .).

Santiago, como se sabe, contrapõe conceitualmente “inserção” à “formação”, defendendo que o estudo (no seu caso) das “letras nacionais” não mais se dê sob a perspectiva de seu “desenvolvimento”, mas do ponto de vista de sua “inserção” no panorama internacional. Em “Anatomia da formação: a literatura brasileira à luz do pós-colonialismo” (Santiago, 2014Santiago, Silviano . (2014). A anatomia da formação: a literatura brasileira à luz do pós colonialismo. Folha de S.Paulo, 7 set. Ilustríssima. Disponível em <Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/184397-anatomia-da-formacao.shtml?origin=folha >. Acesso em 26 jul. 2022.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustr...
), observa o crítico que se o “problema do desenvolvimento nacional nunca deixará de ser alicerce e impulso para a reflexão”, o discurso da formação já se mostraria agônico numa indicação de que o paradigma que o informava estaria “a perder a condição de prioritário. A exaustão deriva de transformações significativas na definição de prioridades nacionais, das prioridades materiais no novo milênio que exigem outro feixe de discursos afins e complementares, que constituirão novo paradigma”. O momento presente, que seria o da “iminência do corte epistemológico”, já deixaria à mostra, assim, por exemplo, um ideal normativo eurocêntrico que fez com que o discurso da formação permanecesse alheio a novas questões e a novos objetos, isolando a literatura brasileira da revisão pós-colonialista.

Silviano relê “Traços biográficos do finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho” de Rodrigo José Ferreira Bretas (2013Bretas, Rodrigo José Ferreira. (2013). Traços biográficos do finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho. Belo Horizonte: Editora UFMG.), biografia de Aleijadinho publicada no ano de 1858, em Ouro Preto. Bretas é bisavô de Rodrigo Melo Franco de Andrade, amigo de Mário de Andrade, responsável pela institucionalização de políticas culturais de patrimonialização da cultura brasileira (Andrade, M., 1981Andrade, Mário de. (1981). Mário de Andrade: cartas de trabalho. Correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade (1936-1945). Organização Lélia Coelho Frota. Brasília: Fundação Nacional Pró-Memória.). Silviano repete Mário, que, por sua vez, via o Aleijadinho como um imitador perspicaz e um deformador original.

Como a espreitar toda essa interconexão geracional, Carlos Drummond de Andrade, antes mesmo de se tornar um dos principais poetas modernos brasileiros (ele só estreia em livro em 1930, com Alguma poesia), já se colocava como herdeiro do modernismo (Andrade, C., 2011Andrade, Carlos Drummond de. (2011). Confissões de Minas. São Paulo: Cosac Naify.), especialmente da vertente encetada por Mário de Andrade voltada para o abrasileiramento do Brasil e à construção de uma linguagem literária brasileira. A partir de 1924, Drummond e Mário passam a travar uma relação, em grande medida, epistolar, por meio de uma riquíssima e decisiva correspondência. Relação que, sem exagero, mudaria em parte o destino do modernismo, uma vez que Drummond e seus companheiros de geração mineiros não apenas levariam à frente o trabalho de abrasileiramento do Brasil conclamado por Mário, como expandiriam os próprios significados desse trabalho, conferindo-lhe sentidos mais cosmopolitas, inclusive. Caberá também aos modernistas mineiros, Drummond, Pedro Nava e Murilo Mendes, sobretudo, recriar a memorialística brasileira, e, ao fazê-lo, reposicionar o legado estético e político modernista na altura dos anos 1970. Se o modernismo mineiro não existiria da mesma forma sem a ascendência de Mário, também o seu legado não existira da mesma forma sem eles (Andrade, M., 2000Andrade, Mário de. (2000). Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. Organização, introdução e notas Marcos Antonio de Moares. São Paulo: Edusp/IEB., 2002Andrade, Mário de. (2002). Carlos e Mário: correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: 1924-1945. Organização de Lélia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi.; Botelho & Hoelz, 2022Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2022). O modernismo como movimento cultual. Mário de Andrade, um aprendizado. Petrópolis: Vozes.).

“Aleijadinho, Bretas e os poetas modernistas (1927-1930)” vale ser relido nesse contexto de efemérides e conflitos culturais, porque coloca questões que em grande medida, e não por acaso, estão ficando de fora das comemorações em curso que, vazando o espectro ideológico, tem se mostrado centradas em questões de identidade brasileira e de crítica às suas violências simbólicas. O texto que trazemos e apresentamos é uma peça importante para se compreender o modernismo no quebra-cabeça da especificidade da periferia enquanto lugar de enunciação, ponto de vista e modo de ler o mundo em que o conflito e a diferença, que o centro apaga no outro e em si mesmo, tornam-se visíveis (Hoelz, 2022Hoelz, Maurício. (2022). Cosmopolítica do entre-lugar. In: Botelho, André; Hoelz, Maurício & Bittencourt, Andre. Sociedade dos textos. Belo Horizonte: Relicário (no prelo).). As tensões entre o local e o global se recolocam em outros patamares de formulação, e com elas a questão da dependência cultural. Em breve estaremos em 2024, no centenário de um encontro bem mais cosmopolita da diferença na história brasileira do que foi a Semana de Arte Moderna e estão sendo as suas comemorações. Esperemos que ele possa inspirar debates intelectuais públicos mais consistentes do que a mera polêmica e novos projetos para o Brasil. Repetição; diferença.

ALEIJADINHO, BRETAS E OS POETAS MODERNISTAS (1927-1930)1 * Agradeço aos editores de Sociologia & Antropologia e à Maria Caroline Tresoldi a interlocução e atenção, bem como às/aos pareceristas anônimos/as do artigo.

Silviano Santiago

O Aleijadinho não teve estrangeiro que… lhe desse gênio e as vozes brasileiras não fazem milagres em nossa casa.

Mário de Andrade, Aleijadinho, 30 de maio de 1930.

No auge da fase nacionalista pragmática, Mário de Andrade escreve de um jato só o livro Macunaíma, posteriormente revisto. Em carta ao poeta e amigo Carlos Drummond de Andrade, datada de 18 ou 19 de janeiro de 1927, comunica que o romance já está escrito inteirinho e em segunda redação. Vai deixar o manuscrito na gaveta por seis meses. Esclarece o motivo por detrás da precaução: “daí pego nele e torno a passar a limpo definitivamente e com mais alguma ideia se aparecer”. Mário aproveita a deixa e resume a trama de Macunaíma e enumera os principais personagens. Justifica em seguida a composição rapsódica do romance: “Não tem senão dois capítulos meus no livro, o resto são lendas aproveitadas com deformação ou sem ela”. Pelo verbo “aproveitar”, no sentido de tirar proveito ou vantagem, refere-se ele às “práticas intertextuais” usadas na composição da rapsódia ficcional, para retomar as palavras de que se vale Eneida Maria de Sousa para analisar as passagens do livro pilhadas dos discursos já-escritos da cultura brasileira, entre eles o famoso texto da Carta de Pero Vaz de Caminha. A angústia do criador vem finalmente sob a forma de pergunta ao confrade: “Não está apetitoso?”.

Essa carta a Carlos é seguida de post-scriptum interessantíssimo:

Tenho um favor pra pedir pra você. Você vai fazer o impossível pra ver se me arranja aí um livro ou folheto sobre o “Aleijadinho” dum fulano chamado Rodrigo José Ferreira Bretas, aparecido talvez por 1858. Primeiro vá aí na Biblioteca Pública ver o que é. Não tem pressa mas tem importância. Com paciência talvez você descubra algum exemplar. Pergunte pra todos os conhecidos. Papel de fuinha. E mande dizer o preço que mandarei o arame. Ciao.

O fato de Mário não saber se escreve a carta no dia 18 ou 19 de janeiro é indicativo da alegria decorrente do pós-parto de Macunaíma. No entanto, se o leitor acentuar o contraste entre o corpo propriamente dito da carta (Macunaíma já em segunda redação e a ser revisto) e o suplemento posterior à assinatura (a súbita curiosidade por uma biografia de Aleijadinho), energizará um traço menos óbvio na troca de cartas, que me leva a levantar duas hipóteses.

Antes de levantá-las enumero três dados que as justificam. Macunaíma não é tido como acabado pelo escritor. Vai hibernar na gaveta. Sua composição ainda está em aberto, é musical (isto é, não respeita a cronologia de uma vida, ao contrário do romance tradicional) e tem como modelo a rapsódia. Em lugar de buscar na biografia suporte para a composição da trama ou o desenvolvimento dos personagens, Macunaíma cita e recita no decorrer dos capítulos a longa construção da cultura brasileira nas suas fontes mais concretas e legítimas. Provérbios, frases-feitas, lendas e documentos do período colonial e pós-colonial, todo o já-dito e o já escrito alimenta a imaginação do escritor e é apropriado por ele. A prática textual que incorpora o já-dito pela sabedoria das nações e o já-escrito pelo outro levou Eneida a ousar dizer que a escrita de Macunaíma “inscreve-se sob a marca perversa e inocente do roubo e se despe de todas as insígnias de propriedade”. Elaboro, agora, as duas hipóteses.

Primeira: depois de se despedir de Carlos e assinar a carta, por que o missivista pede ao amigo mineiro um favor que - aparentemente - nada tem a ver com a trama e os personagens detalhados à exaustão no corpo da carta? Tanto mais interessante é o desconexo post-scriptum porque Mário, ao final da década de 1910 e em meados da década de 1920, manuseou a bibliografia sobre as cidades históricas mineiras e sobre o Aleijadinho e não há muito sentido para que sua curiosidade intelectual se volte de modo tão canhestro ao tema em 1927. Dado o reconhecido e elogiado apetite intelectual de Mário, como poderia ter ignorado durante os oito anos que precedem 1927 a única biografia existente de Aleijadinho, a ponto de se equivocar quanto à forma de edição (seria livro ou será folheto?), não estar seguro quanto à data de sua publicação (talvez 1858) e tratar o nome do prestigiado e notável autor (professor, promotor e deputado provincial) como um mero “fulano”.

Eis a segunda hipótese: com o manuscrito de Macunaíma a caminho da gaveta e à espera da terceira redação, seu autor não estaria à cata de novas leituras sobre figuras históricas importantes e ausentes da rapsódia? Ao ter guarda na gaveta a segunda redação de Macunaíma e depois de descrevê-lo amorosa e criticamente ao amigo itabirano, será que o autor pressentiu algum buraco mulato/mineiro/macunaímico na trama abrangente e nacional e quis preenchê-lo com a ajuda de algum importante texto de época? Viria daí o pedido ao “fuinha” de um favor quase impossível? Da leitura tardia do até então desconhecido Rodrigo Bretas poderia ele extrair novo e precioso personagem para a rapsódia, novo roubo para enriquecer a trama ainda não de todo fechada? Lembre-se que Mário afirma na carta ser ainda possível incorporar ao manuscrito “alguma ideia se aparecer”.

Se há que dar bola-preta para a louvada erudição de Mário de Andrade, tem-se, no entanto, de reconhecer que foi ele pioneiro e precursor das viagens de reconhecimento de Ouro Preto e de Mariana pelos modernistas. Em 1919, bem antes da eclosão da Semana de Arte Moderna, bateu-lhe o desejo cristão de visitar e homenagear o poeta simbolista Alphonsus de Guimarães, que vivia então “retirado no seu solitário refúgio da velha e episcopal Mariana, a Católica”. Na revista A Cigarra (1º/8/1919), de onde extraímos a citação anterior e a próxima, Mário relata o encontro dos dois em estilo passadista que se casa, no entanto, com o estilo sublime do poeta simbolista mineiro:

Alphonsus de Guimarães escutava-me em silêncio; e naquele sacrário de religiosa estesia, na mudez do passado que nos rodeava, pudemos ambos ouvir a voz da minha alma cantar, num epinício, à arte magnífica do mestre…

Já as reflexões sobre a viagem pioneira a Minas se somarão a outras de caráter histórico e teórico e passarão a ser tema de conferências sobre a arte religiosa no Brasil colonial. Posteriormente, as conferências serão transformadas em quatro artigos, publicados na Revista do Brasil entre janeiro e junho de 1920i i Para uma leitura aplicada dos textos sobre a viagem e do contexto, leia-se Expressão plástica e consciência nacional na crítica de Mário de Andrade, de José Augusto Avancini. . Por seu turno, o amigo Drummond narrará em 1980 o encontro memorável de Mário e Alphonsus em Mariana no belo e extenso poema “A visita”, hoje incluído em A paixão medida.

Como explicar o descompasso ocorrido entre o sólido conhecimento da arte colonial brasileira, ostentado por Mário desde 1919, e a desconcertante brecha bibliográfica posta a nu em carta de 1927?

Mário de Andrade tem sua compreensão primitiva da arquitetura e da arte colonial brasileira fundada nas ideias e livros de Ricardo Severo (Lisboa, 1869, São Paulo, 1940), arquiteto português que, por ser defensor do ideal republicano, se exila no Brasil e se casa com a irmã do inventor Santos Dumont. Na década de 1910, Severo filia-se ao Instituto Histórico e Geográfico de São Pauloii ii Num primeiro exercício de contraste, lembre-se que o biógrafo Rodrigo Bretas manteve relações estreitas com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, localizado no Rio de Janeiro. e é convidado pela família Mesquita a participar da criação da Revista do Brasil. Como chefe de escola, Severo defende a retomada da tradição luso-brasileira em arquitetura e combate tanto o ecletismo do Velho e do Novo Mundo quanto o futurismo lecorbusiano a chegar a São Paulo na prancheta do ucraniano Gregori I. Warchavchik. Em cartas e artigos de Mário datados do início dos anos 1920 há referências concretas − inspiradas por Severo e sustentadas também pelo jovem Lúcio Costa em textos e desenhosiii iii A propósito de Lucio Costa e a arquitetura colonial mineira nos anos 1920, consultem-se ensaios reunidos por Wander Melo Miranda em Anos JK - Margens da modernidade (Editora da UFMG). - ao chamado “movimento neocolonial” em arquitetura, calcado na retomada dos riscos das nossas cidades históricas, idealizadas a partir do modelo metropolitano.

Tendo navegado em outras e diferentes águas institucionais e teóricas, é desconcertante e natural que Mário desconheça em 1927 a contribuição de Rodrigo Bretas.

Bola-preta também para o jovem Carlos Drummond que, apesar de ter nascido e crescido nas Gerais, desconhecia Rodrigo Bretas e sua biografia pioneira. Na resposta à carta de Mário, também datada de 1927, fica claro que o futuro poeta maior não possuía informação alguma sobre a biografia que está na base do mito por excelência das artes no seu estado natal - o de Aleijadinho. Drummond não nada sabe sobre o título do livro ou do folheto e não encontra o nome do autor no fichário da Biblioteca Municipal. De modo depreciativo, Drummond substitui livro/folheto por “simples artigo” e o “fulano” andradino por “esse sujeito”.

No mato sem cachorro, Drummond vale-se de terceiro. Consulta o ouropretano Mário de Lima, então diretor do Arquivo Mineiro, que lhe passa a informação básica. Trata-se de artigo que se encontra no jornal oficial do Estado de Minas Gerais, publicado em Ouro Preto, que será posteriormente transcrito nas Efemérides mineiras. Consulta, ainda, Melo Viana, ex-presidente da província e atual vice-presidente da República, sobre a possiblidade de se obter um exemplar das Efemérides. Edição esgotada.

Como bom e fiel amigo, Drummond irá então esbanjar camaradagem e boa vontade. Na Biblioteca Municipal de Belo Horizonte, onde está arquivado o jornal oficial, faz finalmente o homework de Mário. À maneira de monge beneditino, presta o favor impossível. No tempo em que não havia reprodução técnica disponível em biblioteca pública, copia o longo artigo/biografia de Bretas à mão e a lápis. Eis trecho da carta-resposta de Carlos Drummond, datada de sete de fevereiro do mesmo ano:

Fui direitinho à Biblioteca Municipal cavar o tal livro ou folheto de Rodrigo Bretas sobre o Aleijadinho, mas não achei nada pelo motivo muito simples de não ter livro nem folheto desse sujeito sobre o assunto. Perguntando ao doutor Mário de Lima, ex-diretor do Arquivo, e sabedor de coisas sobre Aleijadinho, fiquei sabendo que o trabalho do Bretas é um simples artigo publicado num jornal de Ouro Preto, em 1858 e transcrito nas Efemérides mineiras, de Xavier da Veiga. Estas Efemérides estão esgotadas. O Melo Viana diz que mandou tirar nova edição, o certo é que ela até agora não apareceu, quando aparecer mandarei para você, não custa nada. Mas pra que você não ficasse esperando, resolvi copiar o tal artigo na Biblioteca, e a cópia vai aí. É a lápis porque não tive tempo de passar a limpo, me desculpe e vá lendo assim mesmo. Procurei respeitar ortografia e sintaxe do autor, inclusive crases sem cabimento, palavras escritas de dois modos, etc. E que sirva pra qualquer coisa, é o que desejo.

Qual a serventia imediata da cópia manuscrita, a lápis, da biografia do Aleijadinho escrita por Bretas? Tudo indica que não há em Macunaíma alusão ao escultor mulato e sua vasta obra, ou pedidos de empréstimo aos Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa, de Rodrigo José Ferreira Bretas. Mas, a partir de 1927, o arquiteto e artista mineiro e seu biógrafo passam a frequentar com insistência − como se verá no transcorrer deste trabalho − a imaginação crítica de Mário de Andrade e dos demais companheiros de geração.

Outras leituras dos escritores modernistas levam-me a supor que o nome do primeiro biógrafo de Aleijadinho tenha sido soprado ao ouvido musical de Mário por terceiro, o poeta Manuel Bandeira, e ali ficado ressoando. Sabemos que o mestre paulista não gosta de dar o braço a torcer. Prefere pedir socorro ao discípulo mineiro, caindo no infindável desfiladeiro dos dados imprecisos. Pede-lhe um favor impossível, já que a sugestão de leitura não lhe veio das Gerais e conta apenas com dados bibliográficos vagos.

2.

Levante-se nova hipótese: a cola oferecida por Bandeira a Mário talvez denuncie o descontentamento do poeta recifense com os estragos causados pelo arquiteto lusitano e mentor Ricardo Severo na avaliação por parte de Mário da arte colonial brasileira. E talvez anuncie (ou denuncie) a crescente presença do mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade - descendente direto de Rodrigo Bretas, como se lerá − na liderança do movimento em favor do tombamento/restauração da arquitetura e da arte barroca brasileira.

Aliás, o exercício conjugado de tombar-e-restaurar o patrimônio público colonial sugere que, desde o final da década de 1920, a ideia está na ordem do dia entre os principais intelectuais modernistas. O binômio repercute e percorre as crônicas de Manuel Bandeira, hoje reunidas em Crônicas da província do Brasil. Em “Um purista do estilo colonial”, Bandeira desanca um “usineiro [pernambucano] que teria botado abaixo a velha casa para não entregá-la ao patrimônio público”. Na crônica “Velhas igrejas”, observa primeiro que as autoridades locais “tinham transformado a velha capela barroca num detestável gótico de fancaria!”, para afirmar ao final da crônica: “As ruínas apenas entristecem. Uma restauração inepta revolta, amargura, ofende”.

Em julho de 1928, Manuel Bandeira já bota banca na capital federal e dá as cartas. Publica na revista Ilustração Brasileira a crônica “O Aleijadinho” (texto revisto em 1930 e incluído hoje na coleção Crônicas da província do Brasil). Nela demonstra não só bom conhecimento do artigo jornalístico, ou seja, da biografia de Aleijadinho publicada nos anos de 1858 em Ouro Preto, como também expõe a amizade que mantém com o jovem bisneto de Rodrigo José Ferreira Bretas, o belo-horizontino Rodrigo Melo Franco de Andrade.

Nessa crônica - e, indiretamente, nos vários documentos que estamos levantando - percebe-se como, ainda no final da década de 1920, a biografia de Bretas irrompe - de maneira auspiciosa, embora não programada - no circuito setecentista barroco que vinha sendo revigorado desde a Semana Santa de 1924, ocasião em que Blaise Cendrars e os paulistas viajam às cidades históricas de Minas Gerais e passam por Belo Horizonte, onde conhecem os jovens escritores da terra. Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa irrompe no circuito, estimula-o e o reforça, jogando o português Ricardo Severo para fora de campo. Quando a década de 1920 se fecha, o circuito setecentista barroco já tinha transposto as respectivas e estreitas fronteiras estaduais. Está dando os primeiros passos com vistas a ganhar guarida nas várias instâncias do poder decisório federal, que estarão sendo aperfeiçoadas durante o governo Getúlio Vargas.

Em meados da década de 1930, os esforços dos vários poetas modernistas − envolvidos com as aventuras rocambolescas inspiradas na caça ao “artigo” de Rodrigo Bretas, na sua leitura e divulgação - serão somados aos de historiadores e arquitetos. O todo será empacotado, codificado em estatuto e oferecido ao correligionário Gustavo Capanema, então Ministro da Educação e Saúde (volta Carlos Drummond, agora como chefe de gabinete do ministério), e culminará, como se sabe, com o decreto presidencial que cria em 1937 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, posteriormente IPHAN). Organizador e primeiro diretor da instituição, o bisneto de Rodrigo Bretas, Rodrigo Melo Franco de Andrade, permanecerá durante 30 anos no cargo. Segundo publicação da Fundação Getúlio Vargas/CPDOC, “ao longo das décadas em que Rodrigo Melo Franco de Andrade e seu grupo estiveram à frente do SPHAN, os tombamentos incidiram majoritariamente sobre a arte e a arquitetura barrocas concentradas em Minas Gerais, principalmente nos monumentos religiosos católicos. Relembre-se, finalmente, que em julho de 1933 a antiga Vila Rica tinha se transformado por decreto em “monumento nacional”.

Já então o estilo neocolonial em arquitetura estava sendo execrado, em especial por Lúcio Costa que tanto tinha admirado a cidade de Diamantina. Por ocasião da escolha do projeto arquitetônico para o Ministério da Educação e Saúde, em 1936, dá-se a vitória definitiva do estilo moderno, lecorbusiano. Em primeira instância, será eleito o projeto estilo “marajoara”, de responsabilidade do arquiteto Arquimedes Memória. No entanto, o ministro Capanema anula a concorrência pública. Arquimedes não se faz de rogado. Dirige-se em carta ao presidente da República, denunciando a trinca ministro/secretário de gabinete/arquiteto, dados como agitadores comunistas:

Não ignora o sr. ministro da Educação as atividades do arquiteto Lúcio Costa, pois, pessoalmente já o mencionamos a S. Excia. entre vários nomes dos filiados ostensivos à corrente modernista que tem como centro o Clube de Arte Moderna, célula comunista cujos principais objetivos são a agitação no meio artístico e anulação de valores reais que não comunguem no seu credo. Esses elementos deletérios se desenvolvem justamente à sombra do Ministério da Educação, onde têm como patrono e intransigente defensor o sr. Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do ministro.

Para detalhes, recomenda-se o livro Colunas da Educação - A construção do Ministério da Educação e Saúde, 1935-1945, publicado em 1996.

3.

Observe-se que, desde a primeira hora, o poeta Oswald de Andrade está ausente do círculo interestadual de amigos a favor do binômio tombamento-e-restauração. Mais se torna compacto e eficiente o grupo que participará da criação do futuro SPHAN, menos circula o nome do autor do Manifesto antropófago. A causa da ausência talvez se enraíze no seu repúdio ao estilo neocolonialista em arquitetura, teorizado e imposto por Severo e assumido inicialmente por Mário de Andrade e Lúcio Costa, e na sua precoce e decidida opção pelo estilo moderno internacional (ou futurista), visivelmente influenciado por Le Corbusier e lançado em São Paulo pelo ucraniano Gregori I. Warchavchik, autor do artigo-manifesto “Acerca da arquitetura moderna”, publicado no jornal O correio da manhã no ano de 1925. Warchavchik será responsável pela primeira casa modernista do país, localizada na Vila Mariana e concluída em 1928.

Em entrevista concedida em setembro de 1926 à revista Terra roxa e outras terras, Warchavchik aborda a atualidade da arquitetura e da decoração em São Paulo, a fim de explorar a contradição gritante e irreconciliável - e fazê-la explodir − entre o estilo neocolonialista defendido por Ricardo Severo, Mário de Andrade e Lúcio Costa, e o estilo futurista lançado por ele e defendido entre outros por Oswald de Andrade. Lá se encontra ainda o elogio tanto da casa como “máquina de morar”, tomado ao mestre Le Corbusier, iv iv João Cabral de Melo Neto será também sensível às metáforas mecânicas de Le Corbusier. O Engenheiro, reunião dos poemas escritos entre 1942 e 1945, traz como epígrafe: “...machine à emouvoir...”, também tomada ao arquiteto suíço. O livro, por sua vez, está dedicado ao amigo Carlos Drummond. quanto do cimento armado em edifícios públicos.

Às vezes, compreende-se melhor o tema dominante numa narrativa histórica se se o enxerga pelas costas.

No decorrer da entrevista de 1926, o arquiteto ucraniano radicado em São Paulo lembra o caso de amigo culto que mandou construir sua casa com os últimos aperfeiçoamentos técnicos conhecidos. Como era pessoa de posses, tinha muitos objetos antigos. Observa Gregori num evidente juízo de valor estético: “Sem as antiguidades aquela casa nova, formava com os móveis igualmente novos, um conjunto reconfortante, claro, sadio, a tresandar alegria”. O desacordo entre os móveis e objetos antigos e a residência moderna escandaliza quando o amigo tenta harmonizar o tocheiro D. João V com a poltrona cujos acolchoados são idênticos aos do mais cômodo automóvel. Caberia ao proprietário encontrar a forma correta de congraçar o velho e o novo. Pipoca a sugestão. Ele poderia ter liberado o interior da casa nova com a construção no jardim de um pavilhão isolado [sic]. Ali, em descontinuidade, as antiguidades seriam preservadas. Conclui o arquiteto ucraniano: pelos seus aperfeiçoamentos técnicos modernos, a habitação é uma máquina completa e simples, “avessa à indumentária de outras épocas em que estes não existiam”. Lê-se ainda na entrevista o óbvio elogio da fábrica e do estádio desportivo, onde o cimento armado encontrará a sua maior utilidade, e a também óbvia depreciação do templo e do palácio, onde a tradição e o ornamento são de rigor:

a maior expressão do gênio inventivo do arquiteto não está mais no templo, porém na fábrica, nem tampouco no palácio mas no estádio para esportes. Neste ele pode atirar à imensa distância um lance de cimento armado, que irá resguardar do sol e intempéries os milhares de espectadores de um torneio esportivo sem lhes molestar a vista com colunas.

4.

Voltemos à biografia escrita por Bretas e à crônica de Bandeira sobre Aleijadinho, datada de 1928 e já citada. Escreve ele:

Depois de Saint-Hilaire, só uma pessoa, ao que me consta, ocupou-se de tão extraordinário artista [o Aleijadinho], dando-se ao trabalho de indagações e pesquisas de primeira mão sobre a sua vida e obra. Foi o publicista mineiro Rodrigo José Ferreira Bretas, bisavô do meu querido amigo Rodrigo Melo Franco de Andrade.

Além de dar a informação até então mantida em caráter sigiloso (Bretas não é o “fulano”, ou o “sujeito”, na verdade é o bisavô do querido amigo de todos, Rodrigo Melo Franco de Andrade), Bandeira transmite ao leitor de jornal os dados essenciais contidos na biografia pioneira de Aleijadinho. Digno de nota é o fato de que o poeta recifense amplia para o plano da ignorância coletiva e nacional a simples desinformação bibliográfica (de Mário e de Drummond) no tocante ao artista e arquiteto mineiro e seus trabalhos geniais. A ignorância sobre o Aleijadinho grassa entre todos os brasileiros e principalmente entre os que, especialistas em história e arte, deveriam ter dedicado tempo, pesquisa e estudo a ele. Bandeira constata em 1928 e afirma:

Daí para cá não se tem feito senão repetir o que escreveu Bretas. Estudo propriamente não existe nenhum sobre o homem [Aleijadinho] que foi, inegavelmente, o maior arquiteto e estatuário que já tivemos. Na Europa um artista como o Aleijadinho teria dado motivo a toda uma biblioteca.

No desenrolar da crônica, Bandeira segue passo a passo os Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa. Julgo que seja um dos resumos mais bem feitos do artigo jornalístico de Bretas, a ser complementado hoje com a leitura do ensaio de Rodrigo Melo Franco de Andrade, “A respeito de Aleijadinho” (datado de 1947 e hoje na coletânea Rodrigo e seus tempos). Neste se tecem importantes informações e considerações sobre a fonte mais fidedigna de Bretas, o texto escrito, no ano de 1790, por Joaquim José da Silva, vereador de Mariana. A outra fonte de Bretas, menos confiável, segundo Rodrigo, é o depoimento que lhe concede Joana, casada com o filho natural do Aleijadinho.

Saliente-se, enfim, o detalhe que marca a originalidade da postura crítica de Bandeira: decide manifestar a grande admiração pelo arquiteto e escultor Antônio Francisco Lisboa invocando o diminutivo - aleijadinho − que serve de apodo. Antes de ser estigma, o diminutivo - afirma Bandeira −v v No elogio ao diminutivo, Bandeira anuncia preciosas observações filológicas de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936). A seu favor, Sérgio invoca e subscreve a autoridade de Amado Alonso (1897-1952), crítico literário e filólogo espanhol, naturalizado argentino na década de 1930: “A profusão dessas formas [diminutivas] denuncia um caráter cultural, uma forma socialmente plasmada nas relações coloquiais, que é a reiterada manifestação do tom amistoso em quem fala e sua petição de reciprocidade. Os ambientes rurais e dialetais que criaram e cultivam essas maneiras sociais costumam ser avessos aos tipos de relações interpessoais mais disciplinadas das cidades ou das classes cultas [grifo nosso], porque os julgam mais convencionais e mais insinceros e inexpressivos do que os seus”. dignifica e exalta a saúde física e a força moral do homem e do artista. Vale a pena transcrever esta passagem da crônica:

O homem a que o diminutivo se aplicou nada tinha de fraco nem pequeno. Era, em sua disformidade, formidável. Nem no físico, nem no moral, nem na arte, nenhum vestígio de tibieza sentimental. Toda a sua obra de arquiteto e de escultor é de uma saúde, de uma robustez, de uma dignidade a que não atingiu nunca nenhum outro artista plástico entre nós.

O autor do clássico poema “Pneumotórax” escreve seu juízo crítico nas entrelinhas do perfil biográfico nitidamente calcado em Rodrigo Bretas. À semelhança do Euclides da Cunha de Os sertões (v., em particular, o capítulo “Antônio Conselheiro, documento vivo de atavismo”), Bandeira se vale do recurso ao oximoro para avaliar o quilate que regula a ambiguidade das figuras populares e marcantes da nossa nacionalidade. Por outro lado, repare-se que, no trecho citado, a combinação de dois advérbios (não, nunca) com adjetivo (nenhum) - todos na forma negativa - é também sinal de vigor da língua portuguesa falada no Brasil, tema caro ao poeta de “Evocação do Recife”.

Já de posse do manuscrito escrito a lápis e enviado por Carlos Drummond, Mário de Andrade pode dar-se ao luxo de comentar e criticar - as a matter of fact − a importante crônica de Bandeira sobre o Aleijadinho. Comenta-a e a critica em carta ao próprio autor, datada de 29 de agosto de 1928:

[…] li o artigo de você sobre o Aleijadinho. Só foi pena você não encompridar mais os pormenores de crítica que você pode fazer e de certo tem em si, sobre a arte do grandão.vi vi Informe-se que grandão é vocábulo comum no léxico de Mário e é a tradução ao português do vocábulo tupi, grafado ora açu ora guaçu. Neste capítulo, onde é sensível o gosto do crítico pela genealogia, não há como não citar a dedicatória de Roberto Schwarz a Antonio Candido em O pai de família e outros estudos: “ao meu mestre-açu Acê”. O artigo está interessantíssimo, destrói uma porrada de críticas levianas (mesmo as minhas) sobre o homem, está bem informado, está justo e tem vistas novas. Gostei mesmo francamente e meus parabéns. Porque gostei quis contar pra você que gostei […].

Atento, Bandeira comenta as observações elogiosas de Mário em carta datada de dois de dezembro daquele ano. Escreve ao paulista: “gostei bem que você tivesse gostado do artigo sobre o Aleijadinho”. Em seguida, transforma em autocrítica a crítica enunciada pelo amigo, insistindo na dívida que tinha contraído com Bretas: “Eu não podia encompridar a parte crítica: vi tudo aquilo às carreiras sem poder me informar suficientemente. Mas ainda assim certas coisas que vi e informações do Bretas me impressionaram logo à primeira vista e sobre esses aspectos é que falei”.

Levantada ao início deste prefácio, a associação de Macunaíma com o passado colonial mineiro representado por Aleijadinho, está também em carta de Bandeira dirigida a Mário de Andrade no dia 5 de abril de 1928. Nela o poeta se diz maravilhado com a viagem que acaba de fazer a Ouro Preto e São João Del Rei e, às avessas do post-scriptum interessantíssimo, incentiva a imediata publicação de Macunaíma. Opto por transcrever apenas o trecho abaixo, remetendo o leitor ao notável juízo estético de Bandeira sobre Ouro Preto, estampado na carta:

E ponha fora [da gaveta] o Macunaíma enquanto os bestalhões que andam fazendo brasilidades não acabam de desgastar a gente do Brasil, do modernismo, da literatura, de tudo! É preciso fechar o ciclo, urgentemente, com obra do pesado. Eu ando tão aporrinhado que fiz um soneto sobre Ouro Preto, sim senhor! Soneto alexandrino, com enjambements e chave de ouro do Tripuí.

Bem mais tarde, em 1938, o soneto parnasiano a que se refere servirá de epígrafe ao Guia de Ouro Preto, que Bandeira escreverá a pedido do Ministério da Educação e Saúde, e, dois anos depois, o mesmo soneto abrirá a coleção de poemas intitulada Lira dos cinquent’anos. Leiamos o terceto final do poema escrito em 1928:

E avulta apenas, quando a noite de mansinho

Vem, na pedra-sabão, lavrada como renda,

− Sombra descomunal, a mão de Aleijadinho!

Um ano depois de ter trocado carta com Mário sobre Bretas, Carlos Drummond demonstra ter copiado, lido e apreciado os Traços biográficos do finado Antônio Francisco Lisboa como também a crônica de Bandeira sobre o Aleijadinho. Vale-se de problemática desenvolvida naquela crônica - a lamentação referente à ignorância dos brasileiros em torno do Aleijadinho e das cidades históricas mineiras − para robustecer o longo artigo “Viagem de Sabará” que, em 1928, escreve para o número especial de O Jornal, dedicado a Minas Gerais, artigo incluído posteriormente na coletânea Confissões de Minas (1944). Por uma mirada de turista aprendiz é que Drummond retoma e alarga o tema da ignorância coletiva do brasileiro vis-à-vis da arte colonial mineira, exposto e desenvolvido por Manuel Bandeira. Leiamos Drummond, em paráfrase minha.

Quando o turista ou o visitante chega a cidade histórica de Minas Gerais, quais são os três tipos populares que se colocam à disposição para as informações indispensáveis? O menino, o velho e o sacristão − anota Drummond. Nosso conhecimento dos edifícios, dos templos religiosos e dos monumentos e nossa apreciação de seus artistas − deduz o leitor da ironia drummondiana − estiveram circunscritos à rudeza de três tipos provincianos, simples de espírito. O menino que conduz o visitante por Sabará ignora quase tudo, inclusive o nome de batismo do Aleijadinho. Presume-se que o velho seja mais bem informado, mas tem memória fraca e pernas trôpegas. De idade neutra, triste e vago, o sacristão deseja mostrar os livros da irmandade ao intelectual curioso, mas as chaves da sacristia nunca estão em seu poder.

Diante do descalabro espiritual reinante na cidade histórica das Gerais, o poeta de Menino antigo decide privilegiar a figura do garoto. Ao puxar conversa com ele, recebe apenas informações baralhadas sobre o aspecto físico do Aleijadinho, mas é ele quem não desmente o cerne da biografia escrita por Rodrigo Bretas. Enquanto degusta um pé-de-moleque, certamente oferecido pelo turista, o menino informa-lhe que o escultor “era um homem sem braços, sem pernas, tronco só, que fez todas essas igrejas que o senhor está vendo aí”. Ao retomar o tema da ignorância coletiva desenvolvido por Bandeira, Drummond conclui em 1928: “Antonio Francisco Lisboa continua assim à mercê da inventiva popular, que lhe atribui feitos improváveis e obras de duvidosa autenticidade”. Relembre-se, em contraponto, Bandeira: “Na Europa um artista como o Aleijadinho teria dado motivo a toda uma biblioteca”. Ou, ainda, o Mário que nos acompanha desde a epígrafe: “O Aleijadinho não teve estrangeiro que… lhe desse gênio e as vozes brasileiras não fazem milagres em nossa casa”.

É pelo aspecto físico do Aleijadinho que o cronista Drummond retoma a fala do menino para se inspirar, à semelhança de Manuel, na já então famosa biografia de Rodrigo Bretas. No ano seguinte ao em que copia a mão e para o amigo o artigo biográfico de Bretas, escreve Drummond na crônica “Viagem de Sabará”: “[…] porque Lisboa não nasceu aleijado, e Rodrigo Bretas, seu único e veraz biógrafo [grifo meu], nos afirma que só em 1777 começaram a roê-lo as muitas mazelas, que acumulou numa vida de farras franciscanas”. E o cronista continua:

Antes disso, porém, já havia produzido muito, e é claro como água que suas obras mais perfeitas são anteriores à “zamparina”, ou à complicação do “humor gálico com o escorbútico”.

De todos os modernistas daquela época, apenas Drummond - e Mário de Andrade, nos artigos de 1920, e posteriormente em 1928 - divide a obra do Aleijadinho em duas fases, dando a doença degenerativa como marco divisório. A separação em fases não é gratuita, já que conduz o poeta dublê de crítico de arte ao severo julgamento estético sobre as obras feitas ao final da vida, quando o homem estava completamente deformado. Ao bater de frente com os oximoros idealistas inventados por Bandeira a partir do diminutivo que serve de apodo, o poeta mineiro não arrefece o ânimo e perde o sentido da misericórdia. Não titubeia:

Artista irregular, a doença repelente tornou-o mais irregular ainda, rasgando uma diferença maior entre as figuras que saíram de suas mãos outrora íntegras e hoje mutiladas.

Apesar de considerar Aleijadinho genial, o Mário de Andrade de 1920, motivado pela teoria neocolonialista defendida pelo letrado Ricardo Severo, de origem metropolitana, via no mulato mineiro

[…] um mesquinho, que atravessou toda uma vida insulado na dor de ser feio e repelente, buscando dia a dia na sua bíblia a consoladora recompensa de se ver amado por um Deus, procurando na afeição do seu escravo Maurício, como um Camões da escultura, um eco das amizades que lhe recusara o mundo, sem meios para uma viagem de estudos ao Rio ou à Bahia somente, na sujeição constante das formas que vencia tirando da pedra ou da madeira os seus santos ou os seus anjos, esse mesquinho considero-o eu um mesquinho genial.

Não é fácil explicar o sentido do adjetivo/substantivo “mesquinho”. Talvez signifique “estreito de espírito e de visão”, como informa o dicionário. Outra afirmativa de Mário talvez explique melhor o adjetivo: “A alma criadora do gênio vivia nele, faltava-lhe a instrução”. Em 1920, sobram Severo e os excessos técnicos do estilo neocolonialista, fazem falta Bretas e a biografia. Não é por acaso que, na carta já citada a Bandeira, Mário reconhece ter sido capaz de “críticas levianas” ao Aleijadinho.

O poeta que convive com o cronista leva Drummond a também mudar de opinião crítica a respeito das obras de Aleijadinho. Ao fechar a década, no mês de janeiro de 1930, ele publica no jornal O correio da manhã o poema “O voo sobre as igrejas” (hoje em Brejo das almas, 1934). Nele, reiteradas vezes chama o artista de “mulato de gênio”. Sem adversativas, rs. A mudança de opinião talvez seja a responsável pelo retorno ao texto propriamente literário da figura retórica do oximoro, desprezada na crônica “Viagem de Sabará”, como assinalamos.

A associação de opostos é reapropriada por Drummond e se encontra visível no jogo entre o título do poema, que apresenta a obra do artista lá de cima (voo sobre as igrejas), e o poema propriamente dito, comandado pelo modelo de “elevação”, tão caro à poesia espiritualista de Charles Baudelaire e de Alphonsus de Guimarães. O movimento de cima para baixo do título, descensional, contrasta com o movimento de baixo para cima, ascensional, que circunscreve a viagem do poeta por Ouro Preto (“vamos subindo nessa viagem”) e recobre de pura religiosidade e misticismo a apreciação dos trabalhos do artista barroco.

Leiam-se estes versos ascensionais do poema em contraste com a visão à vol d’oiseau do poeta, sugerida pelo título:

Vamos subindo, vamos deixando a terra lá embaixo.

Nesta subida só serafins, só querubins fogem conosco,

De róseas faces, de nádegas róseas e rechonchudas,

Empunham coroas, entoam cantos, riscam ornatos no azul autêntico.

O espírito elevado do poeta, que apreende a obra de Aleijadinho, compensa o antigo, pedestre e rude julgamento, sedimentado na doença degenerativa. Ao desenvolvimento do clima de espiritualidade se soma a estrofe final de “O voo sobre as igrejas”, que se deixa comandar pela ingenuidade infantil. Os versos são escritos à imitação da abertura clássica das histórias da carochinha. A ingenuidade do estilo poético visa a desmistificar os aleijões físicos e lembra a fala simples do menino encontrado ao acaso em Sabará:

Era uma vez um Aleijadinho,

Não tinha dedo, não tinha mão,

Era uma vez um Aleijadinho […].

5.

A década de 1920 fora fechada prematuramente por Mário de Andrade, autor de longo, circunstanciado e substantivo ensaio sobre o Aleijadinho − “O Aleijadinho e sua posição nacional” (1928, hoje em Aspectos das artes plásticas no Brasil). Nele não só cita por duas vezes a biografia de Rodrigo Bretas, como incorpora muitas das observações críticas que vimos relatando. Nele também toma posse de outras veredas críticas e as explora.

Enumero os destaques do ensaio, onde nas entrelinhas se percebem alguns motivos teóricos que irão inspirar futuros pesquisadores e professores da Universidade de São Paulo, como Caio Prado Jr., Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Roberto Schwarz etc. Enumero-os apenas:

  • para a entidade nacional brasileira, o mal estar dos anos 1750-1830 é semelhante ao mal estar dos tempos de agora (década de 1920); tanto lá quanto cá, guardadas as devidas proporções, a cultura brasileira é sempre o eco atrasado da grandeza econômica do país;

  • na sociedade colonial brasileira, o mulato - grupo racial a que o Aleijadinho, segundo Mário, pertence − é o homem livre na ordem escravocrata: “nem eram negros sob o bacalhau escravocrata, nem brancos mandões e donos. Livres, dotados duma liberdade muito vazia, que não tinha nenhuma espécie de educação, nem meios para se ocupar permanentemente. Não eram escravos mais, não chegavam a ser proletariado, nem nada”;

  • na cultura brasileira, a “imposição do mulato”, a “normalização do mestiço” é expressão original da coletividade colonial (e não do colonialismo em si) e principia na segunda metade do século 18; Aleijadinho e outros mulatos geniais da época brilham nas artes plásticas e musicais; através deles, a Colônia principia a exercer influência sobre a Metrópole;

  • o Aleijadinho reinventa em Vila Rica o ateliê de artista do renascimento; não só os discípulos completam o trabalho do mestre, como este é arquiteto, escultor e entalhador ao mesmo tempo (Mário se vale do “conceito totalista do criador”, que remonta à Grécia, passa por cima da Idade Média, e retorna na Renascença);

  • o reconhecimento pelos poderosos do valor do escultor e do arquiteto Aleijadinho redunda em remuneração significativa; chega a ganhar meia oitava de ouro por dia (apud Rodrigo Bretas); o Aleijadinho possui três escravos e uma escrava;

  • a “deformação” do modelo lusitano como exercício de originalidade, as igrejas não são expressão do “belo”, mas são “muito lindas”; a crítica (ou melhor: a autocrítica) ao epíteto “primitivo” se aplicado a Aleijadinho; descaso dos viajantes estrangeiros pela sua obra, exceção para J. Friedrich von Weech, Richard F. Burton e Auguste de Saint-Hilaire; o problema da autoria das obras;

  • na vida profissional, a doença terrível determina as duas fases, a sadia e a enferma; a serenidade equilibrada e a clareza magistral da primeira fase contrastam com o sentimento mais gótico e expressionista da segunda fase; as duas fases são também explicadas a partir da escolha do material de trabalho, a pedra-sabão e a madeira; “na pedra foi um plástico intrínseco, na madeira um expressionista às vezes feroz”;

  • conclusão: Aleijadinho “é um mestiço, mais que um nacional. Só é brasileiro porque meu Deus! aconteceu no Brasil. E só é o Aleijadinho na riqueza itinerante das suas idiossincrasias. E nisto em principal é que ele profetizava americanamente o Brasil”.

CODA

Fechado e lacrado o testamento do biógrafo Rodrigo José Ferreira Bretas, zeradas pelos poetas modernistas brasileiros as colunas de débito e de crédito do Aleijadinho, aguardava-se a palavra crítica definitiva de um especialista estrangeiro. No dia 25 de julho de 1964, Rodrigo Melo Franco de Andrade, bisneto de Rodrigo Bretas, publica um miniensaio na revista O Cruzeiro cujo título não camufla o júbilo do autor: “Europa ganha olhos para ver o Aleijadinho”:

Em Paris, um grande livro acaba de ser publicado sobre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Com a assinatura do conservador-chefe do Museu do Louvre, o eminente escritor Germain Bazin, que dedicou mais de dez anos de estudos ao artista brasileiro, a obra revelará ao público europeu os traços físicos e morais, a vida atormentada e a vastíssima produção do artista genial que morreu na miséria e na obscuridade em 1814, na remota e fabulosa Vila Rica.

Em Aleijadinho et la sculpture baroque au Brésil (1963), súmula admirável, o santuário de Congonhas - acentua Rodrigo − é considerado “o mais perfeito que tenha realizado o Cristianismo”. E continua a citar Bazin: “no momento em que a arte religiosa ia sucumbir [na Europa], o mestiço genial acrescentou uma última estrofe ao poema da Paixão, esse mistério do Homem-Deus que, durante séculos, tinha inspirado aos homens tantas obras-primas. Fica-se estupefato da verdade teológica daquelas estatuas de Cristo, que revelam uma meditação profunda do drama da Paixão, apoiada não só na leitura do Evangelho, mas também no texto mais patético de Isaias”.

Rio de Janeiro, Dia de São Jorge.

REFERÊNCIAS

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  • Schwarz, Roberto. (2008). O pai de família e outros estudos. São Paulo: Companhia das Letras .

NOTAS

  • *
    Agradeço aos editores de Sociologia & Antropologia e à Maria Caroline Tresoldi a interlocução e atenção, bem como às/aos pareceristas anônimos/as do artigo.
  • 1
    N. E. Originalmente publicado como Prefácio a Rodrigo José Ferreira Bretas, “Traços biográficos do finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho”. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
  • i
    Para uma leitura aplicada dos textos sobre a viagem e do contexto, leia-se Expressão plástica e consciência nacional na crítica de Mário de Andrade, de José Augusto Avancini.
  • ii
    Num primeiro exercício de contraste, lembre-se que o biógrafo Rodrigo Bretas manteve relações estreitas com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, localizado no Rio de Janeiro.
  • iii
    A propósito de Lucio Costa e a arquitetura colonial mineira nos anos 1920, consultem-se ensaios reunidos por Wander Melo Miranda em Anos JK - Margens da modernidade (Editora da UFMG).
  • iv
    João Cabral de Melo Neto será também sensível às metáforas mecânicas de Le Corbusier. O Engenheiro, reunião dos poemas escritos entre 1942 e 1945, traz como epígrafe: “...machine à emouvoir...”, também tomada ao arquiteto suíço. O livro, por sua vez, está dedicado ao amigo Carlos Drummond.
  • v
    No elogio ao diminutivo, Bandeira anuncia preciosas observações filológicas de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936). A seu favor, Sérgio invoca e subscreve a autoridade de Amado Alonso (1897-1952), crítico literário e filólogo espanhol, naturalizado argentino na década de 1930: “A profusão dessas formas [diminutivas] denuncia um caráter cultural, uma forma socialmente plasmada nas relações coloquiais, que é a reiterada manifestação do tom amistoso em quem fala e sua petição de reciprocidade. Os ambientes rurais e dialetais que criaram e cultivam essas maneiras sociais costumam ser avessos aos tipos de relações interpessoais mais disciplinadas das cidades ou das classes cultas [grifo nosso], porque os julgam mais convencionais e mais insinceros e inexpressivos do que os seus”.
  • vi
    Informe-se que grandão é vocábulo comum no léxico de Mário e é a tradução ao português do vocábulo tupi, grafado ora açu ora guaçu. Neste capítulo, onde é sensível o gosto do crítico pela genealogia, não há como não citar a dedicatória de Roberto Schwarz a Antonio Candido em O pai de família e outros estudos: “ao meu mestre-açu Acê”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2022
  • Aceito
    07 Jul 2022
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