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A poética cantada: investigação das habilidades do repentista nordestino

The sang poetics: investigations on the skills of Northeastern poetic jousters

Resumo

O repente ou cantoria é uma arte poético-musical comum no Nordeste do Brasil e caracteriza-se pela improvisação de estrofes, ou seja, pela sua composição no momento da apresentação. Cantando sempre em duplas, ao improvisar versos os repentistas dialogam um com o outro e com os ouvintes. E colocam-se em relação com modelos estéticos incorporados, como as regras poéticas, os padrões melódicos e harmônicos, os moldes rítmicos da poesia, as temáticas usuais etc., a partir dos quais devem criar textos originais. No improviso, o cantador guia-se por esses modelos estéticos, dentre os quais ressalto como o principal fundamento prático do repente o ritmo poético incorporado por esses poetas.

Palavras-chave:
repente; cantoria; ritmo

Abstract

The poetical joust, or cantoria, is a poetic and musical art common in Northeast Brazil and is characterized by strophe improvisation, that is, by its making in the very moment of presentation. It is always sung in pairs of poets who, while improvising, dialogue with each other and with the public. They also place themselves in relationship with incorporated esthetic models, with poetic rules, melodic and harmonic patterns, the rhythmic patterns of this poetry, the usual themes and so on, departing from which they must create original texts. While improvising, the singer guides himself by these esthetic models, among which I highlight as the main practical foundation of improvised poetry the poetic rhythm incorporated by these poets.

Key words:
cantoria; rhythm; improvised poetry

A cantoria, também conhecida como repente, é uma arte poéticomusical comum no Nordeste brasileiro, bem como em locais que receberam grandes contingentes de migrantes nordestinos, como São Paulo e o Distrito Federal1 1 Neste artigo, sintetizo análises desenvolvidas em minha tese de doutorado (Sautchuk, 2009), para a qual realizei pesquisa de campo entre agosto de 2006 e novembro de 2007 nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, e no Distrito Federal, além de uma breve incursão na cidade de São Paulo. Muito do que percebi a respeito das habilidades e estratégias do repente resultou de minha experiência de aprendizado prático da arte da cantoria e de uma modesta atuação como um repentista amador. . Seus poetas são chamados de cantadores, repentistas ou violeiros, e atuam sempre em duplas, alternando-se no canto de estrofes compostas sob regras bastante rígidas de rima, métrica e coerência temática. Sua característica fundamental é o improviso, ou seja, a criação dos versos no momento da apresentação. A capacidade de sustentar o diálogo poético em apresentações que podem durar horas, respondendo às estrofes do parceiro e a pedidos dos ouvintes, é o aspecto mais intrigante e encantador dessa arte. Trato aqui justamente das habilidades, métodos e estratégias da criação poética na cantoria e investigo o ritmo poético incorporado como o principal fundamento prático desses poetas2 2 Embora cantoria e cordel sejam artes muito próximas em sua história e em sua prática, trata-se de artes claramente distintas, que constituem campos de atuação próprios. Além disso, embora compartilhem padrões estéticos e formais, bem como referenciais simbólicos assentados em temáticas tradicionais, essas duas formas de poesia exigem algumas habilidades diferenciadas: a cantoria, arte improvisatória, requer a agilidade de pensamento e um senso rítmico mais apurado para a criação de estrofes de caráter predominantemente lírico e trovadoresco, enquanto o cordel requer do poeta uma capacidade de criação de narrativas completas, com começo, meio, fim e moral da história. .

Para entender a complexidade desse fazer poético e as diferentes ordens de criatividade que ele envolve, é imprescindível atentar não apenas para seu resultado sonoro, mas também para seu processo de composição, isto é, para a ação do canto improvisado. Entendo que quando se olha unicamente para uma transcrição do resultado da criação poética, deixam-se de lado elementos fundamentais da cantoria, como a musicalidade de seus versos e o diálogo entre os cantadores e destes com a audiência que integra o improviso poético. Não quero com isso desqualificar a análise formal ou de conteúdo das estrofes, mas ressaltar que o ordenamento da mensagem é sempre englobado pelo ordenamento da ação, pelas estruturas de interações e construções simbólicas próprias da cantoria, as quais devem ser sempre tomadas como referência analítica.

Embora o termo “improviso” leve à ideia de imprevisto, de falta de planejamento, a improvisação na poesia, assim como na música, não é assistemática nem aleatória. Ao contrário, no improviso (poético ou musical), há muito da linguagem comum, da manipulação de tradições compartilhadas, de analogias de ideias e formas como recurso criativo, a partir das quais o improvisador é capaz de criar constantemente mensagens originais (Magrini, 1998MAGRINI, Tullia (1998). “Improvisation and group interaction in Italian lyrical singing”. In: NETTL, Bruno e RUSSELL, Melinda Russell (orgs.). In the course of performance: studies in the musical improvisation. Chicago/ University of Chicago Press. p. 169-98., p. 172; Díaz-Pimienta, 2001DÍAZ-PIMIENTA, Alexis (2001). Teoría de la improvisación: primeras páginas para el estudio del repentismo. Habana: Unión de Escritores y Artistas de Cuba., p. 173). Etnomusicólogos, como Nettl (1974NETTL, Bruno (1974). “Thoughts on improvisation: a comparative approach”. The musical quarterly. v. 60, n. 1. p. 1-19., 1998_____ (1998). “Introduction: an art neglect in scholarship”. In: NETTL, Bruno Nettl e RUSSELL, Melinda (orgs.). In the course of performance: studies in the musical improvisation. Chicago/ University of Chicago Press. p. 1-23.) e Sutton (1998SUTTON, R. Anderson (1998). “Do Javanese gamelan musicians really improvise?” In: NETTL, Bruno e RUSSELL, Melinda (orgs.). In the course of performance: studies in the musical improvisation. Chicago/ University of Chicago Press. p. 69-92.), consideram que o improviso envolve uma relação entre o músico e modelos estéticos (como escalas, padrões rítmicos, melodias), por meio da qual são criados novos resultados no momento em que se faz a música. Vale ressaltar que qualquer improvisação (seja nas artes ou em atividades corriqueiras como caminhar ou conversar) é relacional na medida em que requer tanto a relação do sujeito com conhecimentos e modos incorporados de agir e pensar quanto a relação dele com outros sujeitos e fatores da situação. Na cantoria os versos são compostos numa troca comunicativa contínua entre poetas e ouvintes. Embora eu considere essa ordem da interação central na dinâmica da cantoria, no presente artigo limito minha análise à relação dos repentistas com os modelos estéticos da cantoria, enfocando suas habilidades, métodos e estratégias de improviso poético3 3 Apresento uma reflexão extensa sobre aspectos socioculturais sobre as relações comunicativas nas situações da cantoria em outro trabalho (Sautchuk, 2009). .

Na cantoria, os versos são improvisados ao som das violas sobre melodias tradicionais chamadas de toadas4 4 Coloco os conceitos nativos em itálico na primeira vez em que aparecerem no texto. . Há toadas próprias para cada modalidade5 5 Modalidade, gênero e estilo são termos que designam as diversas formas poéticas e estruturas de estrofes da cantoria. de estrofe, e elas formam um acervo coletivo dos cantadores. No modo mais comum de apresentação, as chamadas cantorias de pé de parede, esses poetas atendem a pedidos da platéia por assuntos e modalidades. Há cantorias em que a plateia paga ingresso para assistir, e outras em que, nos momentos iniciais da cantoria ou ao fazer pedidos, o ouvinte coloca o dinheiro sobre uma bandeja situada em frente à dupla. Os cantadores atendem também a pedidos por peças pré-compostas, que são os poemas e as canções. Os primeiros são compostos em modalidades da cantoria e podem ser declamados ou cantados em uma toada com acompanhamento da viola igual ao dos gêneros de cantoria. Já as canções são composições de cantadores, mas não seguem estritamente as regras poéticas do improviso, são compostas sobre melodias próprias e acompanhamento instrumental com harmonias mais variadas.

São também frequentes os festivais, nos quais se cantam modalidades predefinidas e assuntos propostos pelos organizadores. A maioria desses eventos consiste numa competição entre duplas de cantadores. Aí, a interação entre poetas e ouvintes é mais distante em comparação com as cantorias, tanto pela disposição espacial (canta-se em palcos ou palanques) quanto porque a plateia não faz pedidos aos cantadores.

Há ainda outros contextos de apresentação menos valorizados. A feira é um local de apresentação e encontro entre cantadores e aqueles que promovem cantorias, mas desprezado pelos cantadores profissionais. Já o repente nas praias e bares, em que os cantadores caminham até os ouvintes para cantar versos e pedir-lhes dinheiro, é uma prática menosprezada por grande parte dos cantadores, que a consideram poeticamente sem valor e a equiparam à mendicância.

O repente requer um exercício de balanceamento entre parceria e competição. Em qualquer situação, há sempre uma disputa entre os cantadores - seja espontânea ou oficial, latente ou enérgica - em que cada um procura convencer ao público de sua superioridade poética. Ao disputar, os poetas colocam em jogo sua imagem pessoal, seu prestígio como repentista e a possibilidade de receber convites para cantar em outras ocasiões, caso agrade ao público - fator da maior importância principalmente para os que têm a cantoria como profissão. Por outro lado, a dupla deve trabalhar conjuntamente para envolver a plateia, e a obrigação de cantar a dois impõe o cultivo de parcerias, diante do que estratégias desleais, como o uso de versos decorados ou delongar-se propositadamente em temas que o colega não domina para humilhá-lo, podem gerar uma má imagem diante dos colegas.

Para falar das habilidades de composição dos versos, é necessário conhecer algumas regras poéticas estabelecidas do repente, as quais descrevo resumidamente. Os próprios cantadores afirmam que a cantoria se baseia em três fundamentos: métrica, rima e oração. Nesse contexto, a rima é consoante, ou seja, só é permitido rimar palavras que sejam correspondentes quanto ao som desde sua vogal tônica até seu final. Além disso, há um apego à chamada norma culta da língua portuguesa. Assim, “mulhé” não rima com “café”, “cantá” não rima com “Ceará”, “ilha” não rima com “Brasília” e “céu” não rima com “menestrel”. Nesse contexto, o certo é rimar “mulher” com “qualquer”, “café” com “picolé”, “Ceará” com “sabiá”, “cantar” com “azar”, “ilha” com “filha”, “Brasília” com “família”, “céu” com “tabaréu”, “menestrel” com “mel” e assim por diante6 6 Essas regras são consensuais na cantoria. Há também cordelistas que defendem sua aplicação estrita, desencadeando disputas por legitimidade no campo artístico e profissional do cordel. . Entre algumas exceções, permite-se rimar “ouro” com “namoro”. Normalmente os cantadores aprendem as normas da rima a partir de ensinamentos explícitos em conversas com colegas mais experientes.

A oração diz respeito à coerência temática tanto no interior de cada estrofe quanto no decorrer de um baião - na cantoria, o termo baião se refere precisamente a uma sequência de estrofes sobre um mesmo assunto e numa mesma modalidade poética. Quando um cantador inicia um assunto ou estilo, seja por interesse próprio ou a pedido da plateia, o parceiro tem de acompanhá-lo versejando sobre o mesmo tema durante aquele baião.

A métrica trata do ritmo poético e é referida pelos repentistas em termos da quantidade de versos por estrofe e de sílabas por verso nas diversas modalidades da cantoria. Em alguns casos, inclui ainda a distribuição dos acentos prosódicos no interior dos versos. A etimologia da palavra “verso” indica a ideia de ordenamento de elementos que se repetem. De fato, é do ritmo que vem a sensação de ordem e perfeição que confere à poesia um status especial nas formas de discurso.

As regras de métrica da cantoria são expostas segundo princípios difundidos da versificação em língua portuguesa. Sendo este um sistema silábico-acentual de classificação, as unidades rítmicas são divididas com base na sucessão de sílabas fortes e fracas. As sílabas são contadas somente até a última tônica de cada verso e pode-se fazer a elisão das vogais final e inicial de palavras consecutivas. A modalidade poética mais comum, com a qual se inicia qualquer apresentação é a sextilha. Como explica o cantador Zé Maria (Zé Maria de Fortaleza, s.d.ZÉ MARIA DE FORTALEZA (José Maria do Nascimento). (s.d.) Curso prático de literatura de cordel. Manuscrito.):

A sextilha é uma estrofe Que mostra no seu contexto Seis versos de sete sílabas E apresenta o seu texto Rimando o segundo verso Com o quarto e com o sexto.

Além disso, como em muitos outros estilos do repente, deve-se respeitar a deixa, rimando o primeiro verso da estrofe com o último verso da estrofe do parceiro. Essa obrigação poética influi na feição da disputa entre parceiros, na medida em que inibe o uso de versos decorados.

Outras modalidades ou gêneros bastante comuns na cantoria são as décimas com versos de sete, dez ou onze sílabas. Seus dez versos rimam sempre na sequência ABBAACCDDC. Com versos heptassílabos, há o mote em sete sílabas, ou mote em sete. A palavra mote se refere a uma frase, geralmente de dois versos, com a qual os poetas devem concluir suas estrofes. Por extensão, indica também as estrofes compostas a partir dessas frases. Os versos heptassílabos exigem o acento na última sílaba, mas dão liberdade para a disposição das sílabas fortes no decorrer do verso. Já os decassílabos e endecassílabos possuem um padrão de distribuição das sílabas tônicas. No decassílabo, devem ser fortes a terceira, a sexta e a décima sílabas. No endecassílabo, os acentos recaem sobre a segunda, a quinta, a oitava e décima primeira sílabas7 7 Exemplos dessas modalidades serão analisados mais adiante. .

Os ouvintes sempre esperam por um verso grande, que é a estrofe na qual o poeta apresenta atributos como beleza, criatividade, agilidade de pensamento e demonstração de conhecimentos, dentro da configuração poética adequada (a tríade métrica, rima e oração). É aquela estrofe bem construída em todos seus requisitos, que proporciona uma sensação de completude, perfeição e surpresa. Nesse contexto, regras e criatividade não se opõem, porque as formas estéticas da cantoria constituem um código que já carrega em si enorme poder comunicativo (Gonçalves, 2007GONÇALVES, Marco Antonio (2007). “Cordel híbrido, contemporâneo e cosmopolita”. Textos escolhidos de cultura e arte populares. v. 4, n. 1, p. 21-38.). O dom do cantador é saber reproduzir esse código e expressar-se por meio dele de acordo com suas normas.

A maioria dos cantadores sabe descrever essas regras, com maior ou menor grau de detalhamento. No entanto, com relação à métrica, esse conhecimento descritivo não é nem necessário nem suficiente para se cantar repente. A composição das estrofes precisa ser tão rápida que esses improvisadores, mesmo se quisessem, não teriam tempo de contar sílabas e versos. As normas de métrica constituem uma tradução, uma descrição de padrões rítmicos internalizados pelos cantadores desde sua infância, quando ouvem cantorias e brincam de fazer versos. A métrica é, portanto, um fundamento incorporado e irrefletido do repente. Quase todos os cantadores já cantavam ativamente quando vieram a conhecer e entender o vocabulário pelo qual se descreve esse conjunto de regras8 8 Em meu aprendizado do canto de improviso, percebi muito claramente a distância entre esses conhecimentos analítico-descritivos e a destreza prática do improviso poético. Os primeiros, aprendi inicialmente nos livros sobre cantoria e com o cantador e cordelista Zé Maria (que ministra cursos de formação e aprimoramento de cordelistas e repentistas), e logo percebi que jamais me levariam a improvisar. Comecei a desenvolver a segunda somente a partir do momento em que passei a tentar cantar improvisando com viola em punho junto com Raulino Silva e posteriormente com Zé Maria e outros cantadores. Na verdade, minha preocupação com as regras (exagerada no início da empreitada) dificultou por algum tempo que eu me deixasse levar pelo ritmo e improvisasse com a fluidez necessária. .

Além disso, essa forma de descrição das estrofes não é muito fiel ao modo como os cantadores concebem as mensagens. Porque eles não criam as estrofes verso a verso, mas a partir de frases de dois versos (e também de três versos em algumas modalidades). Isso se manifesta no próprio ritmo poético com o prolongamento da sílaba final dessa frase de dois versos e com eventuais pausas entre duas frases. Cada frase apresenta uma ideia que participa da construção da mensagem da estrofe, como nestes improvisos:

Ivanildo Vila Nova: Poesia é alimento/Que é feito com verso e voz [1ª frase: o que é poesia e do que é feita] Para nutrir o espírito,/Para brilhar como os sóis. [2ª frase: para que ela serve] É inventada por Deus/E interpretada por nós. [3ª frase: é um dom divino dado aos poetas] Raulino Silva: Transmitida pela a voz,/Ela vem com segurança. [1ª frase: sua concretização se dá pela voz] Pode ser vista até mesmo/No sorriso da criança, [2ª frase: manifesta-se nas coisas mais corriqueiras] Mas, de dia para dia,/De onde vive, faz mudança. [3ª frase: caráter inefável e misterioso da poesia] (Cantoria em Baraúna, RN, em 4/11/2007.)

Essa divisão da estrofe em frases é apontada apenas por alguns repentistas, tendo sido notada por Manoel Cavalcanti Proença em relação aos versos declamados do cordel, e por Maria Ignez Ayala (1988AYALA, Maria Ignez Novais (1988). No arranco do grito: aspectos da cantoria nordestina. São Paulo: Ática., p. 137-8) e Elba Braga Ramalho (2001RAMALHO, Elba Braga (2000). Cantoria nordestina: música e palavra. São Paulo: Terceira Margem., p. 73-5) com relação ao canto do repente9 9 A análise feita por Cavalcanti Proença é citada tanto por Ayala quanto por Ramalho. . Quanto a isso, a cantoria mantém semelhança com outras tradições de repentismo iberoa-mericanas (Díaz-Pimienta, 2001, p. 200-1) e com a poesia de trovadores medievais. No que diz respeito à técnica do improviso, o pensamento em dísticos facilita a montagem das estrofes, pois, numa sextilha, por exemplo, é mais rápido e seguro articular três ideias, ao invés de seis.

Com base na percepção da existência da frase enquanto unidade constitutiva da estrofe na cantoria, Ramalho optou por transcrever as sextilhas como tercetos de versos longos de quinze sílabas. Outras estudiosas da poesia cantada, como Elizabeth Travassos e Ria Lemaire comentaram (em comunicações pessoais) a necessidade de elaborar novas formas de transcrição de versos que contemplem a complexidade do modo de pensamento e enunciação desses poetas. A disposição das estrofes em versos longos correspondentes ao que estou chamando de frases (como fez Ramalho e como coloquei nas sextilhas supracitadas) é sem dúvida um passo importante nesse sentido, mas muito está por ser feito no que tange à tradução gráfica das regularidades sonoras do verso cantado. Por cautela, lembro que não se pode obscurecer a importância do verso simples (de sete, dez ou onze sílabas), pois ele guarda importância no plano sensório, uma vez que as toadas são tecidas por motivos melódicos que indicam esse verso; no plano formal, na medida em que rimas obrigatórias são alocadas também no final dos versos, como na deixa da sextilha; e no plano epistemológico, já que constitui parte de um saber analítico e descritivo dos próprios cantadores sobre sua arte.

Antes de tratar propriamente da relação entre música e palavra na cantoria, aponto algumas estratégias de composição. No diálogo poético, um cantador procura compor sua estrofe, ou ao menos planejá-la, no momento em que seu parceiro está proferindo seus versos. Além disso, constrói primeiro o desfecho da estrofe para depois pensar o meio e o começo. Alguns procuram compor a estrofe na íntegra durante esses vinte ou trinta segundos que antecedem seu canto. O objetivo disso é fazer com que o final da estrofe seja também seu clímax, pois é para aí que o público volta sua atenção. Também os bertsolariak (repentistas bascos) pensam primeiro o dístico conclusivo da estrofe, ou ao menos sua rima final. Isso tem uma função metodológica, pois a definição de uma ideia forte para o final dá mais segurança para a composição dos trechos restantes, e uma função comunicativa, pois a estrofe é construída num crescendo e seu auge coincide com seu fim, surpreendendo o público. Essa surpresa ocorre porque a atenção do ouvinte está nos versos que o poeta está proferindo, enquanto a atenção do poeta está nos versos finais (Egaña, 2005EGAÑA, Andoni (2005). “The process of improvised bertsoak”. In: ARMISTEAD, Samuel e ZULAIAKA, Joseba (orgs.) Voicing the moment: improvised oral poetry and basque tradition. Reno: University of Nevada. p. 323-40., p. 330-1). Exemplifico isso a partir de estrofes de João Paraibano e Sebastião Dias, cantadas sobre o mote (em sete sílabas) “quanto mais canto o sertão, mais tem sertão pra cantar”, pedido por um ouvinte numa cantoria.

João Paraibano: Lembro armadilha e quixó10 10 Tipo de armadilha para pegar pequenos mamíferos. , Pássaro beliscando frutas, Mas não esqueço das matutas Com o rosto cheirando a pó. Doidas pra ir pra o forró, E o pai sem querer deixar, Mas é perdido empatar: Quando ele dorme, elas vão. Quanto mais canto o sertão, Mais tem sertão pra cantar11 11 O mote enaltece o sertão enquanto temática vasta e inesgotável, rebatendo a pretensão de alguns segundo os quais os temas de conhecimento (história, mitologia, geografia, política conhecimentos gerais etc.) seriam mais desafiadores aos poetas. . Sebastião Dias: Quando eu canto a capoeira, O sertão é minha cara. Canto o preá na coivara, Canto o tejo12 12 Espécie de lagarto (Tupinambis teguixin). O mesmo que tejuaçu, teiú ou teiú-açu. na carreira E o boi, quando tem coceira Que pega a lhe incomodar, Para a coceira parar, Passa a língua como a mão Quanto mais canto o sertão, Mais tem sertão pra cantar. (Fortaleza, CE, 28/4/2007).

Essas estrofes mostram um padrão muito corriqueiro. Nos primeiros versos, os poetas apenas evocam elementos da vida sertaneja, que é o tema mais abrangente proposto pelo mote. João só apresenta as personagens da estrofe (as matutas) no terceiro verso, para, na quadra final (no caso do mote, os versos do quinto ao oitavo), retratar um conflito de gerações com a imagem poética surpreendente de um pai adormecido que representa a incapacidade de valores antigos de fazer frente às transformações na moral sexual.

Sebastião somente introduz sua ideia central, a coceira do boi e seu gesto de coçar-se, na quadra final da décima. Utiliza então um método recorrente de criação de imagens na cantoria, que é a comparação de ações de animais e fenômenos da natureza com atitudes, faculdades e invenções humanas. O que se faz é exaltar a perfeição dos processos naturais, atribuindo-lhes características humanas (como a exatidão do gesto do boi ao se coçar) ou indagando como eles ocorrem sem a intervenção humana (a “marcha a ré” do beija-flor, o motor que dá movimento aos astros e o calendário pelo qual algumas espécies da fauna sertaneja conseguem “prever” a chegada da estação chuvosa são imagens bastante utilizadas). Essas figuras expressam o lugar do homem em uma concepção cosmológica segundo a qual a natureza representa a perfeição da criação divina, enquanto o homem, imperfeito e pequeno diante de tal magnitude, pode mitigar sua imperfeição e impor-se sobre a natureza por meio das técnicas e conhecimentos que construiu a partir do dom divino da inteligência e do livre-arbítrio.

Percebe-se que o improviso não é feito a partir do nada. Ele requer método e planejamento. Além disso, ao improvisar, o cantador se coloca em relação com um conjunto de referências culturais e modelos estéticos. Para dar significado a ideias, valores e mesmo dilemas coletivos, o poeta navega em meio a esse arcabouço, recolhendo imagens, modos de construção de pensamentos e formas de expressão para os rearranjar em uma nova estrofe, numa situação específica.

Dentre esses modelos que o poeta carrega em sua mente e seu corpo, é preciso ressaltar os padrões rítmicos da cantoria. O principal instrumento de percepção do ritmo poético na cantoria é a toada. Cada gênero de estrofe possui toadas específicas, com ritmo correspondente ao de sua métrica. Um jovem repentista potiguar chamado Raulino Silva me disse que a toada é como uma forma de cortar massa de pastel. Quer dizer, ela não deixa sobrar nem faltar grandezas sonoras na composição dos versos. Ao pensar frases, versos e expressões, esse senso rítmico incorporado diz ao poeta se elas cabem ou não na métrica.

A toada é uma espécie de fórmula, uma sequência rítmica que orienta o poeta no momento do improviso. Ao estudar a arte dos bardos da antiga Iugoslávia, Albert Lord (2000LORD, Albert Bates. (2000). The singer of the tales. Cambridge: Harvard University Press.[1960]) intrigou-se com a sua capacidade de cantar poemas épicos com milhares de versos. Embora tivessem enredos fixos, esses poemas não eram memorizados na íntegra, mas recompostos (improvisados) no momento de cada apresentação. Lord queria entender o processo de composição oral desses poemas e percebeu que essa habilidade se baseava na internalização do ritmo repetido em frases regularmente empregadas nos mesmos padrões métricos para expressar as ideias mais comuns dessa tradição poética. A essas frases, Lord chamou de fórmulas. Entre os bardos iugoslavos, ela serve para a repetição e variação de ideias sobre enredos fixos. Na cantoria, a repetição de ideias é considerada erro. Além disso, a variedade temática da cantoria dificulta a identificação de linhas que nos poemas épicos são sistematicamente substituídas ou reorganizadas no ato de recontar uma história13 13 White (2005) coloca ressalvas semelhantes em relação ao uso do conceito de fórmula para a compreensão do bertso dos repentistas bascos. . Mesmo assim, a análise de Lord sobre a arte dos bardos é inspiradora porque aponta o lugar central da relação entre ritmo e palavra na criação poética de improviso. Nesse sentido, entendo que o repentista nordestino compõe seus versos orientado por padrões rítmicos que são expressos não em frases recorrentes, mas nas melodias em que enunciam seus versos14 14 A toada fornece esse senso do ritmo poético que é incorporado pelos cantadores. Por isso também alguns cordelistas repetem o conselho em forma de mote: “Poeta, escreva cantado/ pra não desmetrificar”. .

As melodias das toadas correspondem sempre à extensão de uma estrofe completa. Em linhas gerais, as toadas possuem desenhos melódicos descendentes e são compostas por motivos análogos aos versos, agrupados dois a dois em frases musicais. Seus trechos iniciais, mais agudos, impõem uma impostação vocal mais tensa. No fim, a melodia se acomoda à nota fundamental, repetida pela corda mais grave da viola, o que coincide com o clímax poético do desfecho do verso15 15 Devo muito de meu entendimento das toadas a leitura dos estudos de Elizabeth Travassos (1989) e de Luciano Py de Oliveira (1999), o qual faz uma análise abrangente das características melódicas das toadas dos gêneros mais comuns da cantoria. .

Nas toadas de sextilha, frequentemente, os motivos finais de cada frase musical são iguais, repetidos ou transpostos um grau abaixo na escala. Esses motivos correspondem às linhas pares da estrofe, que rimam entre si, gerando um paralelismo entre repetição (ou semelhança) no plano dos fonemas e no plano da melodia. Essa correspondência entre semelhanças fonológicas e semelhanças melódicas não ocorre em todos os gêneros da cantoria, e nas décimas, por exemplo, não é sistemática, mas também colabora na composição dos versos. Tive consciência disso diante de um erro que cometi. Na primeira vez que cantei um mote em sete em público, ainda não sabia nenhuma toada deste gênero. Zé Maria, que cantava comigo, me disse que eu “improvisasse” uma melodia. Eu trazia na memória uma toada de quadrão, gênero que estava acostumado a cantar, e iniciei minha décima improvisando sobre aquele desenho melódico. Embora fossem dois gêneros de versos heptassílabos, a toada do quadrão mantém uma congruência com as rimas sequenciais AAABBCCB ou AAABCCCB, o que me induziu a rimar a segunda linha com a primeira, contrariando a sequência de rimas das estrofes em décima.

Nas modalidades de dez e onze sílabas, os acentos melódicos marcam uma disposição fixa das sílabas tônicas no interior de cada verso. Nos decassílabos, os acentos repousam na terceira, na sexta e na décima sílabas ou pulsos de cada verso, como neste improviso de Jonas Bezerra sobre um mote (as sílabas tônicas estão em tálico).

Não confundo o amor com aparência, Que o amor possui uma plenitude. O conceito de mãe não tem quem mude: Uma flor que transcende a inocência. O amor sempre na presidência, Mas não bota o seu nome em eleição. Não tem urna fazendo apuração Nem ninguém procurando ser suplente. O Amor é o único presidente Que governa o país do coração16 16 Essa estrofe é um exemplo de mote em decassílabo ou mote em dez. Ela é idêntica em sua forma ao martelo agalopado (gênero tradicional da temática do desafio), que não possui mote no final. . (Cantoria com Raulino Silva e Luciano Leonel em Caruaru, PE, 20/9/2007.)

Cada verso se divide em três partes que culminam respectivamente nos acentos da terceira (“O concei-”), sexta (“-to de mãe-”) e décima sílabas (“não tem quem mude”). Forma-se assim um conjunto de 3+3+4 sílabas poéticas ou 3+3+5 pulsos (sendo que o último pulso corresponde à extensão da tônica final de uma oxítona ou à terminação átona de uma paroxítona ou proparoxítona).

O único estilo de versos de onze sílabas difundido entre os cantadores é o galope à beira-mar - décima concluída sempre com uma variação da frase “nos dez de galope da beira do mar”. Nele, os acentos tônicos são colocados na segunda, na quinta, na oitava e na décima primeira sílabas de cada verso, como nesta estrofe improvisada por Geraldo Amâncio:

Eu sei que Jesus do Céu me conhece, Gosta do meu verso, dessa propaganda. Se eu peço um repente, o Cristo me manda, Me manda ligeiro, pois do céu desce. Depois , na cabeça, o verso aparece, Me desce pra boca preu pronunciar. Inda tem um anjo para me ajudar. E tem uma quina nesse meu juízo: Não faz outra coisa, só faz improviso Nos dez de galope da beira do mar. (Cantoria com Severino Feitosa em Fortaleza, CE, 28/8/2008.)

Os versos encadeiam conjuntos de 2+3+3+3 sílabas poéticas, correspondentes a 3+3+3+3 pulsos. Formam-se assim quatro tempos regulares com três pulsos cada, que são cantados em andamento preferencialmente mais rápido que o habitual de outros estilos. No verso inicial de uma estrofe e naqueles que sucedem versos agudos17 17 Versos agudos são aqueles concluídos em sílabas oxítonas e os graves, em proparoxítonas. , o primeiro pulso do primeiro grupo é uma pausa ou o prolongamento da sílaba tônica que fecha a linha anterior. Nos versos graves, a sílaba átona final constitui o primeiro pulso do verso seguinte como em (ajudar.) (E tem)(uma má) (quina nesse18 18 É comum perceber nos galopes uma sílaba átona no último pulso do primeiro ou do terceiro conjunto, como se pode notar nesse e em outros versos da estrofe em questão, desvio que pode ser acomodado no canto. Entretanto, cantar um verso com a quinta ou décima primeira sílaba átona seria um erro de métrica incontornável. )(meu juí-)(zo: Não faz)(outra coi-)(sa, só faz)(improvi-)(so Nos dez) […].

O galope à beira-mar possui uma particularidade pouco notada por cantadores e ouvintes, mas (certamente por isso mesmo) reveladora do papel do senso rítmico irrefletido na composição dos versos. Fazendose a escansão do primeiro verso dessa estrofe, percebe-se que ele possui apenas dez e não onze sílabas poéticas. Isso porque, ao alocar a sílaba tônica de uma palavra oxítona no terceiro pulso do segundo tempo (a quinta sílaba), dá-se o mesmo processo que ocorre com qualquer agudo em um galope: os poetas preenchem o tempo seguinte com uma pausa ou prolongamento da sílaba forte final. Quer dizer, mesmo com uma sílaba a menos, todos os pulsos são realizados e ritmo fica inalterado - por isso, poucos percebem o fato19 19 Que me foi ressaltado pelos poetas Zé Maria e Edson Santos (mestre e aprendiz, respectivamente), os quais procuram aprofundar seus conhecimentos sobre a arte escrevendo e escandindo estrofes suas e de outros autores. Além disso, se os mesmos padrões rítmicos são possíveis na quinta e na décima primeira sílabas, pode-se descrever o verso do galope como duas unidades iguais de 2+3 sílabas ou de 3+3 pulsos - interpretação defendida por alguns cantadores e estudiosos. O que fica evidente é que o ritmo incorporado do verso cantado predomina como fundamento prático do improviso sobre as normas enunciadas da poesia. A toada constitui artifício cognitivo fundamental no repente, pois é por meio dela que o cantador incorpora os padrões rítmicos e uma percepção global das estrofes que compõe.

Ademais, por suas características melódicas, as toadas também colaboram para a construção de significado das mensagens poéticas, como afirma Elizabeth Travassos (1989TRAVASSOS, Elisabeth (1989). “Melodias para a improvisação poética no Nordeste: toadas de sextilhas segundo a apreciação dos cantadores”. Revista brasileira de música. n. XVIII, p. 115-29.). Há toadas próprias para os desafios, outras para temas de humor, e também as toadas “penosas”, mais adequa-das para temas tristes, como a saudade.

A viola, por sua vez, funciona tanto como um diapasão, orientando a afinação do canto, quanto como um metrônomo, marcando o seu andamento. O padrão mais comum de acompanhamento (chamado de baião de viola) consiste na repetição de um ciclo de acordes de lá-ré-lá maiores, o qual equivale ritmicamente à extensão de um verso de sete sílabas. Como o centro da apresentação é a voz, para evitar que o som das violas encubra o canto, não se costuma manter o baião de viola enquanto um poeta profere sua estrofe: às vezes, calam-se as violas, mas pode-se também executar alguns floreios ou mesmo dedilhar a melodia da toada.

A viola tem função de auxiliar os cantadores na manutenção do ritmo da cantoria, o que inclui tanto o ritmo poético de cada estrofe quanto o ritmo da troca de estrofes com o parceiro. Quando um poeta demora demais para “soltar” seu verso, batendo nas cordas da viola para pensar no que vai dizer, ele quebra o andamento do diálogo poético e dispersa a atenção do público, o qual tende a entender que o cantador que tarda insistentemente esteja “apanhando”. Pecando pelo oposto, há poetas que, em disputas acirradas, usam iniciar seu canto logo que o colega encerra sua última sílaba, quase emendando sua estrofe com a do outro, mas isso não é bem visto, porque inibe ou encobre aclamações eventuais da audiência (aplausos, gritos, elogios) à estrofe do parceiro. O mais adequado, segundo a expectativa dos ouvintes e a ética da cantoria, é partir (iniciar o canto) após o tempo equivalente a um, dois ou três versos, tendo o ritmo do baião de viola como guia.

A relação da toada com o ritmo poético e com a construção de significados dos textos, bem como a função orientadora do baião de viola indicam que os versos dos repentes devem ser entendidos em função de outros recursos comunicativos da cantoria. Esses elementos comunicativos complementam formalmente uns aos outros. Segundo Jakobson (1966JAKOBSON, Roman (1966). “Grammatical parallelism and its Russian facet”. Language. v. 42, n. 2. p. 399-429., 1975_____ (1975). Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix.), a poesia se caracteriza pela criação de relações de significado por meio de paralelismos. Na cantoria, tal característica expande-se para além do plano da mensagem linguística, e a criação semântica por meio de paralelismos ocorre também por meio da “fusão” de meios expressivos (Tambiah, 1985TAMBIAH, Stanley Jeyaraja (1985). “A performative approach to ritual”. In: Culture, thought and social action. Cambridge/Harvard University Press. p. 123-66.) como a língua e a música. No repente, há redundância formal nos elementos propriamente poéticos, como as rimas, e há também na melodia das toadas (que fornecem o ritmo poético), nas características melódicas que sugerem climas e sentimentos, na harmonia repetitiva e na alternância obrigatória dos dois cantadores na composição de estrofes. Quer dizer, embora o conteúdo linguístico dos versos seja, para muitos, o elemento mais valorizado do repente, e a métrica seja seu fator primordial de organização, a riqueza da cantoria não está em nenhum de seus elementos isoladamente (a palavra, a toada, o baião de viola…), mas na forma comunicativa que estes se compõem em conjunto. Os elementos são ordenados uns em relação aos outros. Tal ordem é a base de uma coesão que dá vida a esses elementos enquanto uma totalidade diante da nossa capacidade de percepção (Kubik, 1979KUBIK, Gerhard (1979). “Pattern perception and recognition in African music”. In: BLACKING, John e KEALIINOHOMOKU, Joann (orgs.). Performing arts: music and dance. The Hague: Mouton. p. 221-49.).

O encanto que a cantoria exerce sobre poetas e ouvintes vem justamente dessa coesão formal e do caráter improvisatório de sua expressão. É isso que confere ao cantador uma identidade social específica e a função de seu papel de artesão de um modo especial de comunicação e ritualização de sentimentos e valores coletivos. Tal identidade é construída pelas relações que estabelece e pelo lugar social que ocupa em função de sua capacidade de expressão dentro desse código.

Referências bibliográficas

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  • ZÉ MARIA DE FORTALEZA (José Maria do Nascimento). (s.d.) Curso prático de literatura de cordel Manuscrito.
  • 1
    Neste artigo, sintetizo análises desenvolvidas em minha tese de doutorado (Sautchuk, 2009SAUTCHUK, João Miguel (2009). A poética do improviso: prática e habilidade no repente nordestino. Tese. Universidade de Brasília, Brasília.), para a qual realizei pesquisa de campo entre agosto de 2006 e novembro de 2007 nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, e no Distrito Federal, além de uma breve incursão na cidade de São Paulo. Muito do que percebi a respeito das habilidades e estratégias do repente resultou de minha experiência de aprendizado prático da arte da cantoria e de uma modesta atuação como um repentista amador.
  • 2
    Embora cantoria e cordel sejam artes muito próximas em sua história e em sua prática, trata-se de artes claramente distintas, que constituem campos de atuação próprios. Além disso, embora compartilhem padrões estéticos e formais, bem como referenciais simbólicos assentados em temáticas tradicionais, essas duas formas de poesia exigem algumas habilidades diferenciadas: a cantoria, arte improvisatória, requer a agilidade de pensamento e um senso rítmico mais apurado para a criação de estrofes de caráter predominantemente lírico e trovadoresco, enquanto o cordel requer do poeta uma capacidade de criação de narrativas completas, com começo, meio, fim e moral da história.
  • 3
    Apresento uma reflexão extensa sobre aspectos socioculturais sobre as relações comunicativas nas situações da cantoria em outro trabalho (Sautchuk, 2009).
  • 4
    Coloco os conceitos nativos em itálico na primeira vez em que aparecerem no texto.
  • 5
    Modalidade, gênero e estilo são termos que designam as diversas formas poéticas e estruturas de estrofes da cantoria.
  • 6
    Essas regras são consensuais na cantoria. Há também cordelistas que defendem sua aplicação estrita, desencadeando disputas por legitimidade no campo artístico e profissional do cordel.
  • 7
    Exemplos dessas modalidades serão analisados mais adiante.
  • 8
    Em meu aprendizado do canto de improviso, percebi muito claramente a distância entre esses conhecimentos analítico-descritivos e a destreza prática do improviso poético. Os primeiros, aprendi inicialmente nos livros sobre cantoria e com o cantador e cordelista Zé Maria (que ministra cursos de formação e aprimoramento de cordelistas e repentistas), e logo percebi que jamais me levariam a improvisar. Comecei a desenvolver a segunda somente a partir do momento em que passei a tentar cantar improvisando com viola em punho junto com Raulino Silva e posteriormente com Zé Maria e outros cantadores. Na verdade, minha preocupação com as regras (exagerada no início da empreitada) dificultou por algum tempo que eu me deixasse levar pelo ritmo e improvisasse com a fluidez necessária.
  • 9
    A análise feita por Cavalcanti Proença é citada tanto por Ayala quanto por Ramalho.
  • 10
    Tipo de armadilha para pegar pequenos mamíferos.
  • 11
    O mote enaltece o sertão enquanto temática vasta e inesgotável, rebatendo a pretensão de alguns segundo os quais os temas de conhecimento (história, mitologia, geografia, política conhecimentos gerais etc.) seriam mais desafiadores aos poetas.
  • 12
    Espécie de lagarto (Tupinambis teguixin). O mesmo que tejuaçu, teiú ou teiú-açu.
  • 13
    White (2005WHITE, Linda (2005). “Formulas in the mind: a preliminary examination to determine if oral formulaic theory may be applied to the Basque case”. In: ARMISTEAD, Samuel e ZULAIAKA (orgs.) Voicing the moment: improvised oral poetry and basque tradition. Reno/University of Nevada, Center for Basque Studies. p. 265-80.) coloca ressalvas semelhantes em relação ao uso do conceito de fórmula para a compreensão do bertso dos repentistas bascos.
  • 14
    A toada fornece esse senso do ritmo poético que é incorporado pelos cantadores. Por isso também alguns cordelistas repetem o conselho em forma de mote: “Poeta, escreva cantado/ pra não desmetrificar”.
  • 15
    Devo muito de meu entendimento das toadas a leitura dos estudos de Elizabeth Travassos (1989) e de Luciano Py de Oliveira (1999OLIVEIRA, Luciano Py de (1999). A música na cantoria em Campina Grande (PB): estilo musical dos principais gêneros poéticos. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal da Bahia, Escola de Música, Salvador.), o qual faz uma análise abrangente das características melódicas das toadas dos gêneros mais comuns da cantoria.
  • 16
    Essa estrofe é um exemplo de mote em decassílabo ou mote em dez. Ela é idêntica em sua forma ao martelo agalopado (gênero tradicional da temática do desafio), que não possui mote no final.
  • 17
    Versos agudos são aqueles concluídos em sílabas oxítonas e os graves, em proparoxítonas.
  • 18
    É comum perceber nos galopes uma sílaba átona no último pulso do primeiro ou do terceiro conjunto, como se pode notar nesse e em outros versos da estrofe em questão, desvio que pode ser acomodado no canto. Entretanto, cantar um verso com a quinta ou décima primeira sílaba átona seria um erro de métrica incontornável.
  • 19
    Que me foi ressaltado pelos poetas Zé Maria e Edson Santos (mestre e aprendiz, respectivamente), os quais procuram aprofundar seus conhecimentos sobre a arte escrevendo e escandindo estrofes suas e de outros autores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    Abr 2010
  • Aceito
    Maio 2010
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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