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O entrelugar da experimentação no romance latinoamericano contemporâneo: Manuel Puig e Caio Fernando Abreu

The inter-place of experimentation in contemporary Latin American novel: Manuel Puig and Caio Fernando Abreu

Resumo

Analisamos os discursos e as formas de experimentação da narrativa romanesca desenvolvidos por Manuel Puig, em Boquitas pintadas, e por Caio Fernando Abreu, em Onde andará Dulce Veiga?, a partir da noção de entrelugar. Por meio de tal lugar, instável e marcado por trocas e reelaborações simbólicas, é possível pensar, em ambos os romances, as condições em que se deflagram as experiências subjetivas e estéticas que se apresentam como possíveis no contexto em que tais obras se produzem, marcado pelo excesso de informação, pelas demandas do mercado editorial, pelas determinações da indústria cultural e pelo diálogo com a cultura de massa e um público massivo e diversificado. Sempre que possível, tais considerações se estendem, ainda, a certa produção literária experimentalista desenvolvida no âmbito mais geral da América Latina, entre os anos 70-90, aproximadamente.

Palavras-chave:
Manuel Puig; Caio Fernando Abreu; experimentação; romance latinoamericano contemporâneo

Abstract

We analyze the speech and forms of narrative experimentation developed by Manuel Puig and Caio Fernando Abreu in Boquitas pintadas and Onde andará Dulce Veiga? from the notion of inter-place. Such a place, unstable and marked by symbolic exchanges, allows us to think, in both novels, about the conditions under which subjective experiences and aesthetic are triggered. By presenting themselves as possible in the context in which such works are produced, marked by the excess of information, the publishing of market demands, the cultural industry determinations, and by the dialogue with mass culture and a massive and diversified public. Whenever it is possible, such considerations extend even to determined experimentalist literary production, developed in Latin America, between the 70s and 90s approximately.

Key words:
Manuel Puig; Caio Fernando Abreu; Experimentation; Contemporary Latin American Novel

A primeira observação necessária às considerações que desenvolvemos a seguir, particularmente sobre Manuel Puig e Caio Fernando Abreu, mas, em certa medida, sobre a América Latina de um modo mais amplo, se refere à delimitação do conceito de entrelugar, que vai nos guiar em nossa discussão. Entendemos por entrelugar não um lugar indefinido e inalcançável e, desse modo, um lugar estável e seguro, por sua intangibilidade, no qual os sujeitos e as instâncias discursivas envolvidas estariam protegidos. A concepção que adotamos se afasta, ainda, de noções como a proposta por Soja (1996SOJA, E. W. (1996). “Introduction/Itinerary/Overture. In: _____. Thirdspace. Cambridge: Blackwell. p. 1-23.), o terceiro espaço, o qual é formado pelo primeiro (o real) e pelo segundo espaço (o imaginário), constituindo-se numa espécie de lugar-real-e-imaginário, que se apresenta como um meio alternativo capaz de criar um arquipélago discursivo, uma ilha que protege os indivíduos nela situados e pode, ainda, permitir que eles alcancem para si uma voz própria, longe das ameaças e das tensões externas.

Entendemos a noção de entrelugar como sendo um meio fundamentalmente dinâmico, em movimento, marcado por tensões, trocas e elaborações simbólicas, eminentemente criado e arranjado pela linguagem, sejam quais forem os códigos por ela mobilizados em tal processo. Nesse sentido, nossa perspectiva dialoga intensamente com a noção de hibridação, apresentada por Canclini (1998CANCLINI, N. G. (1998). Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp.) e revista e ampliada por ele em texto posterior (2003), uma vez que vamos falar de processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas que já existiam separadamente se associam para criar novas estruturas, objetos, práticas e valores, em nosso caso, no âmbito das artes e da literatura latino-americana contemporânea. Acreditamos que tal perspectiva nos oferece uma flexibilidade capaz de abarcar a diversidade latino-americana em que se inserem as obras de Puig e de Abreu, aqui representadas pelos romances Boquitas pintadas (1984PUIG, M. (1984). Boquitas pintadas. Barcelona: Seix Barral.) e Onde andará Dulce Veiga? (1990), pois, na América Latina, ainda hoje convivem, de certo modo, estruturas arcaicas de poder, projetos econômicos modernizadores (muitas vezes desiguais) e a presença/ ação das indústrias culturais mais recentes, ou seja, mecanismos de poder alternativos ao lado dos poderes oficiais, projetos desenvolvimentistas e urbanísticos e a oferta massiva de bens de consumo típicos das sociedades capitalistas coexistem, mas nem sempre se harmonizam ou se acolhem reciprocamente. Aliás, o entrelugar de que falamos, aqui, tem como uma de suas características fundamentais o fato de estar associado ao movimento de entrada na Modernidade e de (possível/esperada) saída dela, por que passam/passaram as nações da América Latina, desde fins do século XIX até o presente. Tal visão, em trânsito, nos possibilita flagrar o caráter desigual dessa modernização (Canclini, 2003) e, também, as tensões que, tanto no campo político-ideológico quanto no socioeconômico e cultural, não se resolvem totalmente, mas se manifestam nas relações intersubjetivas, entre elas as manifestações culturais, que, aqui, nos interessam mais de perto. Em vez de tentarmos separar esses lugares, propomos, pois, estudar a produção literária de que Puig e Abreu são representantes exatamente a partir das incertezas que tais cruzamentos provocam.

Nos casos de Puig e Abreu, há de ressaltar, também, a relação ambivalente que suas obras estabelecem com os processos de industrialização e de massificação dos meios e dos códigos comunicacionais. Nesse sentido, suas obras demonstram a consciência de que se desenvolvem sob condições de produção e de mercado que, se não determinam as produções artísticas contemporâneas, dialogam fortemente com elas e deixam, também, sua marca, pois, como nos alerta Eco (1993ECO, U. (1993). Apocalípticos e integrados. 5. ed. São Paulo: Perspectiva.), já não é possível desconsiderar nem negar as influências e determinações da indústria cultural e da cultura de massas sobre a vida do homem contemporâneo. Inclusive, segundo Canclini (2003______ (2003). Noticias recientes sobre la hibridación. Trans. Barcelona, n. 7. Disponível em: <http://www.sibetrans.com/trans/trans7/canclini.htm>, Acesso em: 10 de jul. 2009.
http://www.sibetrans.com/trans/trans7/ca...
), os processos de hibridação, por exemplo, podem se desenvolver a partir da criatividade individual e coletiva, mas, ainda, na própria vida cotidiana, inclusive pela necessidade de atualização dos modos de vida em relação às formas que o sistema de produção desenvolve.

Ainda em relação à assunção de um conceito de entrelugar, é necessário pensar, aqui, a posição em trânsito do próprio termo: “entre” quê? Entrelugar em relação a quê? Estudar a literatura contemporânea exige de nós um olhar relacional (e se não ampliamos nosso foco, muitas vezes, é por desconhecimento e/ou por limitações de nosso próprio meio acadêmico). De certo modo, ao longo do século XX, o mundo tornou-se uma unidade operacional única (Hobsbawm, 1995HOBSBAWM, E. (1995). Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras.). Praticamente, em qualquer parte dele encontramos as mesmas imagens, os mesmos símbolos e a disseminação dos mesmos valores, conduzidos, fundamentalmente, pela dinâmica dos mercados norte-americano e europeu, que nos apresentam os gostos possíveis e buscam torná-los obrigatórios, com uma política, já internacionalizada, de iconicização e divulgação de seus produtos por meio dos mass media. Nesse sentido, a presença da mídia falada e escrita, bem como a especialização comercial da produção cine-matográfica e televisiva hollywoodiana, por exemplo, já que a grande maioria das produções estrangeiras segue seus moldes, colaboram para uma universalização dos valores, dos gostos e da moda a serem consumidos pelo homem, em escala mundial. Bastaria, para comprovar, mencionar a presença das franquias de fast food McDonald’s em quase todos os países do mundo, onde se comem os mesmos lanches, a mesma batata frita e se toma o mesmo refrigerante: Coca-Cola. Nesse contexto,

o telespectador, o público do cinema, o ouvinte de rádio, o leitor de La Nación, de Life, de O Cruzeiro, ou de Primera Plana recebe, de maneira contínua, moldada à sua imagem, uma realidade já digerida, através da qual se lhe propõem projetos e modelos para que escolha em seu interior como se fosse livre, numa etapa da elaboração da mensagem na qual as decisões já foram tomadas. (Saer, 1979SAER, J. J. (1979). “A literatura e as novas linguagens”. In: MORENO, C. F. América Latina em sua literatura. São Paulo: Perspectiva. p. 307-22., p. 308, grifos do autor)

Desse modo, o entrelugar do discurso literário latino-americano de que falamos, aqui, é pensado em relação aos modelos europeu e norteamericano. No entanto, se economicamente nossa posição é de dependência e até submissão em relação a nossos modelos, do ponto de vista de nossas manifestações artísticas, a literatura experimental e crítica desenvolvida por Puig e por Abreu a que nos voltamos, aqui, por exemplo, nos mostra que, apesar de se desenvolver num meio economicamente subdesenvolvido, certamente ela não é, de modo algum, subdesenvolvida. Aliás, com certo extremismo, podemos dizer que a segunda metade do século XX foi a época da literatura latino-americana. E isso não só pelo boom de produção e comercialização dessa literatura (especialmente a de língua espanhola), mas porque esse aumento numérico considerável esteve associado à qualidade das produções literárias, que passaram a ser lidas no mundo inteiro e se tornaram, algumas vezes, mais conhecidas no exterior que em seus próprios países1 1 Não se pode desconsiderar, no entanto, o atraso e a debilidade dos sistemas educacionais da maioria dos países latino-americanos, apesar de as estatísticas apontarem uma crescente escolarização da população, fator que influencia a difusão e o usufruto da leitura de literatura entre seus habitantes, em alguma medida. Desde meados do século XX, junto às estatísticas, poucos eram os países que, depois da criação da ONU e das avaliações de desenvolvimento humano, queriam admitir que a maior parte de suas populações mal sabia ler e escrever, especialmente na parte sul do globo, como nos aponta Hobsbawm (1995). . Tal reconhecimento na Europa e nos Estados Unidos reforça, de certo modo, o fato de que a literatura latino-americana pós-50, mesmo em sua diversidade, levou ao mundo algumas das “caras” da América Latina e, nessa pluralidade, mostrou-se como sendo de uma grande complexidade interna e de importante valor artístico. É bem verdade, também, que boa parte dessa literatura tão bem recebida na Europa e nos Estados Unidos desenvolveu o chamado realismo mágico e a busca por identidades nacionais, afastando-se, portanto, das produções que nos interessam, mais de perto, aqui, o que, no entanto, não invalida nossa proposição.

Nesse contexto, paralelamente à produção literária mais conhecida do boom, que desenvolve o realismo mágico, desenvolveu-se uma linha de produção literária experimental e crítica que dialoga com o contexto dos mass media, do excesso de informação, da onipresença da indústria cultural no cotidiano da vida urbana e da experiência humana sob regimes políticos autoritários (ditaduras militares no Brasil e na Argentina, por exemplo). Como observa Irlemar Chiampi,

desde então, a ficção latino-americana vem desenvolvendo uma bem sustentada apropriação dos gêneros que os meios massivos consagram, o povo consome e a elite abomina: foto e radionovela, zarzuela, romance sentimental ou “cor-de-rosa”, histórias de detetive, musicais, cinema B, filmes policiais; e o repertório inesgotável da música popular, em cujos sub-gêneros o Caribe é campeão: guaracha, bolero, danzón, rumba, cumbia, salsa... Mais reconhecíveis pelos termos despectivos de “música brega”, “filmeco”, “subliteratura”, “bolerão”, “dramalhão”, esses gêneros massivos aparecem reutilizados ou reciclados em La tía Julia y el escribidor (1977), do peruano Mario Vargas Llosa; El beso de la mujer araña (1976), Pubis angelical (1979), entre outros romances do argentino Manuel Puig; Sólo cenizas halla rás (1980) do dominicano Pedro Vergés; Bolero (1983), do cubano Lisandro Otero; La guaracha del Macho Camacho (1976) e La importancia de llamarse Daniel Santos (1989), do porto-riquenho Luis Rafael Sánchez; Celia Cruz, reina rumba (1981) do colombiano Umberto Valverde. (Chiampi, 1996CHIAMPI, I. (1996). “O romance latino-americano do pós-boom se apropria dos gêneros da cultura de massa”. Revista Brasileira de Literatura Comparada. São Paulo. n. 3, p. 75-85., p. 75-6)

Sem dúvida, Boquitas pintadas e Onde andará Dulce Veiga? podem integrar a lista elencada por Chiampi. Nesse sentido, esses dois romances estabelecem um olhar crítico sobre o fazer artístico no contexto histórico e cultural da Argentina e do Brasil da segunda metade do século XX, apresentando-nos, entre outras questões, um espaço de discussão acerca da relação da América Latina com suas matrizes culturais - a Europa e, mais recentemente, os Estados Unidos - na elaboração de seu(s) pensamento(s) e de seus conceitos e padrões culturais e estéticos, na tensão em que se apresentam e se relacionam.

Em Boquitas pintadas, por exemplo, observamos a tensão entre o urbano e o rural, na experiência das personagens que vão para a capital, mas ainda mantêm marcas das formas de vida da província, como ocorre com a personagem Raba/Antonia Josefa. Também dentro do próprio espaço urbano verificamos o choque. É o que ocorre com Pancho, no mesmo romance, pois há um contraste entre sua casa, pobre, em construção ainda, sem piso, o equivalente a um barraco, em português, e os objetos que deseja possuir, sua cama, por exemplo, que “tenía un elástico a resorte” (Puig, 1984PUIG, M. (1984). Boquitas pintadas. Barcelona: Seix Barral., p. 76), e que se afasta totalmente das demais camas e dos objetos da casa. Enquanto suas irmãs dormem juntas, amontoadas na mesma cama, e seu irmão sequer tem uma cama, Pancho ostenta uma cama exclusiva, que lhe confere certa sensação de superioridade em relação aos demais, numa situação análoga à da cama em relação aos demais móveis da casa. Chega a ser grotesco o destaque que a cama adquire nesse universo miserável. Santos (1993SANTOS, L. V. (1993). Kitsch e cultura de massa na América Latina: a narrativa latino-americana dos anos 70-80. Tese. São Paulo: Universidade de São Paulo.) refere-se a situações semelhantes em habitações suburbanas brasileiras, em que há um amontoamento de objetos díspares que, saídos de seus devidos lugares, formam um outro lugar. Pancho tem aspirações pequeno-burguesas - razão pela qual quer tornar-se oficial da polícia -, e a posse da cama, comprada por teimosia, como nos diz o texto, manifesta, para ele, no microcosmo de sua casa, essa ascensão almejada no âmbito social.

Entretanto, a mascarada social que reveste seu gesto está no fato de que, como descobrimos depois, esse luxo lhe custou um mês de salário, portanto um verdadeiro sacrifício, mas, salvo dentro de sua casa, ele continua sendo o mesmo pedreiro, marcado pela condição étnica - é um negro -, cujos traços nada têm a ver com a suposta delicadeza, distinção e polidez de estilo a que ele almeja e que a cama simboliza, pois seus dentes “eran cuadrados y grandes, pero manchados, oscurecidos por el agua salada de la bomba” (Puig, 1984PUIG, M. (1984). Boquitas pintadas. Barcelona: Seix Barral., p. 77), descrição que enfatiza o grotesco da situação e, de certo modo, aponta para o fato de que a realização do desejo de Pancho é questionável, ao sugerir que, mesmo que possua os bens que marcam a ascensão social, ele não alcançará essa distinção. No caso de Pancho, aliás, seus desejos são sintomáticos: quer tornar-se oficial de polícia, sonha com Nélida, loira, angelical, contrastando-a com Raba, negra/morena, pobre, empregada doméstica - com quem ele terá relações sexuais e um filho -, e quer possuir bens de consumo típicos da classe média. Seu objetivo é ocupar outro espaço social, mas isso ressalta ainda mais seu deslocamento em relação ao universo almejado. Ele não se sente bem ocupando o espaço social que lhe cabe, e, sem grandes possibilidades de mudar sua posição, vale-se dos meios que estão a seu alcance para dar algum traço de realidade a seu desejo, terminando por perceber que “se arrepintió de haber gastado tanto, pero su hermano dormía en un catre y él no” (Puig, 1984, p. 83), ou seja, está disposto a fazer o sacrifício. Cabe chamar a atenção, aqui, para o fato de que, no caso de Pancho, a crítica não é ao desejo de ascensão social da personagem, mas à violência simbólica que opera no modo de realização desse desejo, pois a ostentação de signos de distinção só faz revelar que tal distinção, mesmo quando alcançada economicamente, não se dá de modo pleno.

Na situação acima, que pode ser analisada num estudo do kitsch em Boquitas pintadas, a discussão pode ser observada do ponto de vista da mobilidade sociocultural que caracteriza a América Latina (Santos, 1993SANTOS, L. V. (1993). Kitsch e cultura de massa na América Latina: a narrativa latino-americana dos anos 70-80. Tese. São Paulo: Universidade de São Paulo.). No caso de Pancho, a mobilidade se situa, então, no impasse entre o desejo de ascender social e culturalmente e as poucas chances de isso acontecer. As personagens de Boquitas pintadas, desse modo, pelas poucas experiências comunicáveis que têm, entendem que só poderão desfrutar de prestígio e/ou de boa qualidade de vida, se saltarem de seu grupo social e cultural a outros imediatamente superiores. Entre as personagens fundamentais do romance: Nené, Mabel, Pancho, Juan Carlos, Celina e Raba, a única exceção parece ser Raba, que inclusive se identifica com o popular e com a vida simples de marcas provincianas. Quanto às principais personagens femininas, como já notara Santos (1993), Nélida quer ser Mabel que quer ser uma “rubia de New York”, numa referência ao foxtrote que dá mote e título ao romance e que confirma o desejo de mobilidade.

Nesse sentido, o desejo de mobilidade social cria uma demanda estética, que tem no público representado pelas personagens do romance, com valores pequeno-burgueses, um grupo ávido por adquirir símbolos/ status burgueses que a posse de bens parece lhes poder dar. Num extremo, os valores buscados ainda se ligam, junto à coletividade, à tradição aristocrática, que, no pensamento latino-americano em que nossa cultura se desenvolve, tem uma presença muito forte, em razão da experiência colonial que aqui se instalou, com nítida distinção entre senhores e escravos, e isso aparece mais claramente na situação vivida por Pancho, em Boquitas pintadas. Como não se situam no grupo detentor do que consideram cultura/classe alta, tais personagens tentam promover sua ascensão até ele, demonstrando o cultivo, a posse e/ou o conhecimento dos elementos que o caracterizam e que lhes servem de fator de distinção: no caso das personagens de Puig (1984PUIG, M. (1984). Boquitas pintadas. Barcelona: Seix Barral.), esses elementos são bens de consumo, mas em Abreu (1990______ (1990). Onde andará Dulce Veiga? São Paulo: Companhia das Letras.) também estão associados à posse de bens culturais, como o conhecimento de literatura e artes, por exemplo (Alves, 2009ALVES, W. S. (2009). O olhar cinematográfico em Boquitas pintadas, de Manuel Puig, e em Onde andará Dulce Veiga?, de Caio Fernando Abreu. São José do Rio Preto: Fapesp.). Quanto ao efeito kitsch decorrente da configuração híbrida de formas, imagens e discursos das personagens de Boquitas pintadas e Onde andará Dulce Veiga?, já observamos que, nesses romances, tais elementos cumprem a função de identificação de lugares sociais e culturais a que almejam e/ou a que as suas personagens estão condicionadas, pelas relações de poder (econômico e/ou social) em que se veem envolvidas. (Alves, 2009) Logo, por meio da relação das personagens com seus objetos de desejo, cada um dos dois romances realiza uma amostragem espetacularizada do universo em que suas personagens vivem, o que colabora para dar a ver, criticamente, o entrelugar social em que se situam, também, as personagens de ambas as narrativas, marcado pela sedimentação, pela mudança, pela inadaptação e pelo choque.

No que se refere à incorporação do kitsch, por exemplo, em tais romances, há uma abertura à pluralidade linguística e à diversidade de códigos, que, de certo modo, relativizam o poder a que eles estão ligados. Nesse sentido, tal procedimento de incorporação democratiza o espaço tradicionalmente consagrado ao discurso literário, promovendo uma espécie de secularização dos meios e dos códigos linguísticos mobilizados pela arte contemporânea, numa dinâmica que não se dissocia, também, das transformações do mercado e das ações da indústria cultural. Desse modo, Puig e Abreu colocam em discussão, como um elemento pertinente às relações entre arte e cultura, na narrativa contemporânea, a condição dessa produção literária em relação aos condicionamentos da indústria cultural e dos meios de comunicação de massa, que, relacionados a um contexto mercadológico, consideram a literatura como um produto.

Tal posicionamento de ambos os escritores coloca em questão as alternativas do escritor latino-americano contemporâneo, no nosso caso, de Puig e de Abreu, diante do contexto em que desenvolve sua arte. Se, por um lado, estão conscientes de que não possuem a ideia romantizada de liberdade absoluta de criação, imersos que estão num contexto em que escrever se tornou também um trabalho, e a profissionalização de sua atividade os coloca no âmbito do mercado, por outro lado, seu trabalho consciente com a potencialidade combinatória das linguagens e dos códigos que lhes são contemporâneos lhes permite driblar, de certo modo, o condicionamento absoluto de seu fazer artístico às demandas de um mercado editorial interessado apenas em alcançar um público cada vez maior e mais variado. O próprio Caio F. foi um escritor que viveu parte de sua vida como jornalista, mas teve como projeto individual tornar-se um escritor reconhecido. Notamos, pois, aqui, mais uma das manifestações desse entrelugar de que estamos falando. Nesse caso, tensionam-se os projetos artísticos individuais e as demandas de um mercado editorial gerido pela indústria cultural e voltado às massas, mas, por outro lado, essa vivência como jornalista lhe proporciona a experimentação e o emprego de procedimentos típicos da linguagem jornalística, por exemplo, certa objetividade na escrita e a experimentação com a tipologia e a disposição do texto na página.

Onde andará Dulce Veiga? nos apresenta, por exemplo, trechos dispostos em colunas, como o texto jornalístico típico. Veja-se:

Márcia Francisca da Veiga Prado não era nome de estrela. Mas esses quatro nomes tinham história. Márcia, modernezas do fim dos anos 60, heranças de JK; Francisca homenageava a avó goiana, mãe da mãe, diziam que sangue de índia com alemão, estranhos olhos verdes; Veiga vinha de Dulce, e Prado do pai Alberto. Alberto conhecera Dulce quando era apenas um estudante de teatro, e ela uma cantora conhecida. Ele então, no nome artístico, preferira o Veiga ao Prado, mais dramático. Quando a mãe desapareceu, Márcia não tinha dois anos. Me conte a sua vida, pedi meio sem graça. Eu nunca fora nem seria um bom repórter, desse tipo que espicaça e provoca, eu tinha medo de ferir. Quase sem me olhar, Márcia falava de cabeça baixa, acendendo cigarros, roendo as unhas ou espiando de vez em quando a tevê ligada. Espiei também, acompanhando seus olhos, mas não cheguei a descobrir se, numa sessão da tarde qualquer, era Imitação da vida, o Erro de Siuan Slade ou O candelabro italiano. (Abreu, 1990______ (1987). “Onde Andará Lyris Castellani”. In: O Estado de São Paulo. Caderno 2. São Paulo, 28 jan., p. 92, destaques do autor; o trecho em colunas continua)

Tal procedimento explora a velocidade de leitura que tal disposição formal do texto lhe imprime, manifestando a simultaneidade e a fragmentação dos discursos tanto do jornal quanto do romance em questão, que, ao valer-se de recursos de tal meio de comunicação, sofre as influências dele também. No texto, destaca-se, ainda, a simultaneidade temporal, de certo modo espacializada na própria página, e a performatividade que o texto em coluna apresenta. Por meio desse efeito de simultaneidade, ambos os tempos, da narrativa de Márcia F. e da narração do romance pela voz do narrador, se manifestam e, ao final da entrevista, se fundem, quando o narrador desliga o gravador e, no capítulo seguinte (25), o texto volta à sua disposição habitual. Tal disposição em colunas pode apontar, ainda, a dificuldade de comunicação que as personagens de Onde andará Dulce Veiga? apresentam, no caso, Márcia F. e o narrador, que, inclusive, se diz um mau repórter exatamente por não ser do tipo que “provoca e espicaça”. Nesse sentido, as personagens manifestam suas vozes fragmentária, anônima e isoladamente, muitas vezes para si mesmas, como o faz o narrador, porque não mantêm, entre si, contatos suficientemente íntimos e significativos para o intercâmbio de experiências. Com isso, o texto “cria um espaço para a ficção dramatizar a experiência de alguém que é observado e muitas vezes desprovido de palavra” (Santiago, 1989SANTIAGO, S. (1989). “O narrador pós-moderno”. In: _____. Nas malhas da letra. São Paulo: Cia. das Letras. p. 38-52., p. 44). “A incomunicabilidade, no entanto, se recobre pelo tecido de uma relação, relação esta que se define pelo olhar. Uma ponte feita de palavra envolve a experiência muda do olhar [identificado com a perspectiva do narrador, em Onde andará Dulce Veiga?] e torna possível a narrativa.” (Santiago, 1989, p. 44-5). Boquitas pintadas, por sua vez, também realiza um movimento análogo à mudança de perspectiva de uma câmera de cinema, na passagem da primeira para a segunda parte do romance.

A primeira parte do romance nos traz a influência do desejo e da juventude das personagens, cujas experiências acompanhamos, a partir dos álbuns de fotografias, das cartas, das agendas e das lembranças de diálogos íntimos das personagens. As “boquitas rojo carmesí”, a primeira parte do romance, mesmo que possam encontrar alguma dificuldade ou angústia, pelo ciúme, pela necessidade de contenção do desejo ou pela impossibilidade de realizá-lo, por razões diversas, ainda estão mais próximas da crença na realização de seus desejos, pelos momentos felizes que têm nos eventos de que participam e nas aventuras que vivenciam: encontros no portão, a contragosto dos pais, abordagens rápidas nas ruas e companhia para chegar até a casa, tentativas de marcar encontros e de obter meios para comparecer a eles, enfim, fase que parece mais próxima do polo positivo dos padrões de avaliação que o sujeito jovem representado no romance tem como meta.

Na primeira parte do romance, as personagens de Puig (1984PUIG, M. (1984). Boquitas pintadas. Barcelona: Seix Barral.) ainda não apresentam uma consciência crítica de sua condição no universo em que vivem e, de um modo geral, podem ver suas vidas de modo eufórico. Talvez se possa dizer que seus desejos e seus sonhos ainda lhes falem mais alto do que sua realidade, que só mais tarde será sentida pelas personagens. Já na segunda parte do romance, desenvolvem-se as “Boquitas azules, violáceas, negras” (Puig, 1984, p. 133) e, se continuam na escala de cores, as personagens, especialmente as femininas, avançam em direção a seu extremo, numa gradação que é coerente com as experiências vivenciadas por elas. “Sus ojos azules muy grandes se abrieron/ mi pena inaudita pronto comprendieron/ y con una mueca de mujer vencida/ me dijo ‘es la vida’ y no la vi más” (Puig, 1984, p. 153, tango de Alfredo Le Pera). Podemos notar, pois, que seguimos com as cores, mas, agora, as “boquitas” passam da condição de observadas à de observadoras. O sentido fundamental continua sendo a visão, mas, aqui, o que se vê tem outro tom. Passou do “rojo carmesí” a uma gradação que começa com a quase neutralidade, quando se consegue ver a intimidade do outro e reavaliarse a si, a partir de “sus ojos azules”, a mais imaterial das cores, que lhes permite ver as imagens sem grandes deformações resultantes das projeções individuais ou da não distinção eu-outro. É quando as personagens femininas se dão conta de suas reais condições e se tornam conscientes de suas identidades problemáticas. Então, veem o outro que há por trás da maquiagem e dos mascaramentos que os padrões e as convenções as incitam a manter, tais como: o modelo de felicidade amorosa, baseado na família tradicional, por parte de Nélida, e legitimado pelo casamento (com a noiva ainda virgem); e o modelo de condição social ideal no universo de que fazem parte, que podemos identificar aos padrões de classe média ou mais alta, de ideologia burguesa e gosto médio, o qual se crê elevado, que problematizam as relações e os desejos amorosos de Mabel, entre outros. Já maduras, quanto à idade, abaladas, de alguma forma, pela notícia da morte de Juan Carlos, as personagens (as femininas), na segunda parte, se põem a avaliar suas trajetórias “con una mueca de mujer vencida” e notam, ao olhar para o passado, que estão sozinhas (Celina e Mabel) ou não souberam, durante grande parte de suas vidas, viver seu presente (Nené), pois ficaram buscando na juventude os modelos de felicidade, o que prejudicou a relação, na vida adulta, com sua vida real, com a família e o marido, por exemplo. Essa (re)visão de seu passado se deve à desestruturação de seu presente, já que a morte de Juan Carlos quebra o elo que associava as demais personagens do romance entre si.

Em Onde andará Dulce Veiga?, a vida também é, muitas vezes, concebida como sendo um filme. Diz o narrador: “parado na porta − se a câmera mudasse seu enquadramento e substituísse meus olhos pelos olhos de Castilhos ou de alguém postado atrás dele, por sobre seus ombros curvos −, eu também fazia parte daquela cena. Qualquer movimento, o filme andaria”. (Abreu, 1990______ (1988). Os dragões não conhecem o paraíso. São Paulo: Companhia das Letras., p. 82, grifos nossos) Essa percepção acerca da condição de sempre observado, que acompanha o narrador do romance, se relaciona, também, à forma espetacularizada do mundo que o texto toma por referente, marcado pela ação da mídia e da indústria cultural. Nesse sentido, tanto Puig quanto Abreu procuram desenvolver, no universo de suas personagens, um tipo de experiência possível no contexto em que elas se inserem. Temos, aí, “a experiência do ver. Do observar. Se falta à ação representada o respaldo da experiência, esta, por sua vez, passa a ser vinculada ao olhar. A experiência do olhar. O narrador que olha é a condição e a redenção da palavra na época da imagem. Ele olha para que seu olhar se recubra de palavra, constituindo uma narrativa.” (Santiago, 1989SANTIAGO, S. (1989). “O narrador pós-moderno”. In: _____. Nas malhas da letra. São Paulo: Cia. das Letras. p. 38-52., p. 51) Tal perspectiva aponta uma possibilidade ao desenvolvimento da narrativa contemporânea, na medida em que, se a natureza da experiência se desintegrou, em seus textos, Puig e Abreu mobilizam para o campo literário novas formas e novos modos de vivência, a partir dos códigos que constituem o universo do homem contemporâneo e, em certa medida, influenciam a percepção dos sujeitos. De algum modo, a base tecnológica onipresente na vida do homem contemporâneo alterou sensivelmente seu modo de percepção do mundo e dos objetos à sua volta. Para Hobsbawm (1995HOBSBAWM, E. (1995). Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras., p. 485),

Dificilmente será possível recapturar a simples linearidade ou sequencialidade de percepção anteriores aos dias em que a alta tecnologia tornou possível percorrer em alguns segundos a gama de canais de televisão existentes, para alguém criado na era em que a música eletrônica e mecanicamente gerada é o som padrão ouvido na música popular ao vivo e gravada, em que qualquer criança pode congelar fotogramas e repetir um som ou trecho visual como antes só se podiam reler trechos textuais, quando a ilusão teatral não é nada em comparação com o que a tecnologia pode fazer em comerciais de televisão, inclusive contando uma história em trinta segundos.

Nesse sentido, Puig e Abreu desenvolvem narrativas que possibilitam um tipo de experiência, tanto no que se refere ao arranjo formal quanto à vivência dos sujeitos que elas representam, na medida em que colocam em “perigo” o lugar do sujeito representado na narrativa e o lugar da própria forma narrativa desenvolvida por eles (cabe observar, inclusive, que “experiência”, “experimentação” e “perigo” apresentam, na origem, uma mesma raiz: experiri). Situadas nessa “zona de perigo”, suas narrativas desautomatizam a visão das personagens acerca de seus objetos de desejo, pela própria ambiguidade na relação que elas estabelecem com tais objetos. Desse modo, Boquitas pintadas e Onde andará Dulce Veiga? singularizam, também, o modo de ver o universo representado em suas tramas, apresentando-nos uma forma particular de percepção do próprio objeto literário, na qual o caráter de estranhamento que ambos os textos provocam se associa à mobilização de códigos estrangeiros - línguas, literaturas, etc. -, à matéria romanesca tradicional, mas, principalmente, aos media, também de modelos extraliterários e alheios, estrangeiros, portanto, realizando uma operação crítica em relação tanto à própria literatura quanto aos media mobilizados. Rearticulada e repensada a própria reconfiguração do campo literário, em ambas as narrativas, elas exigem, também, uma nova posição do leitor, convidado (ou mesmo instigado) a tornar-se co-construtor dos sentidos potencializados pela obra. O narrador-protagonista de Abreu (1990), por exemplo, depois de criar uma intriga detetivesca, valer-se dos melodramas das telenovelas e instigar o leitor a empreender a busca pela cantora Dulce Veiga, começa a brincar com o gênero (e, também, com o leitor) e a dar pistas de que não lhe interessa desvendar o caso (ao menos não enquanto descoberta por si mesma), pois a busca fundamental do narrador, no romance, é por encontrar-se a si mesmo, desejo que se identifica com a trajetória da cantora Dulce Veiga, desaparecida.

Na relação das formas narrativas dessa produção experimental com a própria História, notamos a assunção de uma ordem diversificada e fragmentada das coisas, em relação à qual ambos os romances assumem uma perspectiva metacrítica. Tal perspectiva tanto empreende um pensar dinâmico sobre os processos históricos e filosóficos em que tal produção está inserida, marcada pelo desenvolvimento tecnológico, por produções massivas, diversidades econômicas potencialmente consumidoras dos mesmos produtos culturais, crise da experiência do sujeito, fragmentação do espaço social e do sujeito, etc., quanto procura democratizar as instâncias de gosto e de valor subjacentes ao fazer artístico na contemporaneidade. Tal procedimento se mostra fundamental na reflexão sobre o desenvolvimento das literaturas latino-americanas, aqui, especialmente, a literatura brasileira e a argentina da segunda metade do século XX, na medida em que essas literaturas se formaram como galhos de outras, assumindo a proposta de Candido (1981CANDIDO, A. (1981). Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia. v. 1.) e, por isso, estão em permanente relação e tensão com as literaturas que lhe são anteriores/exteriores, as quais, historicamente, sempre buscaram impor-se como modelares para a América Latina. Se, por um lado, as literaturas latino-americanas têm uma história de formação que as caracteriza, inicialmente, como “dependentes”, por outro, há de acrescentar o fato de que, na contemporaneidade, as manifestações artístico-culturais, em escala mundial, são “influenciadas” pelo capital econômico, fator que também se tornou um elemento importante para a configuração das artes. No caso das artes latinoamericanas pós 1960 de que tratamos aqui, ela recebeu e assimilou enormemente, por meio da abertura à experimentação formal, os produtos que a indústria cultural, via meios de comunicação, destina, principalmente, ao grande público. A presença e a força do capital, nesse contexto de produção literária, são importantes, uma vez que, de certo modo, o desenvolvimento das formas narrativas tem seguido, desde sempre, as transformações das forças produtivas (Benjamin, 1985BENJAMIN, W. (1985). “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. In: _____. Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense. p. 197-221., p. 201) e dialogado com as possibilidades que essas transformações lhes apresentam.

Ainda pensando tais transformações, retomemos um ponto referente à presença do jornal em Onde andará Dulce Veiga?. Vale a pena ressaltar o fato de que Abreu publicou, no jornal O Estado de São Paulo, uma crônica intitulada “Onde andará Lyris Castellani?”, na qual se questiona sobre o paradeiro da referida vedete. Essa crônica é recuperada no romance e, de certo modo, se incorpora a ele, também, como tema, já que a busca existencial do narrador (por si mesmo e) pela cantora Dulce Veiga desaparecida, começa, de fato, quando ele escreve uma crônica no jornal Diário da Cidade, indagando sobre o possível paradeiro da cantora, e seu texto provoca grande repercussão. Como vemos, o jornal, como elemento formal e como lugar de trabalho, aparece no romance, sustentando o desenvolvimento da trama narrativa e, ainda, apresentando-nos a situação instável e conflitiva do escritor contemporâneo que vive como jornalista, ora escritor, ora escribidor, às vezes os dois. Em certa medida, o narrador nos expõe certa tensão entre ser romancista e ser repórter, o que, no caso de Abreu, como já mencionamos, é paradigmático e se identifica com traços biográficos. O próprio Onde andará Dulce Veiga? é um romance que se identifica com a trajetória literária de Abreu, havendo, inclusive, em seu aspecto lúdico, um jogo com os demais escritos que compõem sua obra poética como um todo, como já observou Dias (2006DIAS, E. M. S. (2006). Paixões concêntricas: motivação e situações dramáticas recorrentes na obra de Caio Fernando Abreu. Dissertação. S. J. do Rio Preto: Universidade Estadual Paulista.). Segundo Chiampi (1996CHIAMPI, I. (1996). “O romance latino-americano do pós-boom se apropria dos gêneros da cultura de massa”. Revista Brasileira de Literatura Comparada. São Paulo. n. 3, p. 75-85.), em relação a essa vivência sem grandes limites entre o público e comercial, de um lado, e o privado e individual, de outro, no contexto de atividade do escritor e no desenvolvimento do romance latino-americano contemporâneo, tal posição possibilita

operar a mixagem de linguagens, de modo a tornar verossímil e aceitável, do ponto de vista estético para o consumidor de textos literários, a apropriação do resíduo e sua transferência para o circuito alto de produção cultural. Pode-se dizer que essa tarefa inverte aquela que os meios massivos sempre realizaram para tornar digeríveis para o consumidor popular as obras do circuito alto. Os textos que realizam esse efeito de maneira convincente adotam claramente estratégias experimentais de hibridação de discursos, mediante a tomada de fragmentos que ora se justapõem, superpõem ou mesclam, desencadeando um curto-circuito das temporalidades e culturas que se expressam nas linguagens convocadas. (Chiampi, 1996CHIAMPI, I. (1996). “O romance latino-americano do pós-boom se apropria dos gêneros da cultura de massa”. Revista Brasileira de Literatura Comparada. São Paulo. n. 3, p. 75-85., p. 78)

Como já notaram outros críticos (Mattos, 1993MATTOS, Cristine F. (1993). O arquipélago: a poética descentrada de Manuel Puig. Dissertação. São Paulo: Universidade de São Paulo.; Santos, 1993SANTOS, L. V. (1993). Kitsch e cultura de massa na América Latina: a narrativa latino-americana dos anos 70-80. Tese. São Paulo: Universidade de São Paulo.), Boquitas pintadas tem como pretexto um tango (“Rubias de New York”, que lhe dá o título), que, na verdade, é um foxtrote; assume um discurso de melodrama, mas não é um melodrama; subtitula-se “folletín”, mas também não é folhetim. Onde andará Dulce Veiga?, por sua vez, intitula-se “um romance B”, explora estratégias narrativas como o procedimento de indiciamento típico da narrativa policial, o efeito de suspense e recursos e procedimentos típicos da linguagem cinematográfica, como a montagem de cenas, e uma estrutura seriada, típica das séries investigativas televisivas, mas também não é uma história de detetives nem um roteiro de cinema. De certo modo, o trabalho crítico de tais romances com a linguagem colabora para a renovação e reavaliação do gênero romance, na narrativa contemporânea, colocando a própria matéria romanesca em discussão. Esses romances constroem um outro lugar para o discurso literário: Boquitas pintadas servindo-se de recursos paraliterários como letras de canções populares, como o tango e os boleros, principalmente, do discurso melodramático e de certo tom folhetinesco, além da montagem cinematográfica; Onde andará Dulce Veiga? identificando o olhar do protagonista, muitas vezes, com uma câmera, o próprio livro identificando-se com um filme cujo núcleo de filmagens é a redação do jornal onde o protagonista trabalha, além de explorar procedimentos afins à narrativa detetivesca e recursos da linguagem cinematográfica e do discurso melodramático.

Desse modo, tais romances manifestam uma consciência profunda de que a textura mais íntima de sua narração não reside no tema, mas, sim, na linguagem, concebida como lugar onde o romance acontece de fato. Essa concepção transforma a própria realidade linguística da narrativa. Dessa forma, o romance, ao questionar sua estrutura e sua textura, pôs em questão sua linguagem e converteu o tema da linguagem narrativa em tema do próprio romance, o que, em Boquitas pintadas e em Onde andará Dulce Veiga?, se apresenta pela recriação da experiência pessoal das personagens por meio da linguagem que elas empregam, em grande parte marcada pelo clichê, pelo já-dito e pelo chamado gosto médio, que caracteriza o padrão de linguagem alienada veiculado pelos meios de comunicação de massa. Tal efeito se deve, também, ao fato de que a aproximação, feita simultaneamente, de elementos associados ao massivo e de outros representativos das chamadas altas culturas coloca ambos os elementos num mesmo campo (o artístico), reconhecendo o lugar do que já é considerado elevado, mas inserindo, também, nesse lugar (artístico) o não culto, e assumindo, muitas vezes, uma perspectiva lúdica.

Não se pode, pois, desconsiderar que estamos tratando de um contexto urbano diversificado (e, ainda, estamos inseridos num contexto semelhante), em que a justaposição dos padrões também aponta certa influência mútua que um exerce sobre o outro: temos, pois, outro entrelugar. Onde andará Dulce Veiga?, por exemplo, nos mostra um ambiente em que já não há verdadeiros ricos/nobres, se é que em algum lugar os há. Trata-se, na verdade, de pessoas que, como Rafic, dono do jornal O diário da Cidade e, mesmo, Castilhos, o chefe deste jornal, vivem num universo intelectualista e, por meio dos códigos que consideram pertencer à intelectualidade, procuram elevar-se a uma condição elitista. Veja-se, por exemplo, que o mesmo Castilhos constantemente faz citações de obras e autores da literatura consagrada universalmente, instalando-se, por esse artifício, na posição de conhecedor da boa linguagem, inclusive a literária. Note-se:

Estava começando a sentar ao lado dela para telefonar, quando Castilhos gritou:/ − É a capa de sexta − e depois, sem levantar, mas com a voz muito empostada, num inglês tão perfeito que não entendi absolutamente nada, recitou: − “Disable all the benefits of your country, be out of love with your Nativity, and almost chide God for making that countenance you are”./ O rapaz de preto deteve as mãos sobre o teclado./ − John Donne − arriscou./ A ex-bailarina russa bateu palmas:/ − Fernando Pessoa./ Estava totalmente errada. Nos vinte anos que eu conhecia aquele jogo, em língua portuguesa Castilhos só admitia Camões. E certa vez, para surpresa geral, Florbela Espanca: “Sempre da vida o mesmo estranho mal, e o coração a mesma chaga aberta.” Agora todos esperavam, olhando para mim. Era decisivo como uma prova iniciática./ Chutei:/ - Shakespeare. Castilhos confirmou:/ − As you like it. Ato quatro, cena um. (Abreu, 1990______ (1990). Onde andará Dulce Veiga? São Paulo: Companhia das Letras., p. 17-8)

Supostamente conhecedor de outros padrões de gosto linguístico e literário, Castilhos, em seu ato, assume um gesto ambíguo que resulta puramente estético, visto que, embora se considere que sua citação de Shakespeare se deve ao suposto valor de autenticidade e, portanto, de gosto, o que representaria apenas um posicionamento kitsch, por estar num contexto inadequado, Castilhos se coloca, com a citação, numa situação de jogo, o que, definitivamente, aponta para o fato de que a referência ao clássico, nesse trecho, não pode ser tomada totalmente a sério. E o jogo se reforça quando a maioria dos presentes não reconhece o autor dos versos em questão, ressaltando-se que, nesse contexto, cada um representa um papel, aliás, são todos jornalistas, e deveriam partilhar do mesmo (bom) gosto artístico, razão por que a situação se torna ainda mais jocosa com a sequência de “chutes” feita pelos jogadores, tentando acertar a resposta correta. Em certa medida, é o padrão dos jogos televisivos e dos programas de auditório, de perguntas e respostas, que temos aqui parodiado. Nesse sentido, a “alta literatura” se torna mera curiosidade, “prova iniciática” marcada pela ironia, mas, no procedimento, pouco séria, aproximando-se de qualquer padrão de linguagem, inclusive o popular/vulgar, já que ambas ocupam o mesmo espaço. Aliás, no mesmo romance vamos encontrar, por exemplo, a presença do discurso de privada, flagrado mais de uma vez, por um foco narrativo tipo câmera, que mostra frases como “Com a ponta de um prego, alguém riscara no esmalte vermelho: Ti xupo todo goztozo” (sic) (Abreu, 1990______ (1990). Onde andará Dulce Veiga? São Paulo: Companhia das Letras., p. 81; destaque do autor), inscrita na parede de um bar. A presença de tal discurso não só se mostra agressiva ao leitor, mas agride os próprios lugares da literatura e da arte tradicionais, iconicizando o vulgar no espaço designado tradicionalmente ao culto e elevado, e contrastando com ele. Notamos, então, que, entre outras coisas, a narrativa de Abreu (1990) questiona o lugar da seriedade em nossa cultura e nas relações que ela governa. Desse modo, funciona como “a sensibilidade da seriedade fracassada” (Sontag, 1987SONTAG, S. (1987). “Notas sobre Camp”. In: _____. Contra a interpretação. Porto Alegre: L&PM. p. 318-337., p. 331), num contexto em que, para continuar o mesmo raciocínio de Sontag, percebemos que a “sinceridade” não é suficiente, por apresentar-se como possivelmente planejada.

Esse procedimento ambíguo no entrelaçamento de temas, motivos e discursos em Boquitas pintadas e em Onde andará Dulce Veiga? questiona o posicionamento que tem visto, historicamente, a América Latina com um olhar que lhe é exterior, julgando suas obras como parasitárias (Santiago, 1978______ (1978). “O entrelugar do discurso latino-americano”. In: ______. Uma literatura nos trópicos. São Paulo: Perspectiva. p. 11-28.). Desse modo, num raciocínio que se faz na esteira de Santiago (1978), Puig e Abreu dão sua contribuição crítica à literatura latinoamericana, na medida em que assumem, para o contexto de suas obras, uma perspectiva que invalida sistematicamente os conceitos de pureza e de unidade. Sua escrita assume, ainda, o fato de que a América Latina não pode mais fechar suas portas ao contato estrangeiro (na verdade, nenhum país com pretensões de modernização pode, no mundo atual), mas, por outro lado, as manifestações culturais latino-americanas também são capazes de alcançar o universo estrangeiro, atuando sobre ele, modificandoo, ironizando-o, relendo-o, mesmo que como uma cópia fora de moda, no caso do kitsch, por exemplo (é ilustrativo o caso de Filemon, personagem de Onde andará Dulce Veiga?, na cena em que se apresenta ao narrador com um engessado discurso acadêmico sobre a poesia simbolista). Podemos admitir, como aspecto crítico dessa perspectiva que vemos em Puig e em Abreu, as palavras do próprio Caio F. sobre a produção contemporânea e a exploração do já-dito,

O pós-moderno é exatamente isto - a reciclagem de todo o lixo cultural. Se tudo já foi feito, se tudo já foi escrito, se tudo já foi dito, você pode retomar isso criticamente como se fosse novo. Alguém que for ler este conto e levar a sério, vai dizer que sou um escritor ridículo. Mas estou consciente do ridículo e da paródia e do clichê. (Abreu, 1995ABREU, C. F. (1995). Autores gaúchos. 2. ed. Porto Alegre: Ulbra., p. 7)

O autor se refere, mais especificamente, ao conto “Mel & Girassóis”, do livro Os dragões não conhecem o paraíso (1988), construído todo em torno de clichês e chavões característicos do típico cinema B. Pela fala de Abreu, na citação anterior, e podemos, por síntese, estendê-la também a Puig, pois sabemos que Puig não é ingênuo em relação aos procedimentos, materiais e mitos que mobiliza em sua literatura, ambos os autores estabelecem uma relação crítica com as obras de que se valem e a partir das quais experimentam, em sua literatura. Desse modo, uma vez mais aproximando-nos de Santiago (1978______ (1978). “O entrelugar do discurso latino-americano”. In: ______. Uma literatura nos trópicos. São Paulo: Perspectiva. p. 11-28.), podemos ver, no gesto desses autores de brincar com os signos de outros escritores, obras e códigos, a exploração e a mobilização de objetos de desejo, discursos e produtos (no sentido associado aos bens de consumo mesmo) que fascinam o olhar e, de certa forma, tornam o texto parte da experiência vivenciada pelo próprio sujeito, seja pela escrita, seja pela leitura, que recoloca em funcionamento a linguagem aí potencializada, uma experiência que é, ao mesmo tempo, histórica, sensual e sensível em relação aos signos mobilizados, signos geralmente estrangeiros, no sentido de que não fazem parte, oficialmente, dos elementos considerados representativos da cultura (elevada) e integrantes do chamado gosto tradicional, no contexto fragmentado e difuso de que tratamos.

Onde andará a arte de tal romance contemporâneo?

Assumimos, no início de nossa reflexão, a posição instável e incômoda de falar sobre uma perspectiva conflituosa, marcada pelo choque, pela mobilidade e pelo dinamismo no que concerne à (re)configuração do campo literário latino-americano, tratando, mais especificamente, da produção experimentalista levada a cabo por certa narrativa, desenvolvida entre os anos 70-90, aproximadamente, da qual Puig e Abreu são representantes. Tal linha de produção literária concebe seu discurso como um campo crítico de reflexão das problemáticas que o avanço dos meios de comunicação de massa e da indústria cultural apresenta ao campo de produção literária recente, mais fortemente a partir da segunda metade do século XX. O excesso de imagens, os discursos alienadores e homogeneizadores destinados ao grande público, o já-dito, o excesso de informação, a crise da ideia de unidade nacional, o questionamento do arranjo formal pautado na ideia de unidade orgânica da narrativa e, enfim, as mudanças associadas às transformações econômicas e culturais, na América Latina, em tal contexto, também tensionam essa produção literária.

Puig e Abreu, ao perceberem que, no âmbito de sua produção narrativa, podiam viver em eterno e ferrenho combate com tal contexto e seus media ou em estado de hibridação, para empregar o termo de Canclini (2003______ (2003). Noticias recientes sobre la hibridación. Trans. Barcelona, n. 7. Disponível em: <http://www.sibetrans.com/trans/trans7/canclini.htm>, Acesso em: 10 de jul. 2009.
http://www.sibetrans.com/trans/trans7/ca...
), optaram, de certo modo, por desenvolver seu discurso literário no eixo em que tais tensões interagem. Esse entrelugar possibilita a suas narrativas aqui vistas, Boquitas pintadas e Onde andará Dulce Veiga?, valeremse dos avanços e das contribuições dos mass media para a criação narrativa, sem desconsiderar, porém, os limites e os riscos que tal escolha lhes impõe. Sua experimentação não se deve apenas a um desejo intenso de ser atual, mas, sim, manifesta a contribuição crítica de quem viveu um período histórico-cultural em que a tecnologia tornou-se parte integrante da vida social, mas os projetos modernizadores não alcançam a todos igualmente, quadro comum em toda a América Latina. Nesse lugar conflituoso, instável, de guerras e combates, “se reinventa a vida na morte”, na expressão de Santiago (1989SANTIAGO, S. (1989). “O narrador pós-moderno”. In: _____. Nas malhas da letra. São Paulo: Cia. das Letras. p. 38-52., p. 50), promovendo-se o abandono e/ou a reestruturação de determinadas formas, como a concepção de tempo linear e de unidade orgânica da narrativa, por exemplo, para que o romance contemporâneo ganhe uma nova vida, nova imagem, atual e afim ao contexto em que se desenvolve, marcado por sua fragmentação e pelo questionamento de uma visão de mundo que busque realizar operações de totalização e de síntese. Nesse sentido, trata-se, pois, de um modo encontrado “para falar da pobreza da experiência, (...) mas também da palavra escrita enquanto processo de comunicação. Trata, portanto, de um diálogo de surdos e mudos, já que o que realmente vale na relação a dois estabelecida pelo olhar é uma corrente de energia vital (grifemos: vital) silenciosa, prazerosa e secreta.” (Santiago, 1989, p. 48-9)

Situados em meio a essa mobilidade cheia de conflitos, Boquitas pintadas e Onde andará Dulce Veiga? podem ser vistos como manifestações literárias experimentais críticas. É bem verdade que não há um programa que articule e estabeleça, explicitamente, interesses comuns entre os escritores latino-americanos que desenvolvem obras experimentalistas afins às de Puig e de Abreu, como o peruano Mario Vargas Llosa, o dominicano Pedro Vergés, o cubano Lisandro Otero, o porto-riquenho Luis Rafael Sánchez, o colombiano Umberto Valverde, o brasileiro Ignácio de Loyola Brandão, no romance Zero, e o também brasileiro Ivan Ângelo, em A festa, pois chega a haver entre eles concepções divergentes acerca do papel dos procedimentos de experimentação e dos elementos incorporados. Ignácio de Loyola Brandão, por exemplo, concebe, em Zero, um mundo caótico que não pode ser organizado nem controlado2 2 Tal concepção difere, por exemplo, da de Osman Lins, que, ao desenvolver seu experimentalismo, em Avalovara, por exemplo, o concebe como um universo que pode ser “controlado cuidadosamente em sua órbita”. Há de observar, no entanto, que o experimentalismo desenvolvido por Osman Lins se distancia enormemente dessa produção que analisamos aqui, especialmente pelo fato de que esse autor mobiliza para sua obra, principalmente, elementos e referências pertencentes à chamada cultura erudita, já a produção de que tratamos, aqui, ou mescla tais elementos ao massivo ou, ainda, se vale, fundamentalmente, do massivo. . Temos, também, o caso do uso do kitsch por Vargas Llosa, associado sempre ao local e ao inculto (Santos, 1993SANTOS, L. V. (1993). Kitsch e cultura de massa na América Latina: a narrativa latino-americana dos anos 70-80. Tese. São Paulo: Universidade de São Paulo.), distinto, portanto, de Puig e de Abreu. Mas é essa mesma diversidade que enriquece tal linha de produção literária, inclusive pelas múltiplas concepções acerca da própria noção de experimentação e de seu papel na literatura contemporânea.

Segundo Chiampi (1996CHIAMPI, I. (1996). “O romance latino-americano do pós-boom se apropria dos gêneros da cultura de massa”. Revista Brasileira de Literatura Comparada. São Paulo. n. 3, p. 75-85.), é exatamente Manuel Puig quem, com o romance Boquitas pintadas, inicia a incorporação de gêneros massivos na literatura latinoamericana contemporânea, mobilizando formas e discursos afins a esses gêneros, como matéria romanesca. Atualmente, já não se pode desconsiderar, por exemplo, que essa incorporação vem sendo realizada cada vez com mais frequência. Nesse sentido, falar a partir desse entrelugar em que se situam Puig e Abreu, por exemplo, o qual não divisa tão bem o que é próprio e o que é do outro, desautorizando a ambos e jogando com eles, tem-se mostrado, pois, tanto uma forma de alcançar um amplo leque de público leitor quanto de fazer a crítica dessa própria linha do romance contemporâneo, à medida que ela se desenvolve.

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  • 1
    Não se pode desconsiderar, no entanto, o atraso e a debilidade dos sistemas educacionais da maioria dos países latino-americanos, apesar de as estatísticas apontarem uma crescente escolarização da população, fator que influencia a difusão e o usufruto da leitura de literatura entre seus habitantes, em alguma medida. Desde meados do século XX, junto às estatísticas, poucos eram os países que, depois da criação da ONU e das avaliações de desenvolvimento humano, queriam admitir que a maior parte de suas populações mal sabia ler e escrever, especialmente na parte sul do globo, como nos aponta Hobsbawm (1995).
  • 2
    Tal concepção difere, por exemplo, da de Osman Lins, que, ao desenvolver seu experimentalismo, em Avalovara, por exemplo, o concebe como um universo que pode ser “controlado cuidadosamente em sua órbita”. Há de observar, no entanto, que o experimentalismo desenvolvido por Osman Lins se distancia enormemente dessa produção que analisamos aqui, especialmente pelo fato de que esse autor mobiliza para sua obra, principalmente, elementos e referências pertencentes à chamada cultura erudita, já a produção de que tratamos, aqui, ou mescla tais elementos ao massivo ou, ainda, se vale, fundamentalmente, do massivo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2010

Histórico

  • Recebido
    Jul 2009
  • Aceito
    Mar 2010
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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