Acessibilidade / Reportar erro

Poemas entre músicas: dialogia melopoética e(m) uma didática contemporânea

Poems between songs: melopoethic dialogism and(in) a contemporary teaching

Resumo

A partir do sentido dialógico de uma dada linguagem poético-musical pode se estruturar um processo didático com atividades que melhor relacionem literatura e música (popular e clássica). Referente à audição de músicas e leitura literária, essa didática objetiva entender os alunos como indivíduos representados por um forte componente dialógico de recepção ético-estética. Assim, no atual contexto social de globalização hiperfacetada e informações multissemióticas acredita-se que, à medida que o aluno-indivíduo perceba a relação dessa dialogia artística, a percepção da musicalidade implícita nos versos de poemas possibilitará que ela seja apreendida, também, como elemento melopoético contemporâneo. Para tanto, e apoiados em conceitos de Mikhail Bakhtin, Octavio Paz, José Miguel Wisnik, Luiz Tatit e Jusamara Souza, os fundamentos teóricos de tal processo didático valorizam, basicamente, uma concepção comparada, dialógica e interacionista dessas linguagens artísticas.

Palavras-chave:
dialogia; poema; música; melopoética

Abstract

Under the dialogical notion of a given poetic-musical language can be structured a didactic process with activities that best relate literature and music (popular and classical). Referring to hearing music and literary reading, the teaching aims to understand students as individuals represented by a strong dialogic ethical and aesthetic reception. In that current context historical of globalization and multisemiotic informations it is believed that, in the measure in the individual-student notices the due relation / integration of those levels, the contact with the implicit musicality in the verses of poems will make possible that she is apprehended better until as contemporary melopoetic element. With such concern, and leaning on in analyses of Mikhail Bakhtin, Octavio Paz, José Miguel Wisnik, Luiz Tatit e Jusamara Souza, the theoretical foundations of the didatic process consider, basically, a conception dialogical and interactionist of that of those artistics language).

Key words:
dialogy; poem; music; melopoethic

Dialogia de versos em melodia: evolução de interfaces contemporâneas

Quanto a uma estética intersemiótica, na literatura e na música se revela, como expressão característica de organismo artístico ativo, a imagem de um todo indivisível impresso nos componentes de suas estruturas. Na música, como produto normalmente criado sem predeterminação de limites definidos (ao nível melódico, ao nível político etc.), cada uma de suas partes se constitui em elementos inseparáveis de apreensão rítmico-harmônica1 1 Ritmo: sequências sonoras de duração diferentes; a bateria (instrumento musical), por exemplo, só possui ritmo. Harmonia: dois ou mais sons expressos ao mesmo tempo (Med, 1996). integrada a uma dada sensação estética. É importante entender, nesse sentido, que a música se estabelece sobre abstrações formais puras que exprimem emoções entre variados estados de espírito.

Do seu lado a literatura, assentada sobre um dado mais concreto - a própria representação das palavras - tende com mais dificuldade estrutural a essa abstração, diga-se, pura. Tal questão se dá porque, também na literatura, arte gráfica de ritmo-musicalidade subjetivamente implícita, repete-se essa integração inscrita na relação todo-partes constitutivas como elemento próprio de compreensão da mensagem veiculada que, tomando o termo de Paul Steven Scher (apud Oliveira, 2002OLIVEIRA, Solange Ribeiro de (2002). Literatura e música. São Paulo: Perspectiva.), pode-se chamar melopoética - do grego mélos (canto) + poética (dado sistema poético). Note-se, todavia, que: 1) em ambas as manifestações, a atuação do “leitor” (ouvinte ou executante) da obra musical é, em grande parte, estabelecida pelas convenções institucionais existentes; 2) a musicalidade da linguagem verbal se manifesta, sobretudo, por meio do estrato léxico; nas outras vezes, e em geral na poesia, tende a explorar o sistema fonético (Oliveira, 2002).

Tal sentido de globalidade integrada é nitidamente percebido em alguns gêneros musicais que, sob sua estrutura de progressão melódica2 2 Melodia: manifestação de um conjunto de sons dispostos em ordem sucessiva; canto, por exemplo, só possui melodia. (id., ibid.). Todo estilo tem um ritmo (“batida”) diferente. , sugerem mesmo um tipo de discurso narrativo, como se nota em algumas expressões de MPB (por exemplo, Faroeste caboclo, do grupo Legião Urbana). Sob tal visão, entre as novas categorias propostas para estudos de textualidades poéticas vocalizadas e cantadas, podem-se destacar dois conceitos (Matos, 2001MATOS, Cláudia Neiva de; MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elizabeth (Orgs.) (2001). Ao encontro da palavra cantada: poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 Letras.): um, proposto pela semiótica linguístico-musical de Luiz Tatit (1986_____ (1986). A canção: eficácia e encanto. São Paulo: Atual.), em que se considera o equilíbrio entre a celeridade ruidística e periódica da voz falante com perfis sonoros estabilizados pela música; outro, o de performance, base dos estudos sobre poesia vocal, de Paul Zumthor (2000ZUMTHOR, Paul (2000). Performance, recepção e leitura. São Paulo: Educ.), reivindica em diferentes textos a centralidade da voz no ato poético, pois os atos de escrever ou ler poesia se tornam performáticos na medida em que seriam a presentificação de uma voz.

Do ponto de vista dialógico, essencial para tal percepção interartística, nesse atual contexto de leituras, mundo e, ainda, gêneros do discurso musical e poético, note-se o fato de que na vida concreta, sempre se trabalha com enunciados completos (Bakhtin, 2003BAKHTIN, Mikhail (2003). Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes.). Assim, quanto mais complexa é uma sociedade, mais complexos serão esses gêneros, avaliados em sua função dialógica de informatividade e correspondências interartísticas. Nesse sentido de contemporaneidade e ampliação de manifestações artísticas, mesmo um barulho qualquer pode “se transformar produtivamente” em arte, tanto que o poeta-músico (se) pergunta se

Barulho é música? Quem pode me dizer se barulho é. Música? E se as falas das pessoas falando forem. Canções? (...) Música. Abaixe o volume! - berram as orelhas velhas. (...) E se os carros nas ruas forem tão bons compositores quanto o vento nos bambus? E os sabiás? Música. (...) O que dentes fazem com as batatas chips dentro da cabeça. Tic tac tic tac. O coração. Bom bom bom bom. Uma música que não é brasileira, nem americana, nem africana, nem de nenhuma parte do planeta porque é. Do planeta todo. Fechando os olhos fica mais fácil da gente escutar. Ela. (Antunes, 2005ANTUNES, Arnaldo (2005). 40 escritos. São Paulo: Iluminuras.)

A análise estrutural da obra musical, em seu componente melopoético, assemelha-se à literária no que ambas possuem de ritmo e mensagem (Tatit, 2007TATIT, Luiz (2007). Publifolha, Todos entoam. São Paulo: Publifolha.). Sob tal foco, pode-se entender uma determinada apreciação do texto musical como tipo de narrativa, considerando seus aspectos de estética, informação e dialogismo - relação comunicacional entre quem produz e quem recebe a mensagem literária e /ou musical. Ainda quanto a essa interação semiótica, a literatura e música exigem ambas uma ação integrativa, representada em um ato lexicográfico: a partitura não se concretiza sem a execução e a audição interpretativa, nem o texto literário sem a leitura (Barthes, 2004BARTHES, Roland (2004). O grau zero da escrita. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes.).

Do ponto de vista histórico, a ligação entre essas duas manifestações humanas que trabalham poesia e música, vem desde uma clássica tradição da crítica greco-romana até os dias atuais. Ainda, já entre os séculos VI e V antes de Cristo, segundo Plutarco, em seu tratado Sobre a fama dos atenienses (Ginsburg, 2007GINSBURG, Carlo (2007). O fio e os rastros: verdadeiro, falso e fictício. São Paulo: Cia. das Letras.), destaca-se, também, entre os anos 19 e 18 a. C., com o poeta Horácio, ao iniciar sua Ars poetica com as históricas palavras Ut pictura poeisis (a poesia é como pintura) (Brandão, 1992BRANDÃO, Roberto de Oliveira (Org.) (1992). “Aristóteles. Horácio. Longino”. A poética clássica. São Paulo: Cultrix.). Nessa via diacrônica, tem-se conta de que os teóricos indianos, nos primórdios da literatura sânscrita, refletem sobre a questão dos universais então postulados, acreditando numa origem comum para a música e para a linguagem verbal, segundo se depreende de estudos sobre as relações entre o védico, a língua tonal, e as propriedades das escalas musicais. Todavia, e ainda que de início temporal extremamente longínquo, só no século XVIII as relações entre as artes, e de maneira especial entre literatura e música, tornam-se um campo reconhecido de estudos, com inúmeras investigações (Oliveira, 2002OLIVEIRA, Solange Ribeiro de (2002). Literatura e música. São Paulo: Perspectiva.).

Sob esse duplo percurso histórico - poesia musical; música poética - entenda-se que estruturas estéticas explícitas se evidenciam, em formas interdominantes, já desde o século XVIII, ou mesmo bem antes3 3 Já da Antiguidade clássica há informações sobre algumas célebres metáforas, atribuídas por Plutarco a Simônides de Ceos: a “pintura é poesia muda”; “a poesia, pintura falante”; “a arquitetura, música congelada” (Med, 1996). . Nesse século, a fuga e vários outros gêneros tendem a empregar temas e variações - sobretudo em forma de sonata - fornecendo determinados modelos musicais. Tais modelos equivaliam a formas literárias renascentistas como o soneto, a elegia e a épica, os quais foram substituídos por outras representações ao longo dos séculos XIX e XX. (id., ibid.)

A concepção da música como tipo de linguagem poética sempre encontrou defensores como, por exemplo, Carlos Daghlian (1995DAGHLIAN, Carlos (Org.) (1995). Poesia e música. São Paulo: Perspectiva.), Lewis Rowell (1990ROWELL, Lewis (1990). Introducción a la filosofia de la música. Barcelona: Romanyà/Valls.), e José Miguel Wisnik (2004WISNIK, José Miguel (2004). Sem receita. São Paulo: Publifolha.). Para algumas sociedades primitivas e civilizações passadas, a música era a linguagem de revelação divina: para Platão e antigos filósofos do Oriente, representava a linguagem das paixões e emoções, o que reflete na concepção renascentista da música como linguagem e discurso dos afetos humanos. A música, além de seu significado próprio, expresso em suas formas, comunica determinados sentidos que, de alguma maneira (intencional ou não), reportamse ao mundo extramusical dos conceitos, personalidades, ações, estados emocionais.

O leitor de uma obra musical pode representar vários papéis de recepção/ação, desde o de simples ao mais erudito ouvinte, até ao de várias espécies de intérprete: um instrumentista popular ou clássico, o cantor de um lied, o regente de uma banda, coral ou orquestra sinfônica. A performance desses papéis tem seu início em uma leitura ou interpretação, ação criadora do ouvinte/intérprete, ambos “executantes” da partitura-texto. Nesse sentido, chega-se ao que alguns musicólogos denominam como abordagem institucional da obra musical - expressão utilizada por George Dickie - que nos estudos literários, sob proposta desta análise, tenderia a corresponder ao conceito de dialogismo, formulado por Bakhtin.

No Brasil, o ainda incipiente estudo dessa área em que se considera a intersecção música e literatura, deve-se à simplificação geral de análises muito centradas em letras de canções e mesmo desconhecimento teórico-musical. Sob tal (des)orientação, a referencial percepção melopoética passa a ser uma ferramenta metodológica que precisa ser devidamente utilizada a partir de leituras pertinentes, e com apurado senso crítico, tanto da área de poética quanto de música4 4 É importante considerar a adaptação – enquanto percepção melopoética –, do texto/palavras do po- ema a conceitos propriamente musicais como Timbre: voz (soprano, contralto etc.); Duração: longo, curto (tempo das notas musicais); Altura: agudo, médio, grave; Intensidade: forte, fraco. Por exemplo: as palavras fada/asa, sob comparação melopoética às palavras túmulo/urubu, além de possuírem um componente sociocultural mais positivo (Bosi, 2003), tenderiam à representação de um som mais “curto, agudo, fraco” (ou forte, dependendo do contexto do poema/música ou intenção do poeta./ compositor). . Assim, ao se pesquisarem nos estudos literários algumas dessas ferramentas para análise musical, é imprescindível a escolha daquela que seja compatível com a concepção e conhecimento musical do pesquisador. Por exemplo, para os que entendem a cultura como elemento central para a construção musical, deve-se optar pela análise de linha cultural.

Quanto a escolhas teórico-referenciais prévias, o sentido dialógico bakhtiniano atende mais eficazmente aos que notam a composição musical, entenda-se, como potencial elemento de percepção da natureza humana. O sentido dialógico dessa percepção, como já avaliado, pode ser vivenciado por diferentes tipos de leitor enquanto ouvinte, executante de peças instrumentais, regente de sinfonia, cantor, letrista etc. Considere-se, ainda, em tal processo, a importância do momento sócio-histórico da recepção desenvolvida por esse leitor, como elemento inserido em um dado grupo e local social.

A pertinência de estudos referentes à música e poema, hoje em dia, além da complexidade de suas relações, revela-se mesmo em fenômenos de expressão melódica relativamente simples e repetitiva tais como a dos textos de cordel, os chamados poemas-pílulas contemporâneos; também no repente, em letras de rap, de sambas-enredo. Todavia, num outro extremo de análise, a suíte (composições instrumentais, do período barroco, com sequência de movimentos de caráter diverso) e variações mais complexas se constituem integrantes básicos no processo modernista de construção rapsódica5 5 A rapsódia é uma peça musical de forma livre que utiliza geralmente melodias, processos de composição improvisada e efeitos instrumentais de determinadas músicas nacionais ou regionais; do grego, recitação de poema (Houaiss, 2001, p. 2385). do Macunaíma, de Mário de Andrade (Mello e Souza, 2003MELLO e SOUZA, Gilda de (2003). O tupi e o alaúde. São Paulo: Editora 34.). Na música moderna tal “articulação” se renova, por exemplo, quando Claude Debussy se inspira em Baudelaire, Verlaine e Mallarmé ou Schöenberg em Lord Byron; quando Strauss compõe poemas sinfônicos, neorromanticamente, baseados em Cervantes e Nietzsche.

Considerem-se, ainda, poetas que compuseram suas próprias músicas, como Garcia Lorca, Alfred Jarry, o brasileiro Jean Itiberé (Daglhian, 1995). No Brasil, Heitor Villa-Lobos e Guarnieri musicalizaram poemas de Mário de Andrade; Vinícius de Morais sustenta boa parte de sua produção poética sobre um cancioneiro de forte apelo lírico-popular; recentemente, lembrem-se dos assim chamados cantores-poetas como Cartola, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda e mesmo Gabriel, o pensador; lembrem-se, ainda, dos performáticos multimídias Arnaldo Antunes, Chacal, entre outros.

Seguindo, sob o sentido binário estrutura x conteúdo se notam sinais de aproximação entre música e poema por meio da observação da teoria musical e de elementos textuais de literariedade. Tais sinais se apresentam, por exemplo, pela melodia impressa, pelas metaforizações e alegorias compostas, pelo valor compositivo dado, pelo ritmo marcado na linguagem, enfim, pelo centramento na percepção crítica das correspondências interartísticas. Todavia, como elemento dificultador de tal aproximação o som musical, não sendo mera convenção simbólica, é das manifestações artísticas a mais incapaz da reprodução do belo presente na natureza - no sentido aristotélico da mimesis (como representar por meio de uma música, mimeticamente, as cores de um jardim de rosas?).

Perceba-se, nesse aspecto de reprodução, o perigo de transpor conceitualmente a música para a linguagem poética. Assim, a dificuldade se apresenta quando, por exemplo, ao se tratar de harmonia - entendida como dualidade da melodia - busca-se um possível correspondente frasal representado pelo verso do poema. O ponto-chave na questão dessa integração música-poema é a busca do equilíbrio entre as dadas combinações melodia-harmonia, ritmo-mensagem, tanto no plano geral melopoético, quanto nos específicos fônico e sintático-semântico. É perceber também, sobretudo neste momento pós-moderno, a necessidade de avaliar o alcance dessas equivalências enquanto expressão sócio-histórica de possível integração das várias manifestações artísticas contemporâneas.

Dialogia contemporânea: entender o mundo no poema e sua musicalidade

O desenvolvimento da conscientização socioeducacional se estrutura por determinadas atividades - referentes à leitura de poemas e audição de músicas - com o objetivo de reavaliar com os alunos, dialogicamente, sua posição de indivíduos sociais. Entenda-se, todavia, que nesse contexto neocultural, o indivíduo-aluno assim se apresenta: desorientado por conceitos estranhos a sua realidade; oprimido por avaliações que exigem o inutilizável; preso a teorias educacionais ultrapassadas por um mundo com novos valores; alheio a processos de articulação música e poema como ferramentas de percepção artística sob os estratos de ritmo e mensagem.

Portanto, com tal viés melopoético - o ritmo musical impresso no verso -, é importante considerar fundamentos teóricos (e práticos) sob a referencialidade da concepção dialógica e interacionista (Bakhtin, 2003BAKHTIN, Mikhail (2003). Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes.) da(s) linguagem(ns) entendida(s) como instrumento eficaz/efetivo de comunicação. Sob tal consideração, por exemplo, pode-se avaliar melhor uma nova poética da canção, enquanto expressão das atividades de percepção musical e leitura realizadas pelos alunos, e mesmo professores, entendidas como possibilidade de interlocução com o mundo. Para tanto, ao nível sociocultural, é preciso promover a integração da realidade de salas de aula, de teatros, de auditórios à realidade do próprio bairro, cidade, país. Tal integração interlocutiva se compõe de fases articuladas de um processo de conscientização de base dialógica - indivíduo-mundo - que envolvam atividades de “leituras” de músicas e poemas vários com o intuito de uma percepção / leitura de mundo mais crítica e produtivamente estabelecida. Ora, com o sentido de se integrarem expressões de música e poesia (sob o viés melopoético) às ideias de Bakhtin, melhor se estabelece a percepção desse novo contexto de leituras, mundo e, ainda, aponta-se para o fato de que, na vida concreta, trabalha-se sempre com enunciados completos. Percebe-se, ainda, que quanto mais complexa é uma sociedade (por questões de vária ordem), mais complexa será essa integração, avaliada em sua função dialógica de informatividade e correspondências interartísticas.

Ao buscar a articulação entre a expressão melopoética de uma música, integrada à expressão literária de um texto, tal sentido de dialogismo pode residir, por exemplo, na composição de um conjunto de atividades envolvendo músicas e textos-base aplicados. Tais músicas e textos visariam ao estabelecimento de novos paradigmas educacionais, e interartísticos, para a compreensão da sociedade pós-moderna, envolta por ritmos musicais aleatoriamente experimentais integrados a questões folclóricas, conceitos e técnicas de informática, cibernética, semiologia, ética e a ainda mal debatida questão da leitura dialógica que integraria tudo em uma rede única de conhecimentos.

Não obstante tal confusão conceitual instalada em análises generalistas, entende-se que é possível, melopoeticamente, a recriação de um novo caminho de percepção interartística. Por ele, mesmo considerar que o valor da educação do indivíduo-aluno será medido por sua capacidade pessoal, integrada ao coletivo, em articular de maneira equilibrada os dados, hipóteses e inferências contidos em uma nova onda informacional - a educação do futuro. A título de exemplo de um dos vários instrumentos de percepção dessa onda, é importante notar - tanto musical quanto literariamente - a melodia impressa nas frases poéticas, como algo que tende à transição/superação dos limites paradigmáticos do conhecimento sócioescolar ainda rotineiramente imposto.

Tal transição não ocorre automaticamente e, portanto, deve ser trabalhada como conjunto bem articulado de capacidades sócio-individuais e percepções interartísticas. Assim, a devida integração bakhtiniana artística - impressa subjetivamente nos estratos música x poema - possibilitará, sob a óptica de uma melopoética inovadora, processos efetivos de aquisição-entendimento dessa nova linguagem dialógica.

Uma proposta melopoética contemporânea para ser desenvolvida em sala de aula

Como intercâmbio produtivo dessas duas manifestações artísticas, devem ser considerados os citados fundamentos teóricos e práticos. A partir de tal concepção, a circulação das atividades de percepção musical e leitura realizadas pelos alunos, e mesmo professores, serão melhor apreendidas como possibilidade de interlocução com o mundo, considerando a realidade de sala de aula, do teatro, do auditório.

O pleno e criativo desenvolvimento da conscientização socioeducacional também se estrutura por determinadas atividades de interlocução - referentes à leitura de poemas e audição de músicas - com o objetivo de reavaliar com os alunos, dialogicamente, suas posições estéticas (e éticas) de indivíduos sociais. Tal interlocução se compõe de fases articuladas de um processo de conscientização de base dialógica - indivíduo-mundo - que envolvam atividades de “leituras” de músicas e poemas vários com o intuito de uma percepção/leitura de mundo mais criticamente estabelecida.

Nos vários níveis educacionais, músicas e poemas são trabalhados dentro de critérios rígidos tanto quanto obsoletos (por exemplo, análise gramatical de versos, rimas das letras musicais). Desconsideram-se, normalmente, questões diacrônicas relacionadas ao ritmo, sonoridade, melopeia - elementos que ajudam a perceber os sentidos múltiplos da melodia e da mensagem poética. Sob tal prática didática, entenda-se, a música e o poema não revelam a diferenciação efetuada na totalidade cultural de sua época. Mais, negativamente, tornam-se produção artística separada de outras manifestações, como a pintura, a escultura e suas representações socioculturais. Nessa separação, o indivíduo perde a consciência éticoestética de si e do outro - o poeta, o cantor, o compositor, o arranjador, o instrumentista -, com sua percepção musical de poesia, de mundo, de vida.

A análise estrutural da obra musical, em seu componente melopoético, assemelha-se à literária no que ambas possuem de ritmo e mensagem, índices (Paz, 1982PAZ, Octavio (1982). O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.). Assim, pode-se entender uma determinada apreciação do texto musical como tipo de recepção de processo narrativo, considerando seus aspectos relacionados à estética, informação e dialogia - relação comunicacional entre quem produz e quem recebe a mensagem literária e/ou musical. Entenda-se que essa estratégia, baseada nos conceitos de dialogismo de Bakhtin, possibilita harmonizar análises técnicas com dadas dimensões metafóricas presentes em qualquer obra de arte.

No sentido mesmo de metodologia melopoética de um curso para o ensino de terceiro grau ou para o ensino médio, uma relação intersemiótica musical-literária assim proposta consideraria, como elementos de sua estrutura, por exemplo:

  • a avaliação da interface música x poema (por exemplo, músicas brasileiras, do século XX até a atualidade), sob a óptica dialógica bakhtiniana. Nessa linha, centrando-se em aspectos conceituais, de leitura e recepção (vide Luiz Tatit, Lúcia Santaella);

  • a audição de peças musicais populares e eruditas com orientações semióticas sobre seus estratos melódicos, rítmicos e harmônicos. Tal audição se daria por meio, entre outros, da apresentação comentada dessas peças, usando músicas ao vivo e gravadas em CD, além da declamação e análise de poemas (técnicas de respiração e entonação) (vide Alfredo Bosi, Davi Arrigucci Jr., Paul Griffiths, José Tinhorão);

  • a análise da dimensão musical, como estrato de literariedade, de poemas oferecidos para leitura, além da análise (considerando a Teoria da recepção e do Efeito estético) de elementos ordinariamente comuns música x poema - como ritmo e prosódia (vide Wolfgang Iser, Hans R. Jauss, Vanda Freire);

  • a proposta de uma metodologia melopoético-dialógica: música (suporte de análise e conteúdo investigado) e poema (estrutura e aspectos conotativos). O objetivo, por meio dessa proposta, seria o de oferecer um ensino contemporâneo em que interagissem elementos como música e poema, aluno e leitura, sociedade e literatura (vide Robert Jourdain, José Paulo Paes, Patrícia Palumbo, Mário de Andrade).

Ainda, como elementos referenciais de suporte teórico para o desenvolvimento de tal metodologia aplicada, poderiam ser avaliados:

  • o sentido do dialogismo de Mikhail Bakhtin - a pessoa em seu mundo; o aluno (e o professor) em sua escola (Tinoco, 2002TINOCO, Robson Coelho (2002). “Literatura e ensino: proposta para uma leitura dialógica do mundo na (da) sala de aula”. In: Anais do encontro internacional - Mikhail Bakhtin. Curitiba: EdUFPR.);

  • exemplos de músicas e poemas, do século XX até os dias atuais, com temas comuns em que pudessem ser verificadas questões como estrutura rítmica e estrutura poética (Moriconi, 2002MORICONI, Ítalo (2002). A poesia brasileira do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva.);

  • análise de aspectos musicais e da musicalidade nas palavras-versos dos poemas, por meio de uma comparação de teor de mensagem e melodia poético-musicais (Travassos, 2000TRAVASSOS, Elizabeth (2000). Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.);

  • a interação autor-leitor por meio da música e do poema entendidos como expressão de duplicidade unívoca: ritmo e mensagem.

Alguns dos itens que poderiam ser considerados para a composição de um curso como aqui se propõe:

1) sentidos do dialogismo de Bakhtin e sua relação com a música enquanto sistema semiótico (Tezza, 2003TEZZA, Cristóvão (2003). Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco.); 2) literatura e música brasileira - do século XX até a contemporaneidade (textos e peças); 3) uma metodologia de ensino dialógico (pontos comuns entre música e elemento musical nas palavras do poema) - proposta de projeto a ser aplicado no ensino médio; 4) leituras programadas e pesquisa orientada (pelos professores do curso).

Seguindo, duas breves constatações, ainda que não conclusivas: 1ª) É importante olhar o Brasil percebendo inscrita em sua cultura, também, uma atualíssima intersecção música e literatura - como dois novos polos de mesma matriz verbivocovisual6 6 Termo-conceito usado por Décio Pignatari (1974). - e notar, de fato, tal força de atração interativa em parte considerável dessa dupla produção artística. 2ª) Considere-se que essa matriz, revalidando gaia7 7 Adjetivo que revela alegria; jovialidade; gaia ciência, a poesia dos antigos trovadores (Houaiss, 2001). análise de Wisnik, se devemenos a componentes externos (como fatores neomulticulturais), em que melodias servem de suporte a inquietações ditas cultas e letradas, do que a elementos internos (como reflexos da própria identidade nacional) de canções “a serviço do estado musical da palavra, perguntando à língua o que ela quer, o que ela pode” (Wisnik, 2001_____ (2001). “A gaia ciência - literatura e música popular no Brasil”. In: MATOS, Cláudia Neiva de; MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elizabeth (Orgs.). Ao encontro da palavra cantada: poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 Letras., p. 190).

Enfim, deve-se entender que no contexto sociocultural contemporâneo - recriando-se educacionalmente desde os conceitos de escola-nova, de 1930 - o indivíduo-aluno assim se apresenta: desorientado por conceitos pedagógicos estranhos a sua realidade; oprimido por avaliações que exigem o inutilizável; preso a teorias educacionais ultrapassadas por um mundo com novos valores; alheio a processos de articulação poema/ música como ferramentas de percepção artística sob os estratos de mensagem e ritmo, literariedade e melodia.

Portanto, a partir de tal entendimento em plenitude avaliativa é possível, também melopoeticamente, a recriação de um caminho original de percepção interartística - a percepção, até, da confluência poético-produtiva do novo sentido de caos imbricado no conceito de cosmos. Por esse caminho, considerar que o valor da educação do indivíduo-aluno será medido por sua capacidade pessoal, integrada ao coletivo, em articular de maneira equilibrada os dados, hipóteses e inferências contidos em uma nova onda informacional - educação do (presente para o) futuro.

Referências bibliográficas

  • ABEM (2001). Anais do X Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical. Uberlândia: ABEM.
  • ANDRADE, Mário de (1991). Aspectos da música brasileira. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Villa Rica.
  • ANTUNES, Arnaldo (2005). 40 escritos. São Paulo: Iluminuras.
  • ARRIGUCCI Jr., Davi (2000). O cacto e suas ruínas: a poesia entre outras. São Paulo: Duas Cidades.
  • BAKHTIN, Mikhail (2003). Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes.
  • BARTHES, Roland (2004). O grau zero da escrita. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes.
  • BOSI, Alfredo (2003). O ser e o tempo da poesia. 3. ed. São Paulo: Cia. das Letras.
  • BRANDÃO, Roberto de Oliveira (Org.) (1992). “Aristóteles. Horácio. Longino”. A poética clássica. São Paulo: Cultrix.
  • DAGHLIAN, Carlos (Org.) (1995). Poesia e música. São Paulo: Perspectiva.
  • FREIRE, Vanda Lima Bellard (1992). Música e sociedade - uma perspectiva histórica e uma reflexão ao ensino superior de música. Tese. Rio de Janeiro: ABEM.
  • GRIFFITHS, Paul (1998). A música moderna. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • GINSBURG, Carlo (2007). O fio e os rastros: verdadeiro, falso e fictício. São Paulo: Cia. das Letras.
  • HARNONCOURT, Nikolaus (1993). O diálogo musical: Monteverdi, Bach e Mozart. Trad. Luiz Paulo Sampaio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • HOUAISS, Antonio (2001). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva.
  • JOURDAIN, Robert (1998). Música, cérebro e êxtase: como a música captura nossa imaginação. Trad. Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: Objetiva.
  • MATOS, Cláudia Neiva de; MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elizabeth (Orgs.) (2001). Ao encontro da palavra cantada: poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 Letras.
  • MED, Bohumil (1996). Teoria da música. 4. ed. Brasília, DF: Musimed.
  • MELLO e SOUZA, Gilda de (2003). O tupi e o alaúde. São Paulo: Editora 34.
  • MORICONI, Ítalo (2002). A poesia brasileira do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva.
  • OLIVEIRA, Solange Ribeiro de (2002). Literatura e música. São Paulo: Perspectiva.
  • PAES, José Paulo (1997). Os perigos da poesia: e outros ensaios. Rio de Janeiro: Toopbooks.
  • PALUMBO, Patrícia (2002). Vozes do Brasil. São Paulo: DBA.
  • PAZ, Octavio (1982). O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
  • PER MUSI (2003). Revista de perfomance musical. Belo Horizonte: Escola de Música da UFMG. v. 8. julho-dezembro.
  • PIGNATARI, Décio (1974). Semiótica e literatura. São Paulo: Perspectiva.
  • ROWELL, Lewis (1990). Introducción a la filosofia de la música. Barcelona: Romanyà/Valls.
  • SANTAELLA, Lúcia (2005). Matrizes da linguagem e pensamento sonoro, visual, verbal. São Paulo: Iluminuras.
  • SCHER, Steven Paul (1981). “Comparing literature and music: current trends and prospects in critical theory and methodology”. In: KONSTANTINOVIC, Zoran; SCHER, S. Paul and WEISSTEIN, Ulrich (Orgs.). Literature and the other arts. Proceedings of the IX Congress of the International Comparative Literature Association. University of Innsbruck.
  • SOUSA, Jusamara (Org.) (2000). Música, cotidiano e educação. Porto Alegre: Programa de Pós-graduação em Música do Instituto de Artes da UFRGS.
  • TATIT, Luiz (2007). Publifolha, Todos entoam. São Paulo: Publifolha.
  • _____ (1986). A canção: eficácia e encanto. São Paulo: Atual.
  • TINHORÃO, José Ramos (2000). A música popular no romance brasileiro. 2. ed. São Paulo: 34.
  • _____ (1991). Pequena história da música popular. 6. ed. São Paulo: Art Editora.
  • TEZZA, Cristóvão (2003). Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco.
  • TINOCO, Robson Coelho (2002). “Literatura e ensino: proposta para uma leitura dialógica do mundo na (da) sala de aula”. In: Anais do encontro internacional - Mikhail Bakhtin. Curitiba: EdUFPR.
  • TRAVASSOS, Elizabeth (2000). Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • WISNIK, José Miguel (2004). Sem receita. São Paulo: Publifolha.
  • _____ (2001). “A gaia ciência - literatura e música popular no Brasil”. In: MATOS, Cláudia Neiva de; MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elizabeth (Orgs.). Ao encontro da palavra cantada: poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 Letras.
  • ZUMTHOR, Paul (2000). Performance, recepção e leitura. São Paulo: Educ.
  • _____ (1990). O discurso dos sons: caminhos para uma nova compreensão musical. 2. ed. Trad. Marcelo Fagerlande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • 1
    Ritmo: sequências sonoras de duração diferentes; a bateria (instrumento musical), por exemplo, só possui ritmo. Harmonia: dois ou mais sons expressos ao mesmo tempo (Med, 1996MED, Bohumil (1996). Teoria da música. 4. ed. Brasília, DF: Musimed.).
  • 2
    Melodia: manifestação de um conjunto de sons dispostos em ordem sucessiva; canto, por exemplo, só possui melodia. (id., ibid.). Todo estilo tem um ritmo (“batida”) diferente.
  • 3
    Já da Antiguidade clássica há informações sobre algumas célebres metáforas, atribuídas por Plutarco a Simônides de Ceos: a “pintura é poesia muda”; “a poesia, pintura falante”; “a arquitetura, música congelada” (Med, 1996).
  • 4
    É importante considerar a adaptação – enquanto percepção melopoética –, do texto/palavras do po- ema a conceitos propriamente musicais como Timbre: voz (soprano, contralto etc.); Duração: longo, curto (tempo das notas musicais); Altura: agudo, médio, grave; Intensidade: forte, fraco. Por exemplo: as palavras fada/asa, sob comparação melopoética às palavras túmulo/urubu, além de possuírem um componente sociocultural mais positivo (Bosi, 2003BOSI, Alfredo (2003). O ser e o tempo da poesia. 3. ed. São Paulo: Cia. das Letras.), tenderiam à representação de um som mais “curto, agudo, fraco” (ou forte, dependendo do contexto do poema/música ou intenção do poeta./ compositor).
  • 5
    A rapsódia é uma peça musical de forma livre que utiliza geralmente melodias, processos de composição improvisada e efeitos instrumentais de determinadas músicas nacionais ou regionais; do grego, recitação de poema (Houaiss, 2001HOUAISS, Antonio (2001). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva., p. 2385).
  • 6
    Termo-conceito usado por Décio Pignatari (1974PIGNATARI, Décio (1974). Semiótica e literatura. São Paulo: Perspectiva.).
  • 7
    Adjetivo que revela alegria; jovialidade; gaia ciência, a poesia dos antigos trovadores (Houaiss, 2001).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2011

Histórico

  • Recebido
    Jul 2010
  • Aceito
    Jan 2011
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistaestudos@gmail.com