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Wenía: o surgimento dos antepassados - Leitura e tradução de um canto narrativo ameríndio (Marubo, Amazônia Ocidental)

Wenía: the emergence of the ancestors - Reading and translation of an Amerindian narrative chant (Marubo, Amazônia Ocidental)

Wenía: el surgimiento de los antepasados - Lectura y traducción de un canto narrativo amerindio (Marubo, Amazonia Occidental)

resumo

Este trabalho compreende a tradução bilíngue inédita, as notas e o estudo de apresentação da narrativa cantada Wenía, dos Marubo da Terra Indígena Vale do Javari (Amazonas). A narrativa, que trata do surgimento dos antepassados, é fundamental para a compreensão dos processos classificatórios e etiológicos envolvidos no pensamento xamanístico e na etnogênese marubo. No ensaio de apresentação, são abordados alguns dos problemas conceituais aí envolvidos, tais como o estatuto da metáfora, das formas de classificação e dos processos de surgimento sobre os quais se dedica a poética narrativa marubo.

Palavras-chave:
narrativa; tradução; classificação; metáfora; literatura indígena

abstract

This work is composed by the bilingual translation of the myth-song Wenía from the Marubo, a Panoan-speaking people of Vale do Javari Indigenous Reservation, Brazil. The annotated translation, which presents the origins of Marubo ancestors, is preceded by an introductory essay on the conceptual problems involved in the narrative, such as metaphor, formulaic composition, classification and etiology, all of them essential to the understanding of Marubo's processes of ethnogenesis and shamanistic poetics.

Keywords:
narrative; translation; classification; metaphor; indigenous literature

resumen

Este trabajo comprende la traducción bilingüe inédita, las notas y el estudio de presentación de la narrativa cantada Wenía de los Marubo de la Tierra Indígena Vale do Javari (Amazonas). La narrativa, que trata del surgimiento de los antepasados, es fundamental para la comprensión de los procesos clasificatorios y etiológicos involucrados en el pensamiento shamanístico y en la etnogénesis marubo. En el ensayo de presentación se abordan algunos de los problemas conceptuales involucrados, tales como el estatuto de la metáfora, las formas de clasificación y los procesos de surgimiento sobre los que se construye la poética narrativa marubo.

Palabras clave:
narrativa; traducción; clasificación; metáfora; literatura indígena

Caminhos, paradas e surgimentos: são esses alguns dos marcos fundamentais das poéticas ameríndias. Responsável por produzir seus contornos conceituais, estéticos e rituais, a tríade é ainda mal compreendida para além dos círculos antropológicos. Não que se trate propriamente de uma novidade: ao longo de sua obra, Claude Lévi-Strauss já havia apontado para sua centralidade no pensamento narrativo indígena, ao associar a presença dos deslocamentos e viagens à relação entre contínuo e discreto. Mário de Andrade, por sua vez, tomou tal esquema para si ao compor seu Macunaíma, no qual, como observou com perspicácia Lúcia Sá (2004)SÁ, Lucia (2004). Rain forest literatures: Amazonian texts and Latin American culture. Minneapolis: The University of Minnesota Press., as dinâmicas etiológicas ocupam um papel central. Contudo, essa tripartição fundamental para os regimes intelectuais ameríndios rende assunto para reflexão e, ainda mais, quando analisada a partir do contato direto com traduções detalhadas de cantos e narrativas. Sem uma compreensão mais acurada de tal configuração, o que há de especial em tais poéticas, tão alheias quanto contemporâneas às nossas, torna-se obscuro.

A longa narrativa mítica cantada Wenía, que versa sobre o surgimento dos antepassados dos Marubo (um povo falante de língua pano, da Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas), elabora de maneira especial a referida tríade. Na tradução aqui apresentada, podemos perceber como ela exige dos cantadores uma notável destreza conceitual, mnemônica e poética, necessária para que as palavras cantadas sejam capazes de acompanhar os percursos que levam à formação dos primeiros humanos, ocorrido nos tempos em que esta terra ainda era jovem (mai vená). Mas não é apenas para isso que o esquema criado pelos caminhos, paradas e surgimentos se mostra produtivo. Ele pode, a rigor, ser utilizado para pensar sobre tantos processos de formação quanto forem necessários para que o real se instaure. É o que pode ser verificado, por exemplo, na tradução de “A formação da Terra-Névoa”, a longa narrativa cantada de formação do mundo pelos primeiros espíritos demiurgos, que tive a oportunidade de traduzir, acompanhada de outros textos, em uma antologia (Cesarino, 2013aCESARINO, Pedro de Niemeyer (Org.) (2013a). Quando a Terra deixou de falar - Cantos da mitologia Marubo. São Paulo: Editora 34.).

Até onde sabemos, apenas os Marubo isolam episódios narrativos em cantos não engastados em outros gêneros, tais como os de cura ou os referentes a festivais. Isso é o que define cantos saiti tais como o Wenía, que segue aqui traduzido. Ainda que a associação com outros gêneros também ocorra com frequência e seja um aspecto central da poética marubo,2 2 Ver Cesarino (2011a) para um estudo mais detalhado. é muito raro que a narrativa possa ser isolada em uma estrutura rítmica (com a métrica fixa em quatro sílabas, aqui como em outras artes verbais pano), melódica e temática própria. Essas características podem indicar, em uma primeira impressão, semelhanças com poemas épicos do antigo mundo indo-europeu, muito embora as matrizes conceituais, políticas e sociais dos cantos marubo sejam completamente distintas daquelas referências sobre o épico que povoam o imaginário clássico das tradições orais: não há, por exemplo, relatos sobre a trajetória marcante do herói, que serviria de construção para uma memória nacional ou coletiva assentada em conquistas bélicas e feitos extraordinários (Zumthor, 1983ZUMTHOR, Paul (1983). Introduction à la poésie orale. Paris: Seuil.).3 3 Por essas razões, torna-se necessário ser cauteloso com aproximações muito rápidas entre narrativas ameríndias e os universos clássicos do épico, tais como as recentemente sugeridas por Mussa (2009). Ver Cesarino (2013a) para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto.

Como já apontei outras vezes, a extensão e conexão dos diversos episódios que povoam as narrativas marubo é propriamente vertiginosa, passível de ser compreendida apenas por pessoas que já são consideradas como outras, que têm outro sangue, que são capazes de se “empajezar” ou “espiritizar”. Essas duas últimas expressões equivalentes foram criadas por mim (Cesarino, 2011aCESARINO, Pedro de Niemeyer (2011a). Oniska - Poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo: Perspectiva; Fapesp. ) para traduzir o termo marubo yove-a (espírito-verbalizador), cujo radical pode sofrer ainda acréscimo de outros morfemas de aspecto e de tempo verbal, assim indicando uma condição conectiva e transformacional da pessoa que está na base de seus modos de conhecer. O domínio das centenas (por vezes alguns poucos milhares) de versos que compõem as centenas de episódios referentes aos tempos antigos, que bem encheriam uma prateleira se traduzidos, é tarefa para poucos, cada vez mais escassos entre os povos das terras baixas sul-americanas. Para que sejam capazes de encadear essas longas e complexas narrativas cantadas, os xamãs marubo precisam alterar a sua pessoa através de rituais de iniciação que, muitas vezes, estendem-se por toda uma vida. Com isso, estabelecem contato com os magníficos espíritos yovevo, detentores originais do conhecimento verbal transmitido pelos humanos.

Vemos assim que cantos como os saiti não são frutos de uma imaginação literária individual nem de uma mensagem coletiva anônima da tribo. Trata-se de outras imaginações temporais e narrativas, assim como de outros vínculos autorais que, como bem mostrou Manuela Carneiro da Cunha (2009CUNHA, Manuela Carneiro (2009). Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify., p. 311 e seguintes), mal se submetem às dicotomias infernais dos modernos. O autor da presente versão do Wenía, o falecido xamã romeya Armando Mariano Marubo Cherõpapa, com quem convivi entre 2004 e 2009, é uma multiplicidade. Ele se desdobrava entre seu aspecto corporal, concebido como uma carcaça (shaká), bem como uma maloca homóloga à externa, habitada por diversos duplos que outrora eram propensos a sair para estabelecer relações de parentesco seja com os espíritos yovevo, seja com outros duplos de antepassados. Esses vínculos permitiam que sua memória se tornasse suficientemente eficaz para transmitir os diversos cantos que compõem o conhecimento verbal, sejam eles os narrativos, os agentivos (cantos shõki, empregados em rituais de cura e de feitiçaria), os exortativos (as falas de chefe tsãiki) e as falas de ensinamento (ese vana), além dos cantos iniki transportados pelos próprios espíritos através do corpo de Armando.4 4 Ver Cesarino (2011a) para traduções diversas.

Classificação e variação

Entre os vários episódios referentes aos tempos antigos narrados pelos saiti, aqueles de que trata o Wenía têm um sentido especial. Eles apresentam a formação dos primeiros antepassados que viriam a compor o povo Marubo, assim chamado pelos brancos ao longo de um processo de contato que se inicia provavelmente nos fins do século XIX (Ruedas, 2001RUEDAS, Javier (2001). The Marubo political system. Dissertatioin (Ph.D. in anthropology) - Tulane University, New Orleans.; Welper, 2009WELPER, Elena Monteiro (2009). O mundo de João Tuxáua: (trans)formação do povo Marubo. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Os eventos apresentados pelo canto ainda não se referem, portanto, à “sociedade Marubo”, uma categoria criada pela necessidade de domínio e de classificação imposta ela sociedade envolvente. Eles tratam, antes, do surgimento de uma miríade de “povos” (nawavo), aos quais me refiro por vezes como “segmentos”. É que esses povos estabelecerão, ao longo da etnogênese marubo, relações específicas de parentesco e de aliança, atualmente cristalizadas em torno de um sistema classificatório de tipo kariera, que prescreve “casamentos de primos cruzados bilaterais e termos de parentesco distribuídos por gerações alternadas” (Melatti, 1977MELATTI, Julio Cezar (1977). Estrutura social Marubo: um sistema australiano na Amazônia. Anuário Antropológico, Brasília, n. 76, p. 83-120., p. 107). Para que tais casamentos e distribuições de termos de parentesco possa acontecer, é necessário que se estabeleçam distinções entre grupos (aqui chamados de povos ou de segmentos) que, nos tempos atuais, correspondem razoavelmente às distintas ocupações distribuídas entre as calhas e cabeceiras dos rios Ituí e Curuçá.

Tais segmentos passam, assim, a constituir um sistema classificatório até hoje determinante para as relações sociais e de parentesco. Esse sistema vai, então, se formar justamente a partir dos povos cujo surgimento é narrado no Wenía, que estabelecem distintas relações de proximidade por terem ou não “surgido juntos” ou “ao lado” (paso-). São eles o Povo Sol (Vari Nawavo), os primeiros a surgirem e, na sequência, Povo Azulão (Shane Nawavo), Povo Jaguar (Ino Nawavo), Povo Arara (Kana Nawavo), Povo Japó (Rovo Nawavo), e também o Povo Araraúna (Shawã Nawavo), outro Povo Japó (Isko Nawavo), Povo Pupunha (Wanĩvo), outro Povo Jaguar (Kamã Nawavo), Povo Macaco Barrigudo (Txonavo), Povo Flor das Árvores (Tama Owavo), entre outros.5 5 Em Txonavo e Tama Owavo, o termo nawavo está contraído e subentendido pela presença do sufixo pluralizador -vo, como no seguinte exemplo: tama owa-vo (árvore flor-pluralizador). O Wenía serve, portanto, de base para a constituição do que se transformaria, mais adiante, na organização social dos Marubo. Uma pessoa que pertence a um ou outro desses povos (estruturalmente transformados em segmentos) estabelecerá, assim, relações prescitas com os outros demarcadas a partir de termos essenciais de parentesco tais como epa (tio paterno), koka (tio materno), txai (cunhado/primo cruzado), pano (prima cruzada). Desta forma, todo homem pertencente ao Povo Araraúna tratará por koka os do Povo Azulão, com cujas filhas ele poderá se casar, e assim por diante para os outros arranjos possíveis.6 6 Assim, os integrantes de cada um de tais segmentos estabelecerão relações prescritas com os de outros segmentos; uma configuração geralmente composta por quatro grupos, que deverá também formar uma unidade residencial marcada pela construção de uma grande maloca (shovo). Desta forma, toda pessoa pertencente ao Povo Japó (Isko Nawavo), por exemplo, utilizará o termo recíproco koka (tio materno e sogro potencial; sobrinho e potencial genro) para se referir aos integrantes do Povo Azulão (Shane Nawavo). Um rapaz “japó” (isko) poderá então se casar com a filha de um homem “azulão” (shane), moça que pertencerá ao segmento Povo Araraúna (Shawã Nawavo), herdado de sua avó materna (termos distribuídos por gerações alternadas). A relação entre esses dois jovens “japó” e “araraúna” será então de afinidade jocosa, ao passo que a relação assimétrica entre “japó” e “azulão” será também de afinidade, mas formal. Todo “Japó” tratará seus primos cruzados “Arara” por txai e suas primas cruzadas por pano. Os pertencentes ao segmento ou povo “japó” (isko), por sua vez, tratarão como tios paternos (epa) os pertencentes a outro povo também traduzido por uma espécie do pássaro japó, os Rovo Nawavo. Assim, a relação entre isko e rovo será de proximidade; rapazes e moças da mesma geração e pertencentes a esses dois segmentos não poderão jamais se casar.

Como se não bastasse, tal transformação estrutural não será utilizada apenas para os limites da sociedade e do parentesco. Ela passará a se valer do idioma do parentesco para produzir um modo de classificação propriamente cosmológico. Elementos diversos do mundo - tais como direções espaciais, rios, estratos celestes, classes de espíritos, animais, vegetais e alimentos cultivados, além de adornos corporais, estilos de arquitetura de malocas etc. - serão compulsivamente classificados como pertencentes ao segmento “sol”, “azulão”, “japó”, e assim por diante. Quando o gradiente cosmológico começa a se afastar desta humanidade, surgirão ainda outros classificadores, como “sangue” (imi), “névoa” (koĩ), “branco” (osho) e até mesmo “espírito” (yove). (Observo, bem a propósito, que os hífens usados ao longo desta tradução, criando espécies de nomes compostos, se referem justamente a tal lógica, em muito distinto de um processo de adjetivação.) É a partir daí que o pensamento marubo mostra-se especialmente complexo em sua tarefa de estabelecer cortes no contínuo através de inumeráveis classes e seus respectivos vínculos.

O que mais exatamente impulsiona tal processo? Tratar-se-ia de um sistema totêmico que classifica o mundo a partir das necessidades de subsistência do grupo, que projeta suas classes sociais sobre a natureza? Seria apenas uma proliferação irregular de classes ou a irregularidade teria sua coerência? Essas posições foram revisadas há tempos por Lévi-Strauss (1962)LÉVI-STRAUSS, Claude (1962). Le totemisme aujourd'hui. Paris: P.U.F. e, mais recentemente, por Philippe Descola (2005DESCOLA, Philippe (2005). Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard.). Ora, como argumentava o antropólogo belga, a categoria “totemismo” é tributária das distorções semânticas, ilusões teóricas e metodológicas dos antropólogos, muito embora uma vontade de sistema esteja sim presente nos sistemas sociais e cosmológicos de povos ameríndios ou australianos. No caso Marubo, encontramos uma disposição classificatória que, no entanto, não poderia ser compreendida exatamente a partir de um vínculo especial ou privilegiado entre membros das séries natural e social. As classes mobilizadas (tais como as referidas acima) não apenas extrapolam tal bipartição moderna como também não conferem exatamente atributos ou privilégios a seus pertencentes (uma pessoa do Povo Sol não é solar, nem tampouco é agressiva aquela pertencente ao Povo Jaguar; elas não possuem quaisquer relações privilegiadas ou conhecimentos especiais sobre o astro ou o predador). Parece, então, que os termos (“sol”, “jaguar” etc.) permanecem apenas como uma propensão para disposição classificatória, como se fosse impossível deixar de demarcar os existentes neste ou naquele lote possível e extrair daí as potenciais relações de parentesco.

Tal disposição, portanto, é mais abrangente que os eventuais modos de identificação entre membros de séries distintas (Descola, 2005DESCOLA, Philippe (2005). Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard., p. 205). Mesmo que importante e recorrente, o problema da identificação não parece suficientemente central para definir o sentido geral dessa vocação sistemática, ela mesma uma espécie de pano de fundo a partir do qual se torna possível pensar as eventuais continuidades interespecíficas. Seria mais interessante, aliás, reformular o problema da identificação e da interespecificidade à luz do conceito deleuzeano de devir, menos atrelado ao binarismo moderno - natureza/cultura, humano/não humano - que permeia a reflexão comparativa de Descola e que obscurece a compreensão das particularidades ontológicas ameríndias. Ora, são outros os recortes e vínculos entre existentes, que postulam zonas de indiscernibilidade e de passagens entre séries potencialmente incompatíveis com o léxico analítico dicotômico fundamental do problema antropológico do totemismo. E é sobre isso que fala o Wenía.

Diríamos, pois, que tal propensão para a classificação tem a ver com necessidade de pensar e de manipular o fluxo interminável de pessoas que, desde sempre, compõe o mundo tal como vivido pelos Marubo.7 7 E por outros tantos ameríndios, sobre os quais refletia Eduardo Viveiros de Castro (2002). Esse fluxo implica devires constantes, entrecruzamentos entre o que os modernos concebem como séries distintas, mas que ali configuram heterogeneidades complexas, a todo tempo capazes de ameaçar a vida entre parentes. Após surgirem de suas mulheres - cena que o Wenía metaforizará através de imagens ctônicas -, os antigos, distribuídos em suas distintas seções, precisam aprender a viver em parentesco. Começam a viajar na direção das cabeceiras, vindo de uma região identificada pelos exegetas marubo como Manaus e Belém (noa taeri, “pé do grande rio”), e estabelecem contato com povos marcados justamente por sua ambiguidade ontológica: que tipo de gente será esta? Que relações sexuais podemos estabelecer com eles? O que podem nos ensinar? O que surgirá de tais encontros?

Num momento central da narrativa, estabelece-se uma distinção fundamental entre, por um lado, os xamãs e os chefes, mais sábios, e, por outro, uma derivação dos antigos mais insensatos e lascivos, encarnada na gente macaco-prego. A distinção esconde, na realidade, o incesto como problema fundamental da vida em sociedade. Nas Estruturas elementars do parentesco, Lévi-Strauss ensinava que o problema da proibição do incesto coincide com a própria possibilidade de existência da sociedade. Aqui, esse problema será também etiológico: ao longo das paradas que pontuam a longa viagem, entidades e eventos surgem a partir de distintos acoplamentos entre viventes que habitam o mundo ainda novo. É daí que começa a ganhar corpo o espírito sistemático e sua relação íntima com os eventos etiológicos, expressos através de um complexo arcabouço de fórmulas verbais dominado pelos cantadores.

Não por acaso, ao longo desses encontros incestuosos, entes e estados de coisas surgem em sincronia com estoques de nomes e ordens de classificação. Essa conjugação entre etiologia e classificação faz com que os atuais Marubo se reportem constantemente ao Wenía (mas também a outros dos diversos episódios narrados pelos saiti) em seus ensinamentos e especulações rituais, muitas vezes ocorridas ao longo das noites em que os espíritos visitam os corpos dos xamãs romeya. Voltando-se aos cantos, os xamãs pretendem resgatar a origem de seus esquemas sociais e intelectuais que, não raro, servem para neutralizar processos patológicos. Isso ocorre, por exemplo, quando os jovens atuais se comportam de maneira excessivamente lasciva e insolente, violando as proibições do incesto, “estragando o sangue” (imi ichná) e contribuindo assim para o “tempo ruim” (shavá ichná) em que vivemos. Uma das explicações para tal comportamento, capaz de desencadear doenças como hepatite (patiti) e melancolia (oniska), está em que os jovens são, com frequência, “atravessados” (tasavrã) pelos espíritos da gente macaco prego, surgida ao longo do trajeto descrito pelo Wenía.

Metaforização

É comum escutar dos jovens Marubo, bem como de outros não iniciados na interpretação de suas artes verbais, que seus antepassados surgiram de um buraco na terra. Trata-se, de fato, de um tema narrativo comum entre outros povos ameríndios - e também, aliás, entre aborígenes australianos (Descola, 2005DESCOLA, Philippe (2005). Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard., p. 206 e seguintes). O tema se faz presente entre os Katukina,8 8 Observe-se como a versão da narrativa Katukina disponível em uma publicação condensa, em simples prosa corrida, o que o pensamento Marubo desdobra em um longo e complexo canto. Vemos aí alguns dos temas que aparecerão ao longo do Wenía: “Os Katukina vieram de baixo da terra. Logo que surgiram não havia mulheres, somente homens. Vieram caminhando e cantando o mariri. Não tinha canto, era só hi, hi, hi. Vieram cantando na beira do rio. Aí disseram: – Pra onde nós vamos morar? Vamos procurar um lugar para morar. Vamos embora procurar uma ponte para atravessar do outro lado do rio. Os Katukina não usavam roupas, só usava tangas. No caminho, encontraram duas mulheres. Essas mulheres carregavam um paneiro. Só usavam tanga e chapéu de pena de arara, de taboca, pena de japó. Usava um enfeite no nariz. Aí foi um mês procurando para atravessar o rio. Aí falaram: – Vamos subir, onde a gente achar uma ponte, a gente atravessa pro outro lado. Todos falaram: – Vamos embora. Seguindo e cantando hi, hi, hi. Vieram debaixo e encontraram o Juruá. No Juruá encontraram um jacaré muito grande. Ele afundava e subia. E era só mato nas costas dele. Aí eles disseram: – Será que esse jacaré serve de ponte para atravessarmos para o outro lado?” (Katukina e Sena, 1997, p. 10-11). um dos povos pano mais próximos dos Marubo, mas também, como notei em outro artigo (Cesarino, 2013CESARINO, Pedro de Niemeyer (2013b). Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Marubo. Mana, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 437-471., p. 465), entre os falantes de arawak Enawene-Nawê e os falantes de tukano do Rio Negro, além de aparecer nos relatos inca compilados por Garcilaso de la Vega e na História Tolteca-Chichimeca, um códice composto de escrita alfabética e pictográfica que narra o surgimento dos povos Nahuatl (América Central) do século XVI. Na História Tolteca-Chichimeca, encontramos uma imagem particularmente interessante, capaz de estabelecer uma conexão intermediária entre o caso do Wenía e o de outros povos das terras baixas, que atribuem uma origem ctônica a seus antigos. A imagem da caverna Chicomoztoc aí apresentada (figura 1) é um híbrido visual, uma paisagem-útero a partir da qual surgem ou migram os sete povos Nahua, entre os quais os astecas.

Figura 1
Reprodução da caverna de Chicomoztoc, Historia Tolteca-Chicimeca.

Armando Cherõpapa, desenhista e autor da presente versão do Wenía, também decidiu traduzir no papel sua narrativa (figura 2). Sua solução, entretanto, não é híbrida, muito embora seja capciosa. Ela apresenta a imagem ctônica de maneira mais direta, mostrando os antepassados dos distintos povos saindo de um buraco na terra, situado à esquerda. Os mais altos, à direita, são os mais velhos, com destaque para o chefe do Povo Sol, que foi o primeiro a surgir.10 10 Um esquema iconográfico similar é adotado pelos Katukina na referida publicação: à esqueda, um buraco; à direita, uma série de pessoas dançando.

Figura 2
O surgimento dos antigos, de Armando Mariano Marubo, 2006.

A imagem de Chicomoztoc foi elaborada dentro de um contexto de comunicação pictográfica estabelecido, marcado por convenções visuais prévias. Armando, por sua vez, desenha os temas do Wenía a meu pedido e começa a inventar uma espécie de iconografia pictográfica, cujas consequências explorei em outros estudos (Cesarino, 2011bCESARINO, Pedro de Niemeyer (2011b). Entre la parole et l’image: le systhème mythopoïetique marubo. Journal de la Société des Américanistes, Nanterre, v. 97, n. 1, p. 223-259.; 2013bCESARINO, Pedro de Niemeyer (2013b). Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Marubo. Mana, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 437-471.). O que importa ressaltar aqui é que a imagem de Armando deve ser entendida, sobretudo, como uma metáfora. E que a própria noção de metáfora precisaria ser redefinida para que se compreenda melhor seu potencial estatuto nas poéticas xamanísticas. Os xamãs marubo distinguem a chinã vana, “fala pensada”, da veyô vana, “fala ordinária”. Essa última não serve para pensar os processos de surgimento, tampouco para potencializar a palavra. Excessivamente direta, ela não se estabelece através do uso das metáforas especiais que permeiam o conhecimento verbal expresso em seus distintos gêneros ou modos; um conhecimento que é objeto de processos árduos de transmissão. Grande parte do Wenía é, assim, composto por metáforas especiais associadas à composição formular que define este e outros cantos marubo.11 11 É notável que a referida versão katukina, recolhida provavelmente de uma narrativa direta, não apresente nem uma disposição formular e nem o uso de termos de língua especial, muito embora também recorra ao paralelismo para sua composição. De fato, a transcrição do original na língua nativa deve ter sido feita a partir do katukina cotidiano, como permite constatar uma comparação com a versão formalizada marubo. Os Katukina são um entre outros povos falantes de pano que vivem ao longo do rio Juruá e seus afluentes; região que foi submetida de maneira mais direta aos impactos devastadores da economia da borracha. Os Marubo, por sua vez, protegeram-se entre as cabeceiras remotas do Ituí e do Curuçá, o que talvez tenha preservado os processos de transmissão de seus conhecimentos verbais e rituais. Até os dias de hoje, não é incomum que os Katukina viajem para as aldeias marubo a fim de aprender e se consultar com seus xamãs.

Dessa forma, como veremos, a cena inicial apresenta o processo de nascimento dos primeiros antepassados de maneira indireta, através da imagem de uma terra revolta, de formigas saindo de buracos no solo. E assim o faz pela transformação de um esquema formular prévio, que obedece um padrão rítmico e estrutural de base. Esse esquema vai além do uso pontual de fórmulas verbais, passíveis de serem distribuídas nos versos do canto, e se distribui por toda a forma de composição de cantos como o Wenía. Na realidade, os cantadores marubo passam a dominar tal arcabouço formular virtual, que será, então, atualizado neste ou naquele canto. A abertura do Wenía utiliza, por exemplo, os seguintes versos: Vari mai nãko / Nãko osõatõsho / Wení katsiinã (“Néctar da terra-sol / Dentro do néctar / Surgimento começa”). Note como o mesmo esquema formular se faz presente na abertura da “Fala da Terra-Névoa”, que trata do surgimento de um espírito demiurgo: Tene tewã nãkoki / Nãko osõatõsho / Pikashea wení (“No néctar-tene / Dentro do néctar / Pikashea surge”). Exemplos como esse abundam e evidenciam o modo de composição poética em questão, que se vale de alterações sintagmáticas e paradigmáticas para constituir longas sequências narrativas, de cunho eminentemente verbivisual, panorâmico, paratático e etiológico.

É comum, portanto, que os não iniciados sejam incapazes de compreender que o surgimento de um buraco da terra constitui apenas um “modo de falar” dos xamãs. E que sigam por aí dizendo que seus antigos surgiram mesmo de um buraco na terra, enquanto as palavras do canto, a rigor, se referiam a outra coisa. Ainda assim, a distinção entre sentido figurado e literal não é exatamente da ordem do desvio e da substituição. Anõsh taná, “um modo de entender”, anõ shovitirivi, “modo de fazer”, kẽchĩtxo akárvi, “jeito de pajé”, kẽchĩtxo ane, “nome de pajé”, awẽ ane anõ awe shovima, “o nome para dar surgimento a algo”: estas são algumas das expressões que tenho traduzido por “metáfora”, mas não sem fazer com que o conceito seja devidamente transformado a partir do regime especulativo xamanístico. Como já indiquei em outros momentos (Cesarino, 2011aCESARINO, Pedro de Niemeyer (2011a). Oniska - Poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo: Perspectiva; Fapesp. ; 2013bCESARINO, Pedro de Niemeyer (2013b). Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Marubo. Mana, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 437-471.), o discurso xamanístico é metafórico, entre outras razões, por ser eficaz: conhecer o surgimento das coisas implica em ser capaz de manipulá-las, por exemplo, quando elas se tornam ameaçadoras para a saúde dos viventes. Se, em alguns casos, as fórmulas metafóricas parecem mais próximas de uma figura de linguagem (como na cena inicial do Wenía), empregada para falar de modo belo (vana roaka) sobre o que, em termos comuns, soaria excessivamente ordinário, em outros, os eixos se cruzam de maneira peculiar.

Tal especificidade encontra-se, por exemplo, na longa sequência que começa nos versos 313 e seguintes: ali, homens e mulheres em cópula são descritos por meio de imagens vegetais, mas o que se revela não é uma mera metaforização vegetal do humano, algo como um totemismo poético mal definido, e sim um entrecruzamento mais complicado entre séries. Afinal, é justamente de tais relações que surgem entes como as palmeiras cocão e murumuru. Desta forma, se a relação sexual parece ser descrita de maneira figurada, seus efeitos denunciam que os alcances das relações entre homens e mulheres são outros, passíveis de se desdobrarem em palmeiras e demais fenômenos concebidos por relações de vizinhança com o que ali vai se definindo como humano (justamente nesta época em que “humano” é ainda, na direção do pensamento de Viveiros de Castro, muito mais um processo de conexão intensiva que prerrogativa de um gênero extensivamente definido). Tudo se passa, assim, como se o que pretendia ser apenas metáfora (em chave substitucionista) acabasse, em alguns momentos das narrativas, por se desdobrar em novos estados de coisas, desta forma invertendo ou invalidando um suposto processo original de purificação, ou de separação entre o liteal e o figurado, que é uma característica do pensamento moderno (Latour, 1991LATOUR, Bruno (1991). Nous n’avons jamais été modernes. Paris: La Découverte.). Em outros termos, o discurso especial xamanístico, assentado na conjunção entre fórmulas verbais e imagens metafóricas, não pressupõe que a língua ordinária seja a pedra de toque do real e do significado, sempre passível de ser resgatada pelos esforços de purificação interpretativa, mas, bem ao contrário, estabelece com ela uma relação de desconfiança. Apenas as palavras especiais é que podem levar a compreender a formação das coisas, pois são elas que permitem acompanhar a flutuação da referência decorrente da variação entre tempos e mundos. Nisso está assentada a necessidade de redefinição do regime xamanístico de significação, ainda em elaboração por mim e outros autores (Castro, 2004CASTRO, Eduardo Viveiros de (2004). Perspectival anthropology and the method of controlled equivocation. Tipití, San Antonio, v. 2, n. 1, p. 3-23.; Heurich, 2015HEURICH, Guilherme Orlandini (2015). Música, morte e esquecimento na arte verbal araweté. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.).

Tradução

A presente versão inédita do Wenía é a primeira traduzida inteiramente a partir de uma narrativa cantada - única na etnografia marubo e, provavelmente, entre outros estudos sobre povos das terras baixas da América do Sul. Longas narrativas referentes ao surgimento dos antepassados já foram registradas, por exemplo, pelos povos falantes de tukano, como no caso da Coleção narradores indígenas do Rio NegroColeção Narradores Indígenas do Alto Rio Negro. São Gabriel da Cachoeira: FOIRN. 8 v.. No entanto, não se trata de versões originalmente cantadas e metrificadas como esta. A versificação que adoto aqui na solução escrita, portanto, acomoda bem o ritmo do canto, muito embora não tenha sido mantida a métrica original ou alguma outra complementar. Tentei, em vez disso, recriar um ritmo próprio na versão em português, a fim de transmitir algo da música interna reproduzida pelo encadeamento das sequências formulares - um procedimento já adotado por mim em outros trabalhos e que se estende para o presente caso.

A escrita ortográfica utilizada na transcrição do original (gravado por mim em performance na comunidade Alegria, alto rio Ituí, no primeiro semestre de 2005) foi aqui estabelecida a partir daquela adotada pelos Marubo e estabelecida pelos missionários, que a utilizam desde os anos 1950. Tomei a liberdade, entretanto, de modificar algumas soluções que não me pareciam muito compatíveis com o caráter eminentemente aglutinante dessa língua. Assim como outras da família Pano, ela faz amplo uso da união de morfemas em torno de um radical, através dos quais se exprimem, por exemplo, as marcações de caso, de tempo e de aspecto. O trabalho de tradução foi realizado em diversas etapas, que contaram com a colaboração do autor da presente versão, assim como do jovem xamã e professor Robson Dionísio Doles Marubo e de outros xamãs cantadores experientes. Sem tal colaboração, teria sido impossível compreender o sentido metafórico de muitas passagens, além de outros termos que pertencem ao uso antigo e ritual da língua. As decisões conceituais e estilísticas finais, entretanto, são minhas.

A título de exemplo, anexo à tradução do canto um trecho segmentado e acompanhado das convenções linguísticas, que pode ser usado como um norte para leitores mais interessados em tal etapa do trabalho tradutório. A tradução principal, contudo, não se imagina como documento ou dado linguístico, mas antes como um esforço de tradução criativa de uma expressão poética distinta, em vários aspectos, dos gêneros literários modernos. Além dos problemas da composição formular e da metaforicidade já comentados, valeria destacar também o aspecto marcadamente paratático do canto, que se desenvolve a partir de uma sucessão de cenas divididas em estrofes e blocos (nomeados por mim para facilitar a compreensão do texto), a partir de uma montagem paralelística comum a esta e outras artes verbais ameríndias (Franchetto, 2003FRANCHETTO, Bruna (2003). L’autre du même: parallélisme et grammaire dans l’art verbal des récits Kuikuro (caribe du Haut Xingu, Brésil). Amérindia, Villejuif, n. 28, p. 213-248.; Cesarino, 2006CESARINO, Pedro de Niemeyer (2006). De duplos e estereoscópios: paralelismo e personificação nos cantos xamanísticos ameríndios. Mana, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 105-134.). Essa lógica de montagem, a propósito, alia-se ao próprio jogo das sequências formulares, também elas intercambeáveis de maneira razoavelmente maleável pelo cantador, sobretudo na primeira metade da narrativa. Tentei, assim, valer-me também de tal plasticidade paralelística (seja no interior das fórmulas, seja entre versos, estrofes e blocos) na versão em português. Não é demais lembrar que o paralelismo não é mera repetição gratuita mas, antes, o cerne de tais expressões poéticas, cujo efeito reiterativo e, por vezes, hipnótico, representa um desafio para a tradução criativa. A imagem do caminho construída pelo texto deve, portanto, aliar-se a uma construção rítmica capaz de conduzir o leitor pelos trajetos dos antepassados, que são narrados através de uma estética da repetição, facilmente confundida como tédio ou prolixidade por um leitor ocidental. Mas essa poética da reiteração faz parte da tríade caminho/parada/surgimento, que se vale da variação entre as distintas classes de pessoas para desenvolver seu panorama narrativo.

A presente versão não está completa. Outros episódios se sucedem ao momento em que o canto foi interrompido, como o encontro com o antepassado que ensinará a técnica funerária da cremação. Contudo, a incompletude é uma condição comum das artes verbais narrativas e, sobretudo, entre os Marubo, para os quais um canto como o Wenía dificilmente pode ser realizado por inteiro. São poucas, de fato, as condições que permitiriam tal feito, mesmo que os atuais cantadores sejam virtualmente capazes de levar a tarefa a cabo. As festas nas quais os cantos saiti são realizados (pequenas sequências são entoadas por um puxador de canto e, em seguida, repetidas pelos participantes, que dançam-caminham em uma coregrafia de viagem), assim como as performances solitárias ou para grupos menores de parentes (desta vez sem intervalos e repetições de estrofes ou versos pela audiência), nem sempre são suficientes para que as diversas etapas da narrativa sejam expostas. Uma versão integral cantada talvez durasse um dia ou mais para ser realizada; não é incomum que o ponto interrompido seja depois retomado em conversas paralelas, nas quais a história segue através de outro modo de contar, ou seja, pela fala dramatizada (yoã vana) que prescinde da associação com frases melódicas, como é o caso dos saiti. O que lemos aqui, entretanto, já é suficientemente denso e original para que se tenha uma ideia da destreza poética dos Marubo.

Wenía: o surgimento dos antepassados

I. Filhos do Povo Sol (Varĩ Vake Nawavo)

1. Vari awá chinãki Vida de anta-sol Vari mai paroke No vão da terra-sol Vari shõpa weki Vento de lírio-sol We sheamashõta Vento envolve 5. Veõini otivo E ali repousa12 Vari mai nãko Néctar da terra-sol13 Nãko osõatõsho Dentro do néctar Wení katsiinã Surgimento começa Pinikia avai E assim cansado14 10. Vari shawã shakapa Couro de araraúna-sol Mai marak ativo Que sempre terra cobre Mai rakárakái Na terra revolve15 A aki avai Revolve e então Vari ima chiwãne Formigas-sol 15. Vari mai teorai Sob a terra-sol Teorai kinisho Na terra furos fazem16 Vari Shoi kinisho Pelo furo de Vari Shoi17 Kayaini ikirao Elas vão subindo Vari awá shaõno Ossos de anta-sol 20. Mepinini Pelos ossos sobem18 Vari Wirẽ akavo E o chamado Vari Wirẽ Ato vevo inai Adiante vai seguindo Maĩs vo nininõ Com cabelos compridos Kayaini ikirao Vai mesmo saindo19 25. Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení iniya Povo junto surge Ato awe shavoyai Com suas irmãs Ato aya wenía Tem seu surgimento 30. Vari shawã ina Com seus cocares Ato tene aoa De cauda de ararúna-sol Shavá rakárakái Brilhando brilhando Atõ awe shavovo E suas irmãs Vari isko ina Com seus chapéus 35. Atõ maiti aoa De plumas de japó-sol Shavá rakárakái Brilhando brilhando Atõ aya wenía Têm seu surgimento Vari rane saiki Seus adornos-sol Vevo wekoakei Eles vão embalando 40. Noa matô wetsãsho Numa colina do rio Mewekenã akei De mãos dadas We rakárakái Gritam seu gritocanto20 Varĩ Vake Shavovo Mulheres do Povo Sol Vari vatxi keneya Com desenhadas saias-sol 45. Shavá rakárakái Brilhando brilhando Sai toã ikiya Vão juntas dançando Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení iniya Junto povo surge

II. Filhos do Povo Azulão (Shane Vake Nawavo)

Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão 50. Wenikatsiinã Vão então surgindo Shane awá chinãki Vida de anta-azulão Shane mai paroke No vão da terra-azulão Shane shõpa weki Vento de lírio-azulão We sheamashõta Vento envolve 55. Veõini otivo Ali repousa Wenikatsiinã E surgimento começa Pinikia avai Cansado couro Shane shawã shakapa Couro de arara-azulão Mai marak ativo Que sempre terra cobre 60. Mai rakárakái Na terra revolve A aki avai Revolve e então Shane ima chiwãne Formigas-azulão Shane mai teorai Sob a terra-azulão Teorai kinisho Na terra furos fazem 65. Shane Shoi kinisho Pelo furo de Shane Shoi Kayaini ikirao Elas vão subindo Shane awá shaono Ossos de anta-azulão Mepinini Pelos ossos sobem Shane Wirẽ akavo E o chamado Shane Wirẽ 70. Ato vevo inai Adiante vai seguindo Mãis vo nininõ Com cabelos compridos Kayaini ikirao Vai mesmo subindo Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão Nawa wení iniya Povo junto surge 75. Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení ini Tem seu surgimento Yora kayapavoi Gente principal Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão Vari shane ina De cauda de azulão-sol 80. Ato maiti aoa São seus cocares Shavá rakárakái Brilhando brilhando Sai toã ikiya Vão juntos dançando Ato awe shavoyai Com suas irmãs Nawa wení iniya Povo junto surge 85. Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení iniya Povo junto surge Awẽ awe shavovo E suas irmãs Vari shane renãki De penas de azulão-sol Atõ soro maita As suas coifas 90. Shavá rakárakái Brilhando brilhando Shane vatxi keneya Desenhadas saias-azulão Shavá rakárakái Brilhando brilhando Noa matô wetsãsho Numa colina do rio Mewekenã akei De mãos dadas 95. Ato aya wenía Têm seu surgimento Shane rane saiki Seus adornos-azulão Vevo wekoakei Elas vão balançando Sai toã ikiya Vão juntas dançando Noa matô wetsãsho Noutra colina do rio 100. We rakárakái Gritam seu gritocanto Mewekenã akei De mãos dadas Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão Shane rane saiki Com adornos-azulão Ato aya wenía Têm seu surgimento 105. Vevo wekoakei Vão juntos dançando Sai toã ikiya Seus adornos balançando

III. Filhos do Povo Jaguar (Ino Vake Nawavo)

Ino Vake Nawavo Filhos do Povo Jaguar Wení katsi inã Vão então surgindo Ino awá chinãki Vida de anta-jaguar 110. Ino mai paroke No vão da terra-jaguar Ino shõpa weki Vento de lírio-jaguar We sheamashota Vento envolve Veõini otivo Ali repousa 115. Wení katsi inã E surgimento começa Pinikia avai Cansado couro Ino shawã shakapa Couro de arara-jaguar Mai marak ativo Que sempre terra cobre Mai rakárakái Na terra revolve 120. A aki avai Revolve e então Ino ima chiwãne Formigas-jaguar Ino mai teorai Sob a terra-jaguar Teorai kinisho Na terra furos fazem Ino Shoi kinisho Pelo furo de Ino Shoi 125. Kayaini ikirao Elas vão subindo Ino awá shaono Ossos de anta-azulão Mepinini Pelos ossos sobem Ino Wirẽ akavo E o chamado Ino Wirẽ Ato vevo inai Adiante vai seguindo 130. Mãis vo ninino Com cabelos compridos Kayaini ikirao Vai mesmo subindo Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení iniya Povo junto surge Ino shawã inaki De cauda de arara-jaguar 135. Ato tene aoa São seus chapéus Shavá rakárakái Brilhando brilhando Ato awe shavovo E suas irmãs Ino shawã renãki De penas de azulão-jaguar Soro maitiyavo Com suas coifas 140. Ato awe shavoyai As suas irmãs Nawa wení iniya Povo todo junto Ato aya wenía Povo junto surge Ino rane saiki Seus adornos-jaguar Vevo wekõ akei Elas vão balançando 145. Sai toã ikiya Vão juntas dançando Ino Vake Shavovo Filhas do Povo Jaguar Ino vatxi keneya Com desenha das saias-jaguar Shavá rakárakái Brilhando brilhando Sai toã ikiya Vão juntas dançando 150. Noa matô wetsãsho Noutra colina do rio Mewekenã akei De mãos dadas We rakárakái Gritam seu gritocanto Nawa wení iniya E povo surge Ino Vake Nawavo Filhos do Povo Jaguar 155. Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení iniya Povo junto surge

IV. Filhos do Povo Arara (Kana Vake Nawavo)

Kanã Vake Nawavo Filhos do Povo Arara Wení katsi inã Vão então surgindo Kana awá chinãki Vida de anta-arara 160. Kana mai paroke No vão da terra-arara Kana shõpa weki Vento de lírio-arara We sheamashõta Vento envolve Veõini otivo Ali repousa Wení katsiinã E surgimento começa 165. Pinikia avai Cansado couro Kana shawã shakapa Couro de araraúna-arara Mai marak ativo Que sempre terra cobre Mai rakárakái Na terra revolve A aki avai Revolve e então 170. Kana ima chiwãne Formigas-arara Kana mai teorai Sob a terra-arara Teorai kinĩsho Na terra furos fazem Kana Shoi kinisho Pelo furo de Kana Shoi Nawa wení iniya Elas vão subindo 175. Kana awá shaono Ossos de anta-arara Mepini ikirao Pelos ossos sobem Kana Wirẽ akavo E o chamado Kana Wirẽ Ato vevo inai Adiante vai seguindo Maĩs vo nininõ Com cabelos compridos 180. Kayaini ikirao Vai mesmo subindo Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení iniya Povo junto surge Kana shawã inaki De cauda de araraúna-arara Atõ tene aoa São seus chapéus 185. Shavá rakárakái Brilhando brilhando Ato awe shavovo E suas irmãs Kana shawã renãki De penas de azulão-arara Soro maitiyavo Com suas coifas Kana vatxi keneya E desenhadas saias-arara 190. Shavá rakárakái Brilhando brilhando Ato aya wenía Juntas todas surgem Kana rane saiki Seus adornos-arara Vevo wekoakei Elas vão balançando Noa matô wetsãsho Noutra colina do rio 195. We rakárakái Gritam seu gritocanto Mewekenã akei De mãos dadas Sai toã ikiya Vão juntos dançando Kanã Vake Nawavo Filhos do Povo Arara

V. Filhos do Povo Japó (Rovo Vake Nawavo)

Rovo awá chinãki Vida de anta-japó 200. Rovo mai paroke No vão da terra-japó Veõini otivo Ali repousa Rovo shõpa weki Vento de lírio-japó We sheamashõta Vento envolve Veõini otivo E ali repousa 205. Weni katsi inã Surgimento começa Pinikia avai Pelo cansado Rovo shawã shakapa Couro de araraúna-japó Mai marak ativo Que sempre terra cobre Mai rakárakái Na terra revolve 210. A aki avai Revolve e então Nawa wení iniya O povo surge Rovo Vake Nawavo Filhos do Povo Japó Rovo txere inaki De penas de periquito-japó Ato maiti aoa São seus cocares 215. Shavá rakárakái Brilhando brilhando Sai toã ikiya Vão juntos dançando Ato awe shavoyai E suas irmãs Nawa raká shakamai Povo todo junto Ato awe shavovo As suas irmãs 220. Rovo isko ina De caudas de japó Ato maiti aoa São seus cocares Shavá rakárakái Brilhando brilhando Rovo vatxi keneya Com desenhadas saias-japó Shavá rakárakái Brilhando brilhando 225. Rovo rane saiki Com seus adornos-japó Vevo wekoakei Seus adornos balançando Sai toã ikiya Vão juntas dançando Rovo Vake Nawavo Filhos do Povo Japó Nawa raká shakamai Povo todo junto 230. Ato aya wenía Têm seu surgimento Rovo rane saiki Com adornos japó Vevo wekoakei Vão juntos dançando Noa matô wetsãsho Noutra colina do rio We rakárakái Gritam seu gritocanto 235. Sai toã ikiya Vão juntos dançando Rovo Vake Nawavo Filhos do Povo Japó Ino Vake Nawavo Filhos do Povo Jaguar Ino oni mashkaki Toco de cipó-jaguar Mashká veoatõsho Ali no toco21 240. Nawa wení iniya O povo surge Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení iniya Junto povo surge Atõ awe shavoyai E suas irmãs Sai toã ikiya Vão juntas dançando 245. Ino rane saiki Seus adornos-japó Vevo wekõakei Elas vão balançando Noa matô wetsãsho Noutra colina do rio Mewekenã akei De mãos dadas We rakárakaya Gritam seu gritocanto 250. Ino Vake Shavovo Filhas do Povo Japó

VI. Segunda geração

Kana mai tsakasho Fincada na terra-arara Wa nipá kawã Ali levantada Kana tama vemaki Na sapopema da árvore-arara Ketĩ iki irisho Em seus lados 255. Kana shawãne ewãne Grande araraúna22 Kana tama tapõ Raiz da árvore arara Posteakĩ narea A raiz corta Kana tama imiki Sangue da árvore-arara Imi txeteatõsho Do sangue eles surgem 260. Kana Vake Nawavo Filhos do Povo Arara Atõ awe shavoyai E suas irmãs Sai toã ikiya Vão juntos dançando Kana txere inaki De penas de periquito-arara Atõ maiti aoa Os seus cocares 265. Shavá rakárakai Brilhando brilhando Sai toã ikiya Vão juntos dançando Noa mai tsakasho Fincada na terra-rio Wa nipá kawã Ali levantada Ino tama vema Na sapopema da árvore-jaguar 270. Ketĩ iki irisho Em seus lados Ino tama imiki Sangue de árvore-jaguar Imi txeteatõsho Do sangue derramado Nawa wení iniya O povo surge23 Ino Vake Nawavo Filhos do Povo Jaguar 275. Nawa raká shakamai Povo todo junto Sai toã ikiya Vai junto dançando Ato awe shavovo E suas irmãs Noa matô wetsãsho Noutra colina do rio Mewekena akei De mãos dadas 280. Sai toã ikiya Vão juntas dançando Ino isko inaki De cauda de japó-jaguar Atõ maiti aoa Os seus cocares Shavá rakárakái Brilhando brilhando Sai toã ikiya Vão juntas dançando 285. Ino rane saiki Seus adornos-jaguar Vevo wekoakei Elas vão embalando Atõ awe shavoyai As suas irmãs Sai toã ikiya Vão juntas dançando Noa mai tsakasho Fincada na terra-rio 290. Wa nipa kawã Ali levantada Iso tama vemaki Nas sapopemas da árvore-macaco24 Ketĩ iki irisho Em seus lados Iso tama imiki Sangue da árvore-macaco Imi txeteatõsho Do sangue derramado 295. Nawa wení iniya O povo surge Sai toã ikiya Vai junto dançando Vari Ako tatxaki Da sapopema de Ako Sol25 Vototanáirisho Ao seu lado Vari Roro Poto Vari Roro Poto 300. Poto veoatõsho Poto ali sentado Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol Poto ikã ayavo De Poto chamados Nawa wení iniya Seu povo surge26 Ino txere inaki De cauda de periquito-jaguar 305. Atõ maiti aoa Com seus cocares Shavá rakárakái Brilhando brilhando Atõ awe shavoyai Com suas irmãs Nawa wení iniya O povo surge Wení mashtesho Surgimento terminado 310. Noa kayã tanai Grande rio sobem Saiainaya Viajam cantando27 Noa katso naweki Pela mata de inajá28 Kareini owia Caminho abrindo vão Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol 315. Nawa raká shakamai Povo todo junto Saiainaya Viaja cantando Ato awe shavoyai Com suas irmãs Vari mai shãtĩsho Touceiras da terra-sol Wa shokopakea Ali amontoadas 320. Vari Tama vema Sapopemas de Árvore-Sol Vari Paka yoraki E pés de Taboca-Sol Saiai inaya Viajam cantando29 Vari Paka recho Seiva de Taboca-Sol Atõ chinã ratea Sua vida desprende 325. Paka ikã ayavo E surgem aqueles Nawa wení iniya De Paka chamados Sai toã ikiya Juntos dançando Atõ awe shavoyai E suas irmãs Shane Vake Nawavo Filhas do Povo Azulão 330. Noa kayã tanai Grande rio sobem Saiai inaya Viajam cantando Shane mai shãtĩsho Touceiras da terra-azulão Wa shokopakea Ali amontoadas Shane Paka yoraki Pés de Taboca-Azulão 335. Atõ vake saiya Vão seus filhos viajando Shane Paka rechoki Seiva de Taboca-Azulão Ato chinã ratea Sua vida desprende Paka ikã ayavo E surgem aqueles Nawa wení iniya De Paka chamados30 340. Shane voĩ yochĩni Pica-paus azulão Shane ako narea Tronco de cumaru-azulão Shane ako meseki Pedaços espalham Atõ chinã ratea Suas vidas desprendem Mese ikã ayavo E surgem aqueles 345. Nawa wení ini De Mese chamados31 Vari shane imiki Sangue dos Azulões-Sol Imi txeteatõsho Do sangue derramado Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão Nawa wení ini O povo surge 350. Nawa raká shakamai Povo todo junto Nawa wení ini Junto povo surge Vari shane ina De cauda de azulão-sol Ato maiti aoa São seus cocares Shavá rakárakái Brilhando brilhando 355. Sai toã ikiya Vão juntos dançando Ato aya wenía Dá-se o surgimento Shane txitxã kene Cestos-azulão desenhados32 Kene mewetiavo Levam nas mãos Noa kayã tanai Grande rio sobem 360. Saiainaya Viajam cantando

VII. A Viagem

Vari mai tsakasho Fincada na terra-sol Wa nipa kawã Ali levantada Vari tama yoraki Pela sapopema da árvore-sol Saiainaya Eles passam cantando 365. Vari mai voroki Colina da terra-sol Saiainaiya Visitam cantando Noa kayã tanai Grande rio sobem Saiainaya Viajam cantando Tero mani shokoa Como pequenos bananais 370. Wa yoraraosho Aquela gente ali Iki kavi amaĩno Mesmo se parece33 Kari shao inĩti Com planta kari shao34 Raotapakesho O corpo perfumam35 Saiainaya E viajam cantando 375. Kana Vake Nawavo Filhos do Povo Arara Kana Panã yora Aquele açaí-arara36 Saiainaiya Encontram viajando Wa yoraraosho Açaí que com gente Iki kavi airao Mesmo se parece 380. Naí parô wetsãno Num canto do céu Iniki reshni Sua fala ressoa Naí votĩ ikitõ Onde o céu encurva Iniki reshni Sua fala ressoa Awẽ aki amaĩnõ E assim então 385. Kana Panã yora Pessoa Açaí Arara Kari shao inĩti Com planta kari shao Raota pakesho O corpo perfuma Saiainaya Viajam cantado Saiainakĩta Cantando chegam 390. A atõ oĩa E veem o pajé “Panãki asnimaĩnõ “É mesmo Árvore Wa yoraraosho Mas aquele corpogente Iki kavi a yama” Conosco não parece” 37 A ikianã Assim dizem 395. Saiainakĩta Ao chegarem cantando Atõ kana postĩno Seus machados-arara Tsakakia aya Na árvore jogam Kana Panã yora E Açaí Arara Vana enemaya De falar deixou 400. Kana Panã oiki No Açaí soando Tã iki oiki Tã tã - machados Kana tama põshãne Buracos fazem Setei voiya E sapos assentam38 Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol 405. Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão Ave atisho Assim mesmo fazem Nẽ mani shokoa Bananais abandonados Mani ivoamavo Sem dono algum Saiainaya Eles passam cantando 410. Noa matô wetsãno Noutra colina do rio Vakõ osho shokoa Pelas brancas galinhas Saiainaiya Eles passam cantando Noa kapi voropa Na colina mata-pasto Noa Mishô tavia Onde brancos vivem 415. Saiainaiya Eles passam cantando Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol Txawa Nawa Shavo Pelas Mulheres Japinim39 Saiainaiya Eles passam cantando Shavo ati yosiki O sexo ensinam 420. Txawa Nawa Shavo As Mulheres Japinim Shavo ainaiya Namorar ensinam Vaĩ tachpa shavo Mulheres assanhadaa40 Saiainaiya Eles passam cantando Shavo ati yosiki E sexo ensinam 425. Vaĩ tachpa shavo Mulheres assanhadas Wetsa onãtakima Que com todos vão Shavo ainaiya E namorar ensinam Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão 430. Ave atisho Assim mesmo fazem Yove Wanĩ niáki E Pupunha Espírito Wa yoraraosho Aquele corpogente Iki kavi amaĩnõ Vai mesmo cantando Yove vana imaĩnõ Sua fala-espírito41 435. Kari shao inĩti Com planta kari shao Raota pakesho Seu corpo perfuma Saiainaiya Eles veem viajando Yove Wanĩ recho Seiva de Pupunha Espírito Atõ chinã ratea Sua vida espalha 440. Wanĩ Vake Nawavo E Filhos do Povo Pupunha Nawa raká shakama Povo todo junto Nawa wení iniya O povo vai surgindo Atõ aya wenía Dá-se o surgimento42 Yove rane saiki Com adornos-espírito 445. Shavá rakárakái Brilhando brilhando Atõ awe shavovo As suas irmãs Atõ awe shavoyai Aquelas suas irmãs Noa kayã tanai Grande rio sobem Sai toã ikiya Juntas dançando 450. Wanĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Pupunha Vari Shawãne ewãvo Grande Araraúna Shane vari imiki De seu sangue-azulão-japó43 Imi txetxe atõsho Do sangue derramado Nawa wení iniki O povo surge 455. Noa kayã tanai Grande rio sobem Sainakĩta Viajam mesmo cantando Noa mai tsakasho Fincada na terra-rio Wa nipá kawã Ali levantada Shawã tama vemaki Na sapopema da árvore-araraúna 460. Ketĩ iki irinõ Em seus lados Mai shawãne ewãne De grande araraúna Shawã tama tapõ Raiz da árvore-araraúna Posteaki narea A raiz corta Shawã tama imiki Sangue da árvore-araraúna 465. Imi txeteatõsho Do sangue surgem Varĩ Yome Shavo Mulheres Vari Yome Awẽ shanĩ kesho Cujos pelos pubianos Vevo onãtaivo Já bem conhecem44 Atõ wanĩ pavõne Com seus cajados 470. Keshná vokoinisho Caminho mesmo abrem Shavo aĩnamaino Nas mulheres põem Vari moshô txĩtino Os seus bastões-sol Keshná voko inisho As pernas abrindo Vari yome shavoki As mulheres 475. Atõ shavo akaki Com elas copulam Vari mosho txĩti Seus bastões-sol Tovikãikãiki Eles põem e põem45 Vari Yome shavo E mulheres Vari Yome Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol 480. Atõ vake shekoi Seus homens agarram Aki ainaiya Assim elas fazem Ave anõshorao Para então deixar Vari kõta revõno Cocão-sol se espalhar46 Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão 485. Shane Yome Shavo E Filhas do Povo Azulão Shane píti revõno Murumuru-azulão espalharam Aská ainaiya Assim mesmo acontece47 Ino Vake Nawavo Filhos do Povo Jaguar Ino patxo shavi Com seus bastões-jaguar48 490. Shavo ati yosiki A copular aprendem Ino patxo meranõ Para palmeira espalhar49 Rovo Vake Nawavo Filhos do Povo Japó Rovo píti shavi Com seus bastões-japó Shavo ati yosiki A copular aprendem 495. Rovo píti meranõ E murumuru-jaguar espalharam Askáini owia Assim mesmo acontece Yora chĩchĩ shavo Mulheres gavião Saiainaiya Encontram viajando Yora chĩchĩ shavo Mulheres gavião50 500. Atõ shavo akaki Com elas ficam Yame isĩ potxini E à meia-noite Atõ roaroai Mulheres enfeitiçam Shavá karã karãi Até amanhecer Awẽ aki amaĩnõ Assim elas fazem 505. “Shavo koĩravãra “Serão mesmo mulheres Nõ anõ ara” Com quem deitamos?” Aki ainaiya Assim perguntam Yora popo shavo E mulheres mocho Saiainaiya Eles veem viajando 510. Yora popo shavoki Estas mulheres mocho Atõ shavo akaki Com elas ficam “Nõ maposhoinõ” “Vamos caçar!” Iki avainiki Assim mesmo dizem Atovoki amaĩnõ E enquanto isso 515. “Ẽ píti anõnã “Comida farei Patxo tã itirao Na árvore batam Mã kamẽ manei” Ao voltar avisando” Atõ aki avaiki Elas alertam Aská askásho Assim mesmo fazem 520. “Nõ maposhoinõ” “Vamos caçar!” Iki avainiki Assim eles dizem A voki atãi E então retornam A patxo tã itiki Mas bater na árvore A anõ akama E avisar não fazem 525. A tachivarãi Já vêm voltando A atõ oĩa Mulheres olhando A awẽ mapoki As suas cabeças Kocha akevaiki Elas despem Wa ravosh matxiki E nos joelhos 530. Aa rakasho Elas colocam Awẽ ia piáki E piolhos catam Atõ nokovarã E elas se assustam Atõ mera tachia Com eles chegando Akirishõmarivi E do lado errado 535. Saweini oĩa Cabeças vestem Yora popo shavo E mulheres-coruja Aská ainaiya Assim mesmo ficam51

VIII. Gente Macaco-Prego

Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão 540. Nawa raká shakamai Povo todo junto Noa kayã tanai Grande rio sobem Saiainaiya Viajam cantando Atõ askámaĩno E enquanto isso Atõ a koĩvo Das pessoas verdadeiras 545. Weníai pasõto Bem ali ao lado Ari rivi wení Outros ali surgem A aki aya Assim acontece Noa mai tsakasho Fincada na terra-rio Wa nipa kawã Ali levantada 550. Rovo tama vemaki A sapopema da ávore-japó Rovo tama imi Do sangue de árvore-japó Awẽ a koĩvo Das pessoas verdadeiras Weníai pasõtosh Ali ao lado Ari rivi wenísho Por si mesmo surgem 555. Noa kayã tanai Grande rio sobem Saiainaiya Viajam cantando52 Shavo ati yosiki Coisar mulher aprendem Rovo tama vema Na sapopema da árvore-japó Ako ainaiya Batem os bastões 560. Rovo awá rechãki Nas narinas de anta-japó Ãta ainaiya Metem os bastões53 Noa kaya tanai Grande rio sobem Saiainaiya Viajam cantando Txivãtima avai Os outros não alcançam54 565. Wa ene vainõ E rio adentro Saiainaiya Viajam festejando Ene kẽko vemaki Na sapopema-rio55 Ako ainaiya Com cajados batem Atõ voshte iniki Pelo atalho vão 570. A atõ oĩa Parentes procurando “Mã ato voase” “Eles já passaram!” Aská oĩanãki Dizem macacos Nawa raká shakamai Seu povo todo Wenitani veirao Vem chegando atrás 575. Atõ veti vaiki Caminho dos outros Vai onãini Caminho procuram Sainakĩta E cantando vão Paka keyõ amase Baba de lança não havia56 Ikeinamẽki Mas assim então 580. Rovo võto anãki Lábio de caramujo-japó57 Ãtĩ ainaiya Nas lanças colocam Rovo võto keyõki E baba de caramujo-japó Paka noromaya As lanças mela Ave anõshorao Para assim fazer 585. Paka keyõ merano Lança babada aparecer Txivãtima avai Os outros não alcançam Wa tama vaĩno E no caminho das copas58 Sainakĩta Viajam festejando Rovo tama meviki Nos galhos das árvores-japó 590. Ako ainaiya Seus cajados batem59 Paka vanayase Lança antes falava Ikeinamẽki Falava, mas então Votá koro koĩki Fumaça de palmeira Koĩ sheamakĩrao Fumaça engole 595. Vana enemaya E muda lança ficou60 Wa tama vainõ Pelo caminho das copas Saianaiya Viajam festejando Ato voshtẽ pakei E noutro caminho A shokopakesho Macacos safados 600. A atõ oĩa Parentes encontram Awẽ awe shavoni Com suas irmãs Tachikarã aoi Eles vêm chegando61 “A awe akĩra “O que você Mirai iki” Está fazendo?” 605. Ato aki aoa Eles perguntam “Ẽ awe shavo “Em minha irmã Anokia txeshati A mão coloco Shai masho wechano Raspa de envireira passo Asho masho wechano” Raspa de mulateiro passo” 62 610. A ikianã Diz macaco-prego63 “Ẽta neskái” “Assim mesmo faço!” Awẽ iki amaĩnõ Dizem macacos Ato awe shavoki E as suas irmãs Mewe inivaiki Pelas mãos pegam 615. Vari shepã peinõ Com folhas de palmeira64 Pei rakainisho O chão forram A aki aoi E com elas coisam “Neská akĩnã oĩwẽ” “Assim é, vejam!” A iki avaiki Assim fazem e então 620. Ato nitximaĩnõ Os outros ali Oĩ raveimai Tudo veem A kaya kawãki E saem correndo Awe rayos aĩvo E aquela sogra Wa ikot wenene Ali no terreiro 625. Matso matsovai Varrendo varrendo Txiti txiti kawãi Corcunda corcunda Awẽ shani ewãki Enormes pentelhos Wekoi kawãi Pendentes no vento Awẽ aki amaĩnõ Ali mesmo está 630. A ere tachiki Ali correndo chega Awẽ rayos aĩvo E aquela sogra Awe avainaki Com ela coisa Yõsha tseko tsekoi E a velha geme A aki aoi Assim ele faz 635. Aská aká oĩnã Os outros veem Atõ awe shavokĩse E para suas irmãs Veso ake akei Para elas olham Atõ aki amaĩnõ E enquanto isso Atõ ewã anevo Para as sobrinhas65 640. Veso ake akei Para elas olham Atõ aki amaĩnõ E enquanto isso Atõ natxĩ anekise Para outras sobrinhas66 Veso ake akei Para elas olham Atõ aki amaĩnõ E assim então 645. Yora kakayavo Os chefes todos Yora kẽchĩtxovo Os pajés todos Atõ vana oiya Com eles brigam Osã Rono inisho E Cobra-Riso Osã Voĩ Yochĩni Mais Espírito Pica-Pau-Riso 650. Osã rome ene Caldo de tabaco-riso Ene yaniamasho Aos safados oferecem67 Vari Mãpe vanaki Saber de Vari Mãpe68 Vana yosíini Os chefes ensinam Ato aki amaĩno Mas os safados 655. Atõ pãtemairao Conversa ocultam Ina toash akiki Bengas balançam Shokoinini Ali reunidos Atõ aki amaĩnõ E assim então Yora kẽchĩtxovo Os pajés todos 660. Atõ vana oiya De novo brigam

IX. Ponte-Jacaré

A ravĩvaĩ E macacos vexados Noa revõirino Para as cabeceiras Poshokia aya Vão todos fugindo69 Atõ vokĩ oĩa E então percebem 665. A põpo ikiki Cachoeira soar Tanáini vaiki Barulho seguem A atõ oĩa E então veem Rovo Kape Tapãki Grande Ponte Jacaré Merakia aya Ali mesmo acham 670. Aská merataniki E por terem achado A tachivarãsho Eles vêm voltando Yoãkia aya E contam aos chefes “Awesa tapãra “Que ponte é aquela Nõ ano merai” Que lá encontramos?” 675. Ato iki amaĩnõ Dizem e então “Wa yoãtivo “Vocês nos falam Kape Tewã Tapãta Da grande Ponte-Jacaré Nõ anõ pokenõ” Que vamos cruzar!” A ikianã Dizem os chefes 680. Atovoki oĩa E com os safados Kape Tewã repĩsho A ponta da ponte A taná yamai Eles vão olhar Ato aki amaĩnõ E assim então A atõ oĩya Para a ponte olham 685. Awẽ tsiso irino Em seu rabo Ino tiva sawea Muitas vespas-jaguar70 Oĩkia aya Eles encontram Awẽ txesho pemane No traseiro da ponte Tsãte võko niaki Embaúba plantada71 690. Oĩkia aya Eles encontram Awẽ pespã wetsãnõ Em suas costas Imi mani shokoa Muitas bananas-sangue Oĩkia aya Eles encontram Awẽ pespã wetsãno Noutro canto das costas 695. Noro mani shokoa Muitas bananas-catarro Oĩkia aya Eles encontram Awẽ remash pakanõ Em seu focinho72 Sheta vina tavia Vespas várias zoando Oĩkia aya Eles encontram 700. Awẽ txesho pemane Em seu traseiro Awẽ itsa yotxiki Pimentas perfumadas Niokia aoa Ali mesmo estão Oĩkia aya E eles encontram Awẽ kaso irino Em suas costas 705. Imi wasi kawea Touceira de capim-sangue Oĩkia aya Eles encontram Awẽ pespa wetsãno Noutro canto das costas Imi shõpa niaki Mamoeiros-sangue Oĩkia aya Eles encontram 710. Awẽ kaya shakĩni Em sua barriga Txi rãta niáki Aquele fogaréu Oĩkia aya Eles encontram Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol Shane Vake Nawavo Filhos do Povo Azulão 715. Rovo Vake Nawavo Filhos do Povo Japó Ave atisho Assim mesmo fazem “Nõ pokeneshõnã” “Vamos Jacaré cruzar!” A ikianã É o que dizem Txasha vaĩ owia E caminho abrem Tsãte võko niaki Aquelas embaúbas 720. Txashakatsikivo Eles querem cortar73 Wa ato matxiki Mas acima deles A ronoinasho Embaúba pula Ato vake ashai E os mata caindo A aki aya A todos esmaga 725. Kawe wasi kawea Pelo capim fechado Vai owia Caminho vão abrindo Awẽ itsa yotxiki E cheirosas pimentas A viki aya Eles vão colhendo Imi mani shokoa Muitas bananas-sangue 730. A viki aya Eles vão colhendo Imi shõpa niaki Os mamoeiros-sangue A viki aya Eles vão colhendo Txashavaivaiki Árvores derrubam Shavo kakataivo E mulheres-chefe 735. To avai A terra ajeitam Ato mashtevaini E ao terminarem A vanainai Jacaré vai dizendo “Enõ pokeneshõna “Para aqui passarem Matopa wetsarao Alguns de vocês 740. Ea pimanã” Eu quero comer!” Awẽ iki amaĩnõ Assim diz e então Keyapa yoĩni Bichos do alto74 Yamama ikiki Bichos matam Ato oriaki E ao Jacaré jogam 745. “Ea naiyamasai “Não me satisfiz Matopa wetsarao Quero mesmo Ea yaniamanã” Um de vocês!” Awẽ iki amaĩnõ Assim diz e então Yoĩni anipa Bichos maiores 750. Yamama vãisho Eles vão matar Ato ori a aki E ao Jacaré jogam “A yoimarivi “São outros mesmo Ẽ anõ ikinã” Que estou pedindo!” Awẽ iki amaĩnõ Diz e então 755. Awá nawa maviki Um homem anta75 Tis apavãiki O inimigo empurram A achpa pakesho Na boca aberta Awe rakamaĩnõ O inimigo caído A ato shotõa Eles arremessam 760. Ereiko kãise E vai entrando “Ea naí yamasai “Não me satisfiz Matopa wetsarao Para por mim passar Ea yaniamanã Quero mesmo Ẽnõ pokeneshõnã” Um de vocês!” 765. Awẽ iki amaĩnõ Diz e então Awá nawa shavo Uma mulher anta Tis apa vaiki Inimiga empurram Atõ oriaki Ao Jacaré jogam Ereiko kãise E vai entrando 770. A aki aoi E Jacaré diz “A yoimarvi “São outros mesmo Ẽ anõ ikinã” Que estou pedindo!” Awẽ iki amaĩnõ Diz Jacaré e então Atõ mane cheonõ Com cabo de ferro 775. Reteskere avai Sua boca amarram Reteskere aya E amarrada fica Aská aki avai Assim eles fazem Yora kakataivo E falam os chefes “A noke parirao “Nós é que vamos 780. Nõ pokeyononã” Primeiro passar” A iki aya E assim fazem Kape tewã repĩsho Mas lá atrás Vana nĩkã wanimai Safados nada escutam Ina toa shakiki Batem as bengas 785. Ato ina parãi Com elas brincam Shokoinini Ali amontoados Ato aki amaĩnõ E os chefes então Kavenãnãvaiki Escolhem entre si Atõ awe shavovo As suas irmãs 790. Shavo kakataivo As mulheres chefe A vevo shokosho Vão logo na frente Wenívai owia Mas enquanto saem Shetã Veká shavo Mulher Shetã Veká Ato õsikãi Ali se infiltra 795. Pokeake aoi Pela ponte passa Ichná shovimakatsi A parteira de porcarias A pokeakei Pela ponte passa76 Mashtekãivaiki E terminando dizem “A ano verina” “Venham vocês agora!” 800. A iki avaiki Os chefes chamam A keyoinisho Aqueles safados Atõ onevarãmai Eles vêm trazendo Vaka Võko inisho Waka Võko mais Waka Panã akavo O chamado Waka Panã 805. Atõ onevarãmai Os outros passam Kape Tewã Tapãki E de Ponte Jacaré Atõ osho roeno Com brancos machados Tetxoyaki reraa O pescoço cortam Kape tekã tapãki E grande Ponte Jacaré 810. Nasoake kawãki Vai inteira virando Atõ vake naoi E os filhos afundam A aki aya Assim acontece77 Wa ene marãnõ No fundo d’água Noa kaya shakini Dentro do grande rio 815. Yora raká shakama Multidão de gente Txoi ivãi imanõ Vai caindo Ene kewã inisho E afiada faca-água78 Shawã make shetaya Mais piranhas dentadas Atõ vake yashai Seus filhos retalham 820. A aki aya Assim mesmo fazem Atõ vei imiki E seu sangue-morte Kovinaimaĩnõ Na água mistura Atõ awe shavovõ E dizem as irmãs “Ẽ awe niavõ “Com meus irmãos 825. Ea keyoshoanã” Eles acabaram!” A iki anã Assim elas dizem Atõ rovo txitxãne E com cestos-japó Atõ vei imiki Seu sangue-morte Imi weainisho O sangue colhem 830. Imi tokõinisho O sangue sugam Koshoaki aoa Sangue soprocantam Toãs ikovãi Toãs toãs - assim soa79 Ori noa taẽnõ E ao pé do rio Ene voa votashe Em uma colina80 835. Shokoi voiya Lá vão viver Ave anõshorao Para assim deixar Ene Isko revõno Japó-Rio se espalhar Askákia aya Acontece mesmo assim81 Atõ askámaĩnõ E depois então 840. Ẽ epa shenitsi Meu velho tio82 Iskõ Chapo Romeya Pajé Iskõ Chapo Ene kewã iniki De afiada faca-água Shawã make shetaya Das piranhas dentadas Machit avainiki Por cima pula 845. Ene matô wetsãno Noutra colina-rio Nioi kaoi Lá vai viver Iskõ Chapo Romeya Pajé Iskõ Chapo83 Rovo Vake Nawavo Filhos do Povo-Japó Rovo Kape Tapãne Na grande Ponte Jacaré 850. Atõ vake naoa Os filhos afundam Atõ mão vakáki E seus duplos solitários Noa tae irinõ Ao pé do rio Ivai inivoita Para lá vão Noa voro wetsãno Noutra terra do rio 855. Seteivoiya Sentam-se juntos Ave anõ shorao Para assim fazer Rovo chino meranõ Macaco-prego aparecer84 Rovo rane saiki Os adornos-japó Atõ rane aoa Suas contas todas 860. Menokovãini Vão se espalhando Ene mai txĩshãne No fundo do rio Tei voiya Ali mesmo ficam85 Rovo Vake Shavovo Mulheres do povo-japó Kape tewã tapãne Na grande ponte jacaré 865. Atõ vake naoa Suas filhas afundam Atõ aya weníti Desenhadas saias-japó Rovo vatxi keneya Com as quais surgiram Ori aki avo No rio arremessam Ene voro shekosho Num tronco d’água 870. Rakai kaoi Pendentes ficam Ave anõ shorao Para assim fazer Shokor vẽsha meranõ Sucuri-descamar aparecer Askákia aya Surgem mesmo assim86 A pokeakesho A ponte já passada 875. Noa kayã tanai Grande rio sobem Saiainaya Viajando e cantando Varĩ Vake Nawavo Filhos do Povo Sol Vari Mai wenõ Vento da Terra Sol Atõ vake nawea Seus filhos mata87 880. One yosimasho Na terra-rio Noa mai mĩkini Enterrar não sabem Ori ikinãnãi E corpos jogam Aki ainaiya Uns aos outros Vari isko ina E seus cocares 885. Atõ maiti aoa De penas de japó-sol Vari Mai wenõ Vento da Terra Sol Atõ vake mashara Dos filhos arranca Atõ masoirisho De suas cabeças Matseke vaini Das cabeças voam 890. Vari mani shavino E na bananeira-sol Seteivoia Vão todos ficando88 Ino Vake Nawavo Filhos do Povo Jaguar Ino mai weno Vento da Terra Jaguar Ato vake nawea Seus filhos mata 895. Ino isko ina E seus cocares Atõ maiti aoa De penas de japó-jaguar Ino mai weno Vento da Terra Jaguar Atõ vake mashara Dos filhos arranca Matseke vaini Das cabeças voam 900. Ino mani shavino E na bananeira-jaguar Setei voia Vão todos ficando Ino tete inaki E seus cocares Atõ maiti aoa De cauda de gavião-jaguar Ino mai weno Vento da Terra Jaguar 905. Ato vake mashara Dos filhos arranca Matsekeme vãini Das cabeças voam Noa ivã peita Arbusto do rio grande Votĩ iki irinõ Em cima caem Mai voro chekosho E numa colina 910. Rakai kaoi Ali mesmo ficam Ino tete shakáki E seus adornos Ato papit aoa De couro de gavião-jaguar Ino mai weno Vento da Terra Jaguar Atõ vake pechara Dos pescoços arranca 915. Ino tete shakáki Couro de gavião-jaguar Ino shonõ yora No pé da samaúma-jaguar Rashovina kãisho Vai ali cair Rakai kaoi E lá mesmo fica Ave anõ shorao Para assim fazer 920. Shono eshpi merano Casca de samaúma aparecer Askáini owia Assim mesmo acontece

Referências

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  • ZUMTHOR, Paul (1983). Introduction à la poésie orale. Paris: Seuil.
  • 2
    Ver Cesarino (2011a)CESARINO, Pedro de Niemeyer (2011a). Oniska - Poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo: Perspectiva; Fapesp. para um estudo mais detalhado.
  • 3
    Por essas razões, torna-se necessário ser cauteloso com aproximações muito rápidas entre narrativas ameríndias e os universos clássicos do épico, tais como as recentemente sugeridas por Mussa (2009)MUSSA, Alberto (2009). Meu destino é ser onça. Rio de Janeiro: Record.. Ver Cesarino (2013a)CESARINO, Pedro de Niemeyer (Org.) (2013a). Quando a Terra deixou de falar - Cantos da mitologia Marubo. São Paulo: Editora 34. para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto.
  • 4
    Ver Cesarino (2011a)CESARINO, Pedro de Niemeyer (2011a). Oniska - Poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo: Perspectiva; Fapesp. para traduções diversas.
  • 5
    Em Txonavo e Tama Owavo, o termo nawavo está contraído e subentendido pela presença do sufixo pluralizador -vo, como no seguinte exemplo: tama owa-vo (árvore flor-pluralizador).
  • 6
    Assim, os integrantes de cada um de tais segmentos estabelecerão relações prescritas com os de outros segmentos; uma configuração geralmente composta por quatro grupos, que deverá também formar uma unidade residencial marcada pela construção de uma grande maloca (shovo). Desta forma, toda pessoa pertencente ao Povo Japó (Isko Nawavo), por exemplo, utilizará o termo recíproco koka (tio materno e sogro potencial; sobrinho e potencial genro) para se referir aos integrantes do Povo Azulão (Shane Nawavo). Um rapaz “japó” (isko) poderá então se casar com a filha de um homem “azulão” (shane), moça que pertencerá ao segmento Povo Araraúna (Shawã Nawavo), herdado de sua avó materna (termos distribuídos por gerações alternadas). A relação entre esses dois jovens “japó” e “araraúna” será então de afinidade jocosa, ao passo que a relação assimétrica entre “japó” e “azulão” será também de afinidade, mas formal. Todo “Japó” tratará seus primos cruzados “Arara” por txai e suas primas cruzadas por pano. Os pertencentes ao segmento ou povo “japó” (isko), por sua vez, tratarão como tios paternos (epa) os pertencentes a outro povo também traduzido por uma espécie do pássaro japó, os Rovo Nawavo. Assim, a relação entre isko e rovo será de proximidade; rapazes e moças da mesma geração e pertencentes a esses dois segmentos não poderão jamais se casar.
  • 7
    E por outros tantos ameríndios, sobre os quais refletia Eduardo Viveiros de Castro (2002)CASTRO, Eduardo Viveiros de (2002). A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify..
  • 8
    Observe-se como a versão da narrativa Katukina disponível em uma publicação condensa, em simples prosa corrida, o que o pensamento Marubo desdobra em um longo e complexo canto. Vemos aí alguns dos temas que aparecerão ao longo do Wenía: “Os Katukina vieram de baixo da terra. Logo que surgiram não havia mulheres, somente homens. Vieram caminhando e cantando o mariri. Não tinha canto, era só hi, hi, hi. Vieram cantando na beira do rio. Aí disseram: – Pra onde nós vamos morar? Vamos procurar um lugar para morar. Vamos embora procurar uma ponte para atravessar do outro lado do rio. Os Katukina não usavam roupas, só usava tangas. No caminho, encontraram duas mulheres. Essas mulheres carregavam um paneiro. Só usavam tanga e chapéu de pena de arara, de taboca, pena de japó. Usava um enfeite no nariz. Aí foi um mês procurando para atravessar o rio. Aí falaram: – Vamos subir, onde a gente achar uma ponte, a gente atravessa pro outro lado. Todos falaram: – Vamos embora. Seguindo e cantando hi, hi, hi. Vieram debaixo e encontraram o Juruá. No Juruá encontraram um jacaré muito grande. Ele afundava e subia. E era só mato nas costas dele. Aí eles disseram: – Será que esse jacaré serve de ponte para atravessarmos para o outro lado?” (Katukina e Sena, 1997KATUKINA, Benjamin André; SENA, Vera Olinda (Org.). ([1997?]). Noke shoviti - Mito katukina. Rio Branco: Comissão Pró-Índio do Acre; Poronga., p. 10-11).
  • 9
    Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84559448/f13.image>.
  • 10
    Um esquema iconográfico similar é adotado pelos Katukina na referida publicação: à esqueda, um buraco; à direita, uma série de pessoas dançando.
  • 11
    É notável que a referida versão katukina, recolhida provavelmente de uma narrativa direta, não apresente nem uma disposição formular e nem o uso de termos de língua especial, muito embora também recorra ao paralelismo para sua composição. De fato, a transcrição do original na língua nativa deve ter sido feita a partir do katukina cotidiano, como permite constatar uma comparação com a versão formalizada marubo. Os Katukina são um entre outros povos falantes de pano que vivem ao longo do rio Juruá e seus afluentes; região que foi submetida de maneira mais direta aos impactos devastadores da economia da borracha. Os Marubo, por sua vez, protegeram-se entre as cabeceiras remotas do Ituí e do Curuçá, o que talvez tenha preservado os processos de transmissão de seus conhecimentos verbais e rituais. Até os dias de hoje, não é incomum que os Katukina viajem para as aldeias marubo a fim de aprender e se consultar com seus xamãs.
  • 12
    O termo chinã, aí traduzido por “vida”, por sugestão de meus interlocutores marubo, foi explicado como sendo uma metáfora para o sêmen dos antepassados, que procriaram através de relações sexuais. A sequência inteira de abertura é, assim, uma metáfora para a cópula e para a gestação. “Vão da terra-sol”, por sua vez, metaforiza o princípio de criação feminino, que se mistura ao masculino para dar origem ao feto. “Princípio de criação feminino” ou “vida da mulher” são tentativas de traduzir a expressão aĩvo chinã. “Vento de lírio-sol”, por fim, foi considerado como um elemento neutro responsável por misturar os princípios masculino e feminino. Se aqui a imagem do vento de lírio é utilizada de modo heurístico, ou seja, para fazer entender a gestação humana, na narrativa de formação do mundo (ver Koĩ Mai Vana, em Cesarino, 2013aCESARINO, Pedro de Niemeyer (Org.) (2013a). Quando a Terra deixou de falar - Cantos da mitologia Marubo. São Paulo: Editora 34.), entretanto, será mesmo da ventania de tal flor (mas, ainda assim, de uma flor prototípica, e não das atualmente existentes) que surgem os primeiros espíritos demiurgos. A diferença está, então, em duas gêneses distintas: uma sexuada e outra assexuada; uma explicada através do recurso a imagens poéticas, outra de maneira direta.
  • 13
    A fórmula vari mai nãko é, por sua vez, uma outra imagem para o sangue que joga papel fundamental na concepção. Explicaram-me que se trata do “sangue para formar os corpos” (imi anõ kaya shoviti), um elemento que não é nem masculino e nem feminino, mas que funciona como uma espécie de receptáculo para os dois outros princípios que foram anteriormente misturados. Nãko, assim, é o sangue do qual as pessoas surgem. Em uma outra conversa, Robson Venãpa me disse, porém, que mai nãko era o “óvulo” (revotivo eche) da primeira mulher, Vari Shoi, assim demonstrando que a relação entre as exegeses marubo e o conhecimento ocidental estão ainda abertas ao debate e às conexões especulativas.
  • 14
    Mulher ofegante em trabalho de parto.
  • 15
    A sequência dos versos traz imagens para a barriga grávida, esticada, e depois se contorcendo por conta do feto que quer nascer (õtoki aya).
  • 16
    Formigas são imagens para o feto, que desce pelo canal vaginal.
  • 17
    Metáfora para a vagina de Vari Shoi, a primeira mulher. Nesta tradução, opto por manter os nomes próprios sempre no original.
  • 18
    Metáfora para as coxas da primeira mulher. Tendo em vista as exegeses referentes à cena de abertura do canto, seria possível compor uma tradução paralela, que serve aqui apenas para que se compreenda o sentido velado do canto: 1. Sêmen dos homens-sol / No útero das mulheres-sol / Vento de lírio-sol / O vento envolve / E ali repousa // 5. Óvulo fecundado / A partir do óvulo / Surgimento começa / E o já exausto / Ventre de mulher-sol / Há tempos deitado / Vai se contorcendo // 13. E assim então / As crianças-sol / Do ventre-sol / Por seu caminho / Pelo canal de Shoi-Sol / Por ali descem / Por suas coxas / Pelas coxas caem
  • 19
    Trata-se do primeiro homem a surgir, o chefe do Povo Sol, que já nasce com cabelos compridos.
  • 20
    “Gritocanto” é a tradução para o termo sai-iki (gritar/cantar-verbalizador), uma vocalização em tons altos e ritmados que os antigos, assim como os atuais Marubo, costumam realizar durante festas e viagens. O verso em questão, contudo, não faz referência ao radical sai-, presente em inúmeras outras fórmulas do canto, mas, sim, a uma maneira especial de se referir a tal vocalização, we rakárakai (we é uma onomatopeia para os gritos wewewe; raká-raká-i, dispor/realizar2x-asp.progressivo, assim indicando uma ênfase no processo em questão, através da duplicação de sufixos e radicais comum em línguas da família pano).
  • 21
    Mashká (voro em marubo cotidiano), aí traduzido por “toco”, é metáfora para o corpo da mulher do Povo Jaguar.
  • 22
    Grande Araraúna é metáfora para homem. Através da imagem do sangue que escorre de uma raiz tabular (sapopema), imagens que valem para o esperma e as coxas dos homens, a sequência inteira trata da cópula dos Kana Nawavo com suas mulheres, que tem por fruto as suas filhas.
  • 23
    Assim como na estrofe precedente, dá-se aí o surgimento da segunda geração do Povo Jaguar, através das relações sexuais entre homens e mulheres, metaforizadas pelo sangue que escorre de uma raiz tabular (esperma e coxas dos homens).
  • 24
    O classificador iso (macaco-aranha) serve para marcar o surgimento dos homens negros (yora txesheka wenimayãtavo).
  • 25
    Vari Ako é nome de um homem do Povo Sol. A tradução literal do verso seria: “Das coxas do homem Vari Ako...”. É a partir da relação desse homem com sua mulher que surgem os antepassados chamados Poto, que, nesse caso, pertencem ao Povo Sol. Trata-se de um nome até hoje utilizado pelos Marubo. A tradução literal de poto pode ser “pó”, muito embora nomes próprios referentes à língua antiga nem sempre expressem tal significado comum ou sejam explicados de tal forma.
  • 26
    A sequência Vari Roro Poto / Poto veoatõsho é uma outra imagem para o surgimento/gestação das pessoas chamadas Poto. Veoa-tõsho (assentar/colocar-consecutivo) condensa, assim, o processo de gestação no interior do ventre da mulher, que aparece descrito de maneira mais detalhada nos versos iniciais. Os dois versos transformam, mais uma vez, um esquema formular característico dos cantos marubo (ver, por exemplo, Cesarino, 2011bCESARINO, Pedro de Niemeyer (2011b). Entre la parole et l’image: le systhème mythopoïetique marubo. Journal de la Société des Américanistes, Nanterre, v. 97, n. 1, p. 223-259., p. 112-114; 2013a, p. 47).
  • 27
    As diversas expressões formulares que se valem do radical sai- (vocalização ritual traduzida por vezes como “gritocanto”) sinalizam as viagens e os encontros dos antigos, sempre pontuadas por tais vocalizações. É curioso notar o que escrevem os Katukina em sua versão já mencionada anteriormente: “Vieram caminhando e cantando o mariri. Não tinham canto, era só hi, hi, hi” (Katukina e Sena, 1997KATUKINA, Benjamin André; SENA, Vera Olinda (Org.). ([1997?]). Noke shoviti - Mito katukina. Rio Branco: Comissão Pró-Índio do Acre; Poronga., p. 10). É exatamente a isso que se referem as fórmulas aqui traduzidas por “viajam cantando” e suas variações. Sai-ai-ina-ya (gritocanto-verbalizador-movimento.ascendente-aspecto.perfectivo), recriado como “Viajam cantando” indica então o modo de deslocamento dos antigos que, em tais tempos, dava-se de maneira similar à atual festa Tanámea. Em tais circunstâncias, parentes afins, que vivem em grupos residenciais distintos, prestam visitas uns aos outros ou são recebidos na aldeia de algum anfitrião, após longas viagens realizadas pelo rio ou por terra.
  • 28
    Viajam abrindo caminho por uma mata fechada pelas palmeiras inajá (Maximiliana maripa).
  • 29
    A imagem das touceiras de palmeiras corresponde à multidão de homens do Povo Sol, em especial dos chefes de nome Vari Tama e Vari Paka (literalmente, Árvore Sol e Taboca Sol). A sequência é, mais uma vez, uma metáfora para a procriação do Povo Sol através do esperma de seus homens, figurado como a seiva da árvore tama e da taboca paka (ere, o termo ordinário para “esperma”, é aí chamado de recho, termo normalmente usado para “seiva” ou “muco”, como se vê nos versos seguintes). O canto é, assim, “um modo de falar da formação das pessoas” (yora shovima atõ yoãrivi).
  • 30
    Aqui, como na estrofe anterior, a tradução literal do verso seria: “E surgem aqueles membros do Povo Sol que se chamam Paka” (Paka ikã ayavo / Nawa wení iniya).
  • 31
    Pica-paus são imagens para os homens do Povo Azulão, que desvirginam as suas mulheres (aĩvo oroa ane), metaforizadas como troncos de cumaru, cujos pedaços desprendidos se tornam, assim, imagens para os filhos. Daí o nome das crianças nascidas em tal geração: Mese, um termo que originalmente significa “pedaço”. Note, mais uma vez, o entrecruzamento dos processos genéticos com as imagens vegetais que se transformam, também, em imagens sociais – os nomes aqui formados serão transmitidos através das relações de casamento e de aliança que constituem a sociedade marubo. O verso final da estrofe (392) poderia então ser traduzido por “De Pedaço chamados”, se não soasse desajeitada a opção por verter a onomástica original em português.
  • 32
    Esses são os homens e mulheres mais sábios, que levam nas mãos suas cestas desenhadas. Não por acaso, as cestas txitxã também fazem parte do léxico especial xamanístico: são uma imagem para designar a capacidade de pensamento da pessoa, que tem uma espécie de cesto invisível desenhado em seu peito (Cesarino, 2011aCESARINO, Pedro de Niemeyer (2011a). Oniska - Poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo: Perspectiva; Fapesp. , p. 83 e seguintes).
  • 33
    A imagem se refere a pessoas com cabelos curtos que os antigos encontram ao longo de sua viagem.
  • 34
    Trata-se de uma folha aromática apreciada pelos xamãs, que passam suas folhas maceradas pelo corpo. É chamada também de yove rãte e foi comparada por Robson Venãpa à folha de coca e ao rapé dos Yanomami.
  • 35
    Raotapake é a versão especial do marubo cotidiano pachapake (pacha-pake; refrescar-distributivo).
  • 36
    Trata-se de uma árvore-pajé que, até os dias de hoje, costuma cantar entre os Marubo através do corpo de pajés romeya tais como Armando.
  • 37
    Os viajantes do povo Kana Navawo assim disseram sobre o pajé Kana Panã. Os versos 370 a 394 parecem jogar com os diversos sentidos do termo yora, que tentei reproduzir através das variações tradutórias empregadas em português. Yora, em primeiro lugar, quer dizer corpo, tal como o tronco de uma árvore ou de uma pessoa, além de designar também um sentido mais restrito de corporalidade, que define um corpo propriamente humano ou similar (yora iwi, por exemplo, são árvores tais como mulateiros e goiabeiras, que se assemelham à nossa musculatura), até que se refira mais especificamente à “gente”, ou seja, a uma pessoa ou sujeito capaz de viver em parentesco e de cantar (noke-pa yora [1pessoa plural-comparativo; gente], por exemplo, é o termo que os Marubo usam para se referir aos povos similares a eles, por oposição aos nawa, ou estrangeiros). É esse sentido final que o neologismo “corpogente” pretende traduzir. Ora, xamãs, ou pajés, são sobretudo gente, embora gente não seja sobretudo o que concebemos como humano... Daí a referência, na tradução, a Açaí como pajé (verso 437): uma gente-árvore capaz de cantar.
  • 38
    Ao não reconhecerem o espírito-açaí como uma pessoa igual a eles, os antigos batem na palmeira-pessoa com seus machados, assim fazendo com que ela deixasse de cantar, ao menos para os ouvidos das pessoas comuns. Nos buracos formados pelos machados, sapos terminaram por ficar.
  • 39
    Dizem que são essas as mulheres “vagabundas” (ikitaya). Ainda que a palavra tenha sido incluída na tradução poética, não há termo para “machado” (roe) nos versos originais, cuja segmentação seria a seguinte: tã iki oi-ki / kana tama põshã-ne / sete-i voi-ya (onomatopeia auxiliar.transitivo ruído-assertivo / arara árvore buracoLínguaEspecial-locativo / sentarLínguaEspecial-passado.imediato ir.plural-aspecto.perfectivo).
  • 40
    Vaĩ tachpa shavo é a expressão especial para o marubo ordinário shavo tsaopakesma (shavo tsao-pake-se-ma; mulher sentar-distributivo-predicação.existencial-negativo), ou seja, mulheres que não ficam em apenas um lugar.
  • 41
    Ver nota 36.
  • 42
    O Povo Pupunha, um dos atuais segmentos da sociedade marubo, surge aí a partir de Espírito Pupunha. Novamente, encontramos uma confluência entre as séries humana e vegetal, pois de uma pessoa-árvore tem surgimento os antepassados. Nos tempos antigos, árvores, assim como aninamis, eram gente. Apenas depois é que silenciaram.
  • 43
    Com essa sobreposição de classificadores (shane, vari), o cantador dá a entender que trata, em uma só estrofe, do surgimento dos rebentos dessa geração que pertence ao Povo Sol e ao Povo Azulão. Eles descendem de um homem do Povo Pupunha, aí metaforizado como “Grande araraúna”.
  • 44
    Imagem para uma mulher que já conhecia o sexo.
  • 45
    A imagem é a de um cajado de pupunheira e, em seguida, de um bastão de outra madeira que os Marubo usam para trabalhar na terra. O bastão penetra a terra e a revolve para os lados, sem quebrar. Metáfora para a cópula sexual.
  • 46
    Outro entrecruzamento das séries humana e vegetal: é a partir da relação entre antigos e suas mulheres que surgem as palmeiras cocão (kõta, Attalea tesmannii).
  • 47
    A estrofe condensa um bloco de surgimento da palmeira murumuru (píti, Astrocaryum murumuru), que seguiria o mesmo esquema do bloco precedente.
  • 48
    A madeira usada para figurar os órgãos sexuais dos antigos é a carapanaúba (shavi), usada para fazer cabo de machado.
  • 49
    A estrofe, novamente, condensa as etapas que levarão ao surgimento da palmeira patxo, não identificada.
  • 50
    Gavião-de-coleira (Falco femoralis), uma ave de mau agouro.
  • 51
    Aqui encontramos a razão pela qual as corujas passaram a girar suas cabeças. O entrecruzamento entre séries também se dá com animais que, nos tempos antigos, eram pessoas.
  • 52
    A estrofe se refere ao surgimento de um contingente de pessoas piores, que aparecem ao lado dos grandes chefes (as “pessoas verdadeiras”). “Verdadeiro” traduz o classificador koĩ (exemplar, prototípico, principal, verdadeiro), comum em outras línguas pano. Os antepassados em questão são os Rovo Chino, a gente macaco-prego, conhecida por seu comportamento inadequado e sexualmente descomedido (são “tarados”, akatsipa). Cada uma das seções dos antigos tinha a sua gente macaco-prego (Vari Chino, Shane Chino, Rovo Chino, Ino Chino etc), muito embora o canto enfoque apenas aqueles da seção ou povo Japó. Antigamente, apenas os chefes e os pajés faziam sexo. Surgida de relações incestuosas, a gente macaco-prego, entretanto, espalha entre todos o desrespeito e a prática sexual, assim com as mulheres-coruja (popo shavo) e as mulheres-falcão (chĩchĩ shavo), responsáveis por estragar as pessoas do surgimento. Note que a moral marubo não é exatamente contra a prática sexual, mas sim contra o incesto. É o que veremos na sequência.
  • 53
    A sequência é uma metáfora para esses antepassados, que aprendem a copular com suas mulheres. Sapopemas (raízes tabulares) são metáforas para mulheres, assim como bastões da madeira ako para os pênis. Narinas de anta, por sua vez, são as vaginas.
  • 54
    A gente macaco-prego segue a viagem em paralelo aos chefes e pajés. Estes últimos caminham pela terra, enquanto os macacos vão em um caminho por dentro do rio.
  • 55
    Metáfora para as mulheres subaquáticas, com quem copulam.
  • 56
    Muco peniano. Lanças, por sua vez, são os falos.
  • 57
    Metáfora para os grandes lábios da vagina. A sequência trata do surgimento do muco peniano, que se dá através da relação entre a gente macaco-prego e as mulheres subaquáticas.
  • 58
    A gente macaco-prego ainda não consegue encontrar seus parentes e decide então mudar de caminho. Saem do fundo do rio e passam para o caminho da copa das árvores.
  • 59
    Metáfora para mulheres (galhos das árvores) e relações sexuais (bater cajados).
  • 60
    Os órgãos sexuais masculinos antigamente falavam, mas emudeceram quando a gente macaco-prego engoliu a fumaça da palmeira votá koro, não identificada.
  • 61
    Enfim a gente macaco-prego encontra os seus outros parentes, os antigos melhores, que seguiam por outro caminho.
  • 62
    As raspas destas duas árvores são muito úmidas, o que serve então de imagem para a lubrificação genital desejada pelos macacos.
  • 63
    Fórmulas como Ato a-ki ao-a (3pessoa.plural dizer-assertivo repetição-verbalizador), a iki-a-nã (3pessoa.singular dizer-foco) e Ẽ-ta neská-i (1pessoa.singular-declarativo similitivo-passado.imediato) costumam pontuar diálogos sem explicitar em seu interior os seus respectivos locutores, que devem ser procurados no contexto. Minha opção por inseri-los na versão em português pretende tornar mais clara a leitura.
  • 64
    Shepa, Attalea attaleoides, palhera-branca.
  • 65
    Ewã anevo, ou ewashko em marubo cotidiano (filhas da irmã).
  • 66
    Natxi anevo são “aquelas com quem crescemos” (ave nõ weníti), ou seja, as moças pertencentes aos segmentos que não possuem relações de afinidade entre si e que, portanto, não podem casar com algum homem de referência (ou Ego) igualmente pertencente a tal classe. Os segmentos Vari, Shane, Rovo, Isko e Tama Owavo possuem relações de proximidade classificatória e são afins, portanto, dos Kana e Ino, próximos entre si e afins do grupo precedente, e assim por diante para outros dos diversos segmentos que compõem a atual sociedade maubo.
  • 67
    Osã rome é a maconha, disseram-me enquanto traduzíamos. O comportamento dos macacos-prego é equiparado aos dos jovens de hoje em dia, que riem à toa e não escutam as palavras dos parentes mais velhos.
  • 68
    Trata-se de um pajé sábio do tempo do surgimento.
  • 69
    A gente macaco-prego se envergonha da bronca tomada dos chefes e decide fugir em direção às cabeceiras do rio.
  • 70
    Tiva, vespa, ou chara em marubo cotiano.
  • 71
    Tsãteka quer dizer “quadrado” em marubo cotidiano, mas, nesse caso, é apenas o nome antigo para a embaúba (võko) que costuma ser utilizado nos cantos.
  • 72
    Remash, marubo especial, é equivalente a rekin (nariz) em marubo cotidiano.
  • 73
    Os chefes querem cortar as árvores para abrir passagem. Iskõ Shapo é o nome do chefe que abre o caminho.
  • 74
    No sistema de classificação marubo, macacos, assim como quatipurus e outros animais, são considerados como “bichos do alto” (keyá yoĩni).
  • 75
    Um inimigo (mokanawa), membro do Povo Anta (Awá Nawa).
  • 76
    Shetã Veká é uma antepassada responsável por parir bichos considerados ruins tais como escorpiões, aranhas, arraias, sucuris e jararacas. Ela se infiltra entre os chefes e consegue atravessar a ponte, safando-se assim do destino reservado aos outros. Em seguida, encontrará o filho de Shoma Wetsa, a mulher canibal de ferro, com quem se casa. De suas relações promíscuas nascerão as crias acima referidas. Ver Cesarino (2013a)CESARINO, Pedro de Niemeyer (Org.) (2013a). Quando a Terra deixou de falar - Cantos da mitologia Marubo. São Paulo: Editora 34. para a tradução completa da narrativa de Shetã Veká.
  • 77
    A gente macaco prego (os safados) é trazida pelos chefes Waka Panã e Waka Võko, que os atravessam pela ponte. Enganando-as, os chefes cortam então o pescoço do monstro atravessador, fazendo com que os “filhos” (isto é, a gente macaco) caia nas águas.
  • 78
    Lâminas sub-aquáticas, que retalham os naufragados.
  • 79
    Onomatopeia do voo do japó. O termo “soprocanto” (verso 900) traduz outro dos gêneros verbais marubo, vana koshoka, uma onomatopeia para os cantos assoprados (koshh koshh) usados em rituais de cura e de feitiçaria.
  • 80
    Trata-se a rigor de um tronco caído no rio, mas que os japós entendem como sendo a sua colina.
  • 81
    Do sangue da gente macaco prego soprocantado por suas irmãs, surgem esses japós do rio grande, que vão voando viver em uma colina a jusante. Eles são os policiais bravos (teskekaya), explicaram-me, revelando que, também aqui, o surgimento dos brancos é previsto pelas narrativas ameríndias: brancos são mais novos, apareceram depois dos antepassados.
  • 82
    O narrador traça seu parentesco com o antepassado, que pertence à seção Isko Nawavo e é, portanto, classificado como seu tio paterno (epa).
  • 83
    Dá-se aí o surgimento dos jacarés. Em outros termos, o Pajé Iskõ Chapo parece se transformar nos jacarés atualmente existentes.
  • 84
    Essa gente macaco-prego (rovo chino) é ruim: dão origem às prostitutas e aos jovens arruaceiros que, até hoje, vivem nas cidades e nas aldeias. Os espíritos dos macacos-prego costumam “atravessar” (tasavãia) os jovens, assim causando o seu mau comportamento. Eles estão por todas as direções: na Morada Arbórea (Tama Shavá), na Morada da Terra (Mai Shavá), na Morada Subaquática (Ene Shavá) e nas moradas subterrâneas (Mai Oke).
  • 85
    Através dos adornos desprendidos e depositados no fundo do rio, formam-se os marimbondos do mundo subaquático (ene vina), as escamas de peixe (yapa pesa) e a doença de rio (ene isĩ). Armando omite a sequência formular de fechamento da estrofe, que seria do tipo “para assim fazer / marimbondo aparecer”.
  • 86
    Aqui termina o bloco referente à cena da Ponte Jacaré. Veja que o episódio também aparece na narrativa katukina (ver nota 8), mas com um desdobramento inusitado: para tal povo, a divisão entre as duas margens do rio demarcada pelo atravessador-jacaré corresponde à separação, de um lado, dos Marubo e, de outro, dos Katukina. A presente narrativa, por sua vez, separa os insensatos, arruaceiros, prostitutas e policiais bravos dos antepassados xamãs e chefes, considerados como “pessoas pensadoras” (chinãivo yora).
  • 87
    Nawea, “matar”, é o termo da língua especial para o marubo cotidiano yamama, “matar”.
  • 88
    Surge aí uma espécie não identificada de sapo (tãtá), que costuma entortar a boca das pessoas que o imitam.

Anexo - Segmentação dos versos 545-585



    Siglas
  • ABS  - Absolutivo
  • ASS  - Assertivo
  • AUX  - Verbo auxiliar (transitivo, intransitivo)
  • CMPL  - Completivo
  • CON  - Conjunção
  • CONfin  - Conjunção finalidade
  • DB  - Dativo-benefactivo
  • DEMdist.  - Demonstrativo distância
  • DIRcentrip.  - Direção centrípeta
  • DIRcentrif.  - Direção centrífuga
  • ENF  - Enfático
  • ERG  - Caso ergativo
  • EV  - Evidencial
  • FC  - Foco
  • FIN  - Finalidade
  • GENR  - Genérico
  • HIP  - Hipotético
  • HSAY  - Hearsay, reportativo
  • INT  - Interrogativo
  • IMP  - Imperativo
  • LE  - Termo da língua especial
  • LOC  - Locativo
  • Mov.sing  - Movimento singular
  • Mov.pl  - Movimento plural
  • NEG  - Negativo
  • PAS1  - Passado imediato
  • POSS  - Possessivo
  • PR  - Progressivo
  • PRF  - Perfectivo
  • RLZ  - Ação realizada
  • SML  - Similitivo
  • 3DEM  - Terceira pessoa neutra demonstrativo
  • 1s  - Primeira pessoa singular
  • 1pINCL  - Primeira pessoa plural inclusiva
  • 2p  - Segunda pessoa plural
  • 3pDEM  - Terceira pessoa plural demonstrativo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2017
  • Aceito
    17 Jul 2017
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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