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“Nenhum rosto sem o outro”: a poética ameríndia e o devir-menor

“No face without the other”: Amerindian poetics and the becoming-minor

“Ningún rostro sin el otro”: la poética amerindia y el devenir-menor

resumo

Este trabalho discute alguns aspectos do impacto estético, político, ético e ontológico causado pela presença da poética ameríndia na literatura brasileira contemporânea a partir de alguns poemas do livro Roça barroca, de Josely Vianna Baptista, e da antologia Cantos ameríndios, que abre a coleção Poesia.br, organizada por Sergio Cohn. Busca-se debater de que maneira os cantos ameríndios engendram um devir-menor que descentraliza nosso cânone literário, desestabiliza a língua portuguesa, “escova a história a contrapelo”, borra as dicotomias hierárquicas ocidentais entre humano e inumano, mesmidade e alteridade.

Palavras-chave:
poesia ameríndia; literatura brasileira contemporânea; devir-menor

abstract

This work proposes to discuss some aspects of the aesthetic, political, ethical and ontological impact of Native American poetics in Brazilian contemporary literature, considering some poems from Roça barroca, by Josely Vianna Baptista, and the anthology Cantos ameríndios, which opens the collection Poesia.br, organized by Sergio Cohn. The aim is to discuss how Native myths provoke a becoming-minor that decentralizes our literary canon, destabilizes the Portuguese language, "reads history against the grain", and blurs the frontiers between human and non-human, self and other.

Keywords:
Amerindian poetry; Brazilian contemporary literature; becoming-minor

resumen

Este trabajo se propone discutir algunos aspectos del impacto estético, político, ético y ontológico causado por la presencia poética amerindia en la literatura brasileña contemporánea, partiendo de algunos poemas del libro Roça barroca, de Josely Vianna Baptista, y de la antología Cantos amerindios, que abre la colección Poesia.br, organizada por Sergio Cohn. El objetivo es discutir cómo los mitos amerindios engendran un devenir minoritario que descentraliza nuestro canon literario, desestabiliza la lengua portuguesa, “cepilla la historia a contrapelo”, difumina las dicotomías jerárquicas occidentales entre lo humano y lo inhumano, mismidad y alteridad.

Palabras clave:
poesía ameríndia; literatura brasileña contemporánea; devenir-menor

Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer; descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto.

Jorge Luis Borges

A fonte da fala Ñamandu, nosso Pai Verdadeiro, o primeiro, de uma pequena parte de seu ser-de-céu, do saber contido em seu ser-de-céu, e sob o sol de seu lume criador, alastrou o fulgor do fogo e a neblina que dá vida. Incorporando-se, com o saber contido em seu ser-de-céu, e sob o sol de seu lume criador, iluminou-se a fonte da fala Com o saber contido em seu ser-de-céu, e sob o sol de seu lume criador, nosso Pai iluminou-se a fonte da fala e fez com que fluísse por seu ser, divinizando-a. Antes de a Terra existir, no caos obscuro do começo, tudo oculto em sombras, Ñamandu, Pai verdadeiro, o primeiro, aflorou-se a fonte da fala e fez que fluísse por seu [ser, divinizando-a. A fonte da futura palavra tendo aflorado, com o saber contido em seu ser-de-céu, e sob o sol de seu lume criador, de si foi aflorando a fonte do amor. Tendo aflorado a fonte da fala, tendo aflorado um pouco de amor, com o saber contido em seu ser-de-céu, e sob o sol de seu lume criador, o princípio de um som sagrado ele, a sós, criou. Antes de a Terra existir, no caos obscuro do começo, tudo oculto em sombras, o princípio de um som sagrado ele, a sós, criou. Tendo aflorado, a sós, a fonte da futura fala, e desdobrado, a sós, um pouco de amor; tendo criado, a sós, um breve som sagrado, ele refletiu longamente sobre com quem compartilhar a fonte da fala; sobre com quem compartilhar o amor, com quem compartilhar as fieiras de palavras do som sagrado. Depois de muito meditar, com o saber contido em seu ser-de-céu, e sob o sol de seu lume criador, desdobrou-se em quem refletiria seu ser-de-céu. [...] (Mbyá-Guarani dos Guairá apud Baptista, 2011BAPTISTA, Josely Vianna (2011). Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify., p. 31).

Esses versos fazem parte do Ayvu rapyta (“A fonte da fala”), uma série de cantos míticos dos Mbyá-Guarani do Guairá traduzidos por Josely Vianna Baptista e publicados em Roça barroca (2011BAPTISTA, Josely Vianna (2011). Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify.), que rememoram e celebram o momento em que o Pai Ñamandu divinizou a linguagem, transformando-a numa manifestação do amor divino. De acordo com a cosmogonia desses cantos, a linguagem teria aflorado de Ñamandu, seria parte dele, e a palavra seria “o vínculo fundamental entre o homem e o universo” (Roa Bastos apud Baptista, 2011, p. 17). Talvez esteja nessa gênese mitológica a explicação para a alta potencialidade poética e a bela “arquitetura imagética e rítmico-sonora” da língua Guarani, que se realiza plenamente nestes cantos “repletos de ‘palavras-montagem’, assonâncias, paranomásias, ritmos icônicos, metáforas e onomatopeias - mimetizando o mito mbyá de que houve, no início dos tempos, um ruído portador da sabedoria da natureza, um som do cosmos se engendrando por meio da “linguagem fundadora’” (Baptista, 2011, p. 10). Tal potencialidade poética foi o que levou Pierre Clastres a concluir, após sua experiência entre os índios Guarani, que “não há, para o homem primitivo, linguagem poética, pois sua linguagem já é, em si mesma, um poema natural em que repousa o valor das palavras” (Clastres, 2003, p. 143).

Preocupada em manter a sonoridade dessa poética em sua tradução para o português, Baptista utilizou, além do texto base original (revelado pelo cacique Pablo Vera a León Cadogan, na década de 1940, e publicado por Cadogan em 1959 no livro Ayvu Rapyta: textos míticos de los Mbya-Guarani), gravações que fez do professor e líder indígena Teodoro Tupã Alves, entoando os cantos em mbyá, de forma a “melhor perceber suas modulações e tessituras sonoras” (Baptista, 2011, p. 12).

O interessante é que tais “tessituras sonoras” não se restringiram ao texto traduzido, elas também aparecem na segunda parte do livro, intitulada “Moradas Nômades”, que reúne uma série de poemas de Josely Vianna Baptista inspirados na experiência dos Guarani com a linguagem, em sua intensa relação com a natureza, em seus laços profundos com a terra, em sua busca pela terra sem males ou yvy marã'ey (literalmente, “terra que não se estraga” ou “terra que não se acaba”).

Os poemas da série “Moradas Nômades”, que complementam este Roça barroca, procuram dialogar com a sofisticada trama sonora dos cantos, no umbral em que arcaico e moderno se encontram em cruzamentos híbridos. Há neles indícios de algumas inquietações que me movem, como os ritos - em sua vertigem de talhes e detalhes - de passagem, da reprodução e da morte (esta que, historicamente, a arte e a poesia tentam “exorcizar”) (Baptista, 2011BAPTISTA, Josely Vianna (2011). Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify., p. 13).

Essas inquietações ficam muito evidentes no poema “guirá ñandu”, dedicado a Teodoro Tupã Alves, que fala da árdua viagem para a terra sem males, da busca por outro sol, da possibilidade de perder-se “abandonando o humano para encontrar seu deus”:

pode que na viagem no trajeto disperso um homem adivinhe a vereda possível sem fim, de sol a sol até que a fome e a febre o êxtase à flor da pele a intempérie, a prece a dança em excesso transportem o corpo adverso e o espírito pulse e respire e confronte o mar que o separa da terra indestrutível quem sabe o paraíso que descrevem os antigos não esteja além do vasto nevoeiro e sargaço mas no árduo percurso vencido passo a passo sem bússola ou mapa do céu em pergaminho [...] (Baptista, 2011BAPTISTA, Josely Vianna (2011). Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify., p. 120).

Os versos ecoam o ritmo dessa perambulação, conforme vemos também no poema que dá título à série e que nos fala de lugares de passagem, quase abandonados, mas que escondem convidativos pomares em seus quintais, reverberando o costume Guarani de plantar pomares para aqueles que viriam depois deles na caminhada:

moradas nômades carunchos e cupins roem, vorazes, a choupana de ripas pendem do esteio ramos de trigo, feito amuleto para celeiros cheios; tachos esfarelam crostas de grãos moídos e redes balançam seus ergaços, perto do chão onde uma nódoa preta mostra o antigo fogo tudo abandono, e, no entanto, lá fora o pomar semeado para os que agora cruzam (trouxas vazias), um por um, os onze mil guapuruvus (Baptista, 2011BAPTISTA, Josely Vianna (2011). Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify., p. 130).

Nesse híbrido de perspectivas e temporalidades, que conecta mito, terra, cultura, língua, natureza, arcaico, moderno, sagrado, poético, vemos as marcas daquilo que Baptista experienciou durante suas viagens “reais e imaginárias” às comunidades Mbyá-Guarani: “procurei uma palavra metaforizada por essas viagens diversas e intemporais - ao texto arcaico e à cosmologia primeva, à translação dos sentidos sob paisagens estranhas, ao corpo silencioso e ao ritmo dessa fala em estado de arte que é a poesia” (Baptista, 2011, p. 15).

O VERBO seja alento ao estridor doe a ode o silêncio o nome ao desespero dome o medo (Baptista, 2011BAPTISTA, Josely Vianna (2011). Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify., p. 125).

O verbo silencioso que doma o medo remete à serenidade característica dos Mbyá-Guarani diante da verborragia estridente do homem ocidental (podemos pensar na voz forte dos ruralistas que ecoa nos microfones da mídia ou do Congresso Nacional com o intuito de expropriar as terras indígenas). Em outros momentos, o alento é o ritmo cadenciado das repetições, o fluxo dos rios, a leveza das folhas, os brotos na greta do terreno, o descanso do mofo, o primeiro sol depois do inverno, em uma intensa e delicada conversa rítmica entre as duas poéticas.

roça barroca as almas são visíveis em forma de sombras. Da religião Guarani, via Schaden viu o primeiro sol depois do inverno desembrulhar, folho por, folho, os rebentos em cada greta e grumo do terreno foi descobrindo grelos e vergônteas, ocelos verdes e outros arremedos [...] (Baptista, 2011BAPTISTA, Josely Vianna (2011). Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify., p. 128).

Aqui novamente aparece o olhar atento às sombras, aos pequenos sinais da natureza, aos ecos do silêncio, aparece a tentativa da poeta/tradutora em “dar um vislumbre das belas e indestrutíveis palavras azuis celestes” dos Guarani. E é sobre esse gesto de aproximação à poética ameríndia - de Baptista, mas também de uma série de outros poetas contemporâneos - que proponho refletir neste trabalho. Uma contaminação, um devir-índio que, como nos lembram Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, “é um dos acontecimentos políticos mais importantes que testemunhamos no Brasil de hoje”2 2 “Está efetivamente se passando um devir-índio, local como global, particular como geral, um incessante redevir-índio que vai tomando de assalto setores importantes da "população" brasileira de um modo completamente inesperado. Este é um dos acontecimentos políticos mais importantes que testemunhamos no Brasil de hoje, e que vai contaminando aos poucos muitos outros povos brasileiros além dos povos indígenas” (Danowski e Castro, 2014, p. 157). e que deixa marcas indeléveis naquilo que chamamos de “literatura brasileira contemporânea”. Aliás, antes de seguirmos adiante, cabe explorarmos um pouco essa expressão, cujos termos ganham complexidade quando se fala em poesia ameríndia. Afinal, a publicação desses cantos não apenas coloca em questão a dicotomia entre literatura oral e escrita, como também problematiza a fixidez identitária que o adjetivo pátrio dá à expressão. Quem são os brasileiros habilitados a assinar e fundar uma literatura nacional? Como definir um povo3 3 “‘Povo’ só (r)existe no plural – povoS. Um povo é uma multiplicidade singular, que supõe outros povos, que habita uma terra pluralmente povoada de povos” (Castro, 2016, p. 11). ? Seria o “sujeito político constitutivo” (Agamben, 2002AGAMBEN, Giorgio (2002). Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora da UFMG., p. 183), o conjunto de cidadãos portadores de direitos reconhecidos pelo soberano (Negri, 2003NEGRI, Antonio (2003). Cinco lições sobre Império. Tradução de Alba Olmi. Rio de Janeiro: DP&A., p. 143), ou a “classe que, de fato, se não de direito, é excluída da política” (Agamben, 2002, p. 183), o povo que está incluído (como dado demográfico, eleitoral, tributário, jurídico) em sua exclusão, em seu silenciamento, em sua marginalização, em seu endividamento? No caso dos povos originários, essa inclusão, essa desindianização significa sempre uma indigentização, seu empobrecimento, sua exclusão social.

Apesar disso, mesmo diante de tantas tentativas governamentais, mercadológicas e midiáticas de desaparecimento da cultura indígena (seja pelo apagamento ou pela redução ao estereótipo, ao clichê), ela não cessa de persistir, de resistir, de insistir em existir; como diz Eduardo Sterzi, de vingar, “no sentido de resistir vivo contra todas as expectativas adversas”, como uma planta ou uma ideia que vinga, enfim, uma “afirmação de vida ali onde só se esperava a desolação” (Sterzi, 2016STERZI, Eduardo (2016). O errante e a terra. In: SEMINÁRIO SOBRE SOUSÂNDRADE. 16 ago. 2016, Fundação Casa de Rui Barbosa. On-line. Disponível em: <Disponível em: https://www.academia.edu/22208977/O_errante_a_terra >. Acesso em: 11 nov. 2017.
https://www.academia.edu/22208977/O_erra...
). E aqui voltamos ao último termo da expressão “literatura brasileira contemporânea”, pois, apesar da ferocidade etnocida do “povo da mercadoria” (para usar a expressão de Davi Kopenawa), a cultura indígena, seus mitos e cantos, que há séculos estão sendo passados de geração em geração, ainda que sejam nossas narrativas mais arcaicas, estão absolutamente ativas na contemporaneidade, sem deixarem de ser afetadas pelas mudanças históricas que esses povos sofreram e de incorporar as marcas das diferentes experiências de contato que vivenciaram.

Foi isso que percebeu Sergio Cohn no prefácio da coleção Poesia.br, que organizou para a Azougue Editorial em 2012 e que conta com dez volumes, sendo o primeiro deles uma antologia em que estão reunidos cantos de seis etnias indígenas (Araweté, Bororo, Kashinawá, Marubo, Mbyá Guarani e Maxakali) na tradução de vários poetas brasileiros contemporâneos: além de Baptista, estão Antonio Risério, Sérgio Medeiros, Daniel Bueno, Pedro Cesarino, Douglas Diegues, Guillermo Sequera e Rosângela de Tugny. Cito Cohn:

Os poemas aqui reunidos compartilham a dupla circunstância de serem contemporâneos e anteriores a todos os outros textos constantes na coleção Poesia.br. Por isso, este pode ser considerado o seu volume de abertura, mas também pode ser visto como sua conclusão. Explico melhor. Anteriores por pertencerem a culturas que estavam presentes no território que hoje chamamos de Brasil antes mesmo da chegada dos primeiros colonizadores europeus. Se não possuímos registros escritos dos cantos destes povos naquela época, é possível pressupor que guardariam graus de familiaridade com os aqui publicados - embora as culturas de que fazem parte não sejam, de modo algum, estanques. E contemporâneos porque se os últimos cinco séculos foram marcados pelo terrível desaparecimento de diversas culturas que habitavam este continente, outras, inclusive as presentes neste volume, felizmente sobreviveram, estão presentes e potentes, criando e reproduzindo seus cantos na atualidade (Cohn, 2012COHN, Sergio (Org.) (2012). Poesia.br: cantos ameríndios. Rio de Janeiro: Beco do Azougue., p. 7).

O projeto editorial de Cohn descentraliza o cânone nacional ao desviar o marco inicial de nossa história literária, que tradicionalmente começa com os colonizadores. São textos que evidenciam problemáticas pré e pós-coloniais, primitivas e pós-modernas, como a própria ideia de autoria e assinatura (afinal, quem assina cantos coletivos, performances transmitidas oralmente?).4 4 Barthes considera o xamã das sociedades primitivas uma alternativa ao autor positivista, enquanto perda de origem da voz no texto: “nas sociedades etnográficas, a narrativa nunca é assumida por uma pessoa, mas por um mediador, xamã ou recitante, de quem, a rigor, se pode admirar a performance (isto é, o domínio do código narrativo), mas nunca o ‘gênio’” (Barthes, 2004, p. 58). Sem contar, é claro, as inovações estilísticas e rítmicas, entre outras questões caras à poética contemporânea, como “o esboroamento da autoria e das fronteiras das expressões artísticas, a presença da performance como parte significante, a quebra do texto enquanto monumento, entre outras”, analisa Cohn (2012, p. 7). De fato, a linguagem dos cantos é bastante performática, carregada de onomatopeias, repetições, palavras-montagem e palavras-metáfora - para usar duas expressões caras a Haroldo e Augusto de Campos (2002CAMPOS, Augusto e Haroldo de (2002). Re visão de Sousândrade. São Paulo: Perspectiva., p. 110). O poema Maxakali “Ariranha”, traduzido por Rosângela de Tugny, por exemplo, parece atualizar na própria língua o movimento do animal nadando:

Ariranha ia aaaaa i ii ia aaaaa i ii aaa i a iia ariranha nadando brilho d’água brilho d’água aai dia abiai aai dia abiai ia aaaaa i ii ia aaaaa i ii aaa i a iia ariranha nadando brilho d’água brilho d’água aai dia abiai aai dia abiai ia aaaaa i ii ia aaaaa i ii aaa i a iia ariranha nadando brilho d’água brilho d’água diac aabiaí ai diac aaia ô ôôô (Maxakali apud Cohn, 2012COHN, Sergio (Org.) (2012). Poesia.br: cantos ameríndios. Rio de Janeiro: Beco do Azougue., p. 52).

O poema faz a língua gaguejar, cavando no português, enquanto língua maior, dominante - a língua do “homem-branco-masculino-adulto-habitante das cidades-falante de uma língua padrão-europeu-heterossexual” (Deleuze e Guattari, 2011DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (2011). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. 2. ed. Rio de Janeiro: 34. v. 2., p. 55) -, um devir-menor da língua. No lugar da sintaxe formal, aparece “uma sintaxe em devir, uma criação de sintaxe que faz nascer a língua estrangeira na língua, uma gramática do desequilíbrio” (Deleuze, 1997DELEUZE, Gilles (1997). Crítica e clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: 34., p. 127), de forma que a língua do colonizador é desestabilizada por uma gramática Maxakali, pelo nado de uma ariranha, pela metamorfose de uma lagarta, pelo vôo de uma borboleta:

Borboleta diodioi diodioi indo onde tem água indo onde tem água virando borboleta para voar virando borboleta para voar diadiai indo onde tem água indo onde tem água virando borboleta para voar virando borboleta para voar diodioi diodioi ô ô ô ô ô ô ô ô virando borboleta para voar virando borboleta para voar ôôôu (Maxakali apud Cohn, 2012COHN, Sergio (Org.) (2012). Poesia.br: cantos ameríndios. Rio de Janeiro: Beco do Azougue., p. 49).

Neste “diodioi diodioi ô ô ô ô ô ô ô ô”, uma língua-borboleta é escavada no português, como se o canto atualizasse uma língua arcaica capaz de falar de um tempo em que homens e animais não se distinguiam, um tempo dos mitos, segundo a definição de Claude Lévi-Strauss em entrevista a Didier Eribon:

[- Gostaria de lhe fazer uma pergunta simples: o que é um mito?] - Não é uma pergunta simples, é exatamente o contrário, porque se pode respondê-la de vários modos. Se você interrogar um índio americano, seriam muitas as chances de que a resposta fosse esta: uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não eram diferentes (Lévi-Strauss, 2005LÉVI-STRAUSS, Claude (2005). De perto e de longe. Tradução de Léa Mello e Julieta Leite. São Paulo: Cosac Naify., p. 195).

A resposta do antropólogo está baseada no fato de que a coacessibilidade entre humanos e animais é universal na mitologia ameríndia. Conforme pondera Eduardo Viveiros de Castro, “a humanidade nunca se conformou por ter perdido essa transparência com as demais formas de vida, e os mitos são uma espécie de nostalgia da comunidade perdida” (2010, p. 26). Ainda que no mito as divindades tenham produzido as diferentes espécies de seres, a consciência e a cultura continuam não sendo exclusividade dos humanos; os animais possuem “uma intencionalidade ou subjetividade formalmente idêntica à consciência humana, materializável, digamos assim, em um esquema corporal humano oculto sob a máscara animal” (Castro, 2002CASTRO, Eduardo Viveiros de (2002). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify., p. 351).

Isso significa que o corpo (natureza) é o que distingue os seres, enquanto a alma (cultura) aquilo que as une: “Uma só ‘cultura’, múltiplas ‘naturezas’”, diz a famosa máxima de Viveiros de Castro sobre o multinaturalismo, ou seja, sobre a concepção ameríndia que supõe a cultura como universal e a natureza como forma do particular. Ao contrário do pensamento ocidental, que supõe uma dualidade ontológica entre natureza e cultura; para o pensamento ameríndio, há uma continuidade entre estas duas esferas, justamente porque os seres naturais são dotados de disposições humanas e características sociais (Castro, 2000CASTRO, Eduardo Viveiros de (2000). Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. In: ALLIEZ, Éric (Org.). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: 34., p. 428). Dessa maneira, o sangue é cauim (cerveja de mandioca) para a onça, a lama é um salão cerimonial para as antas, os vermes sobre a carne podre são caça temperada com pimenta para os urubus, e por aí afora. Em Poesia.br, lemos um canto bororo de caçada das antas que deixa evidente essa indecidibilidade entre natureza e cultura. Vejamos um trecho da tradução de Sérgio Medeiros:

Anta, dona anta, que bela é tua coroa de penas! Anta, dona anta, que belo é teu colar de plumas! Anta, dona anta, que bela é tua pintura de barro claro! Anta, dona anta, que belo é teu chocalho na canela! (Bororo apud Cohn, 2012COHN, Sergio (Org.) (2012). Poesia.br: cantos ameríndios. Rio de Janeiro: Beco do Azougue., p. 20).

Aquilo que no Ocidente é considerado instinto, natureza, no canto bororo aparece como elementos da cultura das antas, enfeites, vestimentas, pinturas. E é porque são dotadas de valores estéticos que é preciso saber seduzi-las para poder caçá-las, conta o xamã yanomami Davi Kopenawa:

Os xamãs daquele tempo também me adornaram com os enfeites do espírito anta, para que eu me tornasse um grande caçador. Pois quando um rapaz usa esses objetos preciosos, as antas se apaixonam por ele. Preferem-no a qualquer outro. Quando o veem andando na floresta, pensam: “que caçador magnífico! Está à minha procura, devo ir em sua direção”. Sem isso, nenhuma anta iria se deixar flechar com tanta facilidade, só para aplacar a fome de carne dos anciãos! (Kopenawa; Albert, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce (2015). A queda do céu. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras., p. 96).

Lógica semelhante à Yanomami parece funcionar no canto Bororo traduzido por Medeiros, pois, após os caçadores anunciarem sua chegada e elogiarem as partes dos corpos das antas, suas patas, quartos, fronte, dorso, unhas, peito, lábios, orelhas, cabeças, as antas reconhecem que seu choro está nas cores, nos enfeites, no colar, nas penas, na coroa, nos cabelos do caçador, mas ao mesmo tempo ficam encantadas com a beleza ameaçadora de suas flechas:

As flechas dele são tão belas como um dourado. As flechas dele são tão belas como uma flor. As flechas dele são tão belas como uma arara. As flechas dele são tão belas como um gavião. As flechas dele são tão belas como um gavião. As flechas dele são tão belas como um gavião. As flechas dele são fatais como uma cascavel. As flechas dele são tão belas como um gavião. (Bororo apud Cohn, 2012COHN, Sergio (Org.) (2012). Poesia.br: cantos ameríndios. Rio de Janeiro: Beco do Azougue., p. 20).

Se as antas são capazes de um ponto de vista, se possuem consciência, intencionalidade, perspectiva, é porque a caça é uma relação social entre diferentes espécies, e não uma mera relação de poder ou dominação.

Se tudo é humano, nós não somos especiais; esse é o ponto. E, ao mesmo tempo, se tudo é humano, cuidado com o que você faz, porque, quando corta uma árvore ou mata um bicho, você não está simplesmente movendo partículas de matéria de um lado para o outro, você está tratando com gente que tem memória, se vinga, contra-ataca, e assim por diante. Como tudo é humano, tudo tem ouvidos, todas as suas ações têm consequências (Castro, 2010CASTRO, Eduardo Viveiros de (2010). Antropologia renovada. Revista Cult, São Paulo, ano 13, n. 153, dez., p. 26).

Conforme explica o xamã yanomami Davi Kopenawa, os animais de caça são antepassados que um dia foram humanos:

No primeiro tempo, quando a floresta estava ainda jovem, nossos antepassados eram humanos com nomes de animais e acabaram virando caça. São eles que flechamos e comemos hoje. Mas suas imagens não desapareceram e são elas que agora dançam para nós como espíritos xapiripë. Estes antepassados são verdadeiros antigos. Viraram caça há muito tempo mas seus fantasmas permanecem aqui (Kopenawa, 2000KOPENAWA, Davi (2000). Sonhos das origens. In: ISA - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos indígenas no Brasil (1996-2000). São Paulo: ISA. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/xFwFj8 >. Acesso em: 11 nov. 2017.
https://goo.gl/xFwFj8...
).

São essas imagens que assombram Davi Kopenawa na adolescência, quando, após uma caçada malsucedida em que quase é atropelado por uma vara de queixadas, fica doente: “no meio da noite comecei a me sentir muito mal. Acordei sobressaltado e, de repente, vi tudo a minha volta com olhos de fantasma. Comecei a vomitar. Então, pensei: ‘Os queixadas são ancestrais mesmo! Fui atacado por suas imagens e são elas que me deixam doente!’” (Kopenawa e Albert, 2015, p. 104). Kopenawa ficou doente porque ainda não era um xamã (era um adolescente), somente o xamã é capaz de trocar de perspectivas com outras espécies e voltar, ver o mundo pelos olhos dos animais e retornar à sua posição de sujeito, retomar a sua própria humanidade. Ao cruzar um animal na floresta e responder ao tu proferido por este outro ser, o índio que não é xamã reconhece nele a condição de pessoa e perde o ponto de vista dominante, ou seja, seu mundo não é mais o que está em vigor; o sujeito perde sua alma, fica doente e, se não receber tratamento xamanístico, acaba virando outro de si mesmo (Castro, 2002CASTRO, Eduardo Viveiros de (2002). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify., p. 397).

Porque é capaz de ver pelo ponto de vista do outro é que o xamã se torna, segundo a expressão de Viveiros de Castro, um “diplomata cósmico” dedicado “à tradução entre pontos de vista ontologicamente heterogêneos” (2006, p. 320), administrando, assim, as relações entre os humanos e os não humanos. No momento da transmutação de perspectivas, o xamã se torna um igual do animal que acompanha: “O jaguar é meu parente verdadeiro. Meu corpo verdadeiro é jaguar. Há pelos em meu corpo verdadeiro”, diz o xamã wari’ Orowam à antrópologa Aparecida Vilaça ecoando o sobrinho do Iauaretê no famoso conto de Guimarães Rosa (2001ROSA, João Guimarães (2001). Meu tio o Iauaretê. In: ROSA, João Guimarães. Estas estórias. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.). Conforme explica a antropóloga, para os Wari’, “o xamã se torna animal, e é como animal que adota a perspectiva dos seres humanos”. Ele passa a ver os outros Wari’ como karawa, isto é, como não humanos. Dessa forma, ele permite a todos da sociedade “a experiência, indireta, de um outro ponto de vista, o ponto de vista do inimigo”. O que acontece é uma dupla inversão: “um homem destaca-se do grupo tornando-se animal e adotando um ponto de vista humano (wari’) para que o resto do grupo, permanecendo humano (Wari’), possa adotar o ponto de vista do animal”. Trata-se, conclui ela, de uma reflexão profunda sobre a humanidade, pois só nesta situação constantemente instável, “arriscando-se a viver sempre na fronteira entre o humano e o não humano”, sabendo o que é ser karawa, é que os Wari podem experimentar o que é realmente ser humano (Vilaça, 2000VILAÇA, Aparecida (2000). O que significa tornar-se outro? Xamanismo e contato interétnico na Amazônia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, n. 4, p. 56-72.).

É como se a ontologia Wari antecipasse e colocasse em prática a lição derridiana de que é ao outro que se deve fazer a pergunta sobre quem somos,5 5 “Quem sou eu então? Quem é este que eu sou? A quem perguntar, senão ao outro? E talvez ao próprio gato?” (Derrida, 2002, p. 18). pois só chegamos a uma consciência de nós mesmos através de outros seres viventes, humanos ou animais. De acordo com o filósofo, o ponto de vista do animal manifesta “a verdade nua de todo olhar”, trazendo questões que

engajam um pensamento do que quer dizer viver, falar, morrer, ser e mundo como ser-no-mundo ou ser-ao-mundo, ou ser-com, ser-diante, ser-atrás, ser-depois, ser e seguir, ser seguido ou estar seguindo, lá onde eu estou, de uma maneira ou de outra, mas irrecusavelmente, perto do que chamam o animal. É muito tarde para negá-lo, ele terá estado aí antes de mim, que estou depois dele. Depois e perto do que chamam o animal e com ele - queiramos ou não, e o que quer que façamos da coisa (Derrida, 2002DERRIDA, Jacques (2002). O animal que logo sou. Tradução de Fábio Landa. São Paulo: Editora da Unesp., p. 29).

Essa citação de Derrida nos remete ao pensamento de Jean-Luc Nancy, para quem o ser não pode ser outra coisa senão o ser-uns-com-os-outros, circulando no com e pelo com da coexistência singularmente plural. Daí que, para o autor de Ser singular plural, o homem está no mundo porque o mundo é sua própria exterioridade, o mundo é o não humano ao qual o humano se expõe.

Não seríamos “homens” se não houvessem “cachorros” e “pedras”. A pedra é a exterioridade da singularidade no que haveria que chamar sua literalidade mineral, ou mecânica. Mas eu tampouco seria “homem” se não tivesse “em mim” esta exterioridade como a quase-mineralidade do osso - é dizer, se eu não fosse um “corpo”, um espaçamento de todos os outros corpos e de “mim” em “mim” (Nancy, 2006NANCY, Jean-Luc (2006). Ser singular plural. Tradução de Antonio Tudela Sancho. Madrid: Arena Libros., p. 34).

Os mitos tratam de um tempo arcaico, no qual homens e animais se compreendiam, mas tratam também da permanência de uma indecidibilidade entre humano e inumano e da potencialidade dos devires no presente, já que a diferença entre as espécies não são intransponíveis e os seres são contíguos. Os xamãs continuam sendo “diplomatas cósmicos” e a ideia de variação, alteração, transformação, a “noção de que todo existente se define exaustivamente como variante de um outro, de que toda forma é o resultado de uma metamorfose, toda ‘propriedade’ um ‘roubo’” (Castro, 2012CASTRO, Eduardo Viveiros de (2012). “Transformação” na antropologia, transformação da “antropologia”. Mana, Rio de Janeiro, v.18, n.1, p. 151-171, abr. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/mana/v18n1/a06v18n1.pdf >. Acesso em: 11 nov. 2017.
http://www.scielo.br/pdf/mana/v18n1/a06v...
, p. 159), continua sendo fundamental para o pensamento ameríndio. Não há essência possível, próprio e impróprio perdem sua consistência, se misturam. No melhor estilo a “posse contra a propriedade”6 6 Alexandre Nodari vê nesse sintagma repetido inúmeras vezes ao longo da Revista de antropofagia e título de um capítulo de “A revolução melancólica” (primeiro volume do romance Marco Zero, de Oswald de Andrade), o princípio norteador do direito antropofágico (Nodari, 2007). ou “só me interessa o que não é meu” oswaldiano (Andrade, 1990ANDRADE, Oswald de (1990). A utopia antropofágica. São Paulo: Globo., p. 47), o interior é possuído por aquilo que lhe é impróprio.

Na comunicação “Um aspecto antropofágico da cultura brasileira: o homem cordial” - apresentada no Primeiro Congresso Brasileiro de Filosofia, em março de 1950 em São Paulo, e publicada em A utopia antropofágica (1990) -, Oswald de Andrade defende que a alteridade é um dos sinais remanescentes de nossa cultura matriarcal, pois esta “compreende a vida como devoração e a simboliza no rito antropofágico, que é comunhão” (Andrade, 1990ANDRADE, Oswald de (1990). A utopia antropofágica. São Paulo: Globo., p. 159). Se, no “homem cordial” de Sérgio Buarque de Hollanda, mais que solidariedade ou identificação, trata-se de uma percepção do sujeito como inserido num todo maior, reduzido à parcela social, como um pavor em viver consigo mesmo, é justamente porque nas sociedades matriarcais, a solidariedade é o valor mais importante, em oposição às sociedades patriarcais, em que a propriedade desenvolve o sentimento de individualidade. Por isso, defende ele, no manuscrito “O antropófago”, publicado em Estética e política, que enquanto nas sociedades patriarcais o eixo da vida é a herança que cria formas fixas, nas sociedades matriarcais a lei é o movimento, a exogamia é seu destino (1992, p. 242).

Isso fica muito claro no exemplo Tupinambá, que partia de uma incompletude ontológica essencial da socialidade e da humanidade. Ali, a identidade era subordinada à diferença e o interior ao exterior. O devir e a relação prevaleciam sobre o ser e a substância. Para os Tupinambá, o fundamento da sociedade era a relação com o outro, não a coincidência consigo mesmo, mas o desejo de ser o outro, a incorporação do outro, a saída de si, um devir-outro. Isso explica, inclusive, por que os conquistadores foram acolhidos e incorporados em sua mitologia, “como se nela já existisse um lugar vazio à sua espera”, avalia Viveiros de Castro (2002CASTRO, Eduardo Viveiros de (2002). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify., p. 34). Segundo ele, a guerra mortal aos inimigos, a hospitalidade aos europeus, a vingança canibal são todas formas de absorver o outro e alterar-se, transfigurar-se. Nesse sentido, cabe lembrar que uma reclamação constante entre os primeiros europeus que aqui estiveram era a inconstância da alma selvagem (daí o título do fundamental livro de ensaios do antropólogo) - “Il selvaggio è mobile” diziam os missionários dos mil e quinhentos (Castro, 2002CASTRO, Eduardo Viveiros de (2002). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify., p. 185). Enquanto estes acreditavam - como ainda acredita o Ocidente - que “toda sociedade tende a perseverar no seu próprio ser” e que a cultura, através da memória e da tradição, é a forma reflexiva deste ser, seu “mármore identitário”; para os ameríndios, a identidade não é concebida como uma fronteira a ser defendida, mas como um nexo de reflexões (Castro, 2002CASTRO, Eduardo Viveiros de (2002). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify., p. 195-196).

De acordo com a antropóloga Aparecida Vilaça, visto que, para os ameríndios, “a anulação da diferença tem como consequência a paralisia da ‘máquina do universo’” (2010, p. 36) é preciso se apropriar, digerir e incorporar a alteridade para depois reconstituí-la, isto é, mais que um gosto pelo Outro, trata-se de uma necessidade dele, pois, segundo ela, o ser só existe na memória do outro, da mesma forma que a memória da sociedade está no inimigo (Vilaça, 2010VILAÇA, Aparecida (2010). O gosto pelo outro - Lévi-Strauss e os índios. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 45, n. 270, maio.). Em História de lince, Lévi-Strauss explica que as fontes filosóficas e éticas dos ameríndios se inspiram numa abertura para o outro;7 7 “Creio que hoje é possível remontar às fontes filosófica e ética do dualismo ameríndio. Ele se inspira, parece-me, numa abertura ao outro que se manifestou com toda a clareza quando dos primeiros contatos com os brancos, embora estes fossem animados de disposições bem contrárias. Reconhecer isso, quando nos preparamos para comemorar o que, em vez de descoberta, eu chamaria de invasão do Novo Mundo, a destruição desses povos e de seus valores, é realizar um ato de contrição e piedade” (Lévi-Strauss, 1993, p. 14). afinal, a alteridade, a exterioridade é o que constitui a sociedade. Nesse sentido é que não há rosto sem o outro, nos informa Josely Vianna Baptista, em seu poema de letras garrafais inspirado nos cantos mbyá-guarani.

NENHUM GESTO SEM PASSADO NENHUM ROSTO SEM O OUTRO (Baptista, 2011BAPTISTA, Josely Vianna (2011). Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify., p. 109).

Essa contiguidade entre mesmidade e alteridade é mais um aspecto da contemporaneidade desses cantos, afinal, ao contrário dos ideais de tradição ocidentais, que propõem excluir a diferença, os mitos carregam uma ontologia que tem como valor fundamental a abertura ao outro e não a identidade, o devir e não a fixidez. Questões absolutamente contemporâneas da filosofia ocidental, como vimos com Derrida e Nancy, e como podemos ver com Gilles Deleuze e Félix Guattari, que propõem pensarmos o eu não como ser uno, fixo em uma identidade, mas como um “devir entre multiplicidades”, um ser incompleto, que se realiza justamente no contato com o outro.

Uma das inúmeras consequências políticas dessa abertura ao outro ameríndia é que, uma vez que o Estado existe para regular a relação (ou melhor, a mercantilização) entre indivíduos proprietários, as sociedades sem propriedade, não (indivi)dualistas ou identitárias, que não perseveram no ser e que prezam pela troca, pela transmutação de perspectivas, não precisam do Estado, ou melhor, nos ensina Pierre Clastres, são contra ele:

A ausência do Estado nas sociedades primitivas não é uma falta, não é porque elas estão na infância da humanidade e porque são incompletas, ou porque não são suficientemente grandes, ou porque não são adultas, maiores, é simplesmente porque elas recusam o Estado em sentido amplo, o Estado definido em sua figura mínima, que é a relação de poder (Clastres, 2003CLASTRES, Pierre (2003). A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify., p. 236).

São, portanto, sociedades sem história, na acepção deleuze-guattariana do termo, ou seja, sociedades de devir, sociedades que, em sua busca pelo ponto de vista do outro, não se fecham numa história, não se fixam numa identidade; antes se abrem ao outro, à multiplicidade.

As sociedades ditas sem história colocam-se fora da história, não porque se contentariam em reproduzir modelos imutáveis ou porque seriam regidas por uma estrutura fixa, mas sim porque são sociedades em devir [...]. Só há história de maioria, ou de minorias definidas em relação à maioria (Deleuze e Guattari, 2008DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (2008). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. 4. reimpressão. São Paulo: 34. v. 3., p. 89).

Só há história onde há história da maioria ou das lutas das minorias diante da maioria, ou seja, só há história onde há história da luta de classes. Por isso a história dos povos sem história é, nos demonstrou Clastres, a história da sua luta contra o Estado. É a partir disto que Viveiros de Castro compara, no posfácio da segunda edição brasileira de outro livro de Clastres, Arqueologia da violência, o conceito de “sociedade contra o Estado” com o de “sociedade fria”, de Lévi-Strauss: “a primeira é contra o Estado pelas mesmas razões que fazem a segunda ser contra a História” (Castro, 2011CASTRO, Eduardo Viveiros de (2011). O intempestivo, ainda. In: CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência. Tradução de Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify., p. 302). Aliás, o próprio Lévi-Strauss explica que os conceitos de “sociedade quente” ou “sociedade fria” se referem a uma atitude subjetiva das diferentes sociedades em relação a sua história:

Quando falamos de sociedade “primitiva”, colocamos aspas para que saibam que o termo é impróprio e que nos é imposto pelo costume. Entretanto, em certo sentido, ele é adequado: as sociedades que chamamos “primitivas” não o são de maneira alguma, mas gostariam de sê-lo. Sonham-se primitivas, porque seu ideal seria permanecer no estado em que os deuses ou os ancestrais as criaram no início dos tempos (Lévi-Strauss, 2005LÉVI-STRAUSS, Claude (2005). De perto e de longe. Tradução de Léa Mello e Julieta Leite. São Paulo: Cosac Naify., p. 177).

Segundo Lévi-Strauss, estas sociedades se iludem, pois não escapam à história mais do que as outras. O que muda é que, enquanto as sociedades frias desconfiam dessa história, as sociedades quentes, como a nossa, reconhecem a história, prestam-lhe culto, de forma a legitimar ou criticar a sociedade em que vivemos e orientá-la ao futuro. Nós interiorizamos nossa história, fazemos dela um elemento de nossa consciência moral (Lévi-Strauss, 2005LÉVI-STRAUSS, Claude (2005). De perto e de longe. Tradução de Léa Mello e Julieta Leite. São Paulo: Cosac Naify., p. 177). Essa história que cultuamos é a história do Estado e do engendramento das classes que o Estado opera, da divisão entre os que comandam e os que obedecem, entre os que têm o poder e os que se submetem a ele.

As sociedades contra o Estado são aquelas que impedem a diferença hierárquica, visto que nelas o campo do político está fora de toda coerção e violência, de toda relação de comando-obediência. Isso não significa que sejam sociedades sem poder, pois, na análise de Clastres, o poder político é universal e imanente ao social; significa apenas que este poder se realiza como não coercitivo. Segundo ele, as sociedades com poder coercitivo seriam sociedades históricas, enquanto as com poder político não coercitivo as sem história, visto que a história nada mais é do que a passagem do poder político de um a outro (Clastres, 2003, p. 37).

Essa não coerção se evidencia na falta de estratificação social e de autoridade do poder nas organizações políticas da maioria das sociedades indígenas. De maneira geral, o chefe é definido não por seus direitos de dominação, mas por suas obrigações. “O chefe não traduz senão sua dependência com relação ao grupo, e a obrigação que ele tem de manifestar a cada instante a inocência de sua função”, conta Clastres. A própria fala do chefe é um dever sem direitos; trata-se de uma fala obrigatória, mas vazia, um ato ritualizado. “A palavra do chefe não é dita para ser escutada”, ninguém presta atenção em seu discurso (Clastres, 2003, p. 171). E, segundo Clastres, não se perde nada por não escutá-lo, pois seu discurso é sempre uma repetida celebração prolixa das normas de vida tradicional, um discurso vazio, sem poder, sem força de lei, no extremo oposto da violência. “O dever da palavra do chefe, esse fluxo constante de palavra vazia que ele deve à tribo, é a dívida infinita, a garantia que proíbe que o homem de palavra se torne homem de poder” (Clastres, 2003, p. 171).

Interessante perceber a proximidade entre essa análise que Clastres faz da palavra do chefe guarani com a assertiva de Maurice Blanchot sobre o espaço literário como um lugar estranho a todo mando e a toda servidão, uma linguagem que fala “somente àquele que não fala para ter ou para poder, para saber e possuir, para se tornar mestre e mestre de si mesmo, isto é, a um homem muito pouco homem. É certamente uma busca difícil, embora estejamos, pela poesia e pela experiência poética, no rumo dessa busca” (Blanchot, 2005BLANCHOT, Maurice (2005). O livro por vir. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes . , p. 46). A comparação quem faz é o próprio Clastres:

bem distante de todo exotismo, o discurso ingênuo dos selvagens nos obriga a considerar o que poetas e pensadores são os únicos a não esquecer: que a linguagem não é um simples instrumento, que o homem pode caminhar com ela, e que o Ocidente moderno perde o sentido de seu valor pelo excesso de uso a que a submete. A linguagem do homem civilizado tornou-se completamente exterior a ele, pois é para ele apenas um puro meio de comunicação e informação. A qualidade do sentido e a quantidade dos signos variam em sentido inverso. As culturas primitivas, ao contrário, mais preocupadas em celebrar a linguagem do que em servir-se dela, souberam manter com ela essa relação interior que é já em si mesma aliança com o sagrado (Clastres, 2003CLASTRES, Pierre (2003). A sociedade contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify., p. 143).

É também por essa forma de lidar com a linguagem que a literatura - enquanto literatura menor, revolucionária -8 8 “Vale dizer que ‘menor’ não qualifica mais certas literaturas, mas as condições revolucionárias de toda literatura no seio daquela que chamamos de grande (ou estabelecida)” (Deleuze e Guattari, 1977, p. 28). aproxima-se da poética ameríndia. Ambas funcionam como máquinas de guerra contra o Estado, máquinas que não podem ser apreendidas no mundo da representação, máquinas que pensam a linguagem não mais instrumentalmente, mas como puro meio sem fim. Esse caráter indomável é o que aproxima essa literatura menor do pensamento selvagem, não o pensamento dos selvagens nem o de uma humanidade primitiva e arcaica, mas, como diz Lévi-Strauss (1989)LÉVI-STRAUSS, Claude (1989). O pensamento selvagem. Tradução de Tânia Pellegrini. Campinas: Papirus., um pensamento em estado selvagem, não domesticado ou cultivado, que não visa um rendimento, uma função.

Em seu devir-minoritário, a literatura não funda uma nação ou estabelece uma identidade nacional; pelo contrário, a força dessa literatura está nos afetos que a atravessam, na nebulosidade das fronteiras, nas metamorfoses, nos devires, nos saltos intensivos, nas linhas de fuga, na abertura da história que promove. Nesse sentido, é urgente nos determos nesses devires, prestarmos atenção nessas linhas de fuga, “escovarmos a história à contrapelo” (Benjamin, 1994BENJAMIN, Walter (1994). Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense.), tanto a história literária quanto a história brasileira como um todo, vê-las por um ponto de vista anacrônico (Didi-Huberman, 2003DIDI-HUBERMAN, Georges (2003). O anacronismo fabrica a história: sobre a inatualidade de Carl Einstein. Tradução de Maria Ozomar Ramos Squeff. In: ZIELINSKY, Mônica (Ed.). Fronteiras: arte, crítica e outros ensaios. Porto Alegre: Editora da UFRGS.), capaz de voltar ao passado para transformar o presente e para se dirigir ao futuro que não o do progresso do agronegócio e o da catástrofe indígena, mas o da ruptura real com essa lógica genocida, porque não apenas não há gesto sem passado, como também não há rosto sem o outro.

Referências

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  • 2
    “Está efetivamente se passando um devir-índio, local como global, particular como geral, um incessante redevir-índio que vai tomando de assalto setores importantes da "população" brasileira de um modo completamente inesperado. Este é um dos acontecimentos políticos mais importantes que testemunhamos no Brasil de hoje, e que vai contaminando aos poucos muitos outros povos brasileiros além dos povos indígenas” (Danowski e Castro, 2014DANOWSKI, Déborah; CASTRO, Eduardo Viveiros de (2014). Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Desterro: Cultura e Barbárie., p. 157).
  • 3
    “‘Povo’ só (r)existe no plural – povoS. Um povo é uma multiplicidade singular, que supõe outros povos, que habita uma terra pluralmente povoada de povos” (Castro, 2016CASTRO, Eduardo Viveiros de (2016). Os involuntários da pátria. São Paulo: n-1. (Série Pandemia)., p. 11).
  • 4
    Barthes considera o xamã das sociedades primitivas uma alternativa ao autor positivista, enquanto perda de origem da voz no texto: “nas sociedades etnográficas, a narrativa nunca é assumida por uma pessoa, mas por um mediador, xamã ou recitante, de quem, a rigor, se pode admirar a performance (isto é, o domínio do código narrativo), mas nunca o ‘gênio’” (Barthes, 2004BARTHES, Roland (2004). O rumor da língua. Prefácio de Leyla Perrone-Moisés. Tradução de Mario Laranjeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes., p. 58).
  • 5
    “Quem sou eu então? Quem é este que eu sou? A quem perguntar, senão ao outro? E talvez ao próprio gato?” (Derrida, 2002, p. 18).
  • 6
    Alexandre Nodari vê nesse sintagma repetido inúmeras vezes ao longo da Revista de antropofagia e título de um capítulo de “A revolução melancólica” (primeiro volume do romance Marco Zero, de Oswald de Andrade), o princípio norteador do direito antropofágico (Nodari, 2007NODARI, Alexandre (2007). A posse contra a propriedade: pedra de toque do direito antropofágico. 2007. Dissertação (Mestrado em Literatura) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.).
  • 7
    “Creio que hoje é possível remontar às fontes filosófica e ética do dualismo ameríndio. Ele se inspira, parece-me, numa abertura ao outro que se manifestou com toda a clareza quando dos primeiros contatos com os brancos, embora estes fossem animados de disposições bem contrárias. Reconhecer isso, quando nos preparamos para comemorar o que, em vez de descoberta, eu chamaria de invasão do Novo Mundo, a destruição desses povos e de seus valores, é realizar um ato de contrição e piedade” (Lévi-Strauss, 1993LÉVI-STRAUSS, Claude (1993). História de lince. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras., p. 14).
  • 8
    “Vale dizer que ‘menor’ não qualifica mais certas literaturas, mas as condições revolucionárias de toda literatura no seio daquela que chamamos de grande (ou estabelecida)” (Deleuze e Guattari, 1977DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1977). Kafka: por uma literatura menor. Tradução de Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Imago., p. 28).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2017
  • Aceito
    17 Jul 2017
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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