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Cifras da língua: a poética e o desbabelizar de Antonia Torreão Herrera

Language ciphers: the poetics and debabelization of Antonia Torreão Herrera

Cifras del lenguaje: la poética y la desbabelización de Antonia Torreão Herrera

Resumo

O presente texto, Cifras da língua: a poética e o desbabelizar de Antonia Torreão Herrera, versa sobre uma análise do livro-poema Babel, de Antonia Torreão Herrera (2020)HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba .. A partir do perfil múltiplo intelectual de Antonia Torreão Herrera, busca-se discutir como a reflexão teórica sobre a língua se constrói na escrita poética de Babel. Assim, o objetivo é discutir como a poética de Antonia Torreão Herrera entrelaça suas reflexões teóricas e poéticas para possibilitar uma escrita que desloca os sentidos da língua e do fazer artístico, buscando uma ética democrática do saber e da arte. Dessa forma, será utilizado o conceito de “técnica de si” de Michel Foucault, no intuito de pensar o processo de criação de uma intelectual múltipla. A discussão principal versará sobre o termo “desbabelizarm”, partindo de uma reflexão teórica sobre a língua e a sua configuração ao utilizar os conceitos de suplemento de Jacques Derrida e dos pensamentos Jacques Rousseau e Jean Starobinski, assim como o conceito de grau-zero de Roland Barthes. Para Herrera, o grau-zero é a própria literatura, a língua enquanto pertencimento e dilaceramento. Assim, será possível interpretar as imagens e as cifras do projeto criativo de Babel, delimitando as coordenadas que sustentam os mecanismos de trituração das referências artísticas e do texto poético, possibilitando um pulsar criativo da vida através da própria língua.

Palavras-chave:
Babel; Antonia Torreão Herrera; língua

Abstract

The present text, Cifras da lingua: the poetics and debabelizing of Antonia Torreão Herrera, deals with an analysis of the book-poem Babel, by Antonia Torreão Herrera (2020)HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba .. Based on the multiple intellectual profile of Antonia Torreão Herrera, we seek to discuss how the theoretical reflection on language is built-in Babel's poetic writing. Thus, the objective is to discuss how the poetics of Antonia Torreão Herrera intertwines her theoretical and poetic reflections to enable writing that displaces the senses of language and artistic practice, seeking democratic ethics of knowledge and art. Thus, Michel Foucault's concept of “self technique” will be used, to think about the process of creating a intellectual mulitple. The main discussion will focus on the term “debabelize”, starting from a theoretical reflection on the language and its configuration using the supplement concepts of Jacques Derrida and the thoughts of Jacques Rousseau and Jean Starobinski, as well as the concept of zero-degree of Roland Barthes. For Herrera, degree-zero is literature itself, language as belonging and tearing. Thus, it will be possible to interpret the images and figures of Babel's creative project, delimiting the coordinates that support the mechanisms for grinding artistic references and poetic text, enabling a creative pulse of life through the language itself.

Keywords:
Babel; Antonia Torreão Herrera; language

Resumen

El presente texto, Cifras de la lengua: la poética y el libertinaje de Antonia Torreão Herrera, trata de un análisis del libro-poema Babel, de Antonia Torreão Herrera (2020)HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba .. Partiendo del perfil intelectual múltiple de Antonia Torreão Herrera, buscamos discutir cómo se construye la reflexión teórica sobre el lenguaje en la escritura poética de Babel. Así, el objetivo es discutir cómo la poética de Antonia Torreão Herrera entrelaza sus reflexiones teóricas y poéticas para posibilitar una escritura que desplaza los sentidos del lenguaje y la práctica artística, buscando una ética democrática del conocimiento y el arte. Así, se utilizará el concepto de Michel Foucault de “la técnica del yo”, para pensar en el proceso de creación de un intelectual múltiple. La discusión principal se centrará en el término “debabelizar”, partiendo de una reflexión teórica sobre el lenguaje y su configuración utilizando los conceptos suplementarios de Jacques Derrida y el pensamiento de Jacques Rousseau y Jean Starobinski, así como el concepto de grado cero de Roland Barthes. Para Herrera, el grado cero es la literatura misma, el lenguaje como pertenencia y desgarro. Así, será posible interpretar las imágenes y figuras del proyecto creativo de Babel, delimitando las coordenadas que sustentan los mecanismos de molienda de referencias artísticas y textos poéticos, posibilitando un pulso creativo de vida a través del propio lenguaje.

Palabras-clave:
Babel; Antonia Torreão Herrera; lengua

O abutre ronda, ansioso pela queda Findo mágoa, mano, eu sou mais que essa merda Corpo, mente, alma, um, tipo Ayurveda Estilo água eu corro no meio das pedra Na trama, tudo os drama turvo, eu sou um dramaturgo Conclama a se afastar da lama, enquanto inflama o mundo Sem melodrama, eu busco grana, isso é hosana em curso Capulanas, catanas, buscar nirvana é o recurso Emicida

Cifrar é um verbo transitivo direto, isto é, precisa de um complemento, de uma soma, de uma suplementação do sentido. O significado do verbo - tornar algo secreto, codificar uma mensagem - mistura-se com a sua transitividade, denunciando que é sempre preciso um outro para decifrar a língua. Antonia Torreão Herrera (2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba .), em seu livro-poema Babel, versa sobre a poética e o desbabelizar da língua a partir das cifras que se encenam no mito da Torre de Babel. Ainda que seja uma escritora recente, Antonia Torreão Herrera possui um trabalho profícuo e longínquo com a literatura. É professora, teórica e crítica. Em 2020, foi comemorado seu Jubileu de cinquenta anos de trabalho como professora e pesquisadora na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Neste evento, com a presença dos seus pares e do reitor da UFBA, João Carlos Sales, foi celebrado o labor acadêmico de Antonia Torreão Herrera com as oficinas de Criação Literária, por meio das quais continuou o trabalho de Judith Grossman, sendo uma das pioneiras com as oficinas de criação literária em todo o Brasil. Os procedimentos do escritor atuando no discurso e criando enlaces e filiações estão no cerne do seu trabalho em Babel.

O mito da Torre de Babel é o motivo do poema. Herrera constrói imagens e joga com a língua para falar da (in)comunicabilidade como potencial de construção e destruição da palavra. Assim, busco discutir como Antonia Torreão Herrera tece reflexões teóricas e poéticas em um fazer literário que questiona os sentidos da língua. Como a própria autora afirma, Babel é o reino inconcluso da palavra. Dessa forma, o desejo de interpretar e interpelar as imagens poéticas e os mecanismos de trituração do mundo move a leitura do livro e o decifrar que compõe este artigo.

Poética do desbabelizar

Babel é um texto múltiplo - assim como sua autora, Antonia Torreão Herrera (2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba .). Ela define a sua obra literária como um “texto reflexivo-teórico-poético. Professora titular de Teoria da Literatura da Universidade Federal da Bahia e coordenadora do grupo O escritor e seus múltiplos: migrações, Herrera define Babel a partir da própria prática enquanto docente, pesquisadora e poeta, isto é, múltipla. Assim, consciente dos entrelaçamentos dramáticos do próprio eu, Herrera especifica, em seu próprio texto, que produzirá um manifesto artístico, teórico e ético sobre a língua. O texto é divido em dez cantos. Cada parte é apresentada com uma epígrafe de um autor que faz transbordar o afeto de Herrera pela literatura, assim como pelas suas filiações literárias: Dante, Franz Kafka, Camões, Jorge de Lima, Myriam Fraga, Emicida, João Cabral de Mello Neto, Cecília Meireles, Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Cada palavra é escolhida com o cuidado de uma professora generosa, de uma teórica inventiva e de uma artista que deseja o pulsar da língua. E, por isso, ele é reflexivo, teórico, mas, antes de tudo, poético. Herrera é uma escritora múltipla: teórica, docente e escritora. Ela entrelaça técnicas de si1 1 Michel Foucault (2004) propõe-se a pensar na Aula de 3 de março de 1982, texto integrante do livro Hermenêutica do sujeito, o termo denominado “técnica de si”. O autor, retomando o pensamento pré-socrático sobre o “cuidar de si” e a “meditação”, procura analisar as práticas cotidianas que se relacionam à ética e à estética da produção de si, em suas múltiplas facetas. Isto é, como os sujeitos podem ter uma ação transformadora na produção e construção da sua singularidade, mesmo inseridos em um sistema de poder e saber. Foucault denomina essa produção de si como potência, “técnicas de si”, o que pode ser traduzido como um exercício para perceber os processos de produção do sujeito e, assim, assumir uma atitude ativa em relação aos jogos de poder e saber, buscando estratégias para pensar a construção da própria singularidade. O teórico realiza uma reflexão sobre o pensamento filosófico e artístico, discutindo a apropriação destes no sentido de criar uma dobra e uma fissura nas produções institucionalizadas do sujeito. Essa construção do sujeito relaciona-se intimamente às tecnologias, às formas e aos exercícios da leitura e da escrita. É como afirma: “A escrita é, assim, um elemento de exercício, e um elemento de exercício que traz a vantagem de ter dois usos possíveis e simultâneos. Uso, em certo sentido, para nós mesmos. É escrevendo, precisamente, que assimilamos a própria coisa na qual se pensa” (Foucault, 2004, p. 432). A leitura e a escrita são técnicas de produção da singularidade. Essas técnicas também podem ser utilizadas dentro da ordem do discurso do saber e do poder. As mesmas técnicas servem para a reflexão ativa sobre a construção do sujeito, abrindo a possibilidade de escolher de que se apropriar a partir da leitura e da escrita e, assim, provocar uma ruptura nessas lógicas. O autor desenvolve a noção de escrita de si como uma dessas técnicas, como também a parrhesía, palavra grega que significa o poder do discípulo de subverter, em seu silêncio fecundo, o pensamento ensinado, apropriando-se deste para construir sua singularidade. à sua própria obra, subvertendo a lógica dessas subjetividades na própria escrita. Assim, busco discutir, neste artigo, como o fazer literário de Antonia Torreão Herrera entrelaça suas reflexões teóricas e poéticas para possibilitar uma escrita que desloca os sentidos da língua e do fazer artístico, buscando uma ética democrática do saber e da arte.

No CANTO VIII, Herrera define a sua própria obra. A autora constrói e denuncia uma reflexão sobre o processo metalinguístico do texto, em que discorre sobre a enfermidade de uma escrita teórica, acadêmica, nem sempre nos sopros criativos e disruptivos da arte: “Falo da fala na escrita: texto reflexivo-teórico-poético. Doente” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 69). E continua descrevendo a escrita como essa técnica de si, de desmantelamento e reconstituição, assim como a própria categoria de autor, expulso e reconfigurado do texto, não mais como proprietário do seu sentido:

Ao escrever sobre a fala, a fala se inscreve como escrita e resvala para outra codificação. A fala pode sufocar a escrita? A escrita pode amarrar e aprisionar a fala? Na escrita, o eu desloca-se, descentra-se, busca-se, abdica da presença sonora, entrelaça-se no emaranhado do texto que o absorve e o expulsa (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 69).

O trecho supracitado é uma fala poética-teórica sobre o impasse e a cumplicidade da fala e da escrita. Antonia Torreão Herrera deixa transparecer, no fazer literário, o caráter filosófico do conhecimento, justamente por conta da sua trajetória múltipla. Em cada trecho, textos fundamentais da teoria da literatura e da filosofia aparecem, bem como suas filiações literárias com o cânone e a ruptura com este. Por isso, ao falar do impasse entre fala e escrita, Herrera cita o texto com que trabalha em seu grupo de pesquisa, “O escritor e seus múltiplos: migrações”. No trecho, ela discute as ideias de Jean Jacques Rousseau (2008ROUSSEAU, Jean-Jacques (2008). Ensaio sobre a origem das línguas. Tradução de Bento Prado Júnior. Campinas: Editora Unicamp.) em Ensaio sobre a origem das línguas a partir do texto Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo, de Jean Starobinski (2011STAROBINSKI, Jean (2011). Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras .). Em seu trabalho como professora e teórica, Antonia Torreão Herrera elucida o pensamento de Rousseau do eu-individual moderno, marcado pela escrita, e o nascimento das línguas. Rousseau tratou sobre o instante do primeiro balbuciar do signo, antes de existir qualquer língua, em um pré-humano. Para ele, esse foi/era o momento em que a literatura, em seu oblíquo do significante e do significado, atingia sua plenitude. Herrera, no poema, faz justamente essa reflexão, de que a fala traz a espontaneidade da manifestação imediata do pensamento, enquanto a escrita opera na ausência do falante, é estética e deformada. Um signo enganador. Um signo que desloca, descentra e emaranha-se. Escrever é um acréscimo, uma completude de algo que falta, uma doença da fala. A escrita possibilita um mal-entendido da ausência, e a fala, o mal-entendido do acontecimento, do agora. Nas palavras de Herrera, “ao falar, o eu apresenta-se, na voz, /no timbre, na entonação, /as palavras saem, voam e voltam, são perseguidas. /A palavra é o próprio eu” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 70). No entanto a escrita estetiza o agora, torna-se um encadeamento infinito, que se multiplica ilimitadamente. A presença e a imediatez são derivadas. A escrita é também suplemento - excesso da presença e a presença da ausência. É Babel como original adiado. Babel afeta o seu leitor, principalmente, por abordar as incompletudes da língua. Ele cifra o próprio vazio da literatura. A sua soberba afetuosa é falar de uma poética que vai mais além.

O trecho acima escolhido demonstra o riso e a ironia literária e teórica de Babel. Ao afirmar que o poema é um texto pretensioso e ambicioso, Herrera joga com o humor, transformando teoria em poesia, como uma estratégia estética para reconhecer o desejo de fazer um texto que dê conta do que nos faz humanos - a língua. Herrera joga com a palavra doença para pensar a escrita poética.

Como se vê em A farmácia de Platão, Jacques Derrida (2005DERRIDA, Jacques (2005). A farmácia de Platão. Tradução de Rogério da Costa. São Paulo: Iluminuras.) produz uma reflexão genealógica sobre as relações e as concepções de escrita e de fala na história da cultura ocidental. O filósofo busca descontruir a ideia, perpetuada desde a Antiguidade, de que a escrita é inferior à fala, visto que a fala, a partir da metafísica de Platão, está ligada à presença, à imediatez do humano e, por isso, seria mais verdadeira. Platão (1990)PLATÃO (1990). A República. Lisboa: Ed. Calouste Gulbenkian., em A República, constrói uma filosofia da dualidade para realizar o seu projeto de polis ideal. Para o filósofo, a verdade está no mundo metafísico, imaterial. O mundo material, o mundo real, é uma cópia bem fundada da ideia. Por isso, para o projeto de civilização dar certo, é preciso que todos busquem a verdade, a proximidade com as ideias e com o plano metafísico.

Nesse sentido, o autor grego censura a presença da arte na polis, visto que a arte é uma imitação deturpada - o simulacro; afinal, o artista, ao pintar um determinado objeto, está tomando como referência algo que já é cópia, posto que o mundo real, - no qual se baseia o pintor, - é um estágio menor do mundo das ideias - do mundo imaterial ou ideal. O artista, então, subverteria essa hierarquia, e isso seria prejudicial para a República proposta por ele, um lugar cuja razão levaria à verdade e ao equilíbrio universal, distanciado de visões parciais e desencaminhadoras, como a arte. Esse afastamento é gerado porque o objeto artístico estimula emoções que tiram o equilíbrio, a razão, a prudência e o discernimento entre o bem e o mal, incentivando a desmedida, isto é, a emoção da dor, da perda, a irritabilidade, o descontentamento e a perturbação da alma. O simulacro é a imagem sem semelhança. Platão constrói o mundo da representação, em que, na materialidade, deve buscar representar o metafísico e não o dissociar, como faz a arte. No Livro III, Platão descreve as possibilidades perniciosas da escrita de Homero, pois ela está imbuída das fantasmagorias da arte, das emoções fingidas e de um pressupor do inexistente, tendo aparência enganosa, em suas palavras, o que pode causar a desmedida em seus leitores. Por isso no projeto pedagógico de Platão para a criação da polis ideal não é possível que essa escrita exista, visto que a escrita carrega em si um caráter potente e enganoso.

Platão define a escrita como inferior - ela carrega em si ambiguidades, interpretações e formas de, a partir da ficção, distorcer o mundo, criando algo além do que é possível engendrar em uma verdade. Escrita e arte estão interligadas. A fala, diferente da escrita, por estar na presença do acontecimento, se aproximaria do plano da verdade - do metafísico. Ela, em si mesma, seria uma tradução direta da alma/da verdade do sujeito que a expressa. Por isso, para fundamentar o seu pensamento, Platão utiliza o mito de fundação egípcio de Theuth para pensar a origem da escrita. No mito, a escrita, apresentada como phármakon, deve ser validada pela figura de poder de um rei, pois em si mesma, como Derrida afirma, não tem valor, será apenas valorada a partir da estima do outro em espaço de supremacia (Derrida, 2005DERRIDA, Jacques (2005). A farmácia de Platão. Tradução de Rogério da Costa. São Paulo: Iluminuras.). Na leitura do mito por Platão, o phármakon apresenta-se inútil. Sua suposta produtividade seria o registro fora da presença, benéfica à memória. No entanto, o filósofo afirma, a partir da lógica da metafísica, que a escrita não traz consigo verdade, apenas opinião e, por isso, não é valorada, mas ignorada, colocada no âmbito do inútil.

Derrida discute, a partir da visão de Sócrates sobre o phármakon, a escrita como remédio e não em uma lógica da inutilidade, descartável. A ambiguidade (ou opinião) é uma subjetividade que importa. Para o autor, “esse phármakon, essa ‛medicina’, esse filtro, ao mesmo tempo remédio e veneno, já se introduz no corpo do discurso com toda ambivalência. Esse encanto, essa virtude de fascinação, essa potência de feitiço, podem ser - alternada ou simultaneamente - benéficas e maléficas” (Derrida, 2005DERRIDA, Jacques (2005). A farmácia de Platão. Tradução de Rogério da Costa. São Paulo: Iluminuras., p. 14). A escrita é o ambíguo, um remédio, como qualquer outro, que cura e traz efeitos colaterais. Veneno e remédio. Doença e saúde. A fala está ligada à verdade do conhecimento, do logos. A escrita seria a repetição da fala na sua ausência - carregando os elementos enganosos de ser a cópia da cópia, principalmente a escrita poética, ficcional, visto que a fala é a cópia imediata e bem fundada da ideia, do plano metafísico expresso por meio da língua. Platão, para Derrida, define fala e escrita “na oposição simples e nítida: do bem e do mal, do dentro e do fora, do verdadeiro e do falso, da essência e da aparência” (Derrida, 2005DERRIDA, Jacques (2005). A farmácia de Platão. Tradução de Rogério da Costa. São Paulo: Iluminuras., p. 50), tentando compreender e utilizar essa última em sua própria oposição.

Na perspectiva genealógica de descontruir a relação entre fala e escrita no que se refere à lógica da metafísica da presença da cultura ocidental, Derrida busca conceituar suplemento como a possibilidade que quebra a lógica da dualidade e da verdade. Para isso, Derrida faz uma releitura de Jean Jaques Rousseau sobre a origem das línguas. Rousseau diz que suplemento é um acréscimo, uma completude de algo que falta, uma doença da fala. Para ele, a escrita possibilita um mal-entendido, já que o falante está ausente para explicar ou corrigir (o poder da duplicidade do signo literário). Mas, ao mesmo tempo, o autor diz que a escrita entra para suprir a falta da fala, como também a possibilidade de mal-entendido na fala. A fala carrega o estigma da presença e do convívio social - o eu interior é diferente daquele que conversa com os outros - e por isso é preciso escrever para suplementar os signos enganadores de sua fala, pois ela não possui signos tão transparentes assim, são abertos à ambiguidade e à interpretação.

Derrida ainda afirma que a escrita é um suplemento da fala, mas a fala já é um suplemento em si mesma. Para o filósofo, a lógica da suplementação é: a coisa suplementada (fala) precisa de suplementação porque prova ter as mesmas qualidades caracterizadas no suplemento (escrita). A fala precisa da escrita, e a escrita da fala. O signo só existe por conta de outros signos. As coisas/os signos precisam de suplementos mesmo em presença, por isso não é uma lógica da completude, da falta de algo, mas da agregação, repetição, de, em um, haver outros, de ser suplemento, de ser excesso. Suplemento é um original adiado. É um centro provisório que se agencia a outros signos e se produz através desses. É uma série de encadeamento infinito que se multiplica ilimitadamente. Como signo, a língua e a literatura, a presença e a imediatez são derivadas. A presença só existe por intermediários. O original só existe por conta das cópias. O original é sempre adiado, nunca será apreendido. Nesse sentido, Derrida afirma sobre o suplemento:

a repetição é o próprio movimento da não-verdade: a presença do ente perde-se nele, dispersa-se, multiplica-se por mimemas, ícones, fantasmas, simulacros etc. Por fenômenos, desde então. E esta repetição é a possibilidade do devir sensível, a não-idealidade. Do lado da não-filosofia, da não-memória, da hipomnésia, da escritura. Aqui a tautologia é a saída sem retorno da vida fora de si. Repetição de morte. Despesa sem reserva. Excesso irredutível, pelo jogo do suplemento, de toda intimidade a si do vivo, do bem, do verdadeiro. Essas duas repetições se referem uma à outra segundo o gráfico da suplementaridade. Isso significa que não se pode mais “separá-las” uma da outra, pensá-las à parte uma da outra, “etiquetá-las", que não se pode na farmácia distinguir o remédio do veneno, o bem do mal, o verdadeiro do falso, o dentro do fora, o vital do mortal, o primeiro do segundo etc. Pensado nessa reversibilidade original, o phármakon é o mesmo precisamente porque não tem identidade. E o mesmo (é) como suplemento. Ou como diferença (Derrida, 2005DERRIDA, Jacques (2005). A farmácia de Platão. Tradução de Rogério da Costa. São Paulo: Iluminuras., p. 122).

Babel é cifrado pelas reflexões existenciais do próprio fazer poético da escrita. Por isso Herrera canta sofregamente que, na releitura do pensamento filosófico-literário, a escrita é doença, pútrida, desconcertante, mas que produz uma saúde estética - a da possibilidade de desbabelizar. E, para tal, assim como o movimento de Derrida e de Platão, é preciso reler os mitos fundadores. É preciso pensar em Babel - mito fundador - para, então, desfundá-lo. No Livro do Gênesis (Bíblia, Gênesis, 11:1-9, 1956BÍBLIA, A. T. (1956). Gênesis. Português. In: Bíblia. Bíblia Sagrada. Tradução de Pe. Matos Soares. Porto: Sociedade de Papelaria. 2385p.), Babel é apresentada à mitologia para justificar a origem das línguas. Existe uma passagem sobre uma torre na Babilônia, construída pelos descendentes de Noé, que desejam fazê-la o mais alto possível para alcançar o céu e eternizar seus nomes. No entanto, a soberba provocou a ira de Deus, que decidiu sabotar a construção e fez com que as pessoas passassem a falar línguas diferentes. Incapaz de comunicar-se, a humanidade se espalhou pelo mundo e a Torre de Babel desabou.

Fazer poesia

O mito de Babel nos mostra o caráter fascista da língua - a impossibilidade de existir fora dela e a sua obrigatoriedade em nos fazer dizer; a língua doente, a língua do poder, que impede o dizer; a língua da escrita, que Barthes se propõe a representar. Em Aula (Barthes, 1980BARTHES, Roland (1980). Aula. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix.), ele afirma que toda língua é uma classificação, pois faz uma seleção do que é origem, verdade, centro. A linguagem é legislação, e a língua, o seu código - uma reição generalizada. E a língua é fascista porque não há possibilidade de existência fora da sua lei. Se Deus muda o código, o assujeitamento à língua torna-se outro, a incomunicabilidade reina. No entanto, é justamente neste momento que se cria a possibilidade de uma performatividade outra da língua - uma estética da diferença, disruptiva que permite a ambiguidade do devir. A inutilidade de falar línguas diferentes, de renunciar ao centro, possibilita o que poderia haver de mais criativo e pernicioso, exatamente o que Platão temia para a polis.

Assim, no CANTO IV, sobre a Torre de Babel, Herrera nos canta: “Torre de Babel: poder e globalização, legitimação da tirania de um povo sobre outro povo. /Javé faz justiça, destrói o símbolo do poder. […] /Babel rediviva. Babel real. /O carisma da glossolalia é transe ou prodígio? /A língua em si é transe e é prodígio. Mistérios enevoados” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 45). Após sintetizar e poetizar o mito de Babel, Herrera nos propõe a desbabelização. Desbabelizar é o tema, eixo e conceito central da obra. É ação que cifra a escrita.

Babel: delírio de confusão. Desbabelizar na iluminação - Pentecostes Comunhão dos homens! Palavras-grãos que semeiam em inteireza sua própria língua. Gotas de luz. Gotas de orvalho! Água e ar no fogo da iluminação: raio que perfura mentes e põe no chão a liga do perdão. Desbabelizar, pentecostizar no planalto central. A pomba clareia, sereno, serenamente o elo da União. Todos falam a mesma língua. Do índio, do pobre, do rico, do negro, do branco, caboclo, amarelo, dos idosos, das crianças, dos jovens, do eu e do tu (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 47).

Desbabelizar é desfundar a lógica da divisão, da violência de centro e de margens. Desbabelização é, como afirma Derrida, a lógica do excesso e do suplemento. É escuta do outro. É uma tentativa de voltar ao balbuciar primordial de Rousseau. É a queda do símbolo segregador. É o reencontro das dissimilitudes. É, marcando os momentos em que sujeitos são governados por violência e pelo fascismo, retomarmos um Planalto Central que, antes de tudo, seja capaz de escutar, e não de construir torres involucras. Babel é um texto que trabalha com uma mitologia mística e traz este caráter utópico para pensar o poético. Por isso, para a autora, desbabelizar também é o ato poético de trazer à tona o significante e retirar as certezas tirânicas do significado.

A poesia é o próprio corpo em uma ética de uma vivência lírica, por isso afirma a autora: “O poeta falou. /Sem aviltamento das coisas, /A carne se fez verbo. /O corpo do atleta no corpo do poeta / no corpo da letra” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 49). Desbabelizar é, como o poema versa, a vocação suicida da escrita na busca de um grau zero da palavra. Para Barthes (1980BARTHES, Roland (1980). Aula. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix.), o grau-zero é a linguagem-limite que rompe com a legislação da linguagem e encena em uma reflexibilidade infinita. A literatura encena a linguagem em seu grau-zero, pois ela faz girar os saberes. Ela traz à tona o balbuciar de Rousseau. Ela quebra a legislação, o sentido fixo, desgastado, criando, a partir da sintaxe, uma performatividade outra. Para Antonia Torreão Herrera, o grau-zero é a própria literatura, a língua enquanto pertencimento e dilaceramento. Desbabelizar é a possibilidade da escuta e do encontro com o outro. É o corpo em sentido pleno, em sentido amplo. É a superfície amorosa em fricção. É a “pele do Enfim” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 85).

É possível relacionar o grau-zero da literatura ao fazer poético que, em Babel, está dividido nos dez cantos, em lírica oriunda da musicalidade, e referenciando também os cantos épicos de Homero, na Ilíada e na Odisseia. Para pensar no poético, relacionando-o ao grau-zero da língua, é preciso retomar o texto de Octavio Paz (1956PAZ, Octavio (1956). O arco e a lira. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.), O arco e a lira. Segundo o autor, “poema” é uma palavra semanticamente instável, que se vincula, pela etimologia e por natureza, à poesia: considera-se poema toda composição literária de índole poética. No entanto, nem todo poema - ou melhor, texto escrito em versos ou métrica - contém poesia. Um soneto (uma forma literária) não é um poema. Só é poema se for tocado pela poesia. Existem formas que não são poemas, mas que são tocadas pelo poético. A poesia acontece como uma condensação do acaso. O poema é uma obra humana, mas é nele que a poesia, pela criatividade, se revela plenamente. O poema não é só uma fórmula literária, mas um lugar de encontro entre a poesia e o sujeito. O poema é um organismo verbal que emite poesia. Forma e substância são a mesma coisa.

Os poemas são obras de um feitio estranho: não há entre um e outro a relação de parentesco que, de modo tão palpável, se verifica com os instrumentos de trabalho. Técnica e criação, utensílio e poema são realidades distintas. Cada poema é um objeto único, criado por uma “técnica” que morre no instante mesmo da criação. Aquilo que se pode denominar “técnica poética” não é transmissível porque não é feita de receitas ou fórmulas, mas de invenções com a linguagem que servem, principalmente, para seu criador. Nesse aspecto, o estilo de uma época ou da influência seria apenas o ponto de partida do poeta; caso se fique preso muito a um estilo, cria-se um artefato literário em vez de um poema. O poema trabalha com a linguagem - é aqui que se torna suplemento, excesso, ruptura com as origens. Ele tira a linguagem do seu lugar coloquial e transforma seu significado em outra coisa. Encena algo que transcende e ultrapassa. Abre para outro mundo de significados que a mera linguagem não possui. A poesia, no poema, é ambivalente - ritmo, cor e significado -, mudando a linguagem porque a transforma em outra coisa: imagem. O poema faz um trabalho de transformar coisas comuns em outras imagens, suscitando estas no leitor, transformando-se em uma obra de arte pictórica pela linguagem. O poema constrói algo além da linguagem, com a música e a imagem, mas só faz isso porque usa a própria linguagem.

A linguagem, por si só, produz formas verbais rítmicas ou imagens metafóricas. Mas estas desaparecem ou se enrijecem, esvaziam-se na repetição eterna da fala, pois o signo se desgasta. O poema utiliza dessas expressões poéticas da própria linguagem, da fala e do cotidiano, mas tenta transcendê-las. As expressões poéticas estão no cotidiano da linguagem. O ato de produzir a poesia é um ato de violência, pois busca desenraizar e cortar as conexões e produções habituais das palavras, provocando um desconforto no leitor que está preso ao automatismo da linguagem. Entretanto, o próprio leitor ressignifica esse desconforto e traz o poema de volta para o plano da linguagem comum em processo de construção - dialógico e eterno. As imagens nas palavras possuem diversas significações e são classificadas como símiles, metáforas, paranomásias, símbolos, alegorias, mitos, fábulas etc. Cada imagem possui múltiplos significados díspares. O poema leva isso ainda mais ao extremo. A imagem perde seu caráter objetivo e científico do dramático e da prova, buscando um escândalo, por aproximar imagens paradoxais para criar sentido. A pedra fica leve e a pluma fica pesada: “Poesia, reino de ar!” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 17). A realidade poética não aspira a uma verdade, representação ou verossimilhança.

Tais concepções de poesia aparecem na tessitura de Babel. No CANTO III, as fronteiras teóricas e artísticas, encenadas por Herrera, se misturam mais uma vez, ao dedicá-lo puramente ao fazer poético, definindo-o. A própria epígrafe denuncia a busca pela definição da poesia ao citar o poema de Myriam Fraga, “Ars poética.” O título do poema retoma o texto homônimo de Horário, Arte Poética, o qual busca definir o fazer em versos. Herrera seleciona o fragmento que justamente traduz a poética: “Poesia é arte / Da rapina. / Não a caça, propriamente, / Mas sempre nas mãos / Um lampejo de sangue” (Fraga apud Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 35). O trecho define a arte poética como uma arte da rapina - ato de roubar astuciosa e violentamente - não buscando tal violência, mas em si mesma carrega o sangue da disrrupção da língua. A imagem traduz a ética própria da poesia, que rapta a língua como uma ave de rapina à espreita de dar o bote naquilo que o sentido se tornou comum. A ética própria da arte poética é o que Herrera busca transformar em imagens no CANTO III:

Da ciência da linguagem, ao caminho da linguagem, a poesia apura e depura o malogro de ser cintilação de palavras, o real mistério da realidade que carrega em si. Poesia põe e depõe o verbo na mesa, o nome no ar. Incinera e alaga todas as letras, todos os sons: de vogais e futuras consoantes, de simples sopro, de vida e ar (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 35).

O primeiro verso do trecho faz referência ao texto Da ciência à literatura, de Barthes (2004BARTHES, Roland (2004). Da ciência à literatura. In: BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução de Mario Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes. p. 3-12.). O autor afirma que tanto a ciência como a literatura utilizam a língua como constituição primária, no entanto o que define a ciência é seu estatuto, isto é, a sua determinação social - o que se considera signo a ser estudado e ensinado, as classificações e rubricas obrigatórias. É no discurso científico que a língua encena o seu estatuto de verdade. No entanto, relendo Barthes, Herrera repensa este lugar da literatura que joga com a ideia de verdade da ciência, transformando-a em percurso. A poesia se torna caminho da linguagem, é nela que a língua e a escrita podem ser efetuadas em sua totalidade, em liberdade criativa. Recorrer ao discurso científico como instrumento do pensamento é dizer que existe um neutro na linguagem, relegando a língua literária e/ou poética como ornamento.

Nas imagens de Babel, a poesia pode ser tanto sangue, violência indômita, quanto perfumaria, excesso e leveza, pois é justamente o uso da palavra para além do significado - é a palavra em malogro e cintilação. Por isso, Herrera questiona a própria realidade da linguagem no trecho citado, ressaltando o ato de depor e pôr da poesia, de refazer, ressaltando o caráter de excesso do texto poético ao dizer que o verbo está na mesa, o nome no ar e a escrita incinera e alaga a língua, transformando-a em vida pulsante: “o canal mais líquido da babelização/ e da desbabelização” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 36). A própria palavra “poética” traz a palavra “ética” dentro dela mesma. Assim, a po-ética, é o caminho da criação, o fazer-se, o Babel e o desbabelizar - de dar corpo outro, múltiplo, ao significante. “Na escrita se concretiza no traço sem corpo, galvanizado. / Ganha carne na letra, / no palpável do olho, / na memória do som, / no sonido da voz ausente, / timbre no ar” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 37-38).

Trituração múltipla

Como dito anteriormente, o caráter múltiplo da escrita de Antonia Torreão Herrera, decorrente do fato de que sua atuação como professora, crítica e teórica entrelaça-se com a sua produção literária, é uma das possíveis chaves de leitura para entender sua poética. Citar Myriam Fraga e reler Roland Barthes é uma forma de migração discursiva, que elenca, move e aviva textos e produções teóricas e poéticas, colocando-as em diálogo e demonstrando suas filiações como uma técnica de si. Myriam Fraga, além de grande poeta, Diretora Executiva da Fundação Casa de Jorge Amado (por sua amizade com este e sua esposa, Zélia Gattai) e décima terceira cadeira da Academia de Letras da Bahia, foi amiga intima de Herrera, dividindo o amor pela vida e pela literatura. Desse modo, utilizar a epígrafe de Fraga como motivo do que define sua poesia é deixar sobressair a sua visão como crítica, valorando uma das grandes poetas baianas contemporâneas, além de transpor, nas páginas, suas relações afetivas e pessoais. Já reler Roland Barthes, ainda no sentido de tentar definir o poético e, por consequência, o seu fazer criativo, é embaralhar sua atuação docente como professora de Teoria da Literatura com a sua poesia, afinal, em seu último ano de ensino como professora da UFBA, Herrera trabalhou com o texto Da ciência à literatura na disciplina Teoria da Narrativa, em um fazer professoral que faz parte da tessitura da sua escrita.

O escritor com perfil múltiplo está consciente, sendo crítico e artista, das filiações e entrelaçamentos na construção da sua atuação nos espaços literários e na sua escrita. Eneida Maria de Souza (2008SOUZA, Eneida Maria de (2008). Crítica Cult. Belo Horizonte: Editora UFMG.), em Crítica Cult, discute sobre como a crítica biográfica contemporânea dedica-se à relação obra-autor, buscando interpretar a literatura para além dos seus limites intrínsecos e exclusivos, por meio da construção de metáforas entre o fato e a ficção. Em vez de uma redução da matéria literária a sua especificidade, há um foco no exercício de ficcionalização da crítica, no qual o próprio sujeito teórico se inscreve como ator no discurso nos interstícios entre vida e ficção. O escritor e sua biografia são tecidos através de uma rede imaginária formada por seus intérpretes. Neste caso, como sua intérprete, posso afirmar que tais interstícios se tornam evidentes na escrita de Babel.

Ao reunir os diferentes aspectos da vivência literária e dialogar com diversos autores, Antonia Torreão Herrera produz com acuidade uma poesia que proporciona diálogos, atuando no discurso cheio de interlocuções pela clave da arte. Babel encena os limites e os centramentos da literatura, assim como suas suplementações pela lógica da diferença. Todas as escolhas perpassam pela atuação de Herrera na língua e nos espaços biográficos que ocupa, tanto no texto quanto fora dele. O texto reverbera as técnicas de si, que perpassam os enlaces da autora como uma lógica de vida - afinal, são cinquenta anos de dedicação à literatura. As ironias, as reflexões e, principalmente, a homenagem apaixonada à língua e à literatura fazem parte da vivência da autora e da vivência da própria literatura. Babel, então, é um texto sobre infinitos textos - em um emaranhado ininterrupto de referências e imagens.

No CANTO IX, por exemplo, Herrera joga com a ideia da literatura em seu caráter luxurioso, brincando com o erotismo e suplício de George Bataille: “O inferno borbulha nos corações. / A luxúria e a fé. A corda, o elo. / Procissões. Extremos e dor. / Ritual das facas. Flagelo. / Erotismo e culpa. Suplício e purgação” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 80). Também utiliza repetições inalcançáveis da linguagem, reproduzindo as marcas ícones do cinema: “Filmes e filmes, à exaustão. / Agentes e cifras. Espionagem e glamour. / A terra tem que parecer uma festa” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 80); e dialoga com Liev Tolstói e Homero. Nessa junção de referências e reescritas, Babel traz o caráter fecundo da literatura de ser babel e des-ser babel. O poema dá volúpia a nossa vontade e desejo de arte, linguagem e performance. É o ponto delicioso de fratura da escrita.

Esse emaranhado de referências faz parte dessa poética múltipla, assim como a discussão da ética da literatura. Tais temáticas aparecem em sua produção teórica e são transformadas em Babel. Em seu texto Ética da escrita literária: trituração, prótese e usurpação, Antonia Torreão Herrera (2017HERRERA, Antonia (2017). Ética da escrita literária: trituração, prótese e usurpação. In: HERRERA, Antonia; HOISEL, Evelina; TELLES, Lígia (org.). Rotas, trânsitos, migrações: ensaios de literatura e cultura. Salvador: Edufba. p. 15-32.) apresenta um conceito fundamental para se pensar a apropriação da cultura no texto literário - o de trituração. Ela afirma que o conceito funciona como traço da ética da escrita literária “que ritualiza um ato de deglutição dos signos da cultura e demais artefatos culturais. Essa será sempre a resposta da arte para manter-se como tal. Todo material vivível ou vivido, todo objeto construído ou dado torna-se passível de transformação no aparato discursivo” (Herrera, 2018, p. 16). A literatura é pensada como prótese, componente artificial para suprir a falta, o trauma, ou inserir o enxerto, o excesso - uma dentadura postiça -, a qual tritura e estetiza no aparato da escrita, em sua ética própria: “trata-se da linguagem ensandecida que, sabendo-se insuficiente para representar o real, constrói no simulacro a possibilidade de ser ela própria o real: o poder do falso nietzschiano, associado ao conceito de usurpar, tomar à força, obter sem direito” (Herrera, 2017HERRERA, Antonia (2017). Ética da escrita literária: trituração, prótese e usurpação. In: HERRERA, Antonia; HOISEL, Evelina; TELLES, Lígia (org.). Rotas, trânsitos, migrações: ensaios de literatura e cultura. Salvador: Edufba. p. 15-32., p. 16).

Os conceitos de trituração, prótese e usurpação são construídos a partir do seu feitio material - o que compõe o seu fazer. Toda a literatura é um disfarce diante do indizível, do incontornável do real e do impossível da língua - está sempre no processo de make up, tentativa de ser. Triturar é valorar a técnica do que é possível articular em termos de linguagem. A metáfora que Herrera constrói para explicar o termo é a reciclagem de alumínio:

O catador de ruas, de posse de suas mãos e pernas, amassa as latas que recolhe para fazer menos volume, num ato informal, e, todavia, metodológico, de economia de espaço, (igual ao ato de arrumar uma geladeira) e vende para um intermediário que possui, é proprietário, de uma prensa, com a qual faz um bloco, um fardo e tendo um canal dentro do mercado repassa para as indústrias que vão reciclar o alumínio. Esse terceiro é que vai botar na máquina para despedaçar o bloco, triturar e chegar ao estado de cavaco, tipo umas pequenas escamas de alumínio. Por fim, para tirar a tinta e o verniz, resíduos das marcas culturais do produto (Pepsi, Coca, Antártica, Skol ou Etti), entra a ação purificadora do fogo, num forno. Do ato de recolha de latas, amassadas, tornadas blocos, perdidas os rótulos, e reduzidas ao precioso alumínio, a indústria irá investir num novo mesmo objeto (Herrera, 2017HERRERA, Antonia (2017). Ética da escrita literária: trituração, prótese e usurpação. In: HERRERA, Antonia; HOISEL, Evelina; TELLES, Lígia (org.). Rotas, trânsitos, migrações: ensaios de literatura e cultura. Salvador: Edufba. p. 15-32., p. 22).

A metáfora descrita denuncia um processo industrial e maquínico, mas que começa com o ato marginal e autônomo do sujeito que recicla os restos - tritura-os primeiramente com as mãos. O escritor (tanto literário quanto teórico-crítico) é um catador de lata, que, se colher muitas e for bem-sucedido com suas mãos e, obviamente, logrando acesso ao canal mercadológico, serial, tecnológico, industrial, poderá ofertar um produto ao mercado das letras. As latas são todos os substratos da cultura, da história e da memória que são transformados na tessitura discursiva do texto.

Herrera traz alguns exemplos de trituração e reciclagem: o tropicalismo, Bob Dylan, Glauber Rocha, a Pop Arte, autores canônicos como João Guimarães Rosa, que se apropria de um gênero épico/fabular/a cavalaria, Clarisse Lispector, que usa elementos do cotidiano, e a deglutição de Mastigando Humanos, de Santiago Nazarian, pensando em uma literatura mais contemporânea. Babel é um texto construído como deglutição dos signos e, ao utilizar o mito da Torre de Babel, o múltiplo da língua, dos povos, das literaturas e das referências, torna-se material vivido no discurso. Os aspectos crítico e teórico da vivência da autora são a metodologia de escrita do seu texto artístico - os elementos da cultura estão dissolvidos na língua e no discurso.

No CANTO IV, o processo de trituração é bastante evidente. Herrera escolhe como epígrafe um trecho da canção Obrigado Darcy. O Brasil que vai além, de Emicida. A autora que, na maior parte de Babel, demonstra sua filiação amorosa ao cânone ocidental da literatura, quebra essa lógica com a escolha de uma música de rap de um artista pop. A escolha por Emicida é uma forma de sintetizar a ideia de rebelião poética em Babel. Como uma antena que capta as línguas dispersadas da Torre de Babel, a poeta prevê o desejo comum de desbabelizar de todos nós e que aparece no álbum lançado em 2019 pelo próprio rapper, AmarElo, ou AMAR ELO. Na música, homônima, Emicida utiliza Sujeito de sorte, canção de Belchior, e canta em parceria com Majur e Pablo Vittar, artistas que burlam os enquadramentos sociais e as normas de gênero. AmarElo fala sobre o desejo de continuar a vida - uma alimentação do pulsar de vida mesmo com toda a legislação violenta da linguagem que mutila sujeitos em corpos dissidentes, em tempos em que é preciso desbabelizar o planalto central.2 2 Assim, as escolhas do campo biográficos, as filiações referenciais e, principalmente, a escolha de uma música de rap sobre um dos livros fundamentais para as concepções de Brasil estabelecidas até hoje, que é O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro (1995), vinculam-se à possibilidade de enunciações diversas, cruzando diversos conhecimentos da Literatura Comparada. Babel também se debruça sobre a própria língua portuguesa e uma preocupação política com o Brasil como nação, a partir de suas multiplicidades e como uma das línguas de Babel e, em si mesma, babelizada. Wander Melo Miranda (2010), em Nações literárias, afirma que a nação é um conceito de impossível apreensão, visto que, na tentativa de forjar unidade, proliferam-se infinitas e imprevistas apropriações. Relendo Silviano Santiago e Ricardo Piglia, o autor discorre sobre escritas que reconfiguram essa literatura que discute o Brasil e, nesse sentido, afirma: “a construção cultural da ‘nação’ é uma forma abrangente de afiliação social e textual, dada pelo cruzamento de verdades e falsificações (propositais ou não) capazes de exceder as margens das convenções literárias e dos lugares comuns ideológicos” (Miranda, 2010, p. 21). A escolha de Emicida versa justamente sobre uma possibilidade de escrita outra sobre o Brasil. Desta maneira, a escolha da música de Emicida e, também, as referências e reflexões de Babel, vinculam-se à técnica da produção de uma escrita que faz intersecções entre um saber teórico e um saber poético - um saber de vida.

Desbabelizar: ler infinitamente

Antonia Torreão Herrera, na escrita de Babel, apropria-se das releituras de aspectos culturais, da literatura e de obras de artes para construir sua poética e trilhar um percurso - possibilitando uma leitura infinita. Babel não termina com a sua leitura. Os temas da língua, do humano e do pertencimento continuam, como se Babel nunca fosse ter fim. É um projeto como um jogo de dados de Mallarmé: uma declaração trágica e estimulante da impossibilidade de alcançar o estabelecido, o utópico e o ideal da literatura. E o amor perverso que impulsiona a vida está nisso. Como Herrera escreve: “E a realidade escorre toda para a língua e o real se esconde na face obscura de cada palavra. /A palavra revela as coisas mudas. /O instante informulado, signo de morte. /Dói ser eterno. /Babel eternamente revisitada” (Herrera, 2020HERRERA, Antonia Torreão (2020). Babel. Salvador: Edufba ., p. 21). Babel é mítico-filosófico-poético. Antes de tudo é uma homenagem à língua, cifrando a potência do significante, fora da redoma do sentido. O desbabelizar é uma ética de busca de uma fraternidade da língua - além das violências do seu fascismo - possibilitando as multiplicidades e a criatividade do pulsar da vida que a arte nos proporciona. É a possibilidade do amar e do elo.

Referências

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  • FOUCAULT, Michel (2004). Aula de 3 de março de 1982. In: FOUCAULT, Michel. Hermenêutica do sujeito. Tradução de Márcio Fonseca e Salma Muchal. São Paulo: Martin Fontes. p. 427-447.
  • HERRERA, Antonia (2017). Ética da escrita literária: trituração, prótese e usurpação. In: HERRERA, Antonia; HOISEL, Evelina; TELLES, Lígia (org.). Rotas, trânsitos, migrações: ensaios de literatura e cultura. Salvador: Edufba. p. 15-32.
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  • RIBEIRO, Darcy (1995). O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras.
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  • STAROBINSKI, Jean (2011). Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras .
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    Michel Foucault (2004)FOUCAULT, Michel (2004). Aula de 3 de março de 1982. In: FOUCAULT, Michel. Hermenêutica do sujeito. Tradução de Márcio Fonseca e Salma Muchal. São Paulo: Martin Fontes. p. 427-447. propõe-se a pensar na Aula de 3 de março de 1982, texto integrante do livro Hermenêutica do sujeito, o termo denominado “técnica de si”. O autor, retomando o pensamento pré-socrático sobre o “cuidar de si” e a “meditação”, procura analisar as práticas cotidianas que se relacionam à ética e à estética da produção de si, em suas múltiplas facetas. Isto é, como os sujeitos podem ter uma ação transformadora na produção e construção da sua singularidade, mesmo inseridos em um sistema de poder e saber. Foucault denomina essa produção de si como potência, “técnicas de si”, o que pode ser traduzido como um exercício para perceber os processos de produção do sujeito e, assim, assumir uma atitude ativa em relação aos jogos de poder e saber, buscando estratégias para pensar a construção da própria singularidade. O teórico realiza uma reflexão sobre o pensamento filosófico e artístico, discutindo a apropriação destes no sentido de criar uma dobra e uma fissura nas produções institucionalizadas do sujeito. Essa construção do sujeito relaciona-se intimamente às tecnologias, às formas e aos exercícios da leitura e da escrita. É como afirma: “A escrita é, assim, um elemento de exercício, e um elemento de exercício que traz a vantagem de ter dois usos possíveis e simultâneos. Uso, em certo sentido, para nós mesmos. É escrevendo, precisamente, que assimilamos a própria coisa na qual se pensa” (Foucault, 2004FOUCAULT, Michel (2004). Aula de 3 de março de 1982. In: FOUCAULT, Michel. Hermenêutica do sujeito. Tradução de Márcio Fonseca e Salma Muchal. São Paulo: Martin Fontes. p. 427-447., p. 432). A leitura e a escrita são técnicas de produção da singularidade. Essas técnicas também podem ser utilizadas dentro da ordem do discurso do saber e do poder. As mesmas técnicas servem para a reflexão ativa sobre a construção do sujeito, abrindo a possibilidade de escolher de que se apropriar a partir da leitura e da escrita e, assim, provocar uma ruptura nessas lógicas. O autor desenvolve a noção de escrita de si como uma dessas técnicas, como também a parrhesía, palavra grega que significa o poder do discípulo de subverter, em seu silêncio fecundo, o pensamento ensinado, apropriando-se deste para construir sua singularidade.
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    Assim, as escolhas do campo biográficos, as filiações referenciais e, principalmente, a escolha de uma música de rap sobre um dos livros fundamentais para as concepções de Brasil estabelecidas até hoje, que é O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro (1995)RIBEIRO, Darcy (1995). O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras., vinculam-se à possibilidade de enunciações diversas, cruzando diversos conhecimentos da Literatura Comparada. Babel também se debruça sobre a própria língua portuguesa e uma preocupação política com o Brasil como nação, a partir de suas multiplicidades e como uma das línguas de Babel e, em si mesma, babelizada. Wander Melo Miranda (2010)MIRANDA, Wander Melo (2010). Nações literárias. Cotia, SP: Ateliê Editorial., em Nações literárias, afirma que a nação é um conceito de impossível apreensão, visto que, na tentativa de forjar unidade, proliferam-se infinitas e imprevistas apropriações. Relendo Silviano Santiago e Ricardo Piglia, o autor discorre sobre escritas que reconfiguram essa literatura que discute o Brasil e, nesse sentido, afirma: “a construção cultural da ‘nação’ é uma forma abrangente de afiliação social e textual, dada pelo cruzamento de verdades e falsificações (propositais ou não) capazes de exceder as margens das convenções literárias e dos lugares comuns ideológicos” (Miranda, 2010MIRANDA, Wander Melo (2010). Nações literárias. Cotia, SP: Ateliê Editorial., p. 21). A escolha de Emicida versa justamente sobre uma possibilidade de escrita outra sobre o Brasil.

Editor:

Paulo Thomaz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2022
  • Aceito
    05 Abr 2022
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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