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O realismo performático reflexivo no romance latino-americano contemporâneo: a autoria feminina além do “teto todo seu”

Performative reflexive realism in the contemporary Latin American novel: female authorship beyond “A room of one’s own”

El realismo performativo reflexivo en la novela latinoamericana contemporánea: la autoría femenina más allá de “una habitación propia”

Resumo

Com base nos romances Temporada de huracanes (2017), da escritora mexicana Fernanda Melchor, e Enterre seus mortos (2018), de Ana Paula Maia, este artigo pretende refletir sobre a incidência e as conotações assumidas pelo realismo performático reflexivo — denominado por Ravetti (2019)RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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como “paradigma Bolaño” —, nos romances latino-americanos contemporâneos de autoria feminina. Nas narrativas de Melchor (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House. e Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., a violência hiperbólica e a sobreposição/seriação de brutalidades direcionam para uma melancolia de futuro de dimensões antiépicas, traços reiteradamente presentes nos romances latino-americanos contemporâneos. Voltados à tendência apontada, os romances das autoras mexicana e brasileira revelam perspectivas críticas que são erigidas de temas e de abordagens distanciados tanto do “teto todo seu” (Woolf, 2014WOOLF, Virginia (2014). Um teto todo seu. Tradução de Bia Nunes de Sousa. São Paulo: Tordesilhas.) quanto das facilidades de um realismo codificado e de pretensões didáticas. Refletir sobre as escolhas autorais responsáveis por esses deslocamentos, bem como sobre a possibilidade de as referidas estratégias acrescerem mais uma nuança às manifestações romanescas recentes, está entre as questões abordadas neste texto.

Palavras-chave:
paradigma Bolaño; romance latino-americano; realismos

Abstract

Based on the novels Temporada de huracanaes (2017), by Mexican writer Fernanda Melchor and Enterre seus mortos (2018), by Ana Paula Maia, this article intended to reflect on the incidence and the connotations assumed by the performative reflexive realism — denominated by Ravetti (2019)RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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as “Bolaño paradigm” — in the Latin American contemporary novels of female authorship. In the narratives of Melchor and Maia, the hyperbolic violence and the overlapping/serialization of brutalities point to a melancholy of the future of anti-epic dimensions, features that are repeatedly present in the Latin American contemporary novels. Oriented to the cited tendency, the novels of both the Mexican and the Brazilian writer reveal critical perspectives that are built from themes and approaches distanced not only from “A room of one’s own” (Woolf, 2014WOOLF, Virginia (2014). Um teto todo seu. Tradução de Bia Nunes de Sousa. São Paulo: Tordesilhas.) and from the easiness of a codified realism, but also from didactic pretensions. Reflecting upon the authorship choices that are responsible for such deslocations, as well as about the possibility that the referred strategies can add another shade to the recent novelistic manifestations are among the matters approached in this text.

Keywords:
Bolaño paradigm; Latin American novel; realism

Resumen

A partir de las novelas Temporada de huracanes (2017), de la escritora mexicana Fernanda Melchor, y Enterre seus mortos (2018), de Ana Paula Maia, este artículo pretende reflexionar sobre la incidencia y las connotaciones que el realismo reflexivo performativo — nombrado por Ravetti (2019)RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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como el “paradigma Bolaño” — asume en la novela contemporánea latinoamericana de autoría femenina. En las narrativas de Melchor y Maia, la violencia hiperbólica y la superposición/serialización de brutalidades conducen a una melancolía del futuro con dimensiones antiépicas, rasgos repetidamente presentes en la novela latinoamericana contemporánea. Dirigidas a la tendencia mencionada, las novelas de las escritoras mexicana y brasileña revelan perspectivas críticas que se construyen sobre temas y enfoques alejados tanto de “una habitación propia” (Woolf, 2014WOOLF, Virginia (2014). Um teto todo seu. Tradução de Bia Nunes de Sousa. São Paulo: Tordesilhas.) como de las facilidades de un realismo codificado y con pretensiones didácticas. Reflexionar sobre las elecciones autorales responsables por estos desplazamientos, así como sobre la posibilidad de que las mencionadas estrategias agreguen un matiz más a las manifestaciones novelísticas recientes, son algunos de los temas abordados en este texto.

Palabras clave:
“Paradigma de Bolaño”; novela latinoamericana; realismos

Ao observar a insistente projeção de indícios de um porvir devastador nos romances latino-americanos contemporâneos, incidência que revelaria aos leitores uma espécie de melancolia do futuro, Graciela Ravetti (2019)RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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questiona se ainda temos direito de pensar no que o amanhã nos reserva. Se a falta de respostas ao questionamento é inquietante, a contrapartida estética à interrogação, segundo Gustavo Ribeiro (2016)RIBEIRO, Gustavo Silveira (2016). Catálogo dos mortos: a cultura latino-americana contemporânea e os inventários do horror. Alea, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 81-98. https://doi.org/10.1590/1517-106X/181-81
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, estaria circunscrita ao não mensurável da morte, do trauma e do luto, cujos efeitos, segundo o crítico, repercutiriam sobre os romances latino-americanos contemporâneos, os quais passariam a utilizar, de modo reincidente, recursos como a seriação e a catalogação. Ainda segundo Ribeiro (2016)RIBEIRO, Gustavo Silveira (2016). Catálogo dos mortos: a cultura latino-americana contemporânea e os inventários do horror. Alea, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 81-98. https://doi.org/10.1590/1517-106X/181-81
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, tais recorrências estéticas presentes nas literaturas latino-americanas contemporâneas — entendidas aqui como as manifestações surgidas após o término dos regimes de exceção — repetiriam um “impossível trabalho de luto, virtualmente infinito, mas que por isso mesmo deve ser realizado sem cessar” (Ribeiro, 2016RIBEIRO, Gustavo Silveira (2016). Catálogo dos mortos: a cultura latino-americana contemporânea e os inventários do horror. Alea, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 81-98. https://doi.org/10.1590/1517-106X/181-81
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, p. 82).

Tal tendência [o uso sistemático de listas e enumerações, catálogos e inventários como estratégia narrativa], se não pode ser identificada exclusivamente ao universo latino-americano, posto que parece ser uma das linhas de força da literatura e da arte contemporânea em boa parte do mundo […] — revela-se uma constante na produção cultural das últimas décadas […]. Um sentido, no entanto, deve ser destacado desse cenário multifacetado, […] dado o ajustamento que ele semelha manter com a vida social e a cultura da América Latina. Refiro-me ao efeito de acumulação e circularidade, de repetição cega, […] que o recurso à seriação vai produzir quando associado a uns dos temas fundamentais da cultura em questão: a violência e seus efeitos, o trauma e suas consequências imprevisíveis (Ribeiro, 2016RIBEIRO, Gustavo Silveira (2016). Catálogo dos mortos: a cultura latino-americana contemporânea e os inventários do horror. Alea, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 81-98. https://doi.org/10.1590/1517-106X/181-81
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, p. 84).

A violência em sua face repetitiva e hiperbólica, o uso das enumerações enfatizando o ciclo ininterrupto de brutalidades, o trauma e a melancolia do futuro são elementos recorrentes nas literaturas latino-americanas contemporâneas, incidências que têm 2666 e Los detectives salvajes, de Roberto Bolaño, como exemplos pungentes. Segundo Graciela Ravetti (2019)RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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, certas particularidades de ambos os romances revelariam também outro realismo, de caráter performático reflexivo, nuança que iniciaria “um novo período artístico que cancela[ria] a pós-modernidade” (Ravetti, 2019RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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, p. 28). Esse caráter modelar dos romances, ainda segundo a autora, resultaria no que ela denomina de paradigma Bolaño:

Por novos realismos (performáticos reflexivos) entendo produções literárias narrativas, produzidas na segunda metade do século XX e no século XXI, que utilizam procedimentos que implicam interpelações diretas à experiência viva, com intensos processos de reflexão sobre a produção literária e artística, o que confere um peso ao mesmo tempo artístico e político […] ao esforço de introspecção. A essa vertente de produção literária denomino […] “paradigma-Bolaño” […], não pela influência notável que exerce a obra do escritor Roberto Bolaño […], mas principalmente porque da análise de seus textos emergem temas e usos de tropos que ajudam e predispõem para a inteligibilidade de um conjunto maior (Ravetti, 2019RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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, p. 13).

Especificamente de 2666, interessa-nos retomar os elementos que constituiriam “algumas das linhas mestras da literatura que está sendo escrita hoje: a narração incessante e arriscada, as atmosferas de catástrofes iminentes, os cenários concretos da violência […], as dúvidas tomando conta das narrativas por sobre qualquer certeza ou resolução” (Ravetti, 2019RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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, p. 16). Reincidentes nas narrativas latino-americanas contemporâneas, a violência hiperbólica, a catástrofe e o trauma são “tornados acontecimentos absolutamente banais, antiépicos por excelência” (Ribeiro, 2016RIBEIRO, Gustavo Silveira (2016). Catálogo dos mortos: a cultura latino-americana contemporânea e os inventários do horror. Alea, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 81-98. https://doi.org/10.1590/1517-106X/181-81
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, p. 92), banalização que, nos últimos anos, tem se revelado frequente também nas produções de escritoras latino-americanas de diferentes procedências.

Selva Almada, Samanta Schweblin, Mariana Enriquez, Camila Sosa Villada, Ariana Harwicz (Argentina); María Fernanda Ampuero (Equador); Jennifer Clement, Fernanda Melchor (México); e Ana Paula Maia (Brasil) estão entre as autoras que exploram as brutalidades circundantes e os seus respectivos efeitos, implodindo as expectativas de leitura circunscritas ao “teto todo seu”1 1 De acordo com o estudo “Literatura brasileira contemporânea de autoria feminina: escolhas inclusivas?” (2012), coordenado por Lúcia Zolin, pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá, as escritoras brasileiras contemporâneas, em sua maioria, privilegiariam protagonistas femininas oriundas da classe média urbana. Quanto às questões temáticas, predominariam as ênfases sobre conflitos familiares, amorosos e relativos à sexualidade, abordagens distantes daquelas privilegiadas por Ana Paula Maia. Não encontramos estudos semelhantes voltados às literaturas hispano-americanas de autoria feminina. (Woolf, 2014WOOLF, Virginia (2014). Um teto todo seu. Tradução de Bia Nunes de Sousa. São Paulo: Tordesilhas.). Mesmo que cada uma das escritoras tenha as suas peculiaridades, é possível identificar em seus romances uma espécie de “paixão pelo real”, evidenciada pela exploração direta de acontecimentos traumáticos, bem como pela inserção das personagens em um contexto biopolítico que não promove a vida, mas que as circunscreve a uma realidade inerte e repetitiva (Neves e Zolin, 2021NEVES, Lígia; ZOLIN, Lúcia (2021). Ana Paula Maia e a literatura de autoria feminina: mulheres no seu (in)devido lugar. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 62, p. e6210, 2021. https://doi.org/10.1590/2316-40186210
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, p. 7-8).

Os romances Temporada de huracanes (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., de Melchor, e Enterre seus mortos (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., de Maia, são os pontos de partida dessa especulação, que pretende tratar o antiépico nas literaturas latino-americanas, incidência que permite entrever um território latino-americano conflagrado por tensões. A escolha desses romances, de maneira especial, se dá não apenas por serem produções de autoras, mesmo que o ângulo escolhido por Melchor e Maia esteja sendo explorado de forma crescente entre muitas das escritoras latino-americanas.

O recorte justifica-se pelo fato de as manifestações de Fernanda Melchor e de Ana Paula Maia “responderem” ao inquantificável da morte e do trauma mediante estratégias semelhantes no que diz respeito à construção das personagens (as quais são, de certo modo, planificadas/esvaziadas) e à representação dos regimes territoriais de significação (espaços diegéticos configurados à semelhança de “ilhas” dentro das cidades brutalmente divididas). Nos romances citados, a ênfase sobre o “esvaziamento” das personagens e sobre a configuração notadamente disfuncional dos espaços diegéticos tem um duplo efeito: reitera a faceta antiépica (tratada por Ribeiro, 2016RIBEIRO, Gustavo Silveira (2016). Catálogo dos mortos: a cultura latino-americana contemporânea e os inventários do horror. Alea, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 81-98. https://doi.org/10.1590/1517-106X/181-81
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) e revela algumas das facetas de realismo performático reflexivo (desenvolvido por Ravetti, 2019RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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) nos romances latino-americanos contemporâneos.

Ao tratar sobre os regimes territoriais de significação e sobre a construção das personagens nos romances latino-americanos a partir dos anos 2000, Josefina Ludmer (2013LUDMER, Josefina (2013). Aqui América latina: uma especulação. Tradução de Rômulo Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 120) revela que, “[n]o interior da ilha, o urbano já não se opõe ao rural, assim como o humano e o animal. O regime [de significação] apaga essas diferenças, promovendo sua mistura, superposição e fusão”. Nesse contexto, seriam também apagadas as diferenças sociais: os habitantes das referidas ilhas seriam todos dotados de “traços pré-individuais, biológicos, pós-subjetivos; algo como um fundo ‘natural’, como o sangue, o sexo, a idade, as doenças ou a morte” (Ludmer, 2013LUDMER, Josefina (2013). Aqui América latina: uma especulação. Tradução de Rômulo Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 120).

Nos romances de Melchor (2017) e de Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras. os espaços diegéticos são também configurados como as “ilhas” mencionadas por Ludmer (2013)LUDMER, Josefina (2013). Aqui América latina: uma especulação. Tradução de Rômulo Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG.: neles, as diferenças não podem ser nitidamente identificadas por estarem sobrepostas. A miséria em todos os sentidos desdiferencia as esferas rural/urbano, local/cosmopolita; o desamparo total, o esvaziamento — que impede até mesmo a identificação da própria subalternidade — são os elementos que nivelam as personagens e não categorias preestabelecidas (como as divisões de classe, de gênero, de origem, de natureza étnico-racial).

Atadas a formas de dominação que não conseguem sequer identificar, as personagens dos romances — sobretudo as de Enterre seus mortos2 2 Na narrativa de Maia (2018) o protagonista, Edgar Wilson, é um homem brutalizado que trabalha recolhendo carcaças de animais atropelados pelas estradas. Ao deparar com o cadáver de uma mulher à mercê dos abutres, ele, acompanhado por seu amigo Tomás, um padre excomungado, empreende a acidentada missão de dar um destino ao corpo encontrado. , de Ana Paula Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras. — pouco se diferenciam dos animais não humanos. Na passagem a seguir, a luta entre um equino agonizante e um homem impotente parece estabelecer um estranho e trágico paralelismo, porém, enquanto o cavalo reage violentamente à morte inevitável, o homem sucumbe à fatalidade:

Metade do corpo do cavalo atravessou o para-brisa do carro em frente ao assento do carona. O animal está parcialmente preso à carroça e o cabresto não se partiu com o impacto. As patas traseiras sobre o capô tentam encontrar algum equilíbrio, porém quanto mais o animal se movimenta, mais escorrega […]. O cavalo agonizante desfere movimentos bruscos na tentativa de se libertar, e quanto mais se move mais sangra. O homem, impotente ao seu lado, apresenta alguns ferimentos e arranhões. Ao mesmo tempo o animal se debate e esbofeteia o homem, cujos sentidos estão arrefecidos devido à luta corporal com o equino (Maia, 2018MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., p. 17-18).

Passagem que sugere a partilha de uma mesma sina por humanos e quadrúpedes — ainda que cada uma das espécies responda de modo distinto à fatalidade (seja de modo instintivo, seja por inação) —, a mesma circunstância brutal incide sobre os viventes e, de certo modo, os nivela. A circunstância ficcional permite inferir que as formas de dominação incidentes sobre ambas as espécies estão inter-relacionadas, bem como as suas respectivas possibilidades de libertação. À semelhança dos animais não humanos, as personagens de Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras. de maneira geral e em Enterre seus mortos, de modo específico, não fazem projeções: cada um de seus romances apenas expressa a já mencionada melancolia do futuro, o sentimento de um porvir devastador. Na ficção de Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras. o humano e o não humano convergem, ambos são “capturados em sua vulnerabilidade, em sua existência precária”, estão também encerrados no âmbito de uma racionalidade econômica na qual tudo é capturável ou capitalizável (Neves e Zolin, 2021NEVES, Lígia; ZOLIN, Lúcia (2021). Ana Paula Maia e a literatura de autoria feminina: mulheres no seu (in)devido lugar. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 62, p. e6210, 2021. https://doi.org/10.1590/2316-40186210
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, p. 2).

O embate do equino no momento de sua agonia parece espelhar a postura do protagonista do romance, Edgar Wilson, diante da desolação do presente e da devastação que o futuro tem a lhe oferecer. Se a brutalidade é uma constante em sua existência e a morte violenta, inevitável, Edgar, no entanto, “desfere movimentos bruscos na tentativa de se libertar” ao assumir uma missão que, ao longo da narrativa, se revela árdua: entregar o corpo de uma mulher encontrada enforcada às autoridades, livrando-o, assim, de ser devorado pelos abutres. Responsável pelo recolhimento dos corpos de animais mortos espalhados pelas estradas de um território desolado (de uma “ilha”), Wilson é movido por uma espécie de ética que, longe de ser redentora, revela uma insurgência, como se a missão por ele adotada lhe assegurasse um “simulacro de cidadania” (Meirelles, 2015MEIRELLES, Daniela Cristina Leal (2015). Rinhas de humanos: violência e negação de cidadania em Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos de Ana Paula Maia. Krypton, n. 5/6, p. 208-216. https://doi.org/10.13134/2282-3301/627
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, p. 215).

Enquanto segue esses poucos passos, pensa no que falará sobre o corpo da mulher dentro do freezer. Talvez custe o seu emprego, porém, neste momento, de nada adianta se lamentar. Ele fez uma escolha. Poderia deixá-la ser devorada pelos abutres até sobrar somente a caveira. Mas para ele aquela mulher valia tanto quanto um abutre e tinha o direito de ser recolhida como o resto dos animais mortos (Maia, 2018MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., p. 48, grifos meus).

Como outras das personagens de Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras. (Erasmo Wagner, Bronco Gil, Tomás), Edgar Wilson não espera pela ajuda ou pela justiça, que nunca virão; como eles, “arregaça as mangas”, se “debate”, “esbofeteia o homem” que ainda é: mesmo que lhe custe o emprego, ele fez uma escolha. Personagem cujas ações são regidas por uma espécie de (trágico) automatismo, Edgar Wilson tem a sua parcela empática despertada ao atribuir à morte (e à vida) dos seres de diferentes espécies uma mesma importância. Ao prestar aos corpos dos animais humanos e não humanos o mesmo tributo, a personagem é “resgatada” de seu (até então) inquestionável assujeitamento, insurgência que pode ser, de certo modo, mensurada se considerarmos as condições de sua sobrevida. Assim como outras personagens de Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., Edgar não opera apenas com a falta ou com o pouco: ele tem de lidar com os restos produzidos por pessoas que pouco se importam com o seu destino ou que sequer percebem a existência de homens e de mulheres que, como o protagonista, desempenham determinadas funções. A despeito da invisibilidade social incidente sobre esses indivíduos, o lixo continua sendo recolhido; os matadouros, as carvoarias, as clínicas psiquiátricas e as prisões seguem operando.

Edgar Wilson, no entanto, consegue “elevar-se” ligeiramente em relação àqueles que vivem a mesma precariedade, já que, de acordo com a sua perspectiva, lidar com a morte e os seus despojos representa uma forma de ludibriá-la: “Observava diariamente a vida evoluir para a morte. Para ele, estar na presença de um cadáver o deixava um passo atrás da morte, como se ela não pudesse alcançá-lo, pois assim como o fluxo da vida segue sempre em frente, também o da morte avança” (Maia, 2018MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., p. 13). Estar um passo atrás da finitude inevitável, porém, não significa que a personagem a tema: “Assim como não teme o pôr do sol, Edgar Wilson entende que não deve temer a morte. Ambos ocorrem involuntariamente num fluxo contínuo. De certa forma, o inevitável lhe agrada. Sentir-se passível de morrer fortalece suas decisões” (Maia, 2018MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., p. 71-72, grifo meu).

Conforme as possibilidades limitadas de seu horizonte, o automatismo de suas funções e a precariedade da sua sobrevida, tanto a missão assumida por Edgar Wilson quanto as suas reflexões acerca da finitude são os elementos que impedem o completo esvaziamento da personagem. Mesmo que as condições do entorno coloquem a disposição insurgente do protagonista constantemente à prova, “[e]le fez uma escolha”.

Também circunscritas à sobrevida, as personagens de Temporada de huracanes (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House.3 3 A versão brasileira do romance de Melchor, publicada em 2020 pela editora Mundaréu, foi traduzida por Antônio Xerxenesky sob o título de Temporada de furacões. Neste artigo, optamos por manter as citações no corpo do texto no idioma original e por transcrever as passagens da edição brasileira nas notas de rodapé. , da escritora mexicana Fernanda Melchor, por outro lado, não escapam do esvaziamento de sentido4 4 Temporada de huracanes é um romance circunscrito ao assassinato de uma misteriosa mulher denominada no povoado simplesmente de Bruja. Ao longo da leitura, somos apresentados ao passado recente de Vila Matosa, às origens da Bruja, bem como às demais personagens e aos seus conflitos. A violência exacerbada, os crimes, os delitos e as carências de toda a ordem são onipresentes na narrativa, atravessam a existência de todas as personagens e dinamizam todos os acontecimentos diegéticos. . Reduzidas aos “traços pré-individuais, biológicos, pós-subjetivos” apontados por Ludmer (2013)LUDMER, Josefina (2013). Aqui América latina: uma especulação. Tradução de Rômulo Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG., as personagens de Melchor transitam por um território hostil, atravessado “pelo capitalismo, pelo tráfico, pelas máfias e pelas políticas da morte” (Ludmer, 2013LUDMER, Josefina (2013). Aqui América latina: uma especulação. Tradução de Rômulo Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 112). Nesse sentido, tanto as personagens de Melchor quanto as de Maia habitam ilhas, “parecem ter perdido a sociedade, ou algo que a representa na forma de família, classe, trabalho, razão e lei” (Ludmer, 2013LUDMER, Josefina (2013). Aqui América latina: uma especulação. Tradução de Rômulo Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 119). Contudo, se os protagonistas de Maia conseguem forjar ao menos simulacros de cidadania, as personagens de Temporada parecem condicionadas ao “fundo natural” do sangue, do sexo, da doença e da morte.

Acentuado pela escolha do narrador onisciente, o esvaziamento das personagens de Melchor (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House. é parcialmente “preenchido” pelo ódio (Yesenia), pela perversidade (Franco), pelo vício (Luismi), pelo desejo (Bruja), pela carência (Norma), pela luxúria (Chabela). Além das personagens citadas — as quais têm em comum o fato de estarem, cada uma delas, circunscritas em uma única motivação —, pelo território/ilha de Vila Matosa transitam seres ainda mais levianos: homens reduzidos a “las espaldas relucientes en su lustre de cuero bruñido” (Melchor, 2017MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., p. 20), homens “color canela, color caoba tirando a palo de rosa” (Melchor, 2017MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., p. 20), aos quais a Bruja lança “la fuerza de su deseo en el haz penetrante de su negra mirada”5 5 “Homens reduzidos ‘às costas reluzentes no seu lustro de couro polido’, homens ‘cor de canela, cor de mogno com toque de rosa’ — aos quais a Bruxa lança ‘a força do seu desejo no raio penetrante do seu olhar negro’” (Melchor, 2020, p. 31-32). (Melchor, 2017MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., p. 20); mulheres “arrancadas desde quién sabe dónde por el mismo viento que enredaba las bolsas de plástico en los cañales” (Melchor, 2017MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., p. 20). Essas mulheres marginalizadas, “trazidas pelo vento”, assim como os restos da sociedade de consumo, são as únicas que, conforme revela a passagem, desenvolvem laços com a Bruja:

Ahí en medio de la pista de tierra apisonada, borrachas de cumbia y caña, perdidas en el ritmo amnésico del tumpa tumpa; muchachas gastadas antes de tiempo, arrancadas desde quién sabe dónde por el mismo viento que enredaba las bolsas de plástico en los cañales; mujeres cansadas de la vida, […] se atrevieron a ir a ver a la Bruja a su casa perdida entre los sembradíos […]. Fueron ellas las únicas, en suma, a las que la Bruja decidió ayudar y, cosa rara, sin cobrarles un solo peso, lo cual era bueno porque la mayor parte de las chicas de la carretera con dificultad comían una vez al día y muchas no eran dueñas ni de la toalla con la que se limpiaban los humores de los machos con los que cogían, […] las únicas a las que a veces la bruja les confesaba sus propias cuitas, tal vez porque ellas comprendían y sentían en carne propia lo cabrón que era el vicio de los hombres (Melchor, 2017MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., p. 25)6 6 “[A]li no meio da pista de terra batida, bêbadas de cumbia e breja, perdidas no ritmo amnésico do tumpa tumpa, mulheres gastas antes da hora, arrancadas sabe-se lá de onde pelo mesmo vento que enredava as sacolas plásticas nos canais, mulheres cansadas da vida […], se atreviam a ir ver a Bruxa em sua casa perdida entre as plantações […]. Elas foram as únicas, em suma, a quem a Bruxa decidiu ajudar e, coisa rara, sem cobrar um só peso, o que era bom, porque a maioria da garotas da estrada tinha dificuldade de comer uma vez por dia, e muitas não eram donas nem da toalha com a qual limpavam os fluidos dos machos com quem trepavam […], as únicas a quem a Bruxa às vezes confessava suas próprias aflições, talvez porque elas compreendessem e sentissem na própria carne como era horrível o vício em homens” (Melchor, 2020, p. 36). .

Ainda que a miséria e a brutalidade incidam sobre todas as personagens e os tipos anônimos que circulam por Vila Matosa, será sobre a mulher trans (Bruja) — constantemente humilhada pelos homens que deseja e, por fim, assassinada por aqueles que pretendiam roubá-la — e sobre a menina Norma — vítima do abuso da mãe, do padrasto e das enfermeiras que a destratam por ter realizado um aborto —, sobre as bastardas, “las hijas de la chingada”7 7 Segundo Octavio Paz (2006), “el hijo de la Chingada” é o fruto de uma violação. Na cultura mexicana, a alcunha está associada à violência do processo de colonização e tem um sentido distinto do popular “hijo de puta”. , portanto, que recairá a violência em sua face mais cruel. Onipresente e repetitiva, a brutalidade veda às personagens femininas de Melchor (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., especialmente a Norma, a possibilidade de “arregaçar[em] as mangas”, de forjarem os seus respectivos simulacros de cidadania:

Quién eres, cómo te llamas, qué te tomaste, dónde lo botaste, cómo pudiste hacerlo, y luego nada, un silencio negro salpicado de gritos, del llanto de niños recién nacidos que la llamaban, coreando su nombre, y despertó para encontrarse desnuda bajo la bata de tela basta, atada al barandal de la cama con vendas que le quemaban la piel de las muñecas, en medio del parloteo de las mujeres y la peste rancia y lechosa del sudor de los críos que berreaban en el calor de la sala y que hacían que Norma quisiera escapar corriendo de aquel sitio, romper sus vendajes y huir como fuera del sanatorio, huir de su propio cuerpo adolorido, […] quería tirar y tirar de aquellas vendas hasta romperlas, escapar de aquel lugar donde todos la miraban con odio, donde todos parecían saber lo que había hecho; estrangularse las manos, degollarse a sí misma en un grito elemental que, al igual que la orina, ya no pudo contener por más tiempo: mamá, mamita, gritó a coro con los recién nacidos. Quiero irme a casa, mamita, perdóname todo lo que te hice (Melchor, 2017MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., p. 146-147)8 8 “[Q]uem é você, qual o seu nome, onde você o enfiou, como pôde fazer isso, e depois nada, um silêncio escuro salpicado de gritos, do pranto de crianças recém-nascidas que a chamavam, cantando o seu nome, e acordou, vendo-se nua sob a bata de um tecido alinhavado, presa à grade da cama com faixas que queimavam a pele de seus punhos, em meio à tagarelice das mulheres e o fedor azedo e leitoso do suor das crianças que berravam no calor da sala e que fazia com que Norma quisesse escapar correndo daquele lugar, rasgar as faixas e fugir de qualquer maneira do hospital, fugir do seu próprio corpo dolorido […], queria puxar e puxar aquelas faixas até rompê-las, escapar daquele lugar onde todos a olhavam com ódio, onde todos pareciam saber o que ela tinha feito; estrangular-se com as próprias mãos, degolar a si mesma em um grito primordial que, assim como a urina, não conseguiu segurar por mais tempo: mamãe, mamãezinha, gritou, com o coro dos recém-nascidos. Quero ir para casa, mamãezinha, me perdoe por tudo o que eu fiz” (Melchor, 2020, p. 143-144). .

A violência exacerbada que recai sobre as personagens mais vulneráveis de Temporada de huracanes, como o próprio fragmento em destaque permite entrever, está longe de atender às “facilidades muitas vezes reconfortantes de um realismo codificado, voltado para a denúncia e para o julgamento” (Ribeiro, 2016RIBEIRO, Gustavo Silveira (2016). Catálogo dos mortos: a cultura latino-americana contemporânea e os inventários do horror. Alea, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 81-98. https://doi.org/10.1590/1517-106X/181-81
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, p. 83); está distante de corresponder ao apelo da redução naturalista e ao maniqueísmo que costumam acompanhar a noção convencional de estética realista.

Conforme o exposto por Ravetti (2019)RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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, pode-se pensar o romance de Melchor (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House. como uma narrativa que materializa o realismo performático reflexivo/paradigma Bolaño, já que nele “há a narração que interpela o estado de crise social dramática e violenta” (Ravetti, 2019RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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, p. 27), a qual acaba por revelar “cenas de intimidade e de introspecção das personagens” (Ravetti, 2019RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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, p. 27). Em Temporada de huracanes, como o próprio título do romance sugere, “o caráter de antecipação catastrófica de cenários hoje impensáveis” (Ravetti, 2019RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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, p. 27) aponta também para a irresolução dos conflitos e das tramas, bem como para a melancolia do futuro característicos do realismo performático reflexivo. Na “ilha” de La Matosa, onde “decapitados, descuartizados, encobijados, embolsados que aparecen en los recodos de los caminos o en fosas cavadas con prisa en los terrenos que rodean las comunidades”9 9 “Corpos decapitados, esquartejados, envoltos em cobertas, escondidos que aparecem em cantos das trilhas ou em fossas cavadas às pressas nos terrenos que cercam as comunidades” (Melchor, 2020, p. 203). (Melchor, 2017MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., p. 216), não há a possibilidade de amparo ou de fuga. No povoado, não há “nada más que un dolor punzante que se niega a disolverse”10 10 “Nada além de uma dor pungente que se nega a se dissolver” (Melchor, 2020, p. 204). (Melchor, 2017MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., p. 217).

Romances situados em territórios conflagrados, cujas opressões, repetitivas e sobrepostas, evocam o trauma e o infinito trabalho de luto decorrentes dos períodos de exceção que assombram a história recente dos países latino-americanos, Temporada de huracanes, de Fernanda Melchor (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House., e Enterre seus mortos, de Ana Paula Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., revelam ao leitor a melancolia do futuro, a impossibilidade de qualquer espécie de alívio catártico ou de vislumbre de esperança. Também é comum às narrativas o direcionamento ao antiépico, já que nelas a circularidade e a repetição sistemática da violência atroz revelam a banalização da brutalidade.

Distantes das pretensões didáticas e/ou de denúncia associadas à estética realista, ambos os romances parecem afastados das abordagens comumente associadas às narrativas de autoria feminina. Por outro lado, não pode ser ignorado o fato de as duas narrativas tratarem a problemática da seriação/sobreposição de violências (observada por Ribeiro, 2016RIBEIRO, Gustavo Silveira (2016). Catálogo dos mortos: a cultura latino-americana contemporânea e os inventários do horror. Alea, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 81-98. https://doi.org/10.1590/1517-106X/181-81
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) de modo peculiar, tampouco o modo distinto como os romances materializam o realismo performático reflexivo. Nos romances em análise, ainda que banalizadas, as brutalidades não são simplesmente “empilhadas”, mas tratadas das perspectivas daquelas e daqueles que, ainda que não o saibam, estão reduzidos à condição de viventes, de seres cujos corpos, violentados em sua dignidade ontológica, estão à mercê do sobrevivencialismo biológico promovido pela gestão biopolítica (Neves e Zolin, 2021NEVES, Lígia; ZOLIN, Lúcia (2021). Ana Paula Maia e a literatura de autoria feminina: mulheres no seu (in)devido lugar. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 62, p. e6210, 2021. https://doi.org/10.1590/2316-40186210
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). Ao enfatizarem o ângulo das personagens sobre as quais a violência incide de forma atroz, as autoras direcionam aos subalternizados uma espécie de olhar empático, ângulo que parece deslocar os seus respectivos romances dos já paradigmáticos 2666 e Los detectives salvajes11 11 Ainda que os romances de Bolaño problematizem a violência que atravessa a nossa história recente e que repercute sobre os nossos dias, os ângulos adotados pelas narrativas citadas tratam as brutalidades por meio de um distanciamento que parece afetar o leitor pelo incômodo. No caso de Melchor (2017) e Maia (2018), as estratégias discursivas, por outro lado, parecem ocasionar maior aproximação entre leitoras/leitores e personagens: diante das atrocidades que acometem os últimos, certa sensibilização daquela/daquele que lê é inevitável. .

A respeito das facetas do realismo reflexivo adotadas pelos romances, é relevante destacar que há uma pequena diferença entre eles: se no romance de Melchor (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House. se observam o esvaziamento e o reflexo da crise social projetados no nível da introspecção das personagens, indicativos do que Ravetti (2019)RAVETTI, Graciela (2019). Literatura latino-americana contemporânea: reflexões sobre paradigmas, convergências e legados. Olho D’Água, São José do Rio Preto, v. 11, n. 1, p. 12-31. Disponível em: http://www.olhodagua.ibilce.unesp.br/index.php/Olhodagua/article/view/562. Acesso em 12 jul. 2022.
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denomina de realismo performático reflexivo; em Enterre seus mortos o ato de insurgência do protagonista evoca a tentativa de forjar um simulacro de cidadania que acaba por afastá-lo do completo esvaziamento. O romance de Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras. também é caracterizado pela simplicidade do arranjo narrativo, o qual revela certo afastamento entre o citado e aqueles representativos do realismo performático reflexivo/paradigma Bolaño — voltados à experimentação estética e à polifonia que remetem ao performático. Talvez as inquietações do protagonista Edgar Wilson estejam mais próximas de uma espécie de realismo reflexivo de nuanças existencialistas, distante da urgência que dinamiza as personagens de Melchor — por mais que a ânsia que as movimenta torne mais curto o caminho de cada personagem para a vala comum12 12 No capítulo final de Temporada de huracanes surge uma personagem denominada de Abuelo, ancião responsável pelo enterro de corpos, muitos deles mutilados ou esquartejados, em uma fossa comum. Ao ser questionado por outra personagem sobre o porquê de não enterrar os mortos (ou o que restou deles) em pé, Abuelo pensa consigo: “Sabía que aquello nunca funcionaba. Daban mucha guerra si no estaban acostaditos, bien acomodados el uno sobre el outro” (Melchor, 2020, p. 219). Curiosamente, Enterre seus mortos também termina de modo semelhante, com Edgar Wilson e Tomás empilhando os corpos de um rebanho de 300 ovelhas, que obstruem uma rodovia. Diante do trabalho interminável, ambos os personagens seguem firmes em sua tarefa, cientes de que a remoção dos cadáveres dos animais “é tudo o que podem fazer” (Maia, 2018, p. 130). .

Atentas à redução do humano ao sobrevivencialismo, Melchor (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House. e Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras. apresentam às leitoras e aos leitores ilhas que se intercomunicam pela onipresença da violência em sua faceta hiberbólica, ênfase que remete não só ao “esmagamento” das personagens ficcionais, mas também à projeção de um porvir devastador. Ambas as autoras, no entanto, adotam perspectivas deslocadas do denominado paradigma Bolaño no que diz respeito ao “inventário” das brutalidades. Seja por legar à voz narrativa a criticidade diante da barbárie (Melchor), seja por atribuir a capacidade autorreflexiva às personagens (Maia), Temporada de huracanes e Enterre seus mortos vão além do “empilhamento dos corpos”, delineando possibilidades críticas e estéticas peculiares quanto à projeção da referida melancolia de futuro.

  • 1
    De acordo com o estudo “Literatura brasileira contemporânea de autoria feminina: escolhas inclusivas?” (2012), coordenado por Lúcia Zolin, pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá, as escritoras brasileiras contemporâneas, em sua maioria, privilegiariam protagonistas femininas oriundas da classe média urbana. Quanto às questões temáticas, predominariam as ênfases sobre conflitos familiares, amorosos e relativos à sexualidade, abordagens distantes daquelas privilegiadas por Ana Paula Maia. Não encontramos estudos semelhantes voltados às literaturas hispano-americanas de autoria feminina.
  • 2
    Na narrativa de Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras. o protagonista, Edgar Wilson, é um homem brutalizado que trabalha recolhendo carcaças de animais atropelados pelas estradas. Ao deparar com o cadáver de uma mulher à mercê dos abutres, ele, acompanhado por seu amigo Tomás, um padre excomungado, empreende a acidentada missão de dar um destino ao corpo encontrado.
  • 3
    A versão brasileira do romance de Melchor, publicada em 2020 pela editora Mundaréu, foi traduzida por Antônio Xerxenesky sob o título de Temporada de furacões. Neste artigo, optamos por manter as citações no corpo do texto no idioma original e por transcrever as passagens da edição brasileira nas notas de rodapé.
  • 4
    Temporada de huracanes é um romance circunscrito ao assassinato de uma misteriosa mulher denominada no povoado simplesmente de Bruja. Ao longo da leitura, somos apresentados ao passado recente de Vila Matosa, às origens da Bruja, bem como às demais personagens e aos seus conflitos. A violência exacerbada, os crimes, os delitos e as carências de toda a ordem são onipresentes na narrativa, atravessam a existência de todas as personagens e dinamizam todos os acontecimentos diegéticos.
  • 5
    “Homens reduzidos ‘às costas reluzentes no seu lustro de couro polido’, homens ‘cor de canela, cor de mogno com toque de rosa’ — aos quais a Bruxa lança ‘a força do seu desejo no raio penetrante do seu olhar negro’” (Melchor, 2020MELCHOR, Fernanda (2020). Temporada de furacões. Tradução de Antônio Xerxenesky. São Paulo: Mundaréu., p. 31-32).
  • 6
    “[A]li no meio da pista de terra batida, bêbadas de cumbia e breja, perdidas no ritmo amnésico do tumpa tumpa, mulheres gastas antes da hora, arrancadas sabe-se lá de onde pelo mesmo vento que enredava as sacolas plásticas nos canais, mulheres cansadas da vida […], se atreviam a ir ver a Bruxa em sua casa perdida entre as plantações […]. Elas foram as únicas, em suma, a quem a Bruxa decidiu ajudar e, coisa rara, sem cobrar um só peso, o que era bom, porque a maioria da garotas da estrada tinha dificuldade de comer uma vez por dia, e muitas não eram donas nem da toalha com a qual limpavam os fluidos dos machos com quem trepavam […], as únicas a quem a Bruxa às vezes confessava suas próprias aflições, talvez porque elas compreendessem e sentissem na própria carne como era horrível o vício em homens” (Melchor, 2020MELCHOR, Fernanda (2020). Temporada de furacões. Tradução de Antônio Xerxenesky. São Paulo: Mundaréu., p. 36).
  • 7
    Segundo Octavio Paz (2006)PAZ, Octavio (2006). O labirinto da solidão. Tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro: Paz e Terra., “el hijo de la Chingada” é o fruto de uma violação. Na cultura mexicana, a alcunha está associada à violência do processo de colonização e tem um sentido distinto do popular “hijo de puta”.
  • 8
    “[Q]uem é você, qual o seu nome, onde você o enfiou, como pôde fazer isso, e depois nada, um silêncio escuro salpicado de gritos, do pranto de crianças recém-nascidas que a chamavam, cantando o seu nome, e acordou, vendo-se nua sob a bata de um tecido alinhavado, presa à grade da cama com faixas que queimavam a pele de seus punhos, em meio à tagarelice das mulheres e o fedor azedo e leitoso do suor das crianças que berravam no calor da sala e que fazia com que Norma quisesse escapar correndo daquele lugar, rasgar as faixas e fugir de qualquer maneira do hospital, fugir do seu próprio corpo dolorido […], queria puxar e puxar aquelas faixas até rompê-las, escapar daquele lugar onde todos a olhavam com ódio, onde todos pareciam saber o que ela tinha feito; estrangular-se com as próprias mãos, degolar a si mesma em um grito primordial que, assim como a urina, não conseguiu segurar por mais tempo: mamãe, mamãezinha, gritou, com o coro dos recém-nascidos. Quero ir para casa, mamãezinha, me perdoe por tudo o que eu fiz” (Melchor, 2020MELCHOR, Fernanda (2020). Temporada de furacões. Tradução de Antônio Xerxenesky. São Paulo: Mundaréu., p. 143-144).
  • 9
    “Corpos decapitados, esquartejados, envoltos em cobertas, escondidos que aparecem em cantos das trilhas ou em fossas cavadas às pressas nos terrenos que cercam as comunidades” (Melchor, 2020MELCHOR, Fernanda (2020). Temporada de furacões. Tradução de Antônio Xerxenesky. São Paulo: Mundaréu., p. 203).
  • 10
    “Nada além de uma dor pungente que se nega a se dissolver” (Melchor, 2020MELCHOR, Fernanda (2020). Temporada de furacões. Tradução de Antônio Xerxenesky. São Paulo: Mundaréu., p. 204).
  • 11
    Ainda que os romances de Bolaño problematizem a violência que atravessa a nossa história recente e que repercute sobre os nossos dias, os ângulos adotados pelas narrativas citadas tratam as brutalidades por meio de um distanciamento que parece afetar o leitor pelo incômodo. No caso de Melchor (2017)MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes. Cidade do México: Random House. e Maia (2018)MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., as estratégias discursivas, por outro lado, parecem ocasionar maior aproximação entre leitoras/leitores e personagens: diante das atrocidades que acometem os últimos, certa sensibilização daquela/daquele que lê é inevitável.
  • 12
    No capítulo final de Temporada de huracanes surge uma personagem denominada de Abuelo, ancião responsável pelo enterro de corpos, muitos deles mutilados ou esquartejados, em uma fossa comum. Ao ser questionado por outra personagem sobre o porquê de não enterrar os mortos (ou o que restou deles) em pé, Abuelo pensa consigo: “Sabía que aquello nunca funcionaba. Daban mucha guerra si no estaban acostaditos, bien acomodados el uno sobre el outro” (Melchor, 2020MELCHOR, Fernanda (2020). Temporada de furacões. Tradução de Antônio Xerxenesky. São Paulo: Mundaréu., p. 219). Curiosamente, Enterre seus mortos também termina de modo semelhante, com Edgar Wilson e Tomás empilhando os corpos de um rebanho de 300 ovelhas, que obstruem uma rodovia. Diante do trabalho interminável, ambos os personagens seguem firmes em sua tarefa, cientes de que a remoção dos cadáveres dos animais “é tudo o que podem fazer” (Maia, 2018MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos. São Paulo: Companhia das Letras., p. 130).

REFERÊNCIAS

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  • BOLAÑO, Roberto (1998). Los detectives salvajes Barcelona: Anagrama.
  • LUDMER, Josefina (2013). Aqui América latina: uma especulação. Tradução de Rômulo Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG.
  • MAIA, Ana Paula (2018). Enterre seus mortos São Paulo: Companhia das Letras.
  • MEIRELLES, Daniela Cristina Leal (2015). Rinhas de humanos: violência e negação de cidadania em Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos de Ana Paula Maia. Krypton, n. 5/6, p. 208-216. https://doi.org/10.13134/2282-3301/627
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  • MELCHOR, Fernanda (2017). Temporada de huracanes Cidade do México: Random House.
  • MELCHOR, Fernanda (2020). Temporada de furacões Tradução de Antônio Xerxenesky. São Paulo: Mundaréu.
  • NEVES, Lígia; ZOLIN, Lúcia (2021). Ana Paula Maia e a literatura de autoria feminina: mulheres no seu (in)devido lugar. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 62, p. e6210, 2021. https://doi.org/10.1590/2316-40186210
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  • PAZ, Octavio (2006). O labirinto da solidão Tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2022
  • Aceito
    22 Fev 2023
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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