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Narrativas contestadas: representação feminina afro-brasileira em Maréia, de Miriam Alves* * O trabalho faz parte de investigações decorrentes da pesquisa de pós-doutorado intitulada “Voces Femeninas Latinoamericanas y los Derechos Humanos de las Mujeres: literatura y activismo”, que vem sendo realizada ao longo dos anos de 2022 e 2023 na Universidade de Sevilla, Espanha (Michele Freire Schiffler); e da dissertação de Mestrado intitulada “A Mulher na Literatura Afro-Brasileira: Maréia, por Miriam Alves”, defendida em 1 de dezembro de 2022, na Universidade Federal do Espírito Santo, tendo financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Capes (Mônica Alves Fernandes).

Contested Narratives: afro-brazilian female representation in Maréia, by Miriam Alves

Narrativas en disputa: la representación femenina afrobrasileña en Maréia, de Miriam Alves

Resumo

O presente artigo objetiva discutir a representação da mulher na obra literária Maréia, de Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., como espaço de legitimação das narrativas femininas afro-brasileiras. Tal abordagem evidencia a ocupação de territórios contestados (Dalcastagnè, 2012aDALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l, n. 2. Disponível em: https://iberical.sorbonne-universite.fr/wp-content/uploads/2012/03/002-02.pdf. Acesso em: 16 nov. 2022.
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, 2021bDALCASTAGNÈ, R. (2021). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2021.) no cenário literário nacional como estratégia de representação e de resistência a narrativas hegemônicas quanto a comunidades afro-diaspóricas. Com base na construção de suas personagens femininas, Miriam Alves ocupa o território literário nacional inscrevendo sujeitos comprometidos ética e esteticamente com a ruptura de representações racistas e patriarcais. Nessa perspectiva, o conceito de interseccionalidade será acionado como episteme, segundo o que é proposto por Carla Akotirene (2019)AKOTIRENE, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Pólen..

Palavras-chave:
literatura feminina afro-brasileira; interseccionalidade; Miriam Alves; Maréia

Abstract

This article aims to discuss the women representation in Maréia, written by Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., as a space for legitimation of afro-brazilian female narratives. This approach highlights the occupation of contested territories (Dalcastagnè, 2012aDALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l, n. 2. Disponível em: https://iberical.sorbonne-universite.fr/wp-content/uploads/2012/03/002-02.pdf. Acesso em: 16 nov. 2022.
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, 2021bDALCASTAGNÈ, R. (2021). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2021.) in national literally scene as a strategy of representation and resistance in hegemonic narratives regarding afro-diasporic communities. From the construction of her female characters, Miriam Alves occupies the national literary territory inscribing subjects ethically and aesthetically committed to the rupture of racist and patriarchal representations. In this perspective, the concept of intersectionality will be used as an episteme, according to the propositions of Carla Akotirene (2019)AKOTIRENE, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Pólen..

Keywords:
Afro-brazilian female literature; intersectionality; Miriam Alves; Maréia

Resumen

Este trabajo se propone a discutir la representación de la mujer en la obra Maréia, de Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., como espacio de legitimación de las narrativas femeninas afrobrasileñas. El estudio destaca la ocupación de territorios en disputa (Dalcastagnè, 2012aDALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l, n. 2. Disponível em: https://iberical.sorbonne-universite.fr/wp-content/uploads/2012/03/002-02.pdf. Acesso em: 16 nov. 2022.
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, 2012bDALCASTAGNÈ, R. (2021). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2021.) en la escena literaria nacional como una estrategia de representación y resistencia a las narrativas hegemónicas sobre las comunidades afrodiaspóricas. Desde la construcción de sus personajes femeninos, Miriam Alves ocupa el territorio literario nacional inscribiendo sujetos ética y estéticamente comprometidos con la ruptura de representaciones racistas y patriarcales. En esta perspectiva, se utilizará como epistemología el concepto de interseccionalidad, según lo que plantea Carla Akotirene (2019)AKOTIRENE, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Pólen..

Palabras clave:
literatura femenina afrobrasileña; interseccionalidad; Miriam Alves; Maréia

INTRODUÇÃO

O campo teórico de estudos da literatura brasileira, assim como o mercado editorial nacional, não foge às tensões sociais engendradas pela sociedade capitalista patriarcal. Desse modo, apresentam-se em constante tensão relações de poder produzidas e reproduzidas por marcas que se projetam sobre sujeitos sociais, políticos e culturais. Assim, pensar a literatura brasileira contemporânea desde a perspectiva de gênero e a autoria feminina requer pensar criticamente sobre a ideologia do patriarcado que se perpetua em nossa sociedade. Tomo o termo patriarcado dos estudos de Saffioti (2015Saffioti, H. (2015). Gênero, Patriarcado e Violência. São Paulo: Expressão Popular., p. 44), segundo a qual: trata-se do “regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens”, o qual se perpetua por intermédio de uma ideologia que estabelece lugares sociais para mulheres e homens segundo o paradigma de docilidade para elas e de agressividade para eles. Segundo tal ideologia, as relações entre os sexos são constituídas por hierarquia de poder, em que o homem, compreendido como o provedor, é a parte ativa e forte, tendo dessa maneira o direito de subjugar e decidir pela mulher, colocada como figura passiva e dependente do gênero masculino.

Fazer frente a esse discurso e à reprodução dessa ideologia é urgente, sendo necessária a ação em amplas esferas, políticas e culturais. A arte e a literatura assumem protagonismo nesse processo de ruptura de paradigmas e consequente ocupação de espaços, principalmente no que se refere à brecha de gênero1 1 Tomo com base para essa afirmação o Global Gender Gap Report de 2022 (World Economic Forum, 2022), segundo o qual, no total de 146 países, o Brasil ocupa a 96ᵃ posição no que se refere à igualdade de gênero. Chamam atenção, neste relatório, as questões relacionadas à oportunidade econômica (85ᵃ posição) e à participação política (104ᵃ posição). e ao racismo estrutural. Tomamos o conceito de racismo estrutural de Silvio Almeida (2020ALMEIDA, S. (2020). Racismo Estrutural. São Paulo: Jandaíra., p. 37), segundo o qual se trata de um processo histórico e, portanto, não apenas derivado automaticamente de sistemas econômicos e políticos, em cujo processo de racialização são exercidas estruturas de poder e de reprodução cultural. Segundo o autor: “Em um mundo em que a raça define a vida e a morte, não a tomar como elemento de análise das grandes questões contemporâneas demonstra a falta de compromisso com a ciência e com a resolução das grandes mazelas do mundo” (Almeida, 2020ALMEIDA, S. (2020). Racismo Estrutural. São Paulo: Jandaíra., p. 37).

Nesse contexto de compromisso ético e estético com algumas das grandes mazelas do mundo, como o racismo e o machismo, é importante pensar também a importância da representatividade em territórios tradicionalmente ocupados pela classe hegemônica, marcadamente branca, masculina e heteronormativa.

Dessa perspectiva e tomando a literatura como prática social, Leila Lehnen (2015LEHNEN, L. (2015). Apresentação: Narrativas fora do lugar. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 45, p. 13-20. https://doi.org/10.1590/2316-40184523
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, p. 13) afirma que:

Assim como o mapa material, o mapa simbólico de uma nação, composto por diferentes tipos de narrativas escritas e orais, tem seus territórios centrais e suas zonas periféricas, espaços marginais, que contêm discursos ex-cêntricos, narrativas que sobrevivem “fora do lugar”, aquém ou além dos discursos nacionais hegemônicos.

A autora faz a discussão a respeito de territórios e fronteiras políticas e culturais conforme aquilo a que chamamos nação. Assinala que, ainda que territórios sejam relativamente identificados, as fronteiras são borrosas, tendo em vista que, muitas vezes, discursos e práticas culturais podem ser cooptados pela narrativa nacional hegemônica.

Desse processo entre tênues fronteiras, o que se descortina é uma interculturalidade funcional ao liberalismo, com uma suposta inclusão e diversidade que atuam na manutenção de estruturas de reprodução da diferença colonial. Segundo Catherine Walsh (2012)WALSH, C. (2012). Interculturalidad y (de)colonialidad: Perspectivas críticas y políticas. Visão Global, Joaçaba, v. 15, n. 1-2, p. 61-74., a interculturalidade deve ser crítica no sentido de romper com matrizes coloniais de poder. Tal feito só pode ser alcançado por meio de ações culturais e políticas que visem à ruptura com estruturas hegemônicas de poder. Nesse sentido, práticas culturais que tragam o protagonismo de narrativas “ex-cêntricas”, historicamente marginalizadas e que rompam com a lógica de uma concepção de Estado-Nação marcado pelo tempo pedagógico de reprodução de diferenças e estereótipos, pode ser uma das forças motoras de processos de transformação social. Segundo Homi Bhabha (2010BHABHA, H. K. (2010). O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 207):

Os fragmentos, retalhos e restos da vida cotidiana devem ser repetidamente transformados nos signos de uma cultura nacional coerente, enquanto o próprio ato da performance narrativa interpela um círculo crescente de sujeitos nacionais. Na produção da nação como narração ocorre uma cisão entre a temporalidade continuística, cumulativa, do pedagógico e a estrutura repetitiva, recorrente, do performático. É através deste processo de cisão que a ambivalência conceitual da sociedade moderna se torna o lugar de escrever a nação.

É nesse espaço de escrita da nação que a corporeidade de Miriam Alves se inscreve, literária e politicamente, traçando uma cartografia imaginária e fluida de nação e cultura, com a “inclusão das margens, da periferia não somente simbólica mas também geossocial” (Lehnen, 2015LEHNEN, L. (2015). Apresentação: Narrativas fora do lugar. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 45, p. 13-20. https://doi.org/10.1590/2316-40184523
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, p. 14).

Como afirma Conceição Evaristo (2020)EVARISTO, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (org.). Escrevivência: a escrita de nós – reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte. p. 26-47., apropriar-se de um sistema gráfico para narrar a si em um sistema arte-vida que diz muito sobre a inscrição de identidades e lutas com vistas a um tensionamento político pela legitimação de narrativas, pela ruptura de estereótipos e pela possibilidade concreta de um porvir justo e equânime.

Em diálogo com Dalcastagnè (2012)DALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l, n. 2. Disponível em: https://iberical.sorbonne-universite.fr/wp-content/uploads/2012/03/002-02.pdf. Acesso em: 16 nov. 2022.
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, são vozes que dizem sobre si e sobre o mundo para nele se inscreverem cultural, política e historicamente. A linguagem, como arena, abre-se a conflitos, disputas que extrapolam o campo do discurso e muito dizem sobre a racista e patriarcal sociedade brasileira. Nesse caminho, não se trata apenas de narrar a si, mas da força para desconstruir estereótipos difundidos nas narrativas de poder. Trata-se de “se contrapor a representações já fixadas na tradição literária e, ao mesmo tempo,

de reafirmar a legitimidade de sua própria construção” (Dalcastagnè, 2012DALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l, n. 2. Disponível em: https://iberical.sorbonne-universite.fr/wp-content/uploads/2012/03/002-02.pdf. Acesso em: 16 nov. 2022.
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, p. 15).

Ao pensar a literatura como discurso desestabilizador e, portanto, força motriz de transformações culturais e, consequentemente, sociais, não tratamos apenas de narrativas hegemônicas e contranarrativas, mas da realidade daqueles que têm condições materiais concretas de seguir existindo. No Brasil, essa parcela tem cor e classe social bem definidos. Dados do Atlas da Violência (IPEA, 2021INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA) (org.). (2021). Atlas da Violência 2019. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.), infelizmente, comprovam essa afirmação ao constatar que 77% dos jovens assassinados no Brasil são negros e que 66% das mulheres vítimas de homicídio também o são.

LITERATURA EM SOCIEDADE: CONSIDERAÇÕES SOBRE O MERCADO EDITORIAL

A visibilidade e a possibilidade de falar ao mundo por meio da literatura são urgentes. Os dados da pesquisa de Dalcastagnè (2021)DALCASTAGNÈ, R. (2021). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2021. demonstram a realidade da desigual sociedade brasileira por intermédio de sua interface literária. Território este contestado por escritores e escritoras afro-brasileiras que, por intermédio de editoras alternativas ou ainda não conhecidas do grande público, firmam territórios e resistências.

Segundo a pesquisadora:

Os dados mostram que o romance contemporâneo privilegia a representação de um espaço social restrito. Suas personagens são, em sua maioria, brancas, do sexo masculino das classes médias. Sobre outros grupos, imperam os estereótipos. As mulheres brancas aparecem como donas de casa; as negras como empregadas domésticas ou prostitutas; os homens negros, como bandidos. Assim, o campo literário, embora permaneça imune às críticas que outros meios de expressão simbólica costumam receber, reproduz os padrões de exclusão da sociedade brasileira (Dalcastagnè, 2021DALCASTAGNÈ, R. (2021). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2021., p. 14).

Revisitar esses dados, mapeando editoras, autores e autoras é um esforço necessário como exercício de descolonialização das artes. Trata-se de pressionar fronteiras e expandir territórios. Desde a data de publicação da pesquisa de Dalcastagnè, em 2012, tendo o período de análise compreendido os anos de 1990 a 2004, o mercado editorial brasileiro vem se movimentando e ampliando áreas de atuação, tornando brumosos os limites estabelecidos entre as franjas do capitalismo. Desse modo, diversas editoras atuam em um exercício de interculturalidade crítica, como aponta Catherine Walsh (2012)WALSH, C. (2012). Interculturalidad y (de)colonialidad: Perspectivas críticas y políticas. Visão Global, Joaçaba, v. 15, n. 1-2, p. 61-74., promovendo fluxos culturais e identitários potencializados pela enunciação de vozes cada vez mais diversas. Tomamos como exemplo as editoras Pallas, Malê, Jandaíra, Aruanda, Caos & Letras, Luna Parque, Fósforo, Paralelo 13S, entre outras, sendo as duas primeiras destacadas na vanguarda de publicações sobre cultura afro-brasileira e a Jandaíra, responsável pela publicação da Coleção Feminismos Plurais, coordenado pela escritora Djamila Ribeiro e pelo selo Sueli Carneiro.

A representação é palavra-chave nesse complexo tecido literário e social, pois envolve relações de poder, identitárias, culturais e econômicas. Nesse sentido, pensar sobre quem (se) diz nas páginas do livro é fundamental para romper com representações estereotipadas e discursos hegemônicos, inserindo narrativas diversas e plurais no cenário literário e no mosaico cultural e social brasileiro.

Ainda segundo as conclusões apontadas por Dalcastagnè (2021DALCASTAGNÈ, R. (2021). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2021., p. 14), temos que:

Só para citar alguns números, em todos os principais prêmios literários brasileiros (Portugal Telecom, Jabuti, Machado de Assis, São Paulo de Literatura, Passo Fundo Zaffari & Bourbon), entre os anos de 2006 e 2011, foram premiados 29 autores homens e apenas uma mulher (na categoria estreante, do Prêmio São Paulo de Literatura). Outra pesquisa, mais extensa, coordenada por mim na Universidade de Brasília, mostra que de todos os romances publicados pelas principais editoras brasileiras, em um período de 15 anos (de 1990 a 2004), 120 em 165 autores eram homens, ou seja, 72,7%. Mais gritante ainda é a homogeneidade racial: 93,9% dos autores são brancos.

Tais dados chamam atenção para a desigualdade no que diz respeito ao gênero e, principalmente, à questão racial. Assim, o conceito de interseccionalidade faz-se primordial na perspectiva de uma análise literária e de produção cultural brasileira. O conceito de interseccionalidade foi cunhado em 1989 por Kimberle Crenshaw (1989Crenshaw, K. (1989). La interseccionalidad en la Discriminación de Raza y Género. Disponível em: https://static.tumblr.com/7symefv/V6vmj45f5/kimberle-crenshaw.pdf. Acesso em: 13 out. 2022.
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, p. 9-10), segundo a qual: “O desafio é incorporar a questão de gênero à prática dos direitos humanos e a questão racial ao gênero. […] A interseccionalidade sugere que, na verdade, nem sempre lidamos com grupos distintos de pessoas e sim com grupos sobrepostos”.

No entanto, tal perspectiva já havia sido planteada pela intelectual brasileira Lélia Gonzalez que, em 1988, em seu texto “Por um Feminismo Afro-latino-americano”, afirma que:

É importante insistir que no quadro das profundas desigualdades raciais existentes no continente, se inscreve, e muito bem articulada, a desigualdade sexual. Trata-se de uma discriminação em dobro para com as mulheres não-brancas da região: as amefricanas e as ameríndias. O duplo caráter da sua condição biológica – racial e sexual – faz com que elas sejam as mulheres mais oprimidas e exploradas de uma região de capitalismo patriarcal-racista dependente. Justamente porque este sistema transforma as diferenças em desigualdades, a discriminação que elas sofrem assume um caráter triplo, dada sua posição de classe, ameríndias e amefricanas fazem parte, na sua grande maioria, do proletariado afro-latino-americano (Gonzalez, 2011GONZALEZ, L. (2011). Por um feminismo afro-latino-americano. In: CÍRCULO PALMARINO (org.). Afro-latino-América. São Paulo: Círculo Palmarino. (Caderno de Formação Política, n. 1.) Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/375002/mod_resource/content/0/caderno-de-forma%C3%A7%C3%A3o-do-CP_1.pdf. Acesso em: 13 out. 2022.
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, p. 17).

A autora demonstra como a articulação entre raça, gênero e classe revela estruturas de dominação que naturalizam um sistema de dominação, opressão e violência sobre os corpos de mulheres não brancas. Em estudos recentes, Carla Akotirene (2019)AKOTIRENE, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Pólen. vem defendendo o conceito como eixo metodológico de análise a fim de pensar políticas públicas e ações concretas em perspectiva decolonial, visando a combater múltiplas discriminações. Segundo a autora:

A interseccionalidade estimula o pensamento complexo, a criatividade e evita a produção de novos essencialismos. Recomenda-se, pela interseccionalidade, a articulação das clivagens identitárias, repetidas vezes reposicionadas pelos negros, mulheres, deficientes, para finalmente defender a identidade política contra a matriz de opressão colonialista, que sobrevive graças às engrenagens do racismo cis-heteropatriarcal capitalista. (Akotirene, 2019AKOTIRENE, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Pólen., p. 45).

Em consonância com a proposta de estímulo a um pensamento complexo, que evite a reprodução de essencialismos e estereótipos, adotamos a metodologia interseccional para abordar a legitimação de escritoras brasileiras contemporâneas, a fim de ocupar espaços em busca de narrativas que rompam com opressões capitalistas pautadas no binômio raça-gênero.

É com esse olhar que passamos, então, à abordagem da obra de Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê..

MIRIAM ALVES: OCUPANDO E CONTESTANDO TERRITORIALIDADES

Iniciamos a apresentação a autora por sua proposta de construção literária. Segundo Alves (2020ALVES, M. A. (2020). Entrevista com Miriam Alves. Gláuks: Revista de Letras e Artes, v. 20, n. 2, p. 197-203. https://doi.org/10.47677/gluks.v20i2.216
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, p. 103):

O meu fazer literário tem um viés na literatura negra brasileira, que se propõe a trazer para o cenário literário, seja na ficção, seja na poesia, o protagonismo do cidadão brasileiro negro, que são 53% da população, e que os fazeres literários brasileiros majoritariamente não nos fazem protagonistas. Nessas obras predominantemente escrita por autores brancos, estamos, nós os negros, sempre num lugar de escravos, descendentes de escravos e/ou subalternizados em alguma função, sem personalidade e interioridade dramática. O meu fazer literário busca exatamente dar interioridade e cognitividade às personagens negras da história, que têm toda uma complexidade de personalidades e de ação, que rompe o binômio: bonzinho-malzinho, bandido-mocinho. Levo em conta que a literatura é a criação do imaginário de um povo, de uma nação, é um lugar de sonho, de questionamentos e muito mais. No meu romance Maréia, 2019, trabalho essa questão da psique, da interioridade, da personagem negra, e da psique complexa da personagem branca. Trabalho com a ideia de que nós, brancos e negros, somos herdeiros do sistema escravocrata, cada qual com seu legado, e que a sociedade branca não passou impune as agruras, carrega uma culpa mal disfarçada em autodefesa para manter-se no poder, já os cidadãos negros se refazem, se recompõem o tempo todo para vencer, existir e ser.

Em sua proposta, arte e política, ética e estética não podem vir dissociadas. A autora inscreve suas palavras no tecido social de modo a contribuir para a tessitura de narrativas complexas e questionadoras de discursos hegemônicos de poder. Vai além de maniqueísmos e estereótipos reproduzidos segundo o padrão capitalista heteropatriarcal e racializado.

A escritora negra, brasileira, professora e assistente social Miriam Aparecida Alves nasceu em São Paulo em 1952. Formou-se em Serviço Social pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Teve vínculo com diferentes instituições. Como professora visitante, atuou no Middlebury College (MC) e na University of New Mexico (UNM), ambas nos Estados Unidos; além de ter desenvolvido atuações no governo do Estado de São Paulo, como assistente social, e no Centro Universitário FMU, como supervisora de estágio.

Durante sua trajetória, Miriam publicou obras no Brasil e no exterior, além de participar de diversos eventos e entrevistas discorrendo acerca de seu itinerário e da atual situação da literatura afro-brasileira. A princípio, Miriam narra que escrevia apenas por prazer, colocando em seus escritos pensamentos diversos sobre o que estava vivendo. No início de sua jornada, decidiu organizar todos os seus inscritos em um único exemplar. Sua primeira tentativa de publicação não foi promissora, a escritora afirma que até os seus conhecidos davam retorno negativo quando ela compartilhava sua ambição de se tornar escritora.

Anos mais tarde, com um coletivo de escritores, em sua maioria negros, ela fez parte da formação do grupo Quilombhoje Literatura (1980–1989), por quase uma década. Miriam relata que finalmente se sentiu amparada em sua luta por visibilidade. A escritora declarou à revista Callaloo, da Johns Hopkins University, que:

Estando com eles consegui elaborar uma reflexão intelectual, em relação ao meu posicionamento político como mulher, negra, poeta, escritora. O nosso dia a dia, os preconceitos a discriminação, a nossa vida de negros, e a nossa literatura, refletíamos sobre isso. Saí do isolamento, meu gueto da solidão (Rowell e Alves, 1995ROWELL, C. H.; ALVES, M. (1995). Miriam Alves: Uma entrevista. Callaloo. v. 18, n. 4, pp. 970-972. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3298924?read-ow=1&refreqid=excelsior%3A63f0553fe219d319ce871864d0829581&seq=1#page_scan_tab_contents. Acesso em: 20 set. 2021.
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, p. 971).

Sua produção literária é composta de obras em gênero lírico, passando pelas narrativas curtas e pelo romance, entre os quais se destacam: Momentos de busca, poesia, de 1983; Estrelas no dedo, poesia, de 1985; Mulher Mat(r)iz, contos, de 2011 e que reúne o trabalho de 23 anos de prosas publicadas anteriormente nos Cadernos Negros e em outros países como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos; Bará na Trilha do Vento, romance, de 2015; e Maréia2 2 Grafia conforme edição de 2019. , romance e foco deste estudo, em 2019.

Além das produções ficcionais destacadas acima, Miriam conta com uma série de artigos e livros em coautoria. Tal dado dá-se por conta, principalmente, de sua participação no grupo Quilombhoje, que continua gerando frutos. Miriam e os demais autores pertencentes ao coletivo produzem literatura com caráter de resistência, denunciando os efeitos da reprodução da diferença colonial a partir das marcas do tráfico atlântico de seres humanos.

Em entrevista à revista Gláuks, em 2020, ao ser indagada acerca dos processos que engendram sua escrita, bem como sobre a publicação de trabalhos de mulheres negras no Brasil, Miriam afirma que: “Como escritora negra, é um exercício de resistência e de persistência, porque existem várias barreiras a serem quebradas” (Alves, 2020ALVES, M. A. (2020). Entrevista com Miriam Alves. Gláuks: Revista de Letras e Artes, v. 20, n. 2, p. 197-203. https://doi.org/10.47677/gluks.v20i2.216
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, p. 198). A afirmação é o testemunho dos dados revelados pela pesquisa de Dalcastagnè, já abordados anteriormente, no que diz respeito ao caráter predominantemente branco e masculino do mercado editorial brasileiro.

Ao trazer exemplos da dificuldade de a população negra publicar literatura no Brasil, elementos constituintes do racismo estrutural e do preconceito latente são evidentes. Miriam afirma que “normalmente, aquele primeiro descrédito de que você escreve mesmo, de que negro escreve, passa a ser para publicar” (Alves, 2020ALVES, M. A. (2020). Entrevista com Miriam Alves. Gláuks: Revista de Letras e Artes, v. 20, n. 2, p. 197-203. https://doi.org/10.47677/gluks.v20i2.216
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, p. 198). Trata-se de um processo sistêmico de reprodução de estigmas pautados em processos de racialização, como afirma Silvio Almeida (2020ALMEIDA, S. (2020). Racismo Estrutural. São Paulo: Jandaíra., p. 41): “O racismo constitui todo um complexo imaginário social que a todo momento é reforçado pelos meios de comunicação, pela indústria cultural e pelo sistema educacional”.

Para fazer frente ao processo sistêmico de violência e opressão que constitui o racismo, veiculando narrativas outras que não os discursos de poder hegemônicos eurocentrados, a organização de coletivos culturais, artísticos e literários é de extrema importância, trazendo ao centro das discussões e ao cerne da cultura canônica inscrições ex-cêntricas e afrocentradas, constituindo o que o escritor e pesquisador Renato Noguera (2011)NOGUERA, R. (2011). Denegrindo a filosofia: o pensamento como coreografia de conceitos afroperspectivistas. Griot – Revista de Filosofia, v. 4, n. 2, p. 1-19. https://doi.org/10.31977/grirfi.v4i2.500
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chama de “afroperspectiva”3 3 Segundo Noguera (2011, p. 8): “A afroperspectividade consiste no solo pré-filosófico, a terra, a desterritorialização, a fundação, os elementos sobre o quais os conceitos são assentados. No caso da afroperspectividade, se trata de um terreiro, uma roda, uma roça. Ou seja, o planômeno afroperspectivista é o terreiro, a roça, a roda, um lugar feito para dançar, para consagrações imanentes, um plano onde as entidades emergem, baixam e os movimentos d'angola se encontram. O planômeno afroperspectivista se assemelha mais à roda do que à bandeja – termo usado por Deleuze –, sua peculiaridade está assentada em ritmos que emanam de territorializações, desterritorializações e reterritorializações de consistências africanas, africanizantes e africanizadas.” .

Nesse sentido, a autora declara que o Brasil, apesar de todas as dificuldades encontradas:

Começa a aglutinar escritores e escritoras e inicia-se o que eu chamo de Movimento de Literatura Negra Brasileira, denominação que muitos dos pesquisadores e professores acadêmicos ainda têm uma resistência muito grande de adotar. A partir de 1978, abre-se um caminho que agencia não só os escritores antigos, novos escritores, como também leitores. Uma ação que tem quarenta e dois anos com a publicação de um livro por ano. Respondendo a sua pergunta, tentando ser sucinta: realmente, publicar literatura no Brasil é complicado. Publicar literatura negra no Brasil é muito complicado (Alves, 2020ALVES, M. A. (2020). Entrevista com Miriam Alves. Gláuks: Revista de Letras e Artes, v. 20, n. 2, p. 197-203. https://doi.org/10.47677/gluks.v20i2.216
https://doi.org/10.47677/gluks.v20i2.216...
, p. 198-199).

Dessa forma, a autora disserta sobre as dificuldades em se publicar regularmente no Brasil, situação que não encontrou em outros países. Um dos fatores assinalados, para além do racismo estrutural, é o elevado custo de produção dos livros no Brasil, que demanda grande investimento, com o qual a autora alega não ter condições de arcar. A quantidade de traduções de suas obras também atesta a singularidade e a importância de sua escrita, já que suas produções foram traduzidas para o inglês, alemão, francês e catalão. Em um processo complexo de valorização literária, a autora referencia, ainda, a mídia hegemônica que, à semelhança do que propôs anteriormente Silvio Almeida (2020)ALMEIDA, S. (2020). Racismo Estrutural. São Paulo: Jandaíra., corrobora a perpetuação do racismo estrutural da sociedade brasileira.

MARÉIA: MAR E AREIA EM FLUXO ANCESTRAL

O romance Maréia, publicado em janeiro de 2019 pela Editora Malê e vertente condutora deste estudo, tem a capacidade de transportar o leitor para culturas e temporalidades plurais. Apresenta ao leitor uma narrativa cíclica que, como o tempo espiralar da memória (Martins, 1997MARTINS, L. M. (1997). Afrografias da Memória: o Reinado do Rosário no Jatobá. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza Edições.) inscreve afrografias ao acionar o passado, enunciá-lo no presente e transformar o futuro. O enredo é dividido em 15 capítulos, entre os quais se entrelaçam as narrativas de duas famílias: os Santos e os Menezes de Albuquerque.

A narrativa aciona a ancestralidade de matrizes africanas em diversos momentos, com destaque especial para o trabalho de investigação lexical desenvolvido. A obra conta com palavras de origem na língua iorubá em toda a extensão da narrativa, como: adalu, akoko, ogbon, oju, bere, entre outras. José Beniste explica, em seu livro Mitos Yorubas: o outro lado do conhecimento (2020), que a etnia iorubá é de origem nigeriana e tem como característica a existência de 250 grupos étnicos que dispõem de diferentes línguas, sendo a iorubá uma das mais utilizadas em diferentes regiões do vasto continente africano. Suas expressões em diáspora envolvem o uso ritual em cantos e celebrações de religiosidades de matrizes africanas. Ao final de Maréia, é possível encontrar glossários disponibilizados pela autora para auxiliar o leitor na compreensão do texto, indicando as palavras e suas respectivas traduções para o português nos capítulos 16 e 17.

A narrativa inicia-se com a apresentação dos Menezes de Albuquerque, que são uma típica família branca, abastada e reconhecida socialmente. Problematiza, a partir de então, processos históricos que conduziram ao enriquecimento de parcelas da sociedade brasileira, com base em práticas escravocratas pautadas na brutalidade e na violência.

Nesse âmbito, em seu íntimo, a família é constituída por um ambiente conflituoso, e os objetivos primordiais de seus membros são o acúmulo de capital e a perpetuação de riquezas e status.

Verdades aprisionadas naquela casa eram muitas, não se coadunavam com as versões contadas pelo pai João Fernando Menezes de Albuquerque, que lhe ocultava os meandros indignos sobre a fortuna acumulada havia séculos. Não mencionava sobre os detalhes sórdidos de como se estabeleceu o poder e a influência social e política, amealhado pela família quatrocentona que comandava o destino da nação, independentemente de quem se sentasse na cadeira presidencial (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 22-23).

Paralelamente, vivem os Santos, família negra de origem humilde. De maneira contrária ao núcleo familiar anteriormente apresentado, os Santos possuem um ambiente familiar harmonioso. A família compartilha preceitos advindos da ancestralidade, cultivados a partir das relações afetuosas a que pertence Maréia, personagem que dá nome ao livro e cuja família “nos leva a conhecer a tradição de um grupo de afrodescendentes que foi zelosamente compartilhada para não ser esquecida […] é também um romance sobre memória(s) e seu processo de constituição” (Souza, 2019SOUZA, F. da S. (2019). Maréia: histórias de mar e vida. In: ALVES, M. Maréia. Rio de Janeiro: Malê. p. 7-10., p. 7).

A perspectiva de vida da família Santos difere em relação à Menezes, pois é a demonstração de “uma memória de resistência narrada com vistas ao futuro, a possibilidade de que o objeto símbolo mítico usurpado retornasse à família para reconstruir o ciclo da história” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 8). Nessa atmosfera, a ancestralidade é enunciada no presente, por meio de performances rituais, e materializada na linguagem, que, recorrendo à oralidade, aciona signos dos antepassados.

No decorrer da narrativa, as histórias ocorrem paralelamente, mas por vezes se entrelaçam, sendo metáfora de avenidas identitárias que, marcadas pela diáspora, se chocam e se hibridizam mutuamente na constituição da cultura contemporânea brasileira. Percebe-se que as histórias acontecem paralelamente. Nesse cenário ficcional, palco de disputas e resistência empreendidas pelas famílias Santos e Menezes de Albuquerque, os efeitos da colonialidade são narrados a partir das margens, constituindo um plano literário que enuncia um porvir mais justo para vozes e sujeitos historicamente silenciados.

Para efeitos deste estudo, com foco na potência política e literária da força vital que permeia as páginas do romance, adotaremos a afroperspectividade ao nos centrarmos na narrativa da Família Santos. Com foco em suas personagens femininas, serão abordados elementos referentes à ancestralidade de matrizes africanas que, nas páginas de Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., constituem força, estima e pertença, conjugadas interseccionalmente para uma ação crítica de enfrentamento das narrativas hegemônicas.

A FAMÍLIA SANTOS E A FORÇA ANCESTRAL

A protagonista da trama é Maréia Nunes Santos, personagem que dá título ao livro. Apesar de sua evidência, a jornada da personagem inicia-se no segundo capítulo da obra, no qual se observam, desde o princípio, características de liberdade e emancipação. O nome Maréia é derivado dos signos mar e areia, revelando sua ligação direta com os elementos da natureza, compartilhando de uma cosmovisão de matrizes africanas, em que a natureza toca o sagrado em um diálogo com a vida ordinária, observando-se “animais, plantas, astros e a natureza como um todo, assumindo significados que vão além de um simples ser” (Beniste, 2020BENISTE, J. (2020). Mitos Yorubás: o outro lado do conhecimento. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil., p. 20). A própria essência do nome dá a força necessária à existência da personagem, pois “a palavra é elemento desencadeador de ações ou energias vitais” (Leite, 1996LEITE, F. (1996). Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África: Revista do Centro de Estudos Africanos, São Paulo, n. 18-19, p. 103-118. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/74962. Acesso em: 5 fev. 2021.
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, p. 105).

O avô de Maréia, Marcílio Nunes Santos, foi o responsável pela escolha do nome. O processo de escolha guarda em si elementos de ancestralidade e transmissão de saberes, conforme se observa na explicação da escolha de nomes, pautada na tradição e no vínculo com o mar, conforme nos explica o ancião: “tenho, até, o mar no nome Mar-cí-lio, minha neta é a soma do líquido e do sólido, mar e areia, Mar-é-ia” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 53).

Na perspectiva da ancestralidade, a força vital é posta em ciclo ao conectar-se com a natureza. Nesse fluxo, Fábio Leite (1996LEITE, F. (1996). Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África: Revista do Centro de Estudos Africanos, São Paulo, n. 18-19, p. 103-118. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/74962. Acesso em: 5 fev. 2021.
https://www.revistas.usp.br/africa/artic...
, p. 105) pondera que:

A palavra dotada de uma parcela da vitalidade do preexistente é necessariamente uma força inerente à personalidade total, daí que sua utilização deve ser cuidadosamente orientada, pois que uma vez emitida algumas de suas porções desprendem-se do homem e reintegram-se na natureza.

A força da tradição oral e da transmissão de saberes de geração a geração pelo poder da palavra ancestral perpassa as páginas da obra de Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., localizando e inscrevendo tradições atualizadas na leitura de cada página. Além do avô, o pai da personagem Maréia é exemplo de ligação com o mar e a simbologia do elo com a ancestralidade. O mar que conecta mundos, dos vivos e dos encantados, do passado e do presente, do Brasil e de terras africanas. Mares transpostos em diáspora Atlântica, conectando e acionando o fluxo de memórias ancestrais. Dorival, pai de Maréia, era funcionário da Marinha do Brasil, assim como seu avô. A posição que os dois ocupavam permitia-lhes reviver travessias através do mar, pois sempre embarcavam em viagens pela costa brasileira.

Era um convívio repleto de prazer, tinham por perto os dois únicos homens da casa, ainda que por um período que passava muito rapidamente, pois as chegadas eram sempre o prenúncio de partidas. Ela aproveitava ao máximo a breve permanência deles, com uma curiosidade afoita para abrir os inusitados presentes e ouvir as aventuras de mar e navios (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 48).

Pela força da palavra na inscrição de seu nome, Maréia carrega a liberdade e a ancestralidade evocadas pelo mar, mas também o vínculo com a terra e a força vital de seus antepassados. Maréia revela-se como uma mulher livre que luta para alcançar seus objetivos apesar de todas as possíveis barreiras impostas à existência do corpo feminino negro. Diferentemente das personagens pertencentes à família dos Menezes de Albuquerque, Maréia possui um perfil calmo e constante.

Ao início de sua jornada, observa-se que ela acaba de embarcar sozinha numa viagem de carro com destino à casa de sua família no litoral. Durante a viagem, ela: “Mesmo com a presença de neblina em alguns trechos, deleitava-se no prazer de dirigir, como quem comanda seu próprio destino, na sinuosidade do caminho, curvas acentuadas à esquerda e à direita, que corta o verde da Serra das Araras” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 55).

O “prazer de dirigir” pode ser correlacionado com a liberdade existente na vida de Maréia, a liberdade de decidir sobre o próprio destino, com autonomia, sem tutela, opressão ou submissão patriarcal, no controle pleno de sua vida. Outro destaque pode ser feito quando se nota que ela vive sozinha em outra cidade, tendo, além de independência financeira, a liberdade de transitar entre os locais.

A influência ancestral encontrava-se presente desde a infância de Maréia: “Pessoas saídas das narrativas dos avós aproximavam-se, uma a uma, segredavam-lhe histórias, compondo as peças que faltavam para montar o grande quebra-cabeça de sua ancestralidade” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 73). A protagonista demonstra ligação e respeito com seu legado ancestral, sempre “agradecia por ser herdeira da inclinação musical de seus antepassados, reavivar recordações a exortava a nunca desistir de seus intentos, ficava leve, disposta, fortalecida, pronta para enfrentar desafíos” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., pp. 28-29).

Assim, signos ligados a suas matrizes africanas são ressignificados como símbolos de estima e pertença, contribuindo para a ruptura de estereótipos reproduzidos por padrões hegemônicos eurocentrados e fixados em narrativas hegemônicas de nação4 4 Tomo a problematização de Nação e Estado-Nação das discussões propostas por Homi Bhabha (2010), ao fazer frente ao “Estado como um” e às comunidades imaginadas com base na reprodução e na repetição do tempo pedagógico — mecanismo por meio do qual se difundem estereótipos e preconceitos. . A ancestralidade rege a vida da personagem, e observa-se que “o princípio histórico estabelecido pelos ancestrais é elemento objetivador das regras mais decisivas que regem a estrutura e a dinâmica dessas sociedades” (Leite, 1996LEITE, F. (1996). Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África: Revista do Centro de Estudos Africanos, São Paulo, n. 18-19, p. 103-118. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/74962. Acesso em: 5 fev. 2021.
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, p. 110) e das pessoas que vivem segundo tais princípios. As marcas ancestrais, materializadas na palavra e vivenciadas na natureza e em seu nome, são sentidas por Maréia como parte constituinte de sua existência, uma vez que: “As vibrações pulsantes do coração da Terra envolviam-nas num carinho arrebatador” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 101).

Em uma perspectiva em que ética e estética não se separam, a narrativa de Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê. também aciona a ancestralidade pela oralidade, uma vez que “a literatura oral corresponde à vocalização de uma formulação simbólica e subjetiva do mundo. A construção dessa representação de si e do mundo, por sua vez, não está dissociada de uma dimensão estética, veiculada pela palavra e pelo ritmo da oralidade” (Schiffler, 2017SCHIFFLER, M. F. (2017). Literatura, oratura e oralidade na performance do tempo. REVELL, v. 2, n. 16, p. 112-134., p. 114).

A oralidade está inscrita e é transmitida por meio de cantos, rezas, provérbios, entre tantas outras formas de manifestação. Hampâté Bâ (2010)HAMPÂTÉ BÂ, A. (2010). A tradição viva. In: KI-ZERBO, J. (org.). História Geral da África: Metodologia e Pré-História da África. 2. ed. Brasília: Unesco. p. 167-212. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/amadou_hampat%C3%A9_b%C3%A2_-_a_tradi%C3%A7%C3%A3o_viva.pdf. Acesso em: 12 fev. 2021.
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disserta em seus estudos sobre as culturas tradicionais, afirmando que “nas sociedades orais que não apenas a função da memória é mais desenvolvida, mas também a ligação entre o homem e a Palavra é mais forte” (Hampâté Bâ, 2010HAMPÂTÉ BÂ, A. (2010). A tradição viva. In: KI-ZERBO, J. (org.). História Geral da África: Metodologia e Pré-História da África. 2. ed. Brasília: Unesco. p. 167-212. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/amadou_hampat%C3%A9_b%C3%A2_-_a_tradi%C3%A7%C3%A3o_viva.pdf. Acesso em: 12 fev. 2021.
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, p. 168). Na obra literária em questão, essa ligação é vivenciada cotidianamente no ambiente familiar, ao compartilhar ensinamentos em forma de histórias.

Ao final do dia, reuniam-se na varanda, de onde se avistava a baía de Guanabara “um cenário de pôr de sol, que misturava o vermelho do céu ao azul do mar” e dedicavam-se a contar causos. Ouviam-se os sorrisos e gargalhadas, incitados pelas minúcias mais hilárias, viam-se os rostos emotivos, quase em lágrimas, pelos detalhes mais dramáticos (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 48).

Característica da tradição oral, a transmissão de geração a geração é referenciada por Miriam como inerente ao cotidiano familiar, que vivencia a ancestralidade por meio das memórias individual e coletiva. Os traços da ancestralidade presentes na narrativa são referenciados desde a infância da personagem, com grande influência e interferência de sua avó:

Déia transmitia à neta, detalhes sobre sua ascendência, para que a memória não esmaecesse na bruma branca do esquecimento. A avó contava que descendiam de Takatifu, aquele que nasceu sagrado, irmão gêmeo de Atsu, o mais jovem dos dois; afirmava que lá naquele tempo, em outras terras que não aqui, eles, ao nascerem, foram considerados dádivas dos deuses (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 27).

A narrativa oral também fazia parte do repertório de seu avô. No período em que Marcílio estava em casa, fazia questão de esmiuçar suas memórias com a família sobre fatos acontecidos no mar, com ele e seus ancestrais: “Marcílio adorava contar a saga cheia de façanhas dos homens da família, fascinados por aventurar-se nas águas, uma paixão desde imemoráveis tempos” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 49).

Aqui, como elemento performático da enunciação oral, o caráter reiterado é acionado para, no presente, inscrever tradições e identidades em diáspora. Na narrativa: “Ele repetia fatos para não serem esquecidos e se perderem; às vezes, reticenciava ou acrescentava um novo aspecto” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 49). O movimento de acréscimo também é uma das características da cultura oral quando se considera que a palavra é viva e segue uma cadência própria no tempo espiralar.

Pensa que a vida de marinheiro sempre foi assim? Foi, não. Não mesmo!” O modo peculiar de descrever prendia a atenção dos ouvintes. “Nos tempos da armada imperial…” – interrompia-se, numa longa pausa, a religar os vários fios partidos, o olhar perdia-se nos contornos da baía de Guanabara, como restabelecendo elos, levado só pela força dos pensamentos, como correntes marítimas. Reorganizava memórias ouvidas, vivenciadas, reavivar memórias que se apagavam nas memórias alheias; às vezes, as palavras emudeciam, os olhos marejavam (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 49).

Com movimento e ritmo, as narrativas são trazidas ao público mesclando narradores presentes e pretéritos. No entanto, ao inscrever tais memórias no presente, projeta-se, com a contestação de narrativas e territorialidades, um porvir mais justo para o povo afro-brasileiro. Trata-se de um processo de hibridação múltiplo de temporalidades, culturas, estéticas e narradores.

De fato, a composição parte de um texto comum, mas o processo de atualização típico da performance permite a impressão da marca individual do narrador oral ou do performer em questão. Desse modo, não apenas a composição, mas a escrita pessoal levam a marca individual, a habilidade e a inspiração do narrador oral (Schiffler, 2017SCHIFFLER, M. F. (2017). Literatura, oratura e oralidade na performance do tempo. REVELL, v. 2, n. 16, p. 112-134., p. 119).

Durante a narrativa, a presença de outros indivíduos fora da família era frequente. Como audiência, a enunciação da tradição oral atualiza-se enquanto performance5 5 O termo performance pode ser discutido sob diferentes prismas. Tomamos como campo teórico os Estudos de Performance (Schechner, 2000; Taylor, 2012; Zumthor, 2018), considerando que, como enunciação cultural, ele articula quatro elementos fundantes: a corporeidade, a audiência, o caráter reiterado e a irrepetibilidade. Diana Taylor (2012) assinala que o caráter reiterado traz não apenas a prática de repetição mimética, mas a possibilidade de, por meio dela, transmitir memória, saberes sociais e sentido de identidade. Nesse sentido, o termo assume também caráter político ao promover o enfrentamento de estruturas hegemônicas de poder, por meio, por exemplo, da enunciação de narrativas historicamente subalternizadas. . Em um ato dialógico de construção ativa de sentidos, memórias e lutas são compartilhadas. Nesse movimento, o enfrentamento das narrativas oficiais, o tensionamento dos discursos de poder e o sentimento de pertença são efetivados.

Minha gente! Nem tudo é como contam e como vocês leem nos livros. Todos querem um lugar de herói, mas nem todos são heróis e nem bandidos. Tem um pouco de tudo em cada um. Dependendo de quem conta… já viu, né? Aumenta-se um ponto ou inventam-se vários outros. Eu falo o que ouvi dos meus mais velhos, que ouviram dos seus, que ouviram dos outros… E assim vai. Quem são os meus? (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 50).

Marcílio utilizava sua narrativa com cuidado para com seus ouvintes, suprimindo palavras de conotação pejorativa, e enobrecia as passagens que tinham recordações de persistência, resistência e superação advindas de seus antepassados (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 51). Como herdeira, Maréia tem aptidão pela música que foi determinada desde antes de seu nascimento; são heranças de seus antepassados. Reconhece-se, então, segundo Amadou Hampaté Bâ (2010HAMPÂTÉ BÂ, A. (2010). A tradição viva. In: KI-ZERBO, J. (org.). História Geral da África: Metodologia e Pré-História da África. 2. ed. Brasília: Unesco. p. 167-212. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/amadou_hampat%C3%A9_b%C3%A2_-_a_tradi%C3%A7%C3%A3o_viva.pdf. Acesso em: 12 fev. 2021.
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, p. 174), que: “O que a África tradicional mais preza é a herança ancestral. O apego religioso ao patrimônio transmitido exprime-se em frases como: ‘Aprendi com meu Mestre’, ‘Aprendi com meu pai’, ‘Foi o que suguei no seio de minha mãe’”.

O dom pertencente à Maréia necessita de acolhimento e aceitação; mesmo compreendendo sua predisposição para tal, ainda é preciso que ela o reconheça, aceite e pratique. A personagem estudou e graduou-se em música, formando-se na pós-graduação e, posteriormente, abriu uma escola de música, dando continuidade à transmissão de suas raízes ancestrais em um processo cultivado desde menina: “Acostumara-se na infância, a aguçar o ouvido para escutar o som das coisas; não percebia nada, questionou se elas musicavam mesmo; a velha senhorita dizia ser necessário ter confiança em si mesma, para dialogar sem timidez, só aí elas sonorizariam” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 27).

A ascendência da personagem faz com que ela disponha dos mesmos dons dos seus antepassados. Durante a escolha de seu projeto de pesquisa na pós-graduação, Maréia buscou as obras do padre e maestro José Maurício Nunes Garcia, figura apresentada à personagem em sua infância, nas narrativas de sua avó. Na pesquisa:

Constavam da produção artística do padre musicista, mais de duzentas e quarenta composições catalogadas em diversos gêneros: modinhas, músicas sacras, peças orquestrais e dramáticas. Fascinou-a o riquíssimo legado, a vida do instrumentista; no entanto, lamentava-se sobre os detalhes relevantes que desapareceram, por força do esquecimento coletivo. Sentia-se tomando posse de sua herança, o que a estimulava a romper as barreiras impostas, obstinava-a, ainda mais, a alcançar os seus intentos (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 29-30).

Aqui observamos uma prática acadêmica constitutiva da personagem que diz muito sobre um projeto ético e estético que faça frente ao epistemicídio dos saberes ancestrais dos povos de raízes africanas. O projeto de Maréia plasma-se no projeto de Miriam, recorrendo à sabedoria de seu povo no intuito de trazer à tona narrativas obliteradas na construção de narrativas oficiais, seja no campo da música, seja no da história ou da literatura.

As práticas de Miriam e de Maréia contestam narrativas e conquistam territórios por intermédio da valorização da cultura ancestral em termos tematológicos e epistêmicos. Maréia revive o legado de Maurício para que seu próprio se faça presente.

Dessa maneira, a protagonista desafia estereótipos. Diferentemente do que foi imposto e reproduzido socialmente durante os séculos, ocupa territórios anteriormente negados. Em sua narrativa, Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê. aprofunda a reflexão sobre esses lugares socais e a repetição de modelos de representação reproduzidos historicamente no que se refere à mulher negra. A autora assume um compromisso também defendido pela intelectual negra Lélia González (1983GONZÁLEZ, L. (1983). Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: SILVA, L. A. et al. Movimentos sociais urbanos, minorias e outros estudos. Brasília: ANPOCS, 1983. (Ciências Sociais Hoje.) v. 2. p. 223-244., p. 225), que afirma a:

Necessidade de aprofundar nessa reflexão, ao invés de continuarmos na reprodução e repetição dos modelos que nos eram oferecidos pelo esforço de investigação das ciências sociais. Os textos só nos falavam da mulher negra numa perspectiva socioeconômica que elucidava uma série de problemas propostos pelas relações raciais. Mas ficava (e ficará) sempre um resto que desafiava as explicações. E isso começou a nos incomodar. Exatamente a partir das noções de mulata, doméstica e mãe preta que estavam ali, nos martelando com sua insistência…

Esse incômodo chama para a luta. Resiste e reivindica outros lugares que não os estereotipados. Maréia desafia essa representação e, nesse enfrentamento, sofre com o racismo estruturado em espaços e instituições, como o interior da própria academia, no qual se depara com questionamentos como: “Alguém, como ela, se meter com música erudita. Como pode? E, ainda por cima, abrir uma escola? É metida mesmo! Isso não vai dar certo” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 30). Indubitavelmente a narrativa destacada apresenta fortes traços do racismo estrutural brasileiro. Segundo Almeida (2020ALMEIDA, S. (2020). Racismo Estrutural. São Paulo: Jandaíra., p. 32): “O preconceito racial é o juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a um determinado grupo racializado, e que pode ou não resultar em práticas discriminatórias”. Assim, o lugar naturalizado para Maréia não seria aquele por ela ocupado, um espaço de prestígio e não subalternizado. Nessa disputa de narrativas, a herança ancestral foi práxis, força, alimento e episteme na vida e nas escolhas da personagem, uma vez que ela: “Não esmoreceu, frente ao espanto causado no corpo docente, na graduação da Faculdade de Música; ao escolher flauta e violoncelo, os olhares dos professores diziam mais que as palavras, ao tentarem convencê-la a optar por algo mais apropriado a pessoas como ela” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 29).

Na contestação desses espaços e territórios, o amparo da matriarca da família Santos, Maria Dorotéia Nunes Santos, representa, mais do que nunca, a solidez e a sobrevivência de suas raízes e da força vital que as atravessa. É a representação da matrilinhagem, força geradora e organizacional de diversas sociedades africanas. As mulheres da família Santos guardavam entre si:

Laços de afetividades duradouras. Eram três mulheres, fortes, frágeis, determinadas, acumulavam sabedorias nas vivências cotidianas. Apoiavam-se, tocavam a vida como um barco, revezavam no comando do leme, acertavam o rumo, juntas evitavam a deriva, seguiam navegando sob a liderança de Dorotéia (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 72).

A figura feminina tem grande destaque em toda a narrativa, o que caminha na contramão de todos os estereótipos pregados historicamente. As mulheres, na sociedade africana, eram destacadas como detentoras do conhecimento e provedoras da vida, possuindo papel de fundamental importância para a comunidade. No seguinte trecho: “As sábias mulheres, égides do conhecimento, detentoras de saberes específicos, agradeciam ao Universo e à Terra e atinavam, de antemão, em quais úteros estavam sendo gestados meninas ou meninos” (Alves, 2019ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., p. 100), percebe-se o destaque quase majestoso da mulher na sociedade. Segundo Leite (1996LEITE, F. (1996). Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África: Revista do Centro de Estudos Africanos, São Paulo, n. 18-19, p. 103-118. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/74962. Acesso em: 5 fev. 2021.
https://www.revistas.usp.br/africa/artic...
, p. 111), nas:

Sociedades de organização matrilinear, figura que aqui serve de exemplo, o parentesco formula-se pelos laços uterinos de sangue, razão pela qual a mulher é a única fonte de legitimação das descendências. Estas constituem, assim, o núcleo fundamental que define a família, sendo que em suas bases encontram-se as ancestrais-mulheres que lhes deram origem. É devido a essa configuração do parentesco que os direitos e deveres são institucionalmente transmitidos de mãe a filha, de irmã a irmã, de tia a sobrinha e, quanto aos homens, de irmão a irmão, e de tio a sobrinho.

O sentimento de acolhimento e pertencimento proporcionado dentro da casa da família Santos é perceptível. Mesmo com a ausência dos homens da família, via-se que a vida seguia ao comando de Dorotéia. Ela perdera o marido Marcílio e seu genro Dorival para o mar e mesmo assim continuou persistente e com fé em suas raízes e passando seus conhecimentos para o berço de sua família, uma vez que: “Sob o prisma de sua formulação sanguínea, a família extensa de organização matrilinear transcende, portanto, o espaço físico, abrangendo todos os indivíduos ligados pelo parentesco uterino a ancestrais mulheres comuns” (Leite, 1996LEITE, F. (1996). Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África: Revista do Centro de Estudos Africanos, São Paulo, n. 18-19, p. 103-118. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/74962. Acesso em: 5 fev. 2021.
https://www.revistas.usp.br/africa/artic...
, p. 111).

Outro elemento que concerne à ancestralidade e à força vital representadas na obra de Miriam Alves (2019)ALVES, M. (2019). Maréia. Rio de Janeiro: Malê., conectando-nos com as culturas de matrizes africanas, diz respeito à forma de lidar com a morte, uma vez que esta não constitui um término, mas a possibilidade de permanência espiritual por intermédio da descendência, como força vital. Segundo Fábio Leite (1996LEITE, F. (1996). Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África: Revista do Centro de Estudos Africanos, São Paulo, n. 18-19, p. 103-118. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/74962. Acesso em: 5 fev. 2021.
https://www.revistas.usp.br/africa/artic...
, p. 110):

O princípio vital de imortalidade é encaminhado ao mundo privativo dos ancestrais, no qual passa a manifestar-se, em outras condições existenciais e desde que não venha a fazer parte de um novo membro da comunidade. Esses fatores explicam a notável importância conferida às cerimônias funerárias que, se em parte podem ser consideradas como ritos de passagem, de outro se constituem em ritos de permanência, pois delas nascem os ancestrais.

Unindo as pontas de histórias pretéritas e presentificadas no enredo de Maréia, a tradição, para além de narrada na oralidade das histórias familiares, é vivenciada em notas inscritas no corpo de Maréia. Morte e vida dançam a música ancestral das raízes da protagonista, ocupando e reivindicando espaços de privilégio por séculos negados às populações de negras no Brasil.

NAS ESPIRAIS DO TEMPO…

Em um movimento cíclico, em vertiginosa espiral, reafirmamos a potência contestatória da literatura feminina afro-brasileira. Miriam Alves é uma das autoras de destaque no contemporâneo cenário literário nacional. E ela não anda só. Compõe uma seara de mulheres que inscrevem com seus corpos e letras outras representações para a mulher negra.

A legitimação de escritoras brasileiras, especialmente escritoras negras brasileiras, passa pela ocupação de territórios físicos e simbólicos. Importante e necessário o movimento na contramão do que apontavam os dados, ainda recentes, historicamente, da pesquisa de Dalcastagnè (2021)DALCASTAGNÈ, R. (2021). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2021., segundo os quais, para além de imperarem personagens masculinos e brancos, havia a reprodução de imaginários segundo os quais a mulher branca ocupava o espaço da dona de casa e às negras cabia a representação como domésticas ou prostitutas.

O romance Maréia não atesta que esses lugares não existam. Sim, eles estão postos em uma sociedade desigual e marcada pelo racismo estrutural. No entanto, não são absolutos; ainda que existam, são parciais. Ao contestar narrativas e territórios, escritoras e personagens negras inscrevem outras possibilidades de legitimação e representação do corpo negro, em perspectiva plural. Assumem a práxis estética e política de refutar narrativas hegemônicas, inscrever realidades diversas e enfrentar estruturas de poder secularizadas pela sociedade escravocrata brasileira.

Na narrativa, o tensionamento entre famílias marcadas por heranças coloniais traz o enfrentamento necessário à ruptura de estruturas de reprodução de diferença e poder. Atua de maneira profícua para a problematização complexa de binarismos e estereótipos. A contranarrativa vem da família Santos, do mar e da areia, vem de Maréia e sua herança ancestral. Herança que emerge como potência e não como estigma. Como mar, não se esvazia, mas, através dele, em metáfora da diáspora do povo negro, transborda em sabedoria e força. O fluxo vital entre morte e vida é determinante nesse processo. A ancestralidade vivenciada pela família Santos constitui a herança de saberes, artes e ofícios. Transmitida por palavras, por meio da oralidade, localiza temporalidades e territorialidades que inscrevem grafias africanas no enredo de suas vidas. Dessa forma, para além da ficção, Miriam Alves contesta e ocupa espaços políticos há séculos negligenciados pela sociedade e pelo cânone.

  • *
    O trabalho faz parte de investigações decorrentes da pesquisa de pós-doutorado intitulada “Voces Femeninas Latinoamericanas y los Derechos Humanos de las Mujeres: literatura y activismo”, que vem sendo realizada ao longo dos anos de 2022 e 2023 na Universidade de Sevilla, Espanha (Michele Freire Schiffler); e da dissertação de Mestrado intitulada “A Mulher na Literatura Afro-Brasileira: Maréia, por Miriam Alves”, defendida em 1 de dezembro de 2022, na Universidade Federal do Espírito Santo, tendo financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Capes (Mônica Alves Fernandes).
  • 1
    Tomo com base para essa afirmação o Global Gender Gap Report de 2022 (World Economic Forum, 2022WORLD ECONOMIC FORUM (2022). Global Gender Gap Report. Cologny/Genebra: Weforum.), segundo o qual, no total de 146 países, o Brasil ocupa a 96ᵃ posição no que se refere à igualdade de gênero. Chamam atenção, neste relatório, as questões relacionadas à oportunidade econômica (85ᵃ posição) e à participação política (104ᵃ posição).
  • 2
    Grafia conforme edição de 2019.
  • 3
    Segundo Noguera (2011NOGUERA, R. (2011). Denegrindo a filosofia: o pensamento como coreografia de conceitos afroperspectivistas. Griot – Revista de Filosofia, v. 4, n. 2, p. 1-19. https://doi.org/10.31977/grirfi.v4i2.500
    https://doi.org/10.31977/grirfi.v4i2.500...
    , p. 8): “A afroperspectividade consiste no solo pré-filosófico, a terra, a desterritorialização, a fundação, os elementos sobre o quais os conceitos são assentados. No caso da afroperspectividade, se trata de um terreiro, uma roda, uma roça. Ou seja, o planômeno afroperspectivista é o terreiro, a roça, a roda, um lugar feito para dançar, para consagrações imanentes, um plano onde as entidades emergem, baixam e os movimentos d'angola se encontram. O planômeno afroperspectivista se assemelha mais à roda do que à bandeja – termo usado por Deleuze –, sua peculiaridade está assentada em ritmos que emanam de territorializações, desterritorializações e reterritorializações de consistências africanas, africanizantes e africanizadas.”
  • 4
    Tomo a problematização de Nação e Estado-Nação das discussões propostas por Homi Bhabha (2010)BHABHA, H. K. (2010). O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG., ao fazer frente ao “Estado como um” e às comunidades imaginadas com base na reprodução e na repetição do tempo pedagógico — mecanismo por meio do qual se difundem estereótipos e preconceitos.
  • 5
    O termo performance pode ser discutido sob diferentes prismas. Tomamos como campo teórico os Estudos de Performance (Schechner, 2000SCHECHNER, R. (2000). Performance: teoría y prácticas interculturales. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires.; Taylor, 2012TAYLOR, D. (2012). Performance. Buenos Aires: Asunto Impreso.; Zumthor, 2018ZUMTHOR, P. (2018). Performance, recepção, leitura. São Paulo: Ubu.), considerando que, como enunciação cultural, ele articula quatro elementos fundantes: a corporeidade, a audiência, o caráter reiterado e a irrepetibilidade. Diana Taylor (2012)TAYLOR, D. (2012). Performance. Buenos Aires: Asunto Impreso. assinala que o caráter reiterado traz não apenas a prática de repetição mimética, mas a possibilidade de, por meio dela, transmitir memória, saberes sociais e sentido de identidade. Nesse sentido, o termo assume também caráter político ao promover o enfrentamento de estruturas hegemônicas de poder, por meio, por exemplo, da enunciação de narrativas historicamente subalternizadas.

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Editoras: Cecília P. X. Rodrigues, Cristiane Lira e Lígia Bezerra

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2022
  • Aceito
    14 Abr 2023
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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