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Experiências decoloniais: Graça Graúna, Mel Duarte, Gabz e Stephanie Borges

Decolonial experiences: Graça Graúna, Mel Duarte, Gabz and Stephanie Borges

Experiencias decoloniales: Graça Graúna, Mel Duarte, Gabz y Stephanie Borges

Resumo

Novos espaços de fala são novos espaços de escuta. Essa possibilidade de diálogo, associada à reconfiguração dos lugares cristalizados de fala (colonizador) e de escuta (colonizado), atravessa as discussões acerca do empoderamento de grupos que foram subalternizados em seus processos de autoafirmação, de autovalorização, de autorreconhecimento e de extravasamento de demandas sociais sufocadas. Ao percebermos o cenário contemporâneo como espaço de disputa, é importante que nos atentemos a que vozes têm sido silenciadas ao longo do tempo e ao que podemos fazer, a como podemos atuar para que elas se tornem verdadeiramente vocais, e não apenas visuais, não mais tratadas como objeto de estudo daqueles que, ao longo da história, dominaram o debate cultural para tentar explicar o mundo de um ponto de vista europeu, ou pretensamente europeu. Nesse sentido, a poesia indígena de Graça Graúna, caracterizada por sua indianidade e pela metáfora do corte-vínculo, e o poetry slam de Mel Duarte, Gabz e Stephanie Borges, repletos de escrevivências, de ancestralidades e de corporeidades, marcam a insurreição de um corpo — individual e coletivo — que busca a palavra como instrumento de luta e de empoderamento no caminho da decolonialidade. Para tais análises estéticas, serão utilizados poemas presentes nos livros Tear da palavra (2007), Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta (2019), As 29 poetas hoje (2021) e no canal do YouTube do Slam Grito.

Palavras-chave:
experiências decoloniais; poesia contemporânea; indianidade; poetry slam ; reexistência

Abstract

New speech spaces are new listening spaces. Contemporary poetry is a poetic-political and democratic space, which has as its main concept freedom of expression and free dialogue as a tool for the construction of new horizons. This possibility of dialogue, associated with the reconfiguration of crystallized spaces of speech (colonizing) and listening (colonized), traverses discussions about the empowerment of subalternized groups in their processes of self-affirmation, self-valorization, self-recognition and voicing of suffocated social demands. By perceiving the contemporary scenario as a space of contention, it is important that we pay attention to which voices have been silenced over time and what we can do, how we can act so that they become truly vocal, and not just visual, no longer treated as an object of study of those who, throughout history, have dominated the cultural debate to try to explain the world from a European, or an allegedly European, point of view. In this sense, the indigenous poetry of Graça Graúna, characterized by its indigeneity and the cut-bond metaphor, and the poetry slam of Mel Duarte, Gabz and Stephanie Borges, full of writing-experiences, ancestral references and corporalities, mark the insurrection of a body — individual and collective — that seeks the word as an instrument of struggle and empowerment in the path of decoloniality. For such aesthetic analyses, we used poems from the books Tear da palavra (2007), Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta (2019), As 29 poetas hoje (2021) and Slam Grito's YouTube channel.

Keywords:
decolonial experiences; contemporary poetry; indigeneity; poetry slam; reexistence

Resumen

Los nuevos espacios de habla son nuevos espacios de escucha. Esta posibilidad de diálogo, asociada a la reconfiguración de los lugares cristalizados de la palabra (colonizador) y de la escucha (colonizado), atraviesa discusiones sobre el empoderamiento de los grupos que fueron subordinados, en sus procesos de autoafirmación, autovalorización, autorreconocimiento y desbordamiento de demandas sociales reprimidas. Cuando percibimos el escenario contemporáneo como un espacio de disputa, es importante que prestemos atención a qué voces han sido silenciadas a lo largo del tiempo y qué podemos hacer, cómo podemos actuar para que sean verdaderamente vocales y no solo visuales, no más tratado como objeto de estudio por quienes, a lo largo de la historia, han dominado el debate cultural para tratar de explicar el mundo desde un punto de vista europeo, o supuestamente europeo. En ese sentido, la poesía indígena de Graça Graúna, caracterizada por su indianidad y la metáfora de la ruptura de lazos, y la poesía slam de Mel Duarte, Gabz y Stephanie Borges, llena de escritos, ancestralidad y corporeidad marcan la insurrección de un cuerpo – individual y colectivo – que busca la palabra como instrumento de lucha y empoderamiento en el camino de la decolonialidad. Para tales análisis estéticos se utilizarán poemas de los libros Tear da Palavra (2007), Quieren callarnos: poemas para leer en voz alta (2019), Los 29 poetas hoy (2021) y el canal de youtube Slam Grito.

Palabras clave:
experiencias decoloniales; poesía contemporánea; indianidad; Slam de poesía; reexistencia

INTRODUÇÃO

Em Colonialidade do poder, eurocentrismo e América, o sociólogo peruano Aníbal Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ressalta que o processo de colonização se estabeleceu como sistema histórico que, imposto de modo verticalizado, consolidou o processo de domínio de um povo sobre o outro, tendo sua ruptura, por exemplo, em fluxos de independência. A colonialidade, por sua vez, segundo o autor, deixa-se entrever, além disso, ainda na perpetuação não só de valores e de hábitos, mas também de pensamentos e de regimes de colonização que não se dissiparam da experiência dos povos colonizados nem mesmo após a histórica ruptura do modelo formal de dominação.

Assim, em países como o Brasil, colônia de exploração marcada pela violência, ainda é configurada a contínua experiência de tentativa de apagamento dos costumes dos povos que foram objetificados para fins escravocratas/utilitaristas e, por essa mesma razão, alvos de epistemicídio (Sousa Santos e Meneses, 2009SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs.) (2009). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez.), ferindo, sobretudo, suas subjetividades (Maia e Melo, 2020MAIA, Bruna Soraia Ribeiro; MELO, Vico Denis Sousa de (2020). A colonialidade do poder e suas subjetividades. Teoria e Cultura, v. 15, n. 2, p. 231-242. https://doi.org/10.34019/2318-101X.2020.v15.30132
https://doi.org/10.34019/2318-101X.2020....
). Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales., ainda na esteira desse pensamento, também traz à tona como, por exemplo, categorias raciais, forjadas no bojo da colonização, servem até hoje às experiências de subalternidade e de marginalização vividas em terras colonizadas que têm povos originários e povos da diáspora negra como principais alvos dessas práticas.

A socióloga argentina María Lugones (2008)LUGONES, María (2008). Colonialidade e gênero. Tabula Rasa, n. 9, p. 73-102. Disponível em: https://revistas.unicolmayor.edu.co/index.php/tabularasa/article/view/1501. Acesso em: 1º dez 2022.
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vai além, alertando, em “Colonialidade e gênero”, que o olhar acerca da colonialidade ainda tem como centralidade o patriarcado/patriarcalismo, negligenciando como a colonização, tal como a colonialidade ainda presente, impactaram a noção de gênero nas terras e nas mulheres exploradas. Indica, dessa forma, que corpos femininos não brancos continuam sendo violentados com enquadramentos pertencentes aos colonizadores, principalmente no que envolve papéis e funções sociais, tendo direitos humanos feridos e recebendo imposições acerca do que é ser mulher em uma ex-colônia de molde fortemente patriarcal e binarista, se pensadas as questões de gênero.

Diante disso, este artigo objetiva a análise de experiências que, na seara decolonial, produzida no Sul Global, revelam formas de reconfiguração de lugares propostos pela colonialidade, atravessando discussões acerca de movimentos que empoderam grupos, sobretudo femininos, que resistem e que reexistem diante da tentativa de silenciamento no debate social e cultural, produzindo reconfigurações que subvertem as centro-periferizações propostas com vistas à reocupação dos espaços guiada por suas vozes. Para as análises, no escopo da Literatura Brasileira Contemporânea, selecionamos obras das escritoras brasileiras Graça Graúna, Mel Duarte, Gabz e Stephanie Borges.

POESIA INDÍGENA, INDIANIDADE E ETNICIDADE

Para a escritora potiguara Graça Graúna (2013)GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza., a literatura indígena pressupõe a autoria indígena. Nesse sentido, nota-se que a categoria da experiência, ou da escrevivência — a escrita que nasce do cotidiano, das lembranças, da experiência de vida da própria autora e de seu povo — tem peso fundamental sobre o texto e sobre sua classificação. Essa abordagem centra-se na figura do/a autor/a sobreposta (mas não oposta) a outras vertentes, como tema, ponto de vista, linguagem e público.

Por essa avaliação, ficariam de fora da literatura indígena textos canônicos como O guarani e Iracema — de José de Alencar — e, mais recentemente, Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum, além de Nove Noites, de Bernardo Carvalho. Segundo Graça Graúna (2013)GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza., a indianidade está correlacionada à pessoa indígena e é exatamente esse o fator fundamental da literatura ameríndia. Graúna (2013)GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza. define a indianidade como o aspecto textual que subjaz às reflexões sobre a identidade/alteridade indígena e sobre a relação de amor do indivíduo com a terra.

A escritora destaca ainda que essa apreensão se torna importante como estratégia de não silenciamento da voz indígena, que busca ser sujeito de sua enunciação, não mais ocupando o lugar de subalternidade. Como sujeito de voz, a pessoa indígena sairia do estado de infantilização para o de produtor/a de arte, de pensamento, de literatura. É somente por esse caminho que pessoas não indígenas se deslocariam de uma percepção fetichizada e exótica do indígena, como se a ele/a coubesse a tutela, o silenciamento, a margem. Nota-se que a discussão proposta por Graúna (2013)GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza. contesta, até mesmo, o que o cânone literário entendeu até agora por literatura indígena, isto é, nem a virgem dos lábios de mel, nem o medievalismo de Peri respondem ao debate que precisa ser realizado atualmente sobre a cultura ameríndia.

Nesse sentido, em Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil (2013), Graúna afirma que:

Nossa literatura contemporânea é um dos instrumentos de que dispomos também para refletir acerca das tragédias cometidas pelos colonizadores contra os povos indígenas; a literatura é também um instrumento de paz a fim de cantarmos a esperança de que dias melhores virão para os povos indígenas no Brasil e em outras partes do mundo. Fazer literatura indígena é uma forma de compartilhar com os parentes e com os não indígenas nossa história de resistência, nossas conquistas, os desafios, as derrotas, as vitórias.

Entendendo a literatura como discurso, para Graúna (2013)GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza., a etnicidade dever ser correlata à pessoa que produz a literatura indígena, pois estabelece a possibilidade de autorrepresentação e de reinterpretação simbólica do passado, afastada dos mitos culturais atribuídos aos/às indígenas entre os séculos XVI e XIX — ingenuidade, primitivismo intelectual, selvageria, irracionalidade, subserviência e heroísmo infantil — e que ainda vigoram atualmente. Se considerarmos que as injustiças sociais têm como base estruturas econômicas e culturais, a literatura indígena — feita por indígenas — torna-se um lugar utópico de resistência, como avalia a própria Graúna na obra supracitada (2013, p. 55):

Apesar da falta do seu reconhecimento na sociedade letrada, as vozes indígenas não se calam. O seu lugar está reservado na história de um outro mundo possível. Visando à construção desse mundo, os textos literários de autoria indígena tratam de uma série de problemas e perspectivas que tocam na questão identitária e que devem ser esclarecidos e confrontados com os textos não indígenas, pois trata-se de uma questão muito delicada e muito debatida hoje entre os escritores indígenas.

Toma-se, como primeiro exemplo do que Graúna chama de indianidade, o poema “Colheita”, do livro Tear da palavra (2007, p. 39), em que o eu lírico nos diz:

Num pedaço de terra

encabulada, mambembe

o caminho de volta

a colheita, o ritmo

o rio, a semente

Planta-se o inhame

e nove meses esperar

o parto da terra.

Planta-se o caldo

e docemente esperar

a cana da terra

Palavra: eis minha safra

de mão em mão

de boca em boca

um porção Campestre

Potiguara ser.

Em primeiro lugar, convém observar que o poema é escrito em língua portuguesa, o que poderia, já incialmente, suscitar indagações: por que Graúna não escreve em uma língua indígena? Ainda mais: pode um poema escrito em português representar a literatura indígena? A própria autora trata dessa questão em Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil (2013), quando discute a ideia de hibridismo cultural relacionado à produção indígena. Graúna busca a metáfora do corte-vínculo para ilustrar a situação cultural do indígena, pois este, estrangeiro/a de dentro, para ser compreendido/a, deve usar códigos linguísticos impostos pelo colonizador, deve usar a língua estrangeira que o sangrou.

O paradoxo estaria justamente nessa necessidade/imposição de comunicar sua cultura em outra língua para alcançar seus leitores/as: o corte promovido pelo colonizador de outrora é transformado em vínculo também com os que perpetuam seus pressupostos e suas vivências, seu lugar hegemônico. Usar a língua portuguesa permite que esses mundos se encontrem em um entrelugar, que não precisa ser apenas abismo, mas, sobretudo, ponte.

Graúna não entende a literatura indígena da ótica de uma lente purista; pelo contrário, para ela, a cultura é um ponto de contato entre diferentes expressões, sem hierarquizações. É justamente nesse direcionamento que seu corte-vínculo converge com o entrelugar de Silviano Santiago (1982). Cabe relembrar que, no texto O entre-lugar do discurso latino-americano (1982), Santiago propõe uma subversão da hierarquia entre colonizador e colonizado, entre original e cópia, e expõe uma visão que em muito se aproxima da proposta de Graúna, pois valoriza, na América Latina, a criação de um espaço intervalar em que o processo de apropriação da cultura ocidental ocorre já não estruturado com base nas ideias de unidade e de pureza.

O caráter de universalidade — trabalhado por Santiago (1982)SANTIAGO, Silviano (1982). O entre-lugar do discurso latino-americano. Rio de Janeiro: Rocco. — ou a tentativa de buscar pontos comuns para conseguir comunicar — pressuposto de Graúna — abrem-se para dois caminhos: ou favorecem um jogo colonizador, em que se consegue, pouco a pouco, a uniformização ocidental do mundo, sua totalização, por meio da imposição da história europeia como História universal; ou alcançam um jogo diferencial em que as culturas, mesmo as em situação econômica inferior, se exercitam em um espaço maior, para que se acentuem os choques das ações de dominação e das reações dos dominados. Vale destacar o apontamento de Santiago (1982SANTIAGO, Silviano (1982). O entre-lugar do discurso latino-americano. Rio de Janeiro: Rocco., p. 18) quando nos diz:

Na configuração ambivalente do seu ser cultural reside o drama ético do intelectual brasileiro face a todas as minorias da América Latina. A sua compreensão dessas minorias, pelo materialismo histórico, tem de passar pela integração total e definitiva delas ao processo de ocidentalização do mundo; a compreensão delas pelo pensamento antropológico tem de questionar essa integração histórica, para que elas não continuem a viver uma “ficção” imposta como determinante do seu passado e do seu desaparecimento futuro. Difícil é o pacto entre o homem latino-americano e a História ocidental, a não ser que se caia em certas determinações de cunho desenvolvimentista, onde se afigura como capital a práxis ideológica do progresso.

Na literatura latino-americana, na literatura ameríndia, o como comunicar é fator essencial, pois passa pela ideia do como resistir e, nesse sentido, a palavra é aquilo que não morre, é aquilo que atravessa ciclos. Não é à toa que “Colheita”, de Graça Graúna (2007)GRAÚNA, Graça (2007). Tear da palavra. Belo Horizonte: Mazza., fecha com uma estrofe metalinguística: a palavra é aquilo que comunica, que dá vida, que dá frutos, ou seja, assim como o alimento, é o que passa de mão em mão, de boca em boca. A palavra é o que passa pelo corpo, mesmo que este esteja ferido.

Em consonância com essa discussão, cabe levantar também questionamentos sobre o lugar do/da intelectual indígena. A própria Graúna é doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco e pesquisadora, vivenciando esse entrelugar de produção intelectual indígena em uma estrutura de saber eurocêntrica, assim como outros/as expoentes, a exemplo do ambientalista Ailton Krenak, da escritora Eliane Potiguara e do professor Daniel Munduruku. Interessante notar o que observa Maria Aparecida Bergamaschi (2014BERGAMASCHI, Maria Aparecida (2014). Intelectuais Indígenas, Interculturalidade e Educação. Tellus, Campo Grande, v. 14, n. 26, p. 11-29. Disponível em: https://www.tellus.ucdb.br/tellus/article/view/297. Acesso em: 28 nov. 2022.
https://www.tellus.ucdb.br/tellus/articl...
, p. 54) sobre esse aspecto:

A presença indígena no ensino superior no Brasil é recente, embora tenha apresentado intenso crescimento na última década. Pesquisas recentes estimam a presença de oito mil estudantes indígenas no ensino superior, em cursos de graduação, apresentando um crescimento vertiginoso em relação aos 1.300 universitários de 2003. É igualmente significativa a presença de estudantes indígenas em mestrados e em doutorados em diversas universidades, dado que mostra a vontade e a necessidade concreta e atual dos povos originários em estabelecerem um diálogo mais próximo com a academia e formar os seus próprios pesquisadores. Esse crescimento decorre em grande parte das ações governamentais que propiciam o acesso e afirmam a permanência. Mas resulta, sobretudo, do movimento dos povos originários que, entre outros caminhos, elegeram o ensino superior como um espaço de afirmação e as universidades como aliadas, na perspectiva de um possível empoderamento. Há também um forte interesse dos povos indígenas pelo ensino superior, considerado por eles como uma “ferramenta para promover suas próprias propostas de desenvolvimento, por meio do fortalecimento de seus conhecimentos originários, de suas instituições e do incremento de suas capacidades de negociação, pressão e intervenção dentro e fora de suas comunidades”. Consideram a universidade como aliada na afirmação, partilhando da crença que há, no olhar estimado do outro, a possibilidade de construir ou reforçar a autoestima coletiva dos povos ameríndios, reforça assim as suas identidades étnico-culturais. […] A formação de intelectuais indígenas não ocorre somente na academia: o intelectual indígena que chega à universidade, em geral emerge e atua nos movimentos, na organização e na afirmação étnica, na luta pelo reconhecimento social, político e cultural, pelos direitos básicos de viver na terra e ter respeitado suas territorialidades, por saúde e por educação. É um intelectual que alia o conhecimento próprio da sua cosmologia, mas que propõe e conduz diálogos interculturais importantes, inclusive pautando caminhos para a educação escolar, indígena e não indígena.

Percebe-se, por essa perspectiva, que a presença do/da indígena como produtor cultural auxilia a construção de um aparato de saberes que permite conhecer e dialogar com a sociedade nacional em direção à interculturalidade.

O poema “Colheita” ainda nos oferece uma discussão acerca de seu conteúdo, pois, nele, percebe-se que o conceito de indianidade da autora é acentuado, uma vez que as imagens poéticas realizadas são as que remetem ao contato orgânico com a terra em um tempo próprio: a espera. A compreensão e o respeito ao ciclo natural da terra são marcas de uma escrevivência indígena, a observação da semente como processo, do rio que carrega vida, do parto que se dá quando a terra está pronta, do plantio que docemente aguarda o açúcar.

Nota-se uma abordagem da terra distante da realizada por escritores ditos nacionalistas e indianistas no século XIX, como Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães, pois, em Graúna, não há euforia na criação de uma imagem paradisíaca, idílica, plenamente frutífera e irreal. No século XIX, a literatura desses dois escritores obedeceu ao propósito de criar um ideal de nação, e, assim, exaltar a terra de modo hiperbólico fazia parte desse projeto de identidade nacional. Dois séculos depois, as reflexões sobre as relações entre o indivíduo e a terra convergem para outros debates: não estaríamos nós vivendo em grandes cidades cinza, afastando-nos do contato natural com a terra? Nossas práticas de tentativa de dominação da natureza e de desrespeito a ciclos naturais não estariam articuladas ao nosso déficit de natureza, às práticas de ecocídio e ao conceito de desenvolvimento econômico a todo custo, até mesmo do caos climático? Conseguimos, atualmente, manifestar uma sensibilidade que perceba o tempo articulado ao ciclo natural da terra? É possível manifestar essa percepção em uma contemporaneidade que tem como metonímia os ponteiros do relógio?

Outro poema bastante interessante de Graça Graúna, no sentido de perceber a alteridade indígena, intitula-se “Nem mais nem menos”:

Um homem, uma mulher

são o que são:

palimpsestos

pássaros

deuses

mágicos

videntes

astro/estrela

de Altamira a Lascoux

Asteca/Pankararu

Fulni-ô/Xavante

Potiguar, quem sabe?

Íntimos irmãos da terra

salvaguardam o limo das pedras

o vôo dos peixes

e os sagrados rios navegáveis (Graúna, 2013GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza., p. 12).

Note-se, já nos primeiros versos, a aproximação entre a mulher, o homem e os palimpsestos. A imagem do palimpsesto — pergaminho ou papiro cujo texto é lavado ou raspado para permitir sua reutilização — recorda-nos que, essencialmente, somos seres coletivos, formados pelos que vieram antes, pelos que virão depois, pela natureza que não se configura como categoria inferior de vivência: não haveria hierarquização entre o homem, a mulher, os pássaros, os astros. Seríamos todos/as sagrados, em um ciclo complementar de irmandade.

De um confronto entre a subjetividade expressa no poema de Graúna e nosso modus operandi atual, é possível promover reflexões acerca da maneira como estamos vivendo em sociedade. Muito se debate, na contemporaneidade, a redução de nossas experiências como seres coletivos, como seres solidários que se percebem como integrantes de uma comunidade. O fetiche pelo individualismo, pela conquista material, pela hierarquia tem nos levado a vivências cada vez mais bélicas e centralizadas nos desejos de indivíduos que se julgam supremos e soberanos sobre outros e sobre a natureza. A cosmovisão indígena, em “Nem mais nem menos”, caminha justamente no sentido contrário a essa exaltação do indivíduo: somos apenas parte, nem superiores nem inferiores.

A percepção dos processos de produção das identidades e das diferenças é um dos elementos mais importantes quando queremos entender a cosmovisão indígena. Para os povos indígenas, esses temas estão entrelaçados em suas vidas, em suas histórias, em todo o entorno humano e não humano. A cosmovisão do mundo e dos seres vivos é feita numa perspectiva vertical (alto e baixo) e horizontal. Existe um patamar acima de nós e outro abaixo de nós, nas profundidades da terra (perspectiva vertical). Já as florestas, os animais, as águas, os lagos, os peixes e outros seres vivos estariam no mesmo patamar (perspectiva horizontal).

Outra categoria importante na cosmovisão indígena e que transparece no poema de Graúna é a relativização da humanidade. Com base no conceito de perspectivo ameríndio, desenvolvido por Eduardo Viveiros de Castro e por Tânia Stolze Lima, observa-se que a humanidade não obedece a uma divisão binária entre humano e não humano. Camila Betoni (2014)BETONI, Camila (2014). O perspectivo ameríndio. Disponível em: https://www.infoescola.com/autor/camila-betoni/3295/. Acesso em: 22 ago. 2022.
https://www.infoescola.com/autor/camila-...
explica-nos que:

Para entendermos a virada perspectivista, precisamos começar pela estrutura dos mitos ameríndios (os povos originários americanos), com suas narrativas (cosmologias) de um tempo em as múltiplas entidades do cosmo compartilhavam uma espécie de condição humana indistinta e que, por essa condição, eram capazes de comunicação entre si. Esses mitos também descreviam um momento onde essa condição humana geral é quebrada e as espécies são separadas, isto é, homens, animais, vegetais, espíritos e demais seres assumem os diferentes corpos que até hoje habitam. Contudo, esse momento inicial de uma condição humana estendida não foi totalmente esquecida, sendo a caça e a prática xamânica momentos exemplares onde essa humanidade compartilhada volta a ser percebida, posto que nessas práticas seria possível uma retomada daquele estado humano ancestral, e, portanto, a recuperação da alma dos animais, dos objetos, dos espíritos e dos demais seres.

Mais uma vez, o pensamento ameríndio convoca-nos a reconfigurar o que outrora considerávamos um conceito inabalável: a supremacia da espécie humana. Os poemas “Colheita” e “Nem mais nem menos” são apenas dois exemplos da vasta e viva poesia de Graça Graúna. Ao percebermos o cenário contemporâneo como espaço de disputa, é importante que nos atentemos a que vozes têm sido silenciadas ao longo do tempo e ao que podemos fazer, a como podemos atuar para que elas se tornem verdadeiramente vocais, e não apenas visuais, não mais tratadas como objeto de estudo daqueles que, ao longo da história, dominaram o debate cultural para “tentar explicar o mundo a partir de um ponto de vista europeu” (Spivak, 2010SPIVAK, Gayatri Chakravorty (2010). Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart, Marcos Pereira Feitosa Almeida e André Pereira. Belo Horizonte: Editora da UFMG., p. 82), ou pretensamente europeu.

POETRY SLAM, TOMADA DA VOZ E REEXISTÊNCIA

No prefácio do livro Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta (2019), a escritora Conceição Evaristo convida-nos a refletir sobre o poetry slam como o lugar em que as falas de diferentes mulheres se encontram no que está dito, no que está escrito, algo que diretamente também remete ao processo de escrevivência sobre o qual teoriza em perspectivas teóricas, metodológicas e, sobretudo, sociais e políticas. Considerando a invisibilização e o silenciamento impostos à mulher negra como criadora/produtora de cultura, a antologia de poemas-grito, organizada por Mel Duarte1 1 Embora Mel Duarte seja um nome conhecido no contexto do poetry slam, sua atuação como escritora e movimentadora cultural ainda não alcançou grande expansão pública no debate social geral e acadêmico. Por isso, vale trazer alguns pontos básicos de sua biografia. Mel Duarte é escritora, poeta, slammer e produtora cultural. Nasceu em 1988, em São Paulo (SP) e atua com literatura desde 2006. Publicou os livros Fragmentos Dispersos (2013), Negra Nua Crua (2016, editora Ijumaa) traduzido para o espanhol Negra Desnuda Cruda (2018, ediciones ambulantes, Madrid, ES), As bonecas da vó Maria (2018, Itaú leia para uma criança), Querem nos calar: Poemas para serem lidos em voz alta (2019, Editora Planeta), A descoberta de Adriel (2020, Itaú leia para uma criança) e o mais recente Colmeia: Poemas reunidos (2021, Editora Philos). Em 2016, Mel foi destaque no sarau de abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e foi a primeira mulher a vencer o Rio Poetry Slam (campeonato internacional de poesia falada). Em 2017, foi convidada a representar a literatura brasileira no Festilab Taag, em Luanda, Angola e, em 2019, foi a primeira slammer negra brasileira a lançar um disco de poesia falada intitulado Mormaço — Entre outras formas de calor, disponível em todas as plataformas musicais. Também integrou, durante quatro anos, a coletiva Slam das Minas SP, batalha de poesias autorais voltada ao gênero feminino e, durante seis anos, o coletivo Poetas Ambulantes. — importante referência contemporânea nos festivais nacionais e internacionais de poetry slam — representaria a posse da palavra, a posse do próprio corpo. Corpo esse que performa, que encena, que transborda os limites gráficos do poema e alcança o ritmo sensível da voz, da entonação. Nesse sentido, o poetry slam marca a insurreição de um corpo — individual e coletivo — que busca a palavra como instrumento de luta e de empoderamento.

Destaca-se, tanto no prefácio de Evaristo (2019)CONCEIÇÃO, Evaristo (2019). Prefácio. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta. Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 5. como na apresentação do livro, feita pela própria Mel Duarte (2019)DUARTE, Mel (2019). Se querem nos calar, vamos falar mais alto. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta. Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 12., a caracterização do poetry slam como espaço de comunhão, de ressonância retroalimentada entre o indivíduo e a sociedade. É justamente durante essas performances de microfone aberto que ecoam temas políticos e sociais, exigindo do público a interatividade dos aplausos, das vaias e até das notas, para quem é escolhido como júri, sem prévio aviso, minutos antes do início do evento. Como as griots2 2 A analogia entre a figura do griot e das slammers é possível ao se considerar similar, entre os dois, a manutenção da tradição oral como possibilidade de perpetuação da história de um povo. da contemporaneidade, as quinze slammers3 3 Participam da antologia Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta: Anna Suav, Bell Puã, Bor Blue, Cristal Rocha, Dall Farra, Danielle Almeida, Laura Conceição, Letícia Brito, Luiza Romão, Luz Ribeiro, Mariana Felix, Meimei Bastos, Negafya, Roberta Estrela D’Alva e Ryane Leão. que compõem essa antologia revivem, pela oralidade, uma ancestralidade de opressão, mas também de beleza, de força, de resistência e, sobretudo, de ruptura diante dos limites impostos pela colonização, pela escravização, pelo racismo, pela misoginia e, enfim, pela perspectiva de mundo eurocêntrica. O poetry slam materializa um percurso de (des)limitação intrínseco à palavra poética.

Nesse movimento de expansão, de metáforas que transcendem a grafia, de corpos sem bordas que se autorrepresentam, é interessante notar como essas slammers — e as editoras que as publicam — utilizam a plataforma YouTube para ler/divulgar seus poemas em voz alta, o que acaba por desenhar uma estratégia artística de manutenção da presença do corpo e da voz nos processos de criação, de circulação e de recepção do poetry slam, quiçá um movimento de contracultura à permanência de certa noção de poesia, cercada pelo academicismo clássico — rigidez formal, racionalidade, afastamento entre o eu sujeito e o eu poético — e pelo conservadorismo das possibilidades de circulação. Como afirma Daniela Silva de Freitas (2018FREITAS, Daniela Silva de (2018). Ensaios sobre o rap e o slam na São Paulo contemporânea. Tese (Doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade) – Programa de Pós-graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/34815/34815.PDF. Acesso em: 10 dez. 2021.
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/3481...
, p. 95) em sua tese de doutorado intitulada Ensaios sobre o rap e o slam na São Paulo contemporânea:

Na slam poetry, a poesia deixa o ambiente acadêmico, abandona os circuitos tradicionais de curadoria e produção de sentido, flerta com a canção popular e torna-se uma prática coletiva e, como tal, se estabelece no limite entre o oral, o escrito e o visual, fazendo da performance um elemento central. O significado dos poemas se constitui tanto através da narrativa em primeira pessoa sobre a experiência do/a slammer (narrativa que ele/a escreve e, desejavelmente, memoriza antes do evento, raramente improvisa como nas batalhas de MCs), da voz e do corpo do/a poeta, quanto da relação com a voz, o corpo e as histórias do público que ouve.

Em uma realidade de cibercultura4 4 Entende-se, aqui, a importância de ressaltar o contexto de cibercultura de acordo com a definição de Pierre Lévy (1999, p. 16, adaptado): “o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. […] estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano”. , o livro impresso torna-se apenas uma forma de propagação da poesia. Seriam as plataformas audiovisuais e as redes sociais correspondentes aos mimeógrafos dos poetas marginais da década de 1970 no Brasil? No canal do YouTube da editora Planeta de Livros Brasil5 5 Link de acesso para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ruMYcvi6g3o. Acesso em: 5 dez. 2022. , por exemplo, Mel Duarte (2019)DUARTE, Mel (2019). Se querem nos calar, vamos falar mais alto. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta. Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 12. faz-nos ouvir o poema “se querem nos calar, vamos falar mais alto”, presente na antologia supracitada:

aqui estamos nós

donas de nossas próprias palavras

revolucionárias do cotidiano

regando a terra outrora batida por nossas antepassadas

firmando nossas pegadas sabendo que hoje

cada vez que nossa fala se propaga

equivalem há dez que antes foram silenciadas

mulheres de uma geração atrevida

filhas dos saraus e das batalhas de poesia

alquimistas, libertárias,

propagandistas da oralidade

compartilhando nossa travessia

bradando nossa realidade

sempre semeando essa terra

verbo fértil

perpetuando nossa existência

através de versos

escrevemos quantos poemas-manifestos forem necessários por dia

pra cada vida interrompida ter mais valia

não mais invisíveis

não mais mercadoria

se querem nos privar, ocuparemos espaços

se querem nos apagar, escreveremos livros

se querem nos calar, vamos falar mais alto (Duarte, 2019DUARTE, Mel (2019). Se querem nos calar, vamos falar mais alto. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta. Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 12., p. 12).

Os versos de Mel Duarte (2019)DUARTE, Mel (2019). Se querem nos calar, vamos falar mais alto. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta. Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 12. traduzem um entendimento lúcido quanto a sua posição social e política e, por sua vez, um estado psicológico perceptivo do que se passa ao seu redor: é necessário bradar sua realidade para interromper o ciclo de silenciamento, de invisibilidade. A aproximação entre o eu poético e o eu sujeito — mulher negra — permite que percebamos a voz de Mel Duarte (2019)DUARTE, Mel (2019). Se querem nos calar, vamos falar mais alto. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta. Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 12. como alguém que se apresenta do ponto de vista de um “nós”, com uma fala guerreira, revolucionária, atrevida, que ecoa da ancestralidade, da referência prestada a suas antepassadas, às pegadas que estão pelo chão. Nessa travessia de tomada da palavra, da oralidade, do verbo fértil, que se inicia nos saraus e nas batalhas de poesia, sua criação torna-se um poema-manifesto que ocupa espaços. O poema-performance de Mel Duarte, mais do que “compartilhar uma história de opressão, dá a conhecer caminhos de luta percorridos nessas opressões” (Gonzalez, 1988GONZALEZ, Lélia (1988). A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 92, n. 93, p. 69-81. Disponível em: https://institutoodara.org.br/public/gonzalez-lelia-a-categoria-politico-cultural-de-amefricanidade-tempo-brasileiro-rio-de-janeiro-v-92-n-93-p-69-82-jan-jun-1988b-p-69-82/. Acesso em: 20 nov. 2022
https://institutoodara.org.br/public/gon...
, p. 71).

Ainda no que cabe às reflexões sobre as formas de circulação do poetry slam, é notório o importante papel de divulgação dos canais do YouTube dos próprios festivais, nos quais se reúnem as gravações das competições. Por vezes, é por meio dessas plataformas que os/as slammers se tornam conhecidos/das para além desses festivais. Alguns exemplos são os canais do tradicional Slam das Minas6 6 Link de acesso para o canal: https://www.youtube.com/channel/UCvpYWn9C_xv7ebfLfLhip3g. Acesso em: 5 dez. 2022. , o canal do Slam da Guilhermina7 7 Link de acesso para o canal: https://www.youtube.com/c/SlamdaGuilhermina. Acesso em: 5 dez. 2022. — o 2º Poetry Slam do Brasil que reúne mensalmente mais de trezentas pessoas em uma praça a céu aberto na Vila Guilhermina/ Zona Leste Paulistana, desde fevereiro de 2012 — e o canal da Grito Filmes8 8 Link de acesso para o canal: https://www.youtube.com/channel/UCAXJDHJtf8eYwW88lzJiFEw. Acesso em: 5 dez. 2022. —produtora independente que organiza anualmente campeonatos de slam. Foi justamente ao vencer a batalha de 2017 do Slam Grito que Gabz — Gabrielly Nunes — se integrou mais intimamente ao contexto do slam. Na ocasião, Gabz tinha 18 anos e era recém-chegada ao universo das batalhas de poesia no Rio de Janeiro. Considerada novata, conquistou o júri na Praça Mauá com o poema-performance abaixo9 9 Link de acesso para o vídeo da competição: https://www.youtube.com/watch?v=kZhPvruoeFw. Acesso em: 5 dez. 2022. que, posteriormente, em 2019, foi também apresentado no TEDx São Paulo10 10 Link de acesso para a palestra de Gabz: https://www.youtube.com/watch?v=_yN0UtIBJCw. Acesso em: 5 dez. 2022. :

Se pelo menos eu soubesse

Meu verdadeiro sobrenome

Meu país, minha terra

Ah, se eu soubesse, já era

Se minha carne fosse vista diferente

Se seu olhar fosse mais inocente

Se eu não tivesse que ser forte

Nem dependesse da sorte

Se antes do diabo que me pintam por ser o que sou

Ou da deusa que cultivam pelo mesmo motivo

Eu fosse pessoa, pessoa antes de mulata

Se eu não tivesse que falar na lata

E se eu não tivesse que gritar

Ainda ia ter graça me ver sangrar?

E se eu quisesse me vingar?

Ou cês acha que nós não lembrava

Do estupro da escrava?

Que cês ainda comemoram a ação

Porque o resultado: A linda miscigenação

Ou cês acha que nós esquece

A tragédia dos mec mec

Que termina lá no Cytotec?

Sim, aborto

A pergunta agora é se o feto era vivo ou morto

E ela?

Crucificada aos 16

Sem a ajuda de nenhum de vocês

Sozinha

Pedindo aos céus ajuda de mainha

Mas aqui só tinha inferno

E o julgamento é eterno

Se não vai pra prisão, pode ir pro valão

Taxada de puta na televisão

Pra nós, ninguém reserva oração

Tudo preto, sem bandeira branca na trama

Cê já sentiu negra drama?

Ou tu só respeita se for da família?

Pede bênção pra mãe e não assume a filha

É que cês não gosta de mulher, cês gosta é de buceta

De preferência branca, mas com bunda de preta

Até serve comer mulata, mas se for a que te acata

E os mano sempre diz que são todo errado

E aí quer pagar de aliado

Mas cês tem que entender nosso lado

Nós não atura papo de mandado

Porque o papo não faz curva, aqui o papo é reto

Cê vai se arrepender de me fazer de objeto

Eu não tô aqui pra fazer seu membro ficar ereto

Não se esqueça, aqui é muita treta

Se teu pau é Ku Klux Klan, minha buceta é Pantera Negra

É que eu não aguento mais, será que um dia tem paz?

Ou será sempre mais um jaz?

No cais, sinto o horror do Valongo

Quilombo dor, é o combo do meu horror

Mas você não me parou

Uns morto na matéria, mas vivo na memória

Eu canto aqui é pra lembrar essas história

Em meio ao caos nós vai encontrar a glória

Em meio a tanta luta nós vai chegar na vitória

É que eu tenho minha raiz, minha base pra ser feliz

Eu invado, eu não me encaixo

E você ainda se acha muito macho?

Mas nunca viu rastro de cobra, nem couro de lobisomem

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

O que eu passei na vida, cês não sabe como é

Pra viver na minha pele, neguin, tem que ser muito, mas muito mulher! (Gabz, 2017NUNES, Gabrielly (Gabz) (2017). Se pelo menos eu soubesse. Grito Filmes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kZhPvruoeFw. Acesso em: 28 jan. 2022.
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).

A voz de Gabz (2017)NUNES, Gabrielly (Gabz) (2017). Se pelo menos eu soubesse. Grito Filmes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kZhPvruoeFw. Acesso em: 28 jan. 2022.
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prima na subversão da lógica dominante, patriarcal, eurocêntrica e acadêmica, voltando-se à composição de novas subjetividades. Já de início, ela problematiza a questão da ascendência da negritude, de sua ancestralidade roubada, sequestrada, em uma imposição de apagamento de seu passado, de suas referências familiares. Gabz (2017)NUNES, Gabrielly (Gabz) (2017). Se pelo menos eu soubesse. Grito Filmes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kZhPvruoeFw. Acesso em: 28 jan. 2022.
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caminha por temas constantemente presentes no debate político, como a objetificação/sexualização da mulher negra — “Eu fosse pessoa, pessoa antes de mulata” —, a crítica à visão romantizada da miscigenação racial no Brasil, resultado de estupros — “Ou cês acha que nós não lembrava/ Do estupro da escrava?/ Que cês ainda comemoram a ação/ Porque o resultado: A linda miscigenação” — e o aborto realizado por jovens em situação de vulnerabilidade social, sem assistência hospitalar — “A tragédia dos mec mec/ Que termina lá no Cytotec?/ Sim, aborto/ A pergunta agora é se o feto era vivo ou morto/ E ela?/ Crucificada aos 16/ Sem a ajuda de nenhum de vocês”. As referências culturais, históricas e espaciais (cidade do Rio de Janeiro) compõem o quadro imagético dessa performance marcada pela provocação dos gestos e da voz: Ku Klux Klan, Pantera Negra, Cais do Valongo, Quilombo.

O corpo, o olhar, a voz, em constante movimento, ganham aplausos da plateia quando surpreendem e explodem de maneira taxativa: “É que cês não gosta de mulher, cês gosta é de buceta/ De preferência branca, mas com bunda de preta”. Os versos de Gabz (2017)NUNES, Gabrielly (Gabz) (2017). Se pelo menos eu soubesse. Grito Filmes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kZhPvruoeFw. Acesso em: 28 jan. 2022.
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contestam, em sua construção, um padrão de elaboração poética que guarda uma aversão estética destinada a termos como “buceta” e “cês”, que são, na tradição literária, considerados como expressões da linguagem vulgar, cotidiana. Em uma apreensão elitizada da poesia, não caberia a presença tão direta do corpo que, de tão forte, deságua em palavras que não fazem a curva.

A marcante presença dos gestos e da voz da slammer durante a apresentação faz lembrar o pensamento de Stuart Hall em Da diáspora: identidades e mediações culturais (2003) quando pontua a existência de questões profundas de transmissão e de herança cultural, de relações complexas entre as origens africanas e as dispersões irreversíveis da diáspora, que são materializadas nas inovações linguísticas, na estilização retórica do corpo, nas formas de ocupar um espaço social alheio, nas expressões potencializadas, nos estilos de cabelo, nas posturas, nos gingados e nas maneiras de falar, bem como nos meios de constituir e de sustentar o companheirismo e a comunidade.

Inserida nessa herança cultural, para Gabz (2017)NUNES, Gabrielly (Gabz) (2017). Se pelo menos eu soubesse. Grito Filmes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kZhPvruoeFw. Acesso em: 28 jan. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=kZhPvruo...
, “o papo é reto”. O poetry slam é a voz em eco de corpos-margem, de corpos-periferia, de corpos em grito, não só atuando no interstício entre os suportes oral, escrito e visual, mas também tensionando os limites entre literatura e música, poesia e vida, arte e ativismo. Como acadêmicas que se debruçam em estudos e em escutas, colocamo-nos a ouvir esse grito numa perspectiva de multiplicação de sua ressonância.

Novos espaços de fala são novos espaços de escuta. Para Mel Duarte (2019)DUARTE, Mel (2019). Se querem nos calar, vamos falar mais alto. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta. Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 12., o poetry slam é um lugar poético-político e democrático, que tem como principal conceito a liberdade de expressão e o livre diálogo como ferramenta para a construção de novos horizontes. Essa possibilidade de diálogo, associada è reconfiguração dos lugares cristalizados de fala (colonizador) e de escuta (colonizado), atravessa as discussões acerca do empoderamento de grupos que foram subalternizados em seus processos de autoafirmação, de autovalorização de autorreconhecimento e de extravasamento de demandas sociais sufocadas. É fundamental ressaltar que o percurso do empoderamento, segundo a professora feminista norte-americana Nelly Stromquist (2002)STROMQUIST, Nelly P. (2002). Education as a means for empowering women. In: PARPART, J. L.; SHIRIN, Rai M.; STAUDT, Kathleen (org.). Rethinking Empowerment: gender and development in a global/local world. Londres: Routledge. p. 65., consiste em quatro dimensões, cada uma igualmente importante, mas não suficiente por si própria. São elas as dimensões cognitiva (visão crítica da realidade), psicológica (sentimento de autoestima), política (consciência das desigualdades de poder e a capacidade de se organizar e de se mobilizar) e econômica (capacidade de gerar renda independente).

Propondo uma analogia entre o conceito de Stromquist (2002)STROMQUIST, Nelly P. (2002). Education as a means for empowering women. In: PARPART, J. L.; SHIRIN, Rai M.; STAUDT, Kathleen (org.). Rethinking Empowerment: gender and development in a global/local world. Londres: Routledge. p. 65. e alguns temas comuns a esses poemas-performance (declamados ou gritados ou lidos) da contemporaneidade, destacam-se as múltiplas performances que refletem sobre o lugar cognitivo, psicológico e político do cabelo frisado11 11 Inicialmente, esse trabalho usava o termo “cabelo crespo” em substituição a “cabelo duro”. No entanto, após a leitura do artigo “Meu cabelo não é duro, meu cabelo não é crespo”, de Ana Carolina Oliveira dos Santos (2019), para o Portal Geledés, optou-se pela expressão “cabelo frisado”, como sugere a colaboradora do portal. . Na coletânea As 29 poetas hoje (2021), organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, a título de exemplo, chama atenção o poema da carioca Stephanie Borges (2021)BORGES, Stephanie (2021). Poema. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). As 29 poetas hoje. São Paulo: Companhia das Letras. p. 194-201., que registra suas experiências de alisamento capilar:

não confunda

com retoques fotográficos

ou a ilusão nos primeiros dias de química

o formol cai bem nos mortos

mas a indústria é ótima com eufemismos

a progressiva de chocolate

a progressiva marroquina

a progressiva de botox

a progressiva americana

a progressiva inteligente

Lembrando sempre que a confiança no progresso

Deu ruim no século 20

[…]

Não há nada de exótico aqui

é triste

que existam meninas virgens, mas seus cabelos não

e naturalizemos a beleza pela dor

a ponto

de parecer normal

o ferro quente carinhosamente

chamado de chapinha,

queimadura de hidróxido de sódio e guanidina

me avisa quando começar a arder

pra gente lavar, tá

[…]

e embora hoje transição seja a palavra

há um tempo era assumir

repare a estranha necessidade

de quem se apropria do que sempre foi seu (Borges, 2021BORGES, Stephanie (2021). Poema. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). As 29 poetas hoje. São Paulo: Companhia das Letras. p. 194-201., p. 195-199).

Nos versos de Stephanie Borges (2021)BORGES, Stephanie (2021). Poema. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). As 29 poetas hoje. São Paulo: Companhia das Letras. p. 194-201., estão em jogo: a interpretação, o cotidiano, as experiências pessoais, a provocação contínua a um interlocutor/a, as proposições que acentuam as características culturais e estéticas herdadas pela ancestralidade, as novas percepções críticas sobre si e sobre o mundo em volta. O cabelo faz-se lugar de empoderamento, de resistência individual e coletiva, de protesto e de mobilização que questionam as bases das relações de poder: “é triste/ que existam meninas virgens, mas seus cabelos não”. A afirmação “não há nada de exótico aqui” corresponde diretamente à dimensão psicológica — estética — do empoderamento. De acordo com Joice Berth (2018)BERTH, Joice (2018). O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento / Justificando., uma boa relação com a autoimagem é ferramenta importante de reconhecimento de valores ancestrais, de reafirmação da necessidade de aprofundamento na busca pelo autoconhecimento da história negra e pelo entendimento da condição social de indivíduo negro, em todo o significado político que a estética ancestral africana tem.

Nesse sentido, um novo imaginário cultural sobre o cabelo frisado poderia ressignificar o imaginário atual — feio, duro, sujo — que será abalado e reconstruído. “Sem o fortalecimento da autoestima, não há força para iniciar sequer um processo lúcido de empoderamento” (Berth, 2018BERTH, Joice (2018). O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento / Justificando., p. 71). Assim como o pessoal é político, a estética e a construção da autoestima também o são. Relegado, muitas vezes, ao silenciamento compulsório, ao escárnio, à ridicularização, o tema do cabelo frisado tem despertado muita rejeição, até mesmo institucional, conduta essa que revela uma estratégia cultural de estigmatização da negritude quando intervenções contra-hegemônicas — como o poetry slam — ocupam espaços públicos.

Por essa perspectiva, os versos de Stephanie Borges (2021)BORGES, Stephanie (2021). Poema. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). As 29 poetas hoje. São Paulo: Companhia das Letras. p. 194-201. não tratam a questão capilar como supérflua manifestação identitária, mas como importante contribuição para a reestruturação social com base nas necessidades de grupos minoritários, “tendo em vista o lócus social e as experiências que dele emergem” (Borges, 2021BORGES, Stephanie (2021). Poema. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). As 29 poetas hoje. São Paulo: Companhia das Letras. p. 194-201., p. 42), por isso são tão importantes os símbolos de resistência. Muito mais do que mera expressão de liberdades individuais, o empoderamento pela reafirmação capilar procura romper as estruturas opressoras, tensionando, enfim, heranças da colonialidade contra as quais se luta diariamente por meio da arte.

As contribuições do poetry slam de Mel Duarte, de Gabz, de Stephanie Borges e de tantos outros sujeitos marcados pela tomada de consciência do ser negro/negra (e até mesmo de outras formas de ser não legitimadas como dignamente vivíveis em uma estrutura em perspectiva de colonialidade), dessa forma, operam como conjunto de práticas que envolvem, conforme Ana Lúcia Silva Souza (2009)SOUZA, Ana Lúcia Silva (2009). Letramentos de Reexistência: culturas e identidades no movimento hip-hop. Tese (Doutorado) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas., letramentos de reexistência, já que tais movimentos, ao capturarem complexidades históricas e sociais que envolvem a prática da linguagem, desestabilizam o que se firma como discurso normalmente cristalizado em esferas acadêmicas. Assim, haverá possibilidade de subversão da lógica centro-periferia imposta a sujeitos que, em suas práticas poéticas, assumem e sustentam novos papéis e novas funções sociais no país de pertença, buscando outras formas de reelaboração de si diante das diversas violências vivenciadas ao longo da história.

INTELIGIBILIDADES EM ANDAMENTO

Com as análises desenvolvidas, foi possível observar, de um lado e na poesia de Graúna, que a literatura indígena existe, reivindica e resiste como contato com uma ancestralidade e como abertura para novas perspectivas de diversidade. A demanda cultural tem total impacto em nosso imaginário, uma vez que é libertando-o de uma visão inferiorizada da pessoa indígena que construímos uma sociedade menos racista e menos bélica, aberta à pluralidade.

Para tal, é fundamental que conheçamos histórias contadas por diferentes vozes, de diferentes perspectivas, que possam se dar em contato, categoria tão prezada pela autora. Poetas, historiadores/as, estudiosos/as de origem indígena ofertam um mundo por lentes próprias quando são sujeitos de suas falas. Trata-se, assim, de tentar dialogar, de tratar as outras culturas não como objetos das teorias ocidentais, mas como possíveis interlocutores de uma teoria mais ampla das relações sociais.

Além disso e por outro lado, com base nas produções artísticas de Mel Duarte, de Gabz e de Stephanie Borges, foi pertinente o olhar para o poetry slam também como experiência decolonial, uma vez que o corpo, a voz e o espaço, antes cristalizados e postos à margem e relegados à subalternidade por ideais de colonialidade, são reconfigurados, possibilitando a centralidade das experiências negras de modo não mais sufocado por enquadramentos de silenciamento eurocentrados.

Por meio das obras dessas três slammers, foi importante também observar novos lugares epistemológicos, com outros esquemas interacionais, com participação de autoras que reverberam injustiças e exigem reparação por meio da palavra em batalhas que, em vez de afastar interlocutores, fortalecem identidades de grupos que enfrentam, não sem dor, as heranças de um duradouro sistema de opressões verbais, estéticas e físicas no Brasil, país que ainda precisa libertar-se das amarras deixadas pelo colonizador.

  • 1
    Embora Mel Duarte seja um nome conhecido no contexto do poetry slam, sua atuação como escritora e movimentadora cultural ainda não alcançou grande expansão pública no debate social geral e acadêmico. Por isso, vale trazer alguns pontos básicos de sua biografia. Mel Duarte é escritora, poeta, slammer e produtora cultural. Nasceu em 1988, em São Paulo (SP) e atua com literatura desde 2006. Publicou os livros Fragmentos Dispersos (2013), Negra Nua Crua (2016, editora Ijumaa) traduzido para o espanhol Negra Desnuda Cruda (2018, ediciones ambulantes, Madrid, ES), As bonecas da vó Maria (2018, Itaú leia para uma criança), Querem nos calar: Poemas para serem lidos em voz alta (2019, Editora Planeta), A descoberta de Adriel (2020, Itaú leia para uma criança) e o mais recente Colmeia: Poemas reunidos (2021, Editora Philos). Em 2016, Mel foi destaque no sarau de abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e foi a primeira mulher a vencer o Rio Poetry Slam (campeonato internacional de poesia falada). Em 2017, foi convidada a representar a literatura brasileira no Festilab Taag, em Luanda, Angola e, em 2019, foi a primeira slammer negra brasileira a lançar um disco de poesia falada intitulado Mormaço — Entre outras formas de calor, disponível em todas as plataformas musicais. Também integrou, durante quatro anos, a coletiva Slam das Minas SP, batalha de poesias autorais voltada ao gênero feminino e, durante seis anos, o coletivo Poetas Ambulantes.
  • 2
    A analogia entre a figura do griot e das slammers é possível ao se considerar similar, entre os dois, a manutenção da tradição oral como possibilidade de perpetuação da história de um povo.
  • 3
    Participam da antologia Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta: Anna Suav, Bell Puã, Bor Blue, Cristal Rocha, Dall Farra, Danielle Almeida, Laura Conceição, Letícia Brito, Luiza Romão, Luz Ribeiro, Mariana Felix, Meimei Bastos, Negafya, Roberta Estrela D’Alva e Ryane Leão.
  • 4
    Entende-se, aqui, a importância de ressaltar o contexto de cibercultura de acordo com a definição de Pierre Lévy (1999LÉVY, Pierre (1999). Cibercultura. São Paulo: 34., p. 16, adaptado): “o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. […] estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano”.
  • 5
    Link de acesso para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ruMYcvi6g3o. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 6
    Link de acesso para o canal: https://www.youtube.com/channel/UCvpYWn9C_xv7ebfLfLhip3g. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 7
    Link de acesso para o canal: https://www.youtube.com/c/SlamdaGuilhermina. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 8
    Link de acesso para o canal: https://www.youtube.com/channel/UCAXJDHJtf8eYwW88lzJiFEw. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 9
    Link de acesso para o vídeo da competição: https://www.youtube.com/watch?v=kZhPvruoeFw. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 10
    Link de acesso para a palestra de Gabz: https://www.youtube.com/watch?v=_yN0UtIBJCw. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 11
    Inicialmente, esse trabalho usava o termo “cabelo crespo” em substituição a “cabelo duro”. No entanto, após a leitura do artigo “Meu cabelo não é duro, meu cabelo não é crespo”, de Ana Carolina Oliveira dos Santos (2019)SANTOS, Ana Carolina Oliveira dos (2019). Meu cabelo não é duro, meu cabelo não é crespo. Portal Geledés. Disponível em: https://www.geledes.org.br/meu-cabelo-nao-e-duro-meu-cabelo-nao-e-crespo/. Acesso em: 28 jan. 2022.
    https://www.geledes.org.br/meu-cabelo-na...
    , para o Portal Geledés, optou-se pela expressão “cabelo frisado”, como sugere a colaboradora do portal.

Referências

  • BERGAMASCHI, Maria Aparecida (2014). Intelectuais Indígenas, Interculturalidade e Educação. Tellus, Campo Grande, v. 14, n. 26, p. 11-29. Disponível em: https://www.tellus.ucdb.br/tellus/article/view/297 Acesso em: 28 nov. 2022.
    » https://www.tellus.ucdb.br/tellus/article/view/297
  • BERTH, Joice (2018). O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento / Justificando.
  • BETONI, Camila (2014). O perspectivo ameríndio Disponível em: https://www.infoescola.com/autor/camila-betoni/3295/ Acesso em: 22 ago. 2022.
    » https://www.infoescola.com/autor/camila-betoni/3295/
  • BORGES, Stephanie (2021). Poema. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). As 29 poetas hoje São Paulo: Companhia das Letras. p. 194-201.
  • CONCEIÇÃO, Evaristo (2019). Prefácio. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 5.
  • DUARTE, Mel (2019). Se querem nos calar, vamos falar mais alto. In: DUARTE, Mel (org.). Poemas para serem lidos em voz alta Ilustrações de Lela Brandão. São Paulo: Planeta Brasil. p. 12.
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Editoras: Cecília P. X. Rodrigues, Cristiane Lira e Lígia Bezerra

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2022
  • Aceito
    12 Abr 2023
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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