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A poesia das autoras negras do slam: escrever e viver

The poetry of black slam female authors: writing and living

La poesía slam de autoría negra y femenina: escribir y vivir

Resumo

No território contestado da literatura brasileira (Dalcastagnè, 2012DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte.), qual o espaço ocupado pela poesia slam? Mais ainda, nesse espaço possível, qual o lugar da autoria negra e feminina? Levantar essas questões implica considerar uma cena cultural que se organiza à margem do campo literário nacional, portanto significa abordar problemas ligados às relações de poder inerentes a uma sociedade historicamente desigual, como a brasileira, e ao papel que a produção poética pode adquirir nesse contexto. Diante disso, o objetivo geral deste artigo é refletir acerca das poetas negras do slam no contexto da literatura brasileira contemporânea, com base no impacto dessa produção literária nesse âmbito, como texto capaz de problematizar a cena da crítica literária nacional, além de apresentar a leitura e a análise do poema slam “O peso das palavras”, de Tawane Theodoro (2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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), à luz dessas questões.

Palavras-chave:
slam poetry ; poesia slam no Brasil; literatura de autoria negra feminina; poesia brasileira contemporânea

Abstract

On the disputed territory of Brazilian literature (Dalcastagnè, 2012DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte.), what is the place occupied by slam poetry? Moreover, in this possible space, what is the position of black and female authorship? Addressing these questions implies considering a cultural scenario that is organized outside the national literary field; therefore, it means dealing with issues related to power relations inherent in a historically unequal society, as is the Brazilian one, and the role that poetic production can play in this context. Based on these questions, the general objective of this article is to reflect on the slam poetry produced in Brazil by black female authors in the context of contemporary Brazilian literature and on the impact of these poems as texts capable of problematizing the literary criticism scenario, besides presenting the reading and analysis of Tawane Theodoro (2019b)THEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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's slam poetry “O peso das palavras”, in the light of this debate.

Keywords:
slam poetry; Brazilian slam poetry; black women's literature; contemporary Brazilian poetry

Resumen

En el territorio disputado de la literatura brasileña (Dalcastagnè, 2012DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte.), ¿qué espacio ocupa la poesía slam? Además, en este espacio posible, ¿cuál es el lugar de la autoría negra y femenina? Plantear estas cuestiones implica considerar una escena literaria que se organiza fuera del campo literario brasileño, por lo tanto, significa abordar cuestiones relacionadas con las relaciones de poder inherentes a una sociedad históricamente desigual, como la brasileña, y el papel que la producción poética puede adquirir en este contexto. A partir de eso, el objetivo general de este artículo es reflexionar acerca de la poesía slam producida en Brasil por autoras negras en el contexto de la literatura brasileña contemporánea y sobre el impacto de esta producción literaria, como texto capaz de problematizar el escenario de la crítica literaria nacional, además de presentar la lectura y análisis del poema slam “O peso das palabras”, de Tawane Theodoro (2019b)THEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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, a la luz de estos asuntos.

Palabras-clave:
slam poetry; poesía slam brasileña; literatura de autoría negra y femenina; poesía brasileña contemporánea

INTRODUÇÃO

Eles nos empurrando tráfico e nóis pegando livro e autografando E dar a volta por cima é colocar dentro do pente poesia e disparar rima E eu quero ver segurar Porque todos os lugares nóis vai alcançar, Estamos cansados dessa onda de vocês nos limitar. Aí cês podem falar: é coisa de preto, é coisa de Clayton… Chama do que quiser chamar. É que lá do topo vai ficar difícil te escutar

(Theodoro, 2019aTHEODORO, Tawane (2019a). Coisa de Clayton. In: THEODORO, T. Afrofênix: a fúria negra ressurge. Ilustrações de Léo Aguiar. São Paulo: Quirino Edições. p. 46., p. 46).

O texto da epígrafe acima, trecho do poema “Coisa de Clayton”, de Tawane Theodoro (2019aTHEODORO, Tawane (2019a). Coisa de Clayton. In: THEODORO, T. Afrofênix: a fúria negra ressurge. Ilustrações de Léo Aguiar. São Paulo: Quirino Edições. p. 46., p. 46), constrói uma cena tensionada entre “nóis” e “eles”, na qual se revela uma disputa por espaço no campo letrado e literário, como promessa de ascensão e alternativa a uma vida limitada pela violência. Nos termos da epígrafe, ao tráfico, às armas e ao racismo impostos por “eles”, esse “nóis” reivindica o direito ao livro, à poesia e o acesso a “todos os lugar”. É importante destacar que esse texto nasceu nos campeonatos de slam das periferias das cidades brasileiras e, depois, foi publicado em antologia de poemas da autora, de certa forma, percorrendo o trajeto reivindicado. Mais ainda, esse caminho, junto com a disputa encenada em “Coisa de Clayton”, sugere o quanto a literatura brasileira é um território contestado, nos termos de Dalcastagnè (2012)DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte., no qual “está em jogo a possibilidade de dizer sobre si e sobre o mundo, de se fazer visível dentro dele” (Dalcastagnè, 2012DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte., p. 7). Assim, a construção dessa possibilidade é parte fundamental dos sentidos que a poesia slam e os campeonatos têm adquirido no Brasil.

Originalmente, a poesia slam nasce como slam poetry, em Chicago, nos Estados Unidos, na década de 1980. O termo refere-se aos textos apresentados em batalhas de poesia falada, promovidas inicialmente pelo poeta Marc Kelly Smith, com a intenção de atrair pessoas que não se sentiam motivadas pelos ambientes tradicionais de leitura de poesia (Freitas, 2020FREITAS, Daniela Silva de (2020). Slam Resistência: poesia, cidadania e insurgência. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 59, p. 1-15. https://doi.org/10.1590/2316-40185915
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). Segundo Freitas (2020FREITAS, Daniela Silva de (2020). Slam Resistência: poesia, cidadania e insurgência. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 59, p. 1-15. https://doi.org/10.1590/2316-40185915
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, p. 2), as batalhas vinculam-se a uma linhagem de eventos ligados à poesia falada já presentes na cultura estadunidense, como os “readings” dos beatniks e as “spoken words” de poetas negros.

De modo geral, os campeonatos de slam organizam-se em torno de cinco pilares principais: poesia, performance, competição, interatividade e comunidade. As performances dos poetas, os slammers, precisam ter até três minutos, sendo obrigatório que sejam poesias autorais, as quais serão avaliadas pelo júri quanto à interpretação, entonação, bem como à corporeidade do poeta (Freitas, 2020FREITAS, Daniela Silva de (2020). Slam Resistência: poesia, cidadania e insurgência. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 59, p. 1-15. https://doi.org/10.1590/2316-40185915
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). Os poemas não têm formato predeterminado, o que mostra que as autoras e autores têm liberdade para escolher os temas dos seus textos, desde que respeitem as regras citadas anteriormente. Nos slams, os jurados são membros da plateia, selecionados um pouco antes do início do evento. Nesse contexto, o público pode se manifestar durante as performances e discordar ou não das notas dos jurados. Desse modo, o corpo e a voz do slammer, somados à interação entre ele e o público, são aspectos fundamentais da poesia slam:

Na slam poetry, a poesia deixa o ambiente acadêmico, abandona os circuitos tradicionais de curadoria e produção de sentido, flerta com a canção popular e torna-se uma prática coletiva e, como tal, se estabelece no limite entre o oral, o escrito e o visual, fazendo da performance um elemento central (Freitas, 2020FREITAS, Daniela Silva de (2020). Slam Resistência: poesia, cidadania e insurgência. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 59, p. 1-15. https://doi.org/10.1590/2316-40185915
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, p. 3).

Ao longo do tempo, esse movimento popularizou-se e foi levado para vários outros países, entre eles o Brasil. Em 2008, não por acaso, uma mulher negra, Roberta Estrela D’Alva, atriz-MC, diretora, pesquisadora, apresentadora e poeta, fundadora do Zona Autônoma da Palavra — ZAP, promoveu o primeiro slam brasileiro, que acontecia em lugares variados da cidade de São Paulo, todos espaços públicos. Esse aspecto caracteriza o slam brasileiro de maneira especial, uma vez que, nos outros países, as batalhas de versos acontecem em bares ou locais fechados:

O slam acontece na rua porque você só precisa de pessoas que queiram falar e outras que queiram ouvir, é uma dinâmica muito fácil. Isso vem de uma tradição brasileira da rua, das batalhas de MC, que são muito populares em São Paulo, os cordelistas nordestinos, as rodas de rima do Rio de Janeiro. Tem uma tradição de cultura urbana que vem com o Hip Hop, por exemplo, que também conversa com essa ocupação (D’álva, 2019 apud Fontenele, 2019, p. 1).

Hoje, no país, há 39 campeonatos de slam que ocorrem regularmente apenas na região metropolitana de São Paulo (Sousa, 2021), como o Slam da Guilhermina, nascido em 2012 e que reúne os poetas da periferia de São Paulo. No Rio de Janeiro, há o Rio Poetry Slam, que acontece na Festa Literária das Periferias, a FLUP. Mais além, o Slam das Minas acontece em diferentes locais do Brasil e é organizado e disputado exclusivamente por mulheres. Em Mato Grosso do Sul, o primeiro campeonato de slam foi criado em 2017, o Slam Campão, em parceria com o LAB, Laboratório Urbano Efêmero, em Campo Grande, que tem o objetivo de implementar movimentos de poesia falada nos espaços públicos da cidade e, também, apresentar para a população pessoas com potencial poético (Gonçalves, 2019GONÇALVES, Alberto (2019). De volta às ruas, slam campão participa do LAB Campo Grande no Armazém Cultural neste final de semana. Portal da Educativa. Disponível em: http://www.portaldaeducativa.ms.gov.br/de-volta-as-ruas-slam-campao-participa-do-lab-campo-grande-no-armazem-cultural-neste-final-de-semana/. Acesso em: 12 nov. 2021.
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). Desse modo, no Brasil, os campeonatos de slam estabeleceram-se principalmente nas periferias brasileiras, nos quais os poetas expressam as vivências de exclusão e de resistência dessas comunidades.

POESIA SLAM: O EU PERIFÉRICO E A PALAVRA-MULHER

A trajetória e a configuração dos campeonatos de slam expõem sua diferença no cenário literário do país, no qual predomina a autoria branca, masculina e vinculada ao ambiente acadêmico, mesmo quando procura dialogar com as manifestações culturais e artísticas que circulam fora desses limites. A homogeneidade desse cenário deriva do seu caráter historicamente excludente (Cuti, 2002CUTI, Luiz Silva (2002). O leitor e o texto afro-brasileiro. In: FIGUEIREDO, Maria do Carmo L.; FONSECA, Maria Nazareth S. (org.). Poéticas afro-brasileiras. Belo Horizonte: Mazza. p. 19-36.; Evaristo, 2005EVARISTO, Conceição (2005). Da representação à auto apresentação da mulher negra na literatura brasileira. Revista Palmares: Cultura Afro-Brasileira, ano I, n. 1. p. 52-57. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/sites/000/2/download/52%20a%2057.pdf. Acesso em: 12 nov. 2020.
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; Souza, 2017SOUZA, Florentina da Silva (2017). Mulheres negras escritoras. Revista Crioula, n. 20, p. 19-39. https://doi.org/10.11606/issn.1981-7169.crioula.2017.141317
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) e foi apresentada na pesquisa conduzida por Dalcastagnè (2011DALCASTAGNÈ, Regina (2011). A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 26, p. 13-71. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9077. Acesso em: 28 abr. 2023.
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; 2012DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte.; apud Massuela, 2005), cujos resultados demonstraram que, entre 1965 e 2004, quase 100% dos romances nacionais publicados nas casas editoriais de maior prestígio no país, isto é, validadas pelo campo literário brasileiro1 1 Segundo Dalcastagnè (2011, p. 18), o “campo literário reforça esta definição dominante de literatura, através de suas formas de consagração e de seus aparatos de leitura crítica e interpretação. […] O conceito de Bourdieu permite entender melhor as relações que se estabelecem entre os escritores (definindo as correntes, as vanguardas e os ‘grandes nomes’) e entre o mundo literário e o universo social como um todo (demarcando a autonomia do campo literário e sua comunicação com o campo do poder)”. , foram escritos por autores que correspondem ao perfil mencionado anteriormente, e seus narradores e personagens também.

Consequentemente, os dados apontam para a carência de uma diversidade maior de perspectivas sociais nesse campo (Dalcastagnè, 2011DALCASTAGNÈ, Regina (2011). A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 26, p. 13-71. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9077. Acesso em: 28 abr. 2023.
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; 2012DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte.), ao indicarem, por exemplo, a ausência quase total de autoria e de narradores negros, além da representação, quando presente, predominantemente estereotipada e subalternizada de personagens negras. Assim, as mulheres são frequentemente prostitutas e empregadas domésticas, e os homens, criminosos. À margem desse contexto, os campeonatos de slam tornam-se um espaço no qual, e do qual, essa autoria negra se reorganiza, manifesta o seu desejo pela palavra poética, atribuindo-lhe sentidos e configurações profundamente vinculadas às suas vivências, desafiando aquilo que se considera, tradicionalmente, como próprio do literário:

Afinal, a definição dominante de literatura circunscreve um espaço privilegiado de expressão, que corresponde aos modos de manifestação de alguns grupos, não de outros, o que significa que determinadas produções estão excluídas de antemão. São essas vozes, que se encontram nas margens do campo literário, cuja legitimidade para produzir literatura é posta em questão. Essas vozes que tensionam, com sua presença, nosso entendimento do que é (ou deve ser) o literário (Dalcastagnè, 2012DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte., p. 12).

Na direção desse tensionamento, Moraes e Silva (2021)MORAES, Paulo Eduardo Benites de; SILVA, Patrícia Pereira da (2021). Slam Poetry: entre os impasses da crítica e da criação. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 24, n. 1, p. 42-60. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/20417. Acesso em: 20 jun. 2022.
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consideram que a crítica literária contemporânea tem se lançado “a um estado de risco”, com base em um olhar mais atento aos lugares nos quais a produção literária brasileira contemporânea mostra-se intensa e pujante, como as periferias brasileiras e, nelas, os saraus, os campeonatos de slam e a música, como o rap e o funk. Esse processo exige, necessariamente, a revisão do papel da crítica literária num país historicamente desigual e violento, no qual o livro, símbolo da cultura letrada, é objeto elitizado e a própria atividade da crítica restringe-se cada vez mais à esfera acadêmica e a suplementos jornalísticos de pouca circulação. Em vista disso, o trabalho do crítico tende a ser “menos um lugar de afirmação de teorias e de juízos e mais um lugar de passagem entre os discursos que atravessam o poético” (Moraes e Silva, 2021MORAES, Paulo Eduardo Benites de; SILVA, Patrícia Pereira da (2021). Slam Poetry: entre os impasses da crítica e da criação. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 24, n. 1, p. 42-60. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/20417. Acesso em: 20 jun. 2022.
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, p. 50).

No caso da poesia slam, esse estado de risco implica interagir com um “sujeito poético que se posiciona corporal e politicamente no ato performático da palavra” (Moraes e Silva, 2021MORAES, Paulo Eduardo Benites de; SILVA, Patrícia Pereira da (2021). Slam Poetry: entre os impasses da crítica e da criação. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 24, n. 1, p. 42-60. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/20417. Acesso em: 20 jun. 2022.
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, p. 57). Consequentemente, essa voz e esse corpo não podem ser descritos pelo termo “eu lírico”, uma vez que ali quem fala e, posteriormente, apresenta-se por meio da escrita é um eu poético periférico que revive as suas experiências mediante um encontro entre poeta e público, em meio a um campeonato, no qual o sentimento de coletividade é parte fundamental da poesia. Por essa razão, é fundamental considerar que a subjetividade desse eu poético periférico é elaborada num “ato compartilhado” de produção literária, que se configura como estratégia de sobrevivência e resistência da totalidade da comunidade (Moraes e Silva, 2021MORAES, Paulo Eduardo Benites de; SILVA, Patrícia Pereira da (2021). Slam Poetry: entre os impasses da crítica e da criação. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 24, n. 1, p. 42-60. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/20417. Acesso em: 20 jun. 2022.
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, p. 56-57).

Nesse sentido, de acordo com Tennina (2013)TENNINA, L. (2013). Saraus das periferias de São Paulo: poesia entre tragos, silêncios e aplausos. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 42, p. 11-28. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2316-40182013000200001&script=sci_abstract&tlng=es. Acesso em: jan. 2020.
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, essa voz compõe um “ser periférico”, cuja presença e caráter se expressam num modo particular de falar e de rimar, de aproximar-se do microfone, de ficar em pé, nos “movimentos das mãos e dos próprios corpos —que, muitas vezes, evidenciam cicatrizes, doenças e cansaço, ou músculos” (Tennina, 2013TENNINA, L. (2013). Saraus das periferias de São Paulo: poesia entre tragos, silêncios e aplausos. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 42, p. 11-28. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2316-40182013000200001&script=sci_abstract&tlng=es. Acesso em: jan. 2020.
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, p. 18), como mostram os versos a seguir, do poema “Não tiram parda da minha identidade”:

Eu cansei de perder a batalha sem nem ter entrado na guerra.

Aos preto a sua santíssima trindade, aos preto a morte, a margem ou as grade.

Cês vão tudo pro inferno e hoje eu vou fazer alarde.

[…] E se os preto se juntar, ai tu guarda seu colarzinho de pérola ou swarovski sinhá, que sua cabeça hoje vai ser meu patuá

(Kimani, 2019KIMANI (2019). Kimani: não tiram parda da minha identidade – Slam da Guilhermina – FLIP. YouTube. Disponível em: https://youtu.be/5Wg1NO0Ksbk. Acesso em: 15 fev. 2020.
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).

Nos versos de Kimani (2019)KIMANI (2019). Kimani: não tiram parda da minha identidade – Slam da Guilhermina – FLIP. YouTube. Disponível em: https://youtu.be/5Wg1NO0Ksbk. Acesso em: 15 fev. 2020.
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, mulher negra e slammer, o eu poético periférico posiciona-se em um lugar de protesto veemente, que não está apenas na temática do poema, mas na forma como ele se organiza e faz determinado uso das palavras. Desse modo, a subjetividade tradicional da poesia lírica torna-se “alarde” violento de denúncia e de desejo de reparação, como se pode observar nos trechos: “Aos preto a morte, a margem ou as grade” e “que sua cabeça hoje vai ser meu patuá”. Ademais, os versos não seguem as normas da concordância verbal nem da nominal da variedade padrão do português, como os exemplos anteriores também mostram. Esses elementos expressam uma relação tensa com a escrita poética tradicional que, para Evaristo (2019EVARISTO, Conceição (2019). Prefácio. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil. p. 13-15., p. 1), demonstram como a poesia slam cria a possibilidade de reescrever o significado da língua portuguesa, ao legitimar variedades linguísticas que foram marginalizadas no curso da história:

Fazer da criação poética instrumento de proposição de luta começa pelo próprio não uso da norma da língua. Conscientemente a “norma certa”, como advogam os puristas, é confrontada, esfacelada, “agredida”. Há uma escolha conscienciosa por uma forma de linguagem, a qual tenho chamado de “gramática do cotidiano”, isto é: o expressar que surge da comunicação inventada, gestada, gerida no meio do povo. Surge então, nos poemas, uma língua dinamizada por uma fala que precisa e busca expor as incertezas, as injustiças, os enfrentamentos do dia a dia do povo (Evaristo, 2019EVARISTO, Conceição (2019). Prefácio. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil. p. 13-15., p. 1-2).

Assim, nos campeonatos, essas comunidades das periferias brasileiras podem se expressar poeticamente por essa gramática do cotidiano, como instrumento de luta, por meio da palavra, reinventando os usos da linguagem com base nos seus referenciais e nas suas histórias de vida. Desse lugar, esses poemas vêm trilhando o caminho que leva das batalhas para os livros, especialmente em publicações recentes de editoras alternativas e menores. Um exemplo é a Coleção Slam (2019), da editora Autonomia Literária, coordenada por Emerson Alcalde (2019)ALCALDE, Emerson (org.) (2019). Empoderamento feminino. Contracapa. São Paulo: Autonomia Literária., que apresenta um número específico para as poetas, mulheres negras, Empoderamento feminino. Outro exemplo é Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta, da editora Planeta, organizado por Mel Duarte, slammer e mulher negra com várias obras publicadas, como a mais recente Colmeia: poemas reunidos (2021), da editora Philos.

Fora desse circuito, a poesia slam tem se mostrado também no mercado editorial mais tradicional, como mostra a presença da Bell Puã, mulher negra, na segunda versão da paradigmática antologia da década de 1970, 26 poetas hoje, de Heloísa Buarque de Hollanda, As 29 poetas hoje (2021), da Companhia das Letras. Assim como buscou fazer na primeira publicação, Hollanda procura compor um panorama das vozes mais potentes na produção poética nacional neste momento e, diferentemente da anterior, nesta antologia, a autora destacou textos exclusivamente de autoria feminina, aspecto sintomático dos novos olhares que a crítica literária tem lançado para a produção literária brasileira contemporânea. Nesse contexto, a presença da poesia de Puã nessa obra e as demais publicações mencionadas até aqui indicam a variedade de espaços que a poesia slam pode ocupar e tem ocupado nessa cena, além de demonstrar a força de suas palavras.

Desse modo, especificamente no caso das mulheres negras, os campeonatos de slam constituem-se como espaço no qual essas autoras têm levantado a sua voz e o seu corpo como poetas e, desse lugar, adentrado o restrito mercado editorial nacional. Segundo Flávia Rios (2020RIOS, Flávia (2020). Elas mandam a letra. O Menelick 2o Ato. Disponível em: http://www.omenelick2ato.com/artes-literarias/elas-mandam-a-letra. Acesso em: 15 fev. 2021.
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, p. 1), “tal presença não é apenas descritiva, sua marca também se faz visível no conteúdo da poesia”, isto é, a sua gramática do cotidiano (Evaristo, 2019EVARISTO, Conceição (2019). Prefácio. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil. p. 13-15.) expõe a vivência dessas mulheres, marcada pelo racismo, pela pobreza e outras formas de violência que as atravessam, junto com inúmeras possibilidades e práticas de resistência, das quais a própria escrita e performance poética fazem parte.

De várias maneiras, essa autorrepresentação aproxima-se do conceito de escrevivência, por meio do qual Evaristo (2003)EVARISTO, Conceição (2003). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL MULHER E LITERATURA, 1., 2003, Paraíba. Palestra. Disponível em: https://inegalagoas.files.wordpress.com/2020/05/gc3aanero-e-etnia-conceic3a7c3a3o-evaristo.pdf. Acesso em: 1º dez. 2022.
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procura abordar a particularidade da expressão escrita de autoria feminina e negra no contexto excludente da sociedade e da literatura brasileiras. O neologismo do conceito destaca o imbricamento entre criação e vivência que marca o texto com uma subjetividade própria, que associo à noção de “palavra-mulher” (Alcalde, 2019ALCALDE, Emerson (org.) (2019). Empoderamento feminino. Contracapa. São Paulo: Autonomia Literária.):

Em síntese, quando escrevo, quando invento, quando crio a minha ficção, não me desvencilho de um “corpo-mulher-negra em vivência” e que por ser esse “o meu corpo, e não outro”, vivi e vivo experiências que um corpo não negro, não mulher, jamais experimenta (Evaristo, 2009EVARISTO, Conceição (2009). Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Scripta, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/4365/4510. Acesso em: 1º dez. 2022.
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, p. 18).

Assim, ao se apropriarem da escrita literária, ferramenta que, no Brasil, é oficialmente do homem branco, essas mulheres questionam o silêncio imposto a elas pela violência de raça e de gênero e encenam um gesto de vingança, desafio ou “teimosa esperança” (Evaristo, 2003EVARISTO, Conceição (2003). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL MULHER E LITERATURA, 1., 2003, Paraíba. Palestra. Disponível em: https://inegalagoas.files.wordpress.com/2020/05/gc3aanero-e-etnia-conceic3a7c3a3o-evaristo.pdf. Acesso em: 1º dez. 2022.
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, p. 2). Este é capaz de provocar abalos na estrutura da crítica literária brasileira e nos seus modos de ler poesia, uma vez que esses textos ultrapassam o formalismo tradicional da produção poética, no sentido de que os slams estão visceralmente inseridos nas experiências pessoais e coletivas das suas comunidades (Moraes e Silva, 2021MORAES, Paulo Eduardo Benites de; SILVA, Patrícia Pereira da (2021). Slam Poetry: entre os impasses da crítica e da criação. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 24, n. 1, p. 42-60. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/20417. Acesso em: 20 jun. 2022.
https://periodicos.ufpel.edu.br/index.ph...
).

Essa característica demonstra o quanto essas autoras estão ali segundo uma forte vinculação com aqueles que também fazem parte das periferias e para os quais se identificam como modelo e inspiração. Essa questão mostra-se, por exemplo, na utilização de um vocabulário e de uma construção frasal coloquial e repleta de gírias, por meio da qual elas conseguem reconstruir e se posicionar poeticamente tanto em relação às mazelas e incertezas que são parte da vida dessas comunidades quanto para “celebrar as alegrias de quem tem pouco ou nenhum espaço para dizer” (Evaristo, 2019EVARISTO, Conceição (2019). Prefácio. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil. p. 13-15., p. 1). Por essa razão, a escrevivência também recupera do silenciamento as histórias, os sentimentos e a imaginação criadora apagados pelo racismo, como mostram os versos de Bell Puã (2019)PUÃ, Bell (2019). Era uma vez um Brasil conservador. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil. p. 30-32., do poema “Era uma vez um Brasil conservador”:

Mulher trabalhadora é puta.

Mulher que questiona é louca.

Mulher inteligente é plágio.

[…]

Não, eu grito, denuncio homens abusivos, agressores.

À beira do abismo, eu sou isso.

Apenas uma moça latino-americana.

Me agarro às lutas do passado pra ter força no presente.

Não defendo vidraça de banco.

Defendo gente ao injusto desobedientes

(Puã, 2019PUÃ, Bell (2019). Era uma vez um Brasil conservador. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil. p. 30-32., p. 30-32).

Esses versos, assim como indica a epígrafe desta seção, são expressão de luta tanto contra o racismo, a miséria e a violência quanto contra o sexismo enfrentado por essas mulheres não só na sociedade em geral, mas na sua própria comunidade. Por isso, a recriação poética da experiência do sofrimento e da resistência adquire um sentido ainda mais radical nesses poemas, considerando-se que, neles, elas se tornam sujeitos e enfrentam o lugar subalterno a que foram relegadas no campo literário e social: “A poesia feita por mulheres transcende o jogo de palavras, é parte da vivência, das reminiscências, do traquejo do universo mulherio” (Moraes e Silva, 2021MORAES, Paulo Eduardo Benites de; SILVA, Patrícia Pereira da (2021). Slam Poetry: entre os impasses da crítica e da criação. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 24, n. 1, p. 42-60. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/20417. Acesso em: 20 jun. 2022.
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, p. 58).

O PESO DAS PALAVRAS: ESCREVER E VIVER

No contexto da discussão apresentada, o poema “O peso das palavras”, de Tawane Theodoro (2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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), apresenta-se como “corpo estético” especialmente problematizador (Moraes e Silva, 2021MORAES, Paulo Eduardo Benites de; SILVA, Patrícia Pereira da (2021). Slam Poetry: entre os impasses da crítica e da criação. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 24, n. 1, p. 42-60. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/20417. Acesso em: 20 jun. 2022.
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), capaz de mobilizar reflexões importantes sobre o fazer poético e o seu papel no contexto da produção literária que se organiza nas e das periferias brasileiras. A autora é uma jovem mulher negra, nascida em Capão Redondo, distrito da cidade de São Paulo, organizadora do Sarau do Capão, Slam do Bronx, formadora do Slam Interescolar, projeto do Slam da Guilhermina, vencedora de vários slams e autora da antologia de poemas Afrofênix: a fúria negra ressurge, lançada pela Editora Quirino em 2019. Importa destacar que “O peso das palavras” ainda não foi publicado em formato impresso pela autora. Inicialmente, foi criado para a apresentação no final do campeonato do Slam da Guilhermina, em São Paulo, o que enfatiza o caráter performático do poema. Dessa maneira, a obra analisada é uma transcrição possível da letra dessa performance, da forma como ela está disponibilizada no vídeo publicado no canal do YouTube desse slam, isto é, a organização das estrofes e o tamanho dos versos podem variar a depender da interpretação de quem o transcrever.

Resulta disso que o poema se torna mais fluido, efêmero, traço próprio dos textos da oralidade, e exige da crítica posicionamentos que não estão previstos nas situações de análise da poesia letrada, nos formatos mais tradicionais, uma vez que, neste caso, é preciso considerar, ainda que inicialmente, características próprias da expressão oral. No caso desse poema, é possível encontrar pelo menos duas possibilidades de transcrição que já estão no meio acadêmico, nas dissertações de mestrado de Débora Gonçalves (2021)GONÇALVES, Débora (2021). A hora da voz é agora: poesia slam em Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Literatura) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/229357/PLIT0875-D.pdf?sequence=-1&isAllowed=y. Acesso em: 2 dez. 2022.
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e Carolina Ferreira (2021)FERREIRA, Carolina (2021). As mulheres no slam: poesia, feminismos e insurgência. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/bitstream/handle/25904/1/Carolina%20Vidal%20Ferreira.pdf. Acesso em: 2 dez. 2022.
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. Enquanto a primeira apresenta a letra em apenas uma grande estrofe, a segunda escolhe dividi-la em 18, com uma variação de quatro a seis versos em cada uma delas. Neste artigo, as citações do poema seguem de perto a transcrição de Ferreira (2021)FERREIRA, Carolina (2021). As mulheres no slam: poesia, feminismos e insurgência. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/bitstream/handle/25904/1/Carolina%20Vidal%20Ferreira.pdf. Acesso em: 2 dez. 2022.
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e baseiam-se, igualmente, nas pausas e ênfases da leitura performática de Theodoro, de acordo com o registro em vídeo.

Com base nisso, considero que a contundência argumentativa dessa performance também é devedora da temática metalinguística do poema “O peso das palavras”, que procura descrever a própria poesia slam, como mostram as primeiras estrofes:

Hoje em dia é fácil dizer

Que essa música é nossa raiz

Tá chovendo de gente que fala de samba e não sabe o que diz

Por isso vê lá onde pisa

Respeite a camisa que a gente suou

Respeite quem pôde chegar onde a gente chegou

Salve Jorge Aragão!

É que poesia marginal é mais que texto com palavras bonitas pra gente rica fazer reflexão

Isso aqui é papo de salvação

Pra mim, o verbo solto

Pra vocês, que o verbo prenda

E pra qualquer um que duvidar da nossa competência

Que o verbo rasgue

Porque aqui é essência

(Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6Dg...
).

É importante observar que, ao focalizar a reflexão sobre a sua própria natureza, o texto desloca o tipo de autorreferência que tem caracterizado, de modo mais geral, a produção das autoras negras do slam, segundo as suas vivências, marcadas pelos vários atravessamentos de classe, raça e gênero. No poema, as questões do racismo e da pobreza estão fortemente presentes, vinculadas à reflexão sobre o fazer poético do slam e não a uma perspectiva explicitamente ligada às mulheres das periferias. Ainda assim, a questão de gênero aqui também se apresenta, no sentido de que o fato de a autora ser uma mulher negra é sobretudo significativo por indicar que debates como o da natureza da atividade poética e até da literariedade também são parte do “universo do mulherio”, nos campeonatos de slam (Moraes e Silva, 2021MORAES, Paulo Eduardo Benites de; SILVA, Patrícia Pereira da (2021). Slam Poetry: entre os impasses da crítica e da criação. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 24, n. 1, p. 42-60. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/20417. Acesso em: 20 jun. 2022.
https://periodicos.ufpel.edu.br/index.ph...
, p. 58).

Assim, o poema “O peso das palavras” (2019) mobiliza, num viés próprio, as noções de poesia, de radicalidade e de marginalidade, que são caras à história da poesia moderna ocidental e da poesia brasileira contemporânea e da sua crítica. Voltar-se para si mesma ao problematizar a natureza da poesia e do seu lugar histórico, social e estético, é traço fundamental da produção poética e crítica que se estabelece no contexto em que se organizaram as vanguardas artísticas, no Ocidente, na passagem do século XIX e início do século XX. Desde então, esse aspecto torna-se marca da poesia e do discurso sobre ela, como expressão da constatação de um “mal-estar do presente, como época de desolação, da falta de poesia ou da poesia que falta”2 2 Dessa forma, a questão que se coloca é a do desencontro (“divórcio”) entre poesia e sociedade, uma vez que o interesse pelo tipo de conhecimento e de experiência da realidade oferecido por esse texto já não tem mais sentido, diante da importância que se atribui ao bem-estar material e à informação jornalística e científica, por exemplo, que teriam assumido o papel de discursos autorizados a dizer a verdade no âmbito do capitalismo industrial (Siscar, 2010). (Siscar, 2010SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp., p. 42).

Parte desse processo está relacionado à “crise de verso”3 3 A expressão vem do título de um dos textos da obra Divagações (1897), de Mallarmé, considerado paradigmático dessa discussão sobre a poesia moderna. Nele, há uma problematização da tradição, especialmente por meio da reflexão sobre “a definição daquilo que é o verso”, que não vai resultar exatamente na ruptura com a métrica, mas na defesa do verso livre, conforme a sua capacidade de colocar em jogo elementos da atualidade e da tradição (Siscar, 2010, p. 109-111). Mais ainda, “a questão do verso não é um problema exclusivamente formal, mas é o campo a partir do qual a poesia pode pensar sua relação com a crise não apenas como contexto, mas como discurso (como projeto e como retórica) da época moderna” (Siscar, 2010, p. 112). , na qual o texto poético se apresenta como aquele que, contraditoriamente, realiza-se ao reconhecer a sua falta de lugar, assumindo nessas circunstâncias uma “posição marginal e maldita” (Siscar, 2010SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp., p. 42), “como lugar da crise”, nesse contexto (Siscar, 2010SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp., p. 116). Assim, segundo o autor, esse estado de crise, para além da sua relação com o contexto social e histórico, torna-se parte constituinte da maneira como a poesia se dirige à contemporaneidade, da organização da sua literariedade, conforme determinado modo de estar à margem.

É importante destacar que a reflexão de Siscar (2010)SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp. sobre essa questão se baseia tanto na produção poética e crítica francesa do período citado, considerada pelo autor como fundamento dessa configuração da poesia moderna, quanto da poesia escrita que está inserida no campo literário brasileiro. Diante disso, considerando-se a reflexão desenvolvida neste artigo, é interessante observar em que medida esse debate tem sentido, ou quais os sentidos possíveis dessas questões para um poema como “O peso das palavras”, que está excluído desse campo.

Assim, questiono se essa exclusão implicaria algum peso diferente, para usar os termos do poema, para a forma como esse texto promove a reflexão sobre a sua literariedade de acordo com determinada ideia de marginalidade. Para isso, é preciso levar em conta que a necessidade de delimitar o caráter e o fazer poético do slam mostra que isso não está pacificado, isto é, pressupõe-se uma espécie de crise instaurada no poema que indica igualmente quanto o espaço dos campeonatos também está em disputa.

Desse modo, no próprio ímpeto de definição, encontram-se indícios de um debate sobre os sentidos possíveis que se pode atribuir à poesia slam, e essa tensão, essa crise, faz parte da organização do poema. Nas estrofes citadas, Theodoro manda a letra4 4 No contexto dos campeonatos de slam, “mandar a letra” é uma expressão que significa apresentar o poema por meio da performance com o microfone e indica a contundência que o público espera dessas apresentações. e posiciona-se de modo a defender a identidade mais radical dessa prática poética, “nossa raiz”, perante um contexto midiático de entretenimento e uma prática acadêmica elitista, que ameaçam o caráter engajado dos campeonatos de slam de descaracterização e enfraquecimento.

De início, nas duas primeiras estrofes, essa radicalidade associa-se a elementos próprios da identidade negra no Brasil, como o samba e a menção ao compositor Jorge Aragão, sambista que é referência na música popular brasileira. A partir disso, a poesia slam é definida como “marginal”, segundo uma espontaneidade, “o verbo solto”, que lhe é essencial e fundamento da sua “competência”, aspectos que se apresentam em oposição à rigidez ou ao artificialismo, “o verbo que prende”, próprio do “texto com palavras bonitas pra gente rica fazer reflexão” (Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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). Mais ainda, para o eu poético periférico do texto, essa marginalidade é “papo de salvação” coletiva, estratégia de sobrevivência e resistência à violência e à morte, possibilidade de escolher viver e ter alguma garantia de futuro:

Quero as crianças da viela me entendendo

E rico branco que se acha lá de cima, abaixando a cabeça porque mesmo que ele não queira… Ele tá me entendendo.

Não preciso vir aqui e despejar palavras bonitas de difícil entendimento

Eu quero as mana preta me olhando e falando: por causa da sua poesia a minha autoestima tá crescendo.

E eles não tão entendendo

Sempre falam do topo pro topo

E a gente quer tirar os nossos de baixo e crescê-los pouco a pouco

(Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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, grifos nossos).

Nessas estrofes, o poema estabelece para quê e para quem a poética do slam se desenvolve, com base na oposição entre a periferia e a elite, os do topo e os de baixo. Como “poesia marginal”, o slam procura falar diretamente com o seu público, “as criança da viela”, “as mana preta”, “os nossos de baixo”, a quem é preciso se dirigir de modo diferente daquele usado pelo “rico branco” e evitar a beleza elitista que, num país desigual como o Brasil, é historicamente atribuída ao uso de uma linguagem mais rebuscada, o “falar difícil”.

Diante disso, na comunidade, o belo radica-se na possibilidade de transformação social que a expressão poética do slam é capaz de colocar em movimento. Esse aspecto constrói-se igualmente nos gerúndios disseminados ao longo das duas estrofes citadas anteriormente, nos verbos “entendendo” e “crescendo”, reiterados nos termos “entendimento” e “crescê-los”. Este último intensifica essa dinâmica ao atribuir ao verbo crescer um improvável objeto direto, a própria comunidade, criando uma transitividade que também o movimenta: o poema pode crescer “os nossos”.

Nesse sentido, esse potencial de intervenção da palavra poética está intimamente ligado à experiência do corpo nas quebradas das periferias do Brasil. Em outras palavras, os versos questionam a verdade do poema daqueles que não fazem parte desse lugar social, de forma a identificar a poesia marginal do slam com uma radicalidade que relaciona intimamente palavra e vivência do eu que a enuncia — no sentido da palavra-mulher de Alcalde (2019)ALCALDE, Emerson (org.) (2019). Empoderamento feminino. Contracapa. São Paulo: Autonomia Literária. e da escrevivência de Evaristo (2003)EVARISTO, Conceição (2003). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL MULHER E LITERATURA, 1., 2003, Paraíba. Palestra. Disponível em: https://inegalagoas.files.wordpress.com/2020/05/gc3aanero-e-etnia-conceic3a7c3a3o-evaristo.pdf. Acesso em: 1º dez. 2022.
https://inegalagoas.files.wordpress.com/...
, ou, nos termos de Theodoro (2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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), as “palavras da vida”, que indicam o quanto, nesse ponto, escrever é viver e vice-versa:

Mas quantas dessas palavras você está vivenciando?

Não adianta falar um texto pesado se nas palavras da vida tu não representa

É simples

Falou no mic? Sustenta!!!!

(Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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).

O “mic”, o microfone, equipamento fundamental dos campeonatos, é levado ao texto, metaforicamente, como objeto mágico, com o qual a poeta ampara a sua capacidade de reinventar a dor e a alegria por meio do uso poético da voz e do corpo. Em vista disso, a sustentação poética de Theodoro em “O peso das palavras” apresenta-se também no uso da rima ao final dos versos que, ali, em conjunto, indica um trajeto de leitura paralelo ao poema em si, compondo o caminho da radicalidade da posição da autora. Na estrofe inicial, o primeiro par de rimas, “raiz”/”diz”, abre esse caminho como um pórtico, ao concentrar em si o mote principal do texto, o da poesia slam como aquela na qual é preciso “dizer a raiz”, indicada aqui como a vivência periférica, para poder fazer dela objeto e material da criação artística.

O próximo passo dessa construção está no segundo par, “suou”/ “chegou”, que aponta para vários sentidos possíveis: para conseguir tal radicalidade, não basta a vivência, é preciso dedicação e trabalho, metonimicamente evidenciado pelo verbo “suar”, aspecto que se destaca quando se considera a centralidade que a experiência e o tipo de verdade que ela pressupõe ocupam no texto. Na sequência, ao longo das estrofes, outros pares igualmente contribuem para a construção da argumentação da autora, numa curva crescente em termos de intensidade: “reflexão” e “salvação”, “competência” e “essência”, “crescendo” e “entendendo”, “história” e “trajetória”, “cuidado” e “dado”, “representa” e “sustenta”, “iniciando” e “influenciando”, “carinho” e “caminho”, “mão” e “chão”, “qualidade” e “verdade”, “cura” e “cultura” e “somar” e “entrar”. Desse conjunto, depreendem-se vários elementos da discussão metalinguística que o poema propõe, como aqueles dos pares “cuidado/dado”, “carinho/caminho”, “cura/cultura”, que apresentam similaridades visuais, para além da coincidência sonora nas sílabas finais, de modo que uma palavra espelha e contém a outra:

Mas falo isso com o maior cuidado.

Kimani me passou a ideia e o papo foi dado […].

Pois se vocês ensinam ódio, nois não vai ensinar fazer carinho!

Amor gera amor.

E ser preconceituoso gera voadora!

Não atrapalhem o nosso caminho. […]

Isso aqui é espaço de cura

Pros nossos apresentar cultura

(Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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, grifos nossos).

Esses pares enfatizam um caráter de zelo, apresentado nos termos “cuidado”, “carinho” e “cura”, por exemplo, que podem ser atribuídos ao processo restaurador do fazer poético comunitário dos campeonatos de slam, como lugar de ouvir e de ser ouvido pelas suas e pelos seus: esse é o caminho que o referido acontecimento cultural é capaz de oferecer. O sentido coletivo desse acontecimento também organiza o poema e se manifesta textualmente na recriação do momento da performance, evidente em vários recursos, como: a presença do “mic”, já mencionada; o uso frequente de expressões como “a gente” e “nois”, que se apresentam em muitos versos citados até aqui, quando Theodoro se dirige à sua comunidade e faz do eu poético uma voz plural; e a incorporação das vozes das poetas e do poeta do slam Kimani, mencionada anteriormente, Roberta Estrela D’Alva e Beká, como referências da radicalidade da poesia marginal dos campeonatos:

Cês acham mesmo que o Marc Smith criou o slam, aí a Roberta Estrela D’Alva foi lá em Chicago, conseguiu trazer ele pra cá,

pra vocês meterem o louco e de discurso alheio se apropriar? […]

Assino embaixo do que o Beká falou:

Pois se sou boa com as palavras minha obrigação é ser duas vezes melhor com as minhas atitudes

(Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6Dg...
, grifos nossos).

Essas vozes, em conjunto com a de Aragão, acrescentam peso à palavra de Theodoro, no sentido do caráter coletivo da criação poética do slam. Nesse sentido, o poema é um espaço compartilhado, no qual Kimani é “parceira”; as mulheres negras da periferia são as “mana preta”, e as crianças da comunidade podem manifestar o seu desejo pela poesia: “Aí tia, como é que eu faço pra também tá rimando?” (Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6Dg...
).

Evidentemente, a mobilização dessa cena dialógica também se dá por meio de uma série de antagonismos, que costuram no texto o posicionamento da autora: a esse “nois”, à comunidade, o poema opõe “os outros”, que podem ser tanto os que estão nos campeonatos de slam por razões diferentes daquelas dos “verdadeiros slammers”, quanto os intelectuais, os “academicistas”, que duvidaram da capacidade de a periferia fazer poesia e, agora, transformam-na em objeto de estudo:

Pra eles, isso é um absurdo

Vi academicista falando que o que a gente fazia não era poesia

Duvidaram que a gente tava fazendo história

Mostrei os livros que tem poesia minha e vocês tão nos estudando

Então respeita a nossa trajetória

(Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6Dg...
).

Essa oposição entre quem de fato está na comunidade e os de fora também se apresenta nas antíteses disseminadas ao longo dos versos: “o verbo que solta” e o que “prende”, prisão que reverbera também a relação violenta das forças de segurança com as populações periféricas brasileiras e o seu encarceramento em massa, os “do topo” e os de baixo, “voar” e “estar no chão”, “cair”, a “palavra pesada” e o “futuro leve”, falar, mas não saber o que diz, “aparência” e “essência”, a “palavra” e a “atitude”, “ódio” e “amor”. Dessa maneira, o poema constrói um antagonismo fundamental entre duas classes, duas posições, duas culturas, que se diferenciam radicalmente pelas suas experiências sociais e étnico-raciais, distinção essa que é a condição sobre a qual a marginalidade da poesia slam se estabelece.

Finalmente, é preciso destacar que essa oposição fundamental também se destaca no poema no uso da “gramática do cotidiano”, como destacou Evaristo (2019)EVARISTO, Conceição (2019). Prefácio. In: DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil. p. 13-15., nas gírias, xingamentos e registros próprios de variedades informais da língua portuguesa, da linguagem popular e coloquial, como mostram os trechos a seguir: “Porque isso é só o começo do projeto que nois tá iniciando/ Se prepare pra sentir o peso das crianças que a gente tá influenciando/ Pois se vocês ensinam ódio, nois não vai ensinar fazer carinho.”/ “Que o menor não vá para o caminho errado por ter nos escutado. Sacou?”/ “Nois não aceita baba ovo, caralho!”, “pra gente rica”, “eu não atrás disso” (Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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, grifos nossos).

Desse modo, embora possa parecer, à força de definir a diferença do slam e de delimitar seu espaço, origem e sentido, não há no poema a pressuposição de uma relação direta e transparente entre viver e escrever, isto é, a verdade do poema é resultado de uma construção, o artesanato da palavra poética, que une corpo e voz nos campeonatos de slam. Em suma, no poema “O peso das palavras”, a palavra da vida é palavra poética. Aos outros, os de fora, resta entender esse movimento, desenvolver a escuta, caso contrário, segundo os últimos versos do texto: “A porta da rua é serventia da casa”/ cês nem tinha que entrar” (Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6Dg...
).

AS PALAVRAS SÃO PESADAS PARA O FUTURO SER LEVE OU POESIA EM TEMPOS DE POBREZA

Para que poesia, afinal, “em tempos de pobreza”?

(Siscar, 2010SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp., p. 32).

Na epígrafe acima, ao mencionar a pobreza, Siscar (2010)SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp. não se refere exatamente à escassez de bem-estar material, mas sobretudo à forma como a poesia, ao longo dos últimos 150 anos, no Ocidente, teria nomeado um sentimento de falta de condições para a sua realização, um estado de crise, e se organizado em conformidade com ele, a despeito disso. Assim, o questionamento da razão de ser da atividade poética seria um modo de a própria poesia expressar a constatação dessa falta de lugar e de denunciar os sentidos que essa ausência pode ter para a contemporaneidade. No âmbito da discussão apresentada neste artigo, que também dialoga com esse estado de crise, a pergunta de Siscar (2010)SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp. ganha contornos importantes, uma vez que a experiência da escassez de recursos materiais, em vários graus, é parte fundamental da vivência das periferias brasileiras, espaço no qual a poesia insiste em acontecer, nos campeonatos de slam, mesmo “em tempos de pobreza”, até mesmo no sentido mais literal deste último termo. Para quê?

No caso das autoras negras da poesia slam, projetar as suas vozes e os seus corpos nas batalhas de rima e levar as suas palavras aos livros são um “um modo de ferir o silêncio imposto” (Evaristo, 2003EVARISTO, Conceição (2003). Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL MULHER E LITERATURA, 1., 2003, Paraíba. Palestra. Disponível em: https://inegalagoas.files.wordpress.com/2020/05/gc3aanero-e-etnia-conceic3a7c3a3o-evaristo.pdf. Acesso em: 1º dez. 2022.
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, p. 2) por estratégias históricas de silenciamento e invisibilização, atravessadas por opressões de classe, raça e gênero, que insistem em excluir essas poetas do campo literário nacional. Nessas circunstâncias, fazer poesia também é uma estratégia coletiva não só de denunciar a pobreza, como vivenciada especificamente pela mulher negra, mas de sobreviver e de resistir a ela, isto é, nos termos de Theodoro, poesia slam é “papo de salvação” (Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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).

Nesse contexto, a poesia adquire um peso diferente. Esse aspecto não é atributo da crença numa relação transparente entre palavra e vivência, mas da forma como o imbricamento entre esses dois elementos se expressa no modo como esses poemas se apropriam da linguagem e das questões que lidam com a atividade poética. Em suma, essas autoras reivindicam o seu direito de “dizer sobre si e sobre o mundo” (Dalcastagnè, 2012DALCASTAGNÈ, Regina (2012). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da UERJ; Vinhedo: Horizonte., p. 9) por meio da poesia, e, assim, também tensionam os limites desse texto, como o faz o poema “O peso das palavras”, de Theodoro (2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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), ao problematizar o modo de ser da poesia slam.

Nesse processo, o poema de Theodoro (2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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) coloca em prática, encena o próprio fazer poético, fazendo uso do recurso da metalinguagem no contexto dessa prática literária periférica. Para isso, a poeta destaca a relação muito forte entre viver e escrever, no sentido de que escrever adquire outros sentidos e outras formas para os que a vida inteira foram obrigados a lidar com várias opressões por serem tratados como diferentes e explorados. É justamente esse eu poético coletivo que marca o caráter radical da marginalidade da poesia slam ao atrelar à produção poética a possibilidade de sobrevivência. Como resultado, o “corpo-mulher-negra em vivência” (Evaristo, 2009EVARISTO, Conceição (2009). Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Scripta, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/4365/4510. Acesso em: 1º dez. 2022.
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) e as suas palavras da vida (Theodoro, 2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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) encontram lugar nesses poemas.

Como discutido ao longo deste artigo, tais aspectos demonstram que, no movimento slam das mulheres das periferias do Brasil, escrever é viver, em muitos sentidos, até mesmo, como forma de defender o direito de se expressar artisticamente e de modificar, dessa maneira, as suas condições de vida, como diz Tawane Theodoro (2019bTHEODORO, Tawane (2019b). Tawane Theodoro: O peso das palavras - final Slam da Guilhermina. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJa6q6DgLLg. Acesso em: 15 fev. 2020.
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) no poema analisado: “As palavras são pesadas pro futuro ser leve”.

  • 1
    Segundo Dalcastagnè (2011DALCASTAGNÈ, Regina (2011). A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 26, p. 13-71. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9077. Acesso em: 28 abr. 2023.
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    , p. 18), o “campo literário reforça esta definição dominante de literatura, através de suas formas de consagração e de seus aparatos de leitura crítica e interpretação. […] O conceito de Bourdieu permite entender melhor as relações que se estabelecem entre os escritores (definindo as correntes, as vanguardas e os ‘grandes nomes’) e entre o mundo literário e o universo social como um todo (demarcando a autonomia do campo literário e sua comunicação com o campo do poder)”.
  • 2
    Dessa forma, a questão que se coloca é a do desencontro (“divórcio”) entre poesia e sociedade, uma vez que o interesse pelo tipo de conhecimento e de experiência da realidade oferecido por esse texto já não tem mais sentido, diante da importância que se atribui ao bem-estar material e à informação jornalística e científica, por exemplo, que teriam assumido o papel de discursos autorizados a dizer a verdade no âmbito do capitalismo industrial (Siscar, 2010SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp.).
  • 3
    A expressão vem do título de um dos textos da obra Divagações (1897), de Mallarmé, considerado paradigmático dessa discussão sobre a poesia moderna. Nele, há uma problematização da tradição, especialmente por meio da reflexão sobre “a definição daquilo que é o verso”, que não vai resultar exatamente na ruptura com a métrica, mas na defesa do verso livre, conforme a sua capacidade de colocar em jogo elementos da atualidade e da tradição (Siscar, 2010SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp., p. 109-111). Mais ainda, “a questão do verso não é um problema exclusivamente formal, mas é o campo a partir do qual a poesia pode pensar sua relação com a crise não apenas como contexto, mas como discurso (como projeto e como retórica) da época moderna” (Siscar, 2010SISCAR, Marcos (2010). Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas: Editora da Unicamp., p. 112).
  • 4
    No contexto dos campeonatos de slam, “mandar a letra” é uma expressão que significa apresentar o poema por meio da performance com o microfone e indica a contundência que o público espera dessas apresentações.

AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente a Isabelle dos Santos Rodrigues, egressa do Curso Técnico Integrado em Informática do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), campus Ponta Porã, por me ter apresentado à poesia slam e desenvolvido o Trabalho de Conclusão de Curso “Poesia slam no Brasil: lugar de resistência das mulheres negras”, finalizado em 2022, sob minha orientação, e a partir do qual este artigo nasceu.

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Editoras: Cecília P. X. Rodrigues, Cristiane Lira e Lígia Bezerra

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2023
  • Aceito
    12 Maio 2023
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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