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Nietzsche ou Bíblia* * Publicado no jornal de orientação anticlerical e bastante ativo à época A Lanterna, São Paulo, ano 14, N. 271, 02 de janeiro de 1915, p. 01.

Resumos

Texto publicado em 1915, no diário de orientação anticlerical e bastante ativo à época chamado A Lanterna. É um dos primeiros a tratar da polêmica utilização das obras e das ideias da filosofia de Nietzsche a serviço guerra. E, quanto a isso, toma partido e defende o filósofo contra falsas apropriações, citando trechos de Humano, demasiado humano. De maneira irônica, aponta que não é o Zaratustra de Nietzsche o livro principal dos soldados do Kaiser, mas a Bíblia.


Article published in 1915, in the daily news A Lanterna, a very active paper and with an anticlerical position at the time. It is one of the first articles to talk about the controversial use of the ideas and works of Nietzshe's philosophy in service of war. About that, it takes a stand and defends the philosopher against misappropriation, quoting excerpts from Human, All too Human. In a ironic way, the author says Nietzsche' Zarathustra is not the main book used by the Kaiser soldiers, but the Bible.


O escrito que Gerardo Hauptmann, o autor de Os tecelões, defendeu os alemães da acusação de barbárie, diz-se que cada soldado do Kaiser leva na mochila ou uma Bíblia ou, entre outros, um livro de Nietzsche. E do seu lado, os clericais anglo-franceses dizem que a ferocidade germânica é em parte devida aos ensinamentos do anticristão criador de Zaratustra!

Parece, porém, que os guerreiros leitores de Nietzsche não meditam muito essa passagem do Humano, demasiado humano:

A doutrina do exército como meio de defesa deve ser abjugada tão completamente como a ambição de conquista. Virá talvez um dia memorável em que uma nação afamada em guerras e vitórias, eminente pelos mais altos desenvolvimentos de ordem militar e pela inteligência e acostumada a fazer os mais pesados sacrifícios a tais objetos voluntariamente exclamará: 'Vamos quebrar as nossas espadas e destruir todo o sistema militar, cano, fechos e coronha. Tornamo-nos indefesos (depois de termos sido os mais fortemente defendidos) por uma elevação de sentimento - tal é o meio de produzir uma paz genuína, que há de sempre assentar em disposições pacíficas. A chamada paz armada que prevalece agora em todos os países é sinal de disposições belicosas, de disposições de quem não confia nem si nem no vizinho e, em parte por medo, em parte por ódio, recusa depor as armas. Antes perecer do que odiar e temer, e antes duas vezes perecer do que tornar-se odiado e temido - tal há de vir a ser um dia a máxima suprema de cada comunidade política'.

Afinal, Nietzsche é bem pouco lido, mesmo na Alemanha. É formada de bons cristãos a imensa maioria dos combatentes. Se algum livro influi sobre eles é a Bíblia, em que se louva o Deus dos exércitos, a cujas narinas são gratas o aroma das matanças.

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    Publicado no jornal de orientação anticlerical e bastante ativo à época A Lanterna, São Paulo, ano 14, N. 271, 02 de janeiro de 1915, p. 01.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
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