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O Nietzsche de Hitler* * Publicado no jornal Diário de Pernambuco. Recife, Domingo, 26 de Julho de 1942, p. 3. (Arquivo DP/D.A. Press, em 28/07/2016).

Resumo:

Atento a uma passagem do livro Nietzsche de CraneBrinton - da edição brasileira de 1942 -, José Lins do Rego busca mostrar que os ideólogos do nazismo ignoraram Nietzsche como poeta, crítico e psicólogo, apropriando-se apenas de alguns conceitos que justificassem a almejada "teoria da raça eleita". Hitler, assim, ao fixar o busto do filósofo alemão em Weimar no ano de 1934, estaria vendo não a Nietzsche, mas a sua própria loucura e vontade de domínio.

Palavras-chave:
Nietzsche; ideologia; nazismo; Hitler; Loucura

Abstract:

Focused on an excerpt of the 1942 Brazilian edition of the book Nietzsche by Crane Brinton, the Brazilian novelist José Lins do Rego attempts to demonstrate that the Nazi ideologists ignore Nietzsche as a poet, critic and psychologist, using only a few concepts that could justify the aimed-at “theory of the chosen race.” Hitler, then, in erecting the German philosopher’s bust in Weimar in 1934, would not be focusing on Nietzsche, but on his own madness and will to domination.

Keywords:
Nietzsche; ideology; nazism; Hitler; madness

Nietzsche é ou não é o mestre de Hitler? Há a célebre fotografia deste, no Nietzsche-Archiv de Weimar, onde aparece o ditador a olhar enternecido para o busto do filósofo.

Há uma enorme bibliografia para provar a participação de Nietzsche na ideologia nazista. Para Ludovici os nazistas são bons nietzschistas por terem restaurado os valores biológicos e pré-socráticos. O pensador que dividia os homens em categorias tão rígidas, homens de vontade e homens de rebanho, teria sido o manancial para todos os super-homens que fustigam a humanidade. A "Vontade de poder" deu na Gestapo. E os poemas de Zaratustra no delírio de grandeza da propaganda do Dr. Goebbels. O Nietzsche psicólogo da "Genealogia da Moral", o grande poeta, o grande investigador da arte, aquele que penetrou na Grécia para nos dar uma sabedoria helênica mais viva, menos convencional, o gênio das contradições, o que amava o poder dionisíaco ao mesmo tempo em que se entregava às medidas apolíneas, que odiava Sócrates eera socrático, que amava a música suarenta de Wagner e a clareza da poesia mediterrânea, seria para a Alemanha de hoje uma espécie de anjo anunciador de Hitler. Nietzsche odiava o espírito cristão; para ele o cristianismo reduzia o homem a escravo. E é o que pregam os ideólogos nazistas. Para eles deveria haver duas morais, a moral do chefe e a moral do rebanho. E é aí que repousa inteiramente a organização nacional-socialista. É na submissão do rebanho à "vontade de poder" do chefe. O cristianismo dera ao rebanho um lugar ao sol, contaminara o mundo. Para Nietzsche o cristianismo é a pior das religiões por ter conseguido corromper a mais viril e capaz das raças humanas, os povos nórdicos europeus. "Fé, Esperança e Caridade", eis o código que justifica

o predomínio dos escravos sobre os chefes. E partindo deste Nietzsche brutal, o pensador sem dó e sem piedade, criaram a teoria da raça eleita, a raça que libertará as alegrias naturais do homem. O "bicho louro" passará a ser o rei dos animais. Este é o Nietzsche copiado ao pé da letra, profeta de uma nova religião. O poeta, o crítico, o psicólogo passara para um plano secundário. Prevalecerá a retórica violenta de "paralítico geral", aquela paranóia diabólica que reduzia o homem a homens senhores e a homens escravos.

Foi este Nietzsche que Hitler foi olhar no museu de Weimar. Este era a fonte de seu pensamento ímpio e destruidor. O novo livro de CraneBrinton, em tradução da Editora Nacional, fala com pavor do Nietzsche de Hitler.

Se acaso a revolução nazista triunfar - nos diz ele - e os seus efeitos perdurarem; se através dela, a influência de Nietzsche prevalecer no mundo, ele não será tido como um poeta, um critico, mas unicamente como o profeta de uma nova religião comparável a Cristo, Buda ou Maomé e não a Goethe, Schopenhauer ou La Rochefoucauld.

Ao olhar para Nietzsche, para os olhos vagos, para a testa larga, os bigodes espessos, a boca triste, Hitler não só fixava o gênio que ele amava; ele fixava também a imagem da loucura que eraa sua própria. O seu filósofo queria reformar o homem e ele quer somente dominar o mundo.

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    Publicado no jornal Diário de Pernambuco. Recife, Domingo, 26 de Julho de 1942, p. 3. (Arquivo DP/D.A. Press, em 28/07/2016).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016
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