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Editorial

Esse número dos Cadernos Nietzsche traz um dossiê sobre a música.

Em carta enviada a seu amigo e músico Heinrich Köselitz (Peter Gast), em 1888, Nietzsche tornou célebre a afirmação segundo a qual “a vida sem a música seria um erro”. Além de ter aprendido tocar piano no ambiente familiar e de ter feito incursões no universo da composição, Nietzsche atribuiu à música um lugar de destaque no seu pensamento. Tanto é que, no seu primeiro livro, reflete sobre a música e a obra de Wagner, e, nos seus últimos escritos, faz, em contraposição, um acerto de contas com o compositor de Parsifal. Nessa direção, se O nascimento da tragédia revela a importância da música na filosofia nascente de Nietzsche, O caso Wagner, um de seus últimos escritos, variando os temas iniciais, bem mostra a permanência da música em seu pensamento como questão filosófica de primeira grandeza.

Dada a importância da temática, os Cadernos Nietzsche trazem sete artigos que revelam a pluralidade com que o filósofo aborda a arte sonora ao longo de seus escritos. A despeito de Wagner ser sempre um interlocutor privilegiado e um tema constante, há todo um conjunto de questões postas por Nietzsche que ampliam nossa compreensão do fenômeno musical, haja vista as múltiplas perspectivas a partir das quais o aborda - metafísica, histórica, musicológica, cultural, política, dentre outras -, que esse dossiê pretende trazer a público.

Em “Nietzsche, Wagner e a decadência”, Andreas Urs Sommer defende a importância do binômio Wagner/ décadence para compreender a face disruptivo-negativa da crítica de Nietzsche à modernidade estética, assim como uma possível aplicação pontual da “transvaloraçãodosvalores”. Fernando Barros, em “A wagneriana”, investiga o caráter do discurso nietzschiano a respeito do feminino a um só tempo libertador e masculinista para depois compará-lo com elementos do drama musical wagneriano, mostrando que, a despeito de certos prejuízos esposados pelo filosofo alemão, o filósofo não pode aceitar a lógica dualista que preside o sistema sexista de significações, revelando-se, em suas análises estético-musicais, um confiável e atento aliado no combate aos preconceitos morais.

Em “Canção popular e música Dionísia caem Nietzsche”, Márcio Lima analisa a relação inicial entre a música popular grega e as celebrações dionisíacas, tanto da perspectiva musicológica quanto metafísica, para defender que, a partir da autocrítica de Nietzsche às suas ideias iniciais, é possível reconsiderar a visão do filósofo sobre a canção popular e sua importância para a música para assim pensar essa mesma relação da perspectiva da música do século XX e sua utilização da linguagem folclórica. Stefano Busellato, em “ Zaratustra versus Parsifal”, analisa a importância da ópera Parsifal para a escrita do livro Assim falou Zaratustra, algo que até agora tem escapado aos intérpretes. O autor propõe, portanto, mostrar o conjunto de relações que aproximam as duas obras e o contexto que as possibilitou.

Maria João Mayer Branco, em “A lição da música (notas sobre Nietzsche e Rousseau)”, defende haver possíveis afinidades entre as ideias musicais de Nietzsche e Rousseau, a despeito das críticas que o filósofo alemão faz o autor de Emílio. A autora, sem escamotear o que separa os dois filósofos, procura esclarecer as preocupações comuns que ambos partilham acerca da cultura ocidental moderna, assim como apontar para a crise da subjetividade que essa cultura parece acarretar. Mariano Rodríguez González, em “‘Mantenha-se mediterrâneo!’ :Razões do entusiasmo de Nietzsche por Carmen”, assume um posicionamento contrário à visão comumente disseminada de que o elogio de Nietzsche à ópera Carmen, de Bizet, trata-se, em verdade, de uma estratégia discursiva e não de uma real convicção do filósofo. Apesar de tal posição estar autorizada pela própria correspondência de Nietzsche, Mariano Rodríguez defende que tanto a música de Bizet como o mito de Carmen adquiriram um alto valor simbólico no pensamento maduro de Nietzsche, encarnando de alguma maneira a transvaloração de todos os valores nos casos concretos do gosto estético e de uma nova concepção do amor.

E, em, “Rossini, músico do futuro. Nietzsche e Peter Gast na descoberta da grande saúde rossiniana”, Dorian Astor traça a influência de Rossini sobre Nietzsche. Acompanhando os textos do filósofo em que o compositor italiano é citado, o autor mostra que essa influência foi gradativa, mas essencial. No contexto da revira- volta porque passa o pensamento de Nietzschenosanosde1880, ele mostra que a descoberta de Rossini terá um papel de extrema relevância, sobre tudo em sua mudança da Basileia para a Itália.

A resenha desse número dos Cadernos Nietzsche fica a cargo de Alexander Gonçalves, que analisa o livro Páginas da arte, páginas da vida, de Rosa Maria Dias, uma das mais importantes pesquisadoras da filosofia de Nietzsche no Brasil. Páginas da arte, páginas da vida aborda, em dez capítulos, diversos autores da filosofia e das artes, como Platão, Aristóteles, Machado de Assis e o compositor Cartola, mas sobre tudo se dedica ao trabalho coma filosofia nietzschiana.

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    Esse número dos Cadernos Nietzsche tornou-sepossível graças ao trabalho de muitos colaboradores, dentre eles, que aqui citamos nominalmente, André Luís Mota Itaparica, Fernando Barros e Geraldo Dias.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017
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