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Imoralismo – uma ética nietzschiana?

Immoralism – a Nietzschean ethics?

Resumo

Este artigo examina brevemente algumas tentativas de reconstruir o que seria a contrapartida “positiva” da crítica de Nietzsche à moralidade, ou seja, o tipo de engajamento normativo que fundamentaria seu ataque à moral. Essas reconstruções têm atribuído a Nietzsche diferentes compromissos normativos, de modo que ele está próximo ora de um esteticismo, ora de algum tipo de utilitarismo, ora de uma ética das virtudes. Destacamos alguns pontos que são relevantes para a filosofia de Nietzsche e que parecem estar em dissonância com tais reconstruções. Estes pontos referem-se às concepções nietzschianas de perspectivismo, egoísmo, liberdade, Rausch e seu autodeclarado “imoralismo”. O objetivo é avaliar em que medida essas reconstruções são capazes de capturar o que há de singular no que Nietzsche tem a nos dizer sobre ética e normatividade prática sem descuidar de certos compromissos essenciais de sua filosofia.

Palavras-chave:
imoralismo; Rausch; egoísmo; liberdade; perspectivismo

Abstract

This article discusses some attempts of reconstructing the “positive” counterpart of Nietzsche’s critique of morality, that is, attempts of answering the question of what would be a properly Nietzschean ethics or normativity, which is supposed to ground his attacks on morals. Such reconstructions have attributed different normative commitments to Nietzsche, so that his positive views on ethics might be described either as a form of aestheticism or as a heterodox version of utilitarianism or even as a variety of virtue ethics. We point out some features of the Nietzschean philosophy that seem to be relevant though not consonant with such reconstructions, points related to his conceptions of perspectivism, egoism, freedom and Rausch as well as his self-proclaimed “immoralism”, in order to assess the appropriateness of such reconstructions to capture Nietzsche’s positive views on ethics and practical normativity.

Keywords:
immoralism; Rausch; egoism; freedom; perspectivism

Introdução

Este artigo aborda o autodeclarado “imoralismo” nietzschiano, com intenção de acessá-lo não por seu aspecto negativo, ou seja, as conhecidas críticas de Nietzsche à tradição moral cristã e seus derivados modernos, como a ética deontológica kantiana, mas por seu aspecto eventualmente “positivo”. A questão que nos interessa diz respeito, portanto, a que ponto esse imoralismo poderia significar um novo ponto de vista ético. A ideia é fazer uma leitura do imoralismo nietzschiano buscando as tensões e os limites de algumas interpretações que têm sido propostas na tentativa de reconstruir seu pensamento ético: a leitura que aproxima Nietzsche de uma ética utilitarista; a leitura que associa o imoralismo nietzschiano à expressão de um tipo de esteticismo; e por fim as recentes tentativas de interpretação da filosofia nietzschiana como uma ética das virtudes. O artigo esboça uma tentativa de averiguar, em especial, em que medida essas leituras seriam sensíveis ou não à visada perspectivista que Nietzsche faz questão de imprimir à sua obra.

Nietzsche e a tradição utilitarista

Comecemos pelas tentativas de aproximar Nietzsche da tradição utilitarista. Esta associação aparece na literatura secundária de forma bastante localizada, certamente porque há um único livro no conjunto da obra nietzschiana que dá amplo ensejo a interpretações utilitaristas. Trata-se de Humano, demasiado humano, um livro que marca o afastamento de Nietzsche do ambiente estético e dos compromissos normativos de Wagner e Schopenhauer, assim como sua busca por novos territórios filosóficos. Este livro tem sido considerado unanimemente como um marco na busca nietzschiana por uma voz própria para sua filosofia. Há bons motivos para se ler Humano por um viés utilitarista: a proximidade de Nietzsche com Paul Rée - cuja vizinhança teórica, que é a vizinhança dos moralistas ingleses, oferecia à época a única alternativa não-teocêntrica de filosofia moral - fornece muitos dos elementos descritivos que compõem a filosofia da ação desenvolvida em Humano, em que são abundantes as afirmações sobre a busca instintiva por prazer, sua relação com a preservação da vida etc.; vale lembrar, ainda, que o utilitarismo na segunda metade do Século XIX está estreitamente vinculado ao evolucionismo, e este, mesmo que de modo sempre tenso, tem presença marcada em toda a obra nietzschiana.

Um sinal muito claro e relevante de certa conotação utilitarista do imoralismo de Humano se encontra nos argumentos mobilizados para defender a tese, polêmica e certamente alheia às preocupações utilitaristas, da “irresponsabilidade radical do homem por seus atos” (MA I/HH I 105, 107, KSA 2.102, 103). Reiteradamente, encontramos passagens do livro que apresentam a tese de que o animal humano busca naturalmente o prazer, e que está justificado nessa busca, na medida em que o prazer tende a acompanhar aqueles atos que são úteis à conservação da vida1 1 Cf. MA I/HH I 98, 99, 102, 104, 107, KSA 2.95, 99, 100, 103. . Nesse momento, portanto, o pensamento nietzschiano aponta que, na medida em que todo ato humano é expressão de uma luta por prazer, luta esta que se identifica com a luta pela vida, então todo ato humano seria passível de absolvição por “legítima defesa”2 2 Cf. MA I/HH I 102, 104, KSA 2.99, 100. , na medida mesma em que se trata de defesa contra a dor e a morte. Neste ponto, pode-se dizer, com segurança, que Nietzsche mobiliza um quadro teórico familiar ao utilitarismo para avançar aquele que parece ser o fulcro imoralista de Humano: uma espécie de abolicionismo das práticas de censura, louvor e condenação tradicionalmente fundadas nas morais do livre-arbítrio (MA I/HH I 105, 107, KSA 2.102, 103). Nietzsche mobiliza a tese do hedonismo psicológico para extrair dela consequências abolicionistas que não estão no horizonte de seus proponentes utilitaristas. Essas conclusões só podem ser extraídas na medida em que Nietzsche traz esse componente descritivo de cunho naturalista para o quadro de uma posição incompatibilista muito familiar à tradição germânica de Kant e Schopenhauer. Nietzsche parece supor que a posição incompatibilista está pressuposta em nossas práticas de atribuição de responsabilidade moral.

Um dos expedientes da crítica de Nietzsche à moral no contexto de Humano consiste em apontar um interesse egoísta mesmo naqueles atos que comumente identificamos como atos altruístas, tradicionalmente identificados como portadores do maior valor moral. Esse procedimento, portanto, visa desmascarar o ponto de vista moral, apontando uma motivação egoísta mesmo naquelas ações envoltas por sentimentos morais de compaixão e altruísmo3 3 Cf. MA/HH 57, 94 a 98, entre outros, KSA 2.76, 91-95. . Exceto pelo tom de denúncia muito característico de Nietzsche, pode-se considerar que ainda aqui há um ponto de contato significativo com filósofos do utilitarismo evolucionista. Autores como Herbert Spencer estariam perfeitamente de acordo com a ideia de que, na história evolutiva, os organismos tomam como ponto de partida um interesse egoísta na própria conservação, e esse interesse se manifestaria inclusive em processos como a reprodução, em que o progenitor sacrifica algo de si em favor de sua prole, o que, afinal, refletiria seu interesse no que hoje chamamos de perpetuação genética. Essa aparente ressonância utilitarista em Humano não deve nos fazer perder a pista das dissonâncias radicais, que se tornam sempre mais audíveis no desenrolar da filosofia nietzschiana. Vale lembrar, aliás, que Nietzsche só leu Spencer após a redação de Humano, e desde então se mostrou um crítico ferrenho do filósofo inglês4 4 Cf. Fornari, M. C., “Nietzsche y el darwinismo”. Estudios Nietzsche, nº 8, 2008, p. 91-103. .

Segundo Spencer, “bom” é aquele reconhecido como “útil” e “agradável” por seus pares, sendo que apenas ao cabo de um longo processo de evolução social o ser humano teria desenvolvido um prazer genuíno nas ações altruístas. É importante ressaltar que Spencer pensa esse desenvolvimento do egoísmo em direção a disposições gradativamente mais altruístas como um ganho real, como progresso adaptativo5 5 Cf. Spencer, H., The Principles of Ethics. Indianapolis, Ind.: Liberty Fund, 1978, 2 vols. Sobre o sentido de progresso em Spencer e sua crítica por parte de Nietzsche ver: Richardson, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004. . Ou seja, para Spencer o ser humano se torna progressivamente “melhor”, ao se tornar mais moral.

Se aproximamos, então, o pensamento nietzschiano a esse quadro estrito do utilitarismo evolucionista corremos o risco de perder de vista o cerne mesmo de seu imoralismo: a ideia de que a ação moral, a ação altruísta, aquela supostamente “desinteressada” requer do indivíduo algum grau de autossacrifício, e, o que é pior, exige que cada um sacrifique precisamente aquilo que tem de mais pessoal e singular. Onde os utilitaristas enxergaram a congruência harmônica entre seleção natural e progresso social, Nietzsche enxergou dois processos simultâneos, sobrepostos, tensos, e muitas vezes contraditórios: o processo de seleção natural e o de seleção social. A atuação de um sobre o outro teria produzido o homem enquanto “animal doente”6 6 Cf. AC/AC, 14, KSA 6.180; JGB/BM, 62, KSA 5.81; GM/GM III, 13, KSA 5.316; GD/CI, Os “melhoradores” da humanidade, 2, KSA 6.99. .

Este ponto foi tratado por John Richardson em seu Nietzche's new Darwinism. Penso que seria instrutivo acompanhá-lo por um momento. Richardson reconstrói uma narrativa nietzschiana segundo a qual o processo de seleção social imprime uma lógica de grupo ao comportamento humano, alterando profundamente o mecanismo dos impulsos, que é basicamente um mecanismo interesse-satisfação. Uma vez cooptados pela lógica da seleção social, os impulsos passam a ser mediados por uma série de novos dispositivos, como a linguagem e a consciência; e, fenômeno da maior relevância para nossa discussão, é somente mediante o trabalho moral de domesticação do homem para as funções grupais que se institui o ego (ou self), que daí em diante sediará a administração impulsiva do homem7 7 Richardson, 2004, p. 81-94. .

Linguagem, consciência e ego são dispositivos de comunicação, ou seja, dispositivos de “tornar comum”8 8 Cf. FW/GC 354, KSA 3.590. , e todos eles cumprem uma função seletiva: a de garantir a primazia de um tipo especial de impulso ou hábito: o impulso gregário imitativo, o “instinto de rebanho”9 9 A noção de instinto de rebanho é apresentada em A Gaia Ciência, onde tem-se que: “Moralidade é o instinto de rebanho no indivíduo” (FW/GC 116, KSA 3.474). Ver também a explicação de Richardson: “(...) essa seleção social, por sua própria lógica, favorece um impulso à cópia, i.e., uma disposição para imitar os outros, querer ser e fazer o mesmo que eles. Nisto consiste o ‘meta-hábito’ de aprender hábitos ao copiá-los; trata-se um de produto tão básico e duradouro da seleção social, que se tornou, ele mesmo, um impulso estável.” Richardson, 2004, p. 86. . Dito de outra forma: com vistas à manutenção da primazia do instinto de rebanho, cria-se uma sociedade de egos ou sujeitos forjados de forma fundamentalmente linguística. Note-se aqui, portanto, que enquanto Spencer pensa que o altruísmo é o principal traço selecionado ao longo da evolução social, para Nietzsche o traço mais sedimentado pela lógica de grupo da seleção social é o comportamento mimético ele mesmo: compaixão e altruísmo seriam meras ferramentas de estabilização desse traço mimético. Ou seja, diferentemente de Spencer, para Nietzsche não o altruísmo, mas a lógica mimética, ela mesma, teria sido a principal ferramenta da dinâmica de grupo que marca a evolução social. O altruísmo seria um dos traços selecionados, por servir especialmente à finalidade de homogeneização necessária à coesão do grupo; junto com a compaixão, ele seria o traço que mais serve à domesticação do homem para que se torne função do grupo.

No contexto da filosofia utilitarista, a ação egoísta é pensada como a atitude individual deliberada com vistas à realização do próprio interesse. Nietzsche, no entanto, pensa o egoísmo numa lógica mais radical: o egoísmo seria um aspecto fundamental do modo mesmo como os impulsos (múltiplos) atuam, o egoísmo se identifica com o mecanismo interesse-satisfação dos impulsos. É por se ater à perspectiva do ego que Spencer perde de vista a multitude de impulsos autointeressados que nos constituem. O desenrolar natural da história evolutiva, e o progresso social, no sentido da conquista de uma melhoria linear e duradoura, são pensados por Spencer como o momento em que esse ego, individualizado e domesticado, é conduzido a uma disposição altruísta. Nietzsche, por outro lado, vê o avanço da perspectiva egoica, ou o estabelecimento do sujeito social, como um processo de homogeneização das subjetividades10 10 Cf. MA I/HH I 33, 57, KSA 2.52, 76; Nachlass/FP 10 [82], 1887/1888, KSA 12.502; Richardson, 2004. p. 156-161. .

O processo de domesticação do homem, de sua reunião em rebanho, faz com que cada pessoa passe a contar como um ego, e todo ego passa a ser regido principalmente por um impulso de assimilação e imitação social: agora, cada ego deseja o mesmo que o outro e deseja, acima de tudo, desejar o mesmo que o outro. Cada ego agora aspira e deve aspirar somente àquilo compartilhado como o “bem humano”. Surge um novo tipo de egoísmo: o egoísmo deliberado, sediado no ego, envolvido numa relação interesseira com os recursos materiais e sociais para se manter como tal. É este o tipo de egoísmo identificado por Spencer. Esse tipo de egoísmo difere significativamente do mecanismo interesse-satisfação dos impulsos. Não raro, Nietzsche imprime um tom de denúncia a essa narrativa: a lógica de rebanho teria sequestrado o egoísmo dos impulsos (mecanismo interesse-satisfação), transferindo-o para uma nova instância que poderíamos chamar “egoísmo egoico”, que é destinado, finalmente a um projeto altruísta. Se por um lado Nietzsche aponta o egoísmo da espontaneidade dos impulsos como expressão de vitalidade, por outro lado alerta frequentemente para o risco de empobrecimento das singularidades e empobrecimento geral da vida pulsional decorrente das exigências de assimilação grupal, exigências que estariam na raiz do egoísmo egoico11 11 Cf. FW/GC 354, KSA 3.590; JGB/BM 262-268, KSA 5.214-221. .

Mesmo em Humano, em que se escutam certas ressonâncias do utilitarismo, há uma dissonância fundamental: o livro se destina a espíritos livres, e o espírito livre, é claro, não é o indivíduo cooptado pela lógica altruísta e adaptado à utilidade geral do grupo. Ele é o indivíduo capaz de se desviar da regra a favor da própria idiossincrasia, e seu traço constitutivo é uma exigência de verdade ou integridade intelectual. Essa exigência estaria, assim, na contramão da seleção social, já que esta se beneficia, acima de tudo, da replicação de hábitos e valores, que pode aumentar a coesão do grupo independentemente da verdade de seus conteúdos ou de suas justificações12 12 Cf. MA I/HH I 225-229, KSA 2.189-193, 624-638, KSA 2.351-362. .

É importante notar que, mesmo em Humano, o uso de elementos do pensamento utilitarista divide espaço com aspectos bastante diferentes da filosofia moral nietzschiana. Ou seja, em Humano Nietzsche oscila entre explicações de cunho utilitarista e explicações que contêm formas embrionárias do que se desenvolverá como a visada genealógica sobre a moral. O pensamento utilitarista aparece naqueles momentos em que o filósofo recorre aos mecanismos de prazer, dor e cálculo de utilidade para explicar a moralidade, ou seja, explica a moral como o efeito da sedimentação ou normatização de comportamentos que se mostraram úteis à sobrevivência da espécie no passado; quem se sujeita à autoridade dessa fórmula cristalizada de sobrevivência, quem se adequa às funções tradicionalmente estabelecidas pelo grupo, seria considerado útil e portanto “bom”.

Em outros momentos do livro, no entanto, Nietzsche oferece uma narrativa bastante diferente sobre as origens da moral. Nesta segunda versão, os termos de utilidade saem de cena, e o marco moral passa a ser a capacidade de retribuir tanto uma dádiva quanto uma ofensa. Se bom é aquele capaz de retribuir inclusive uma ofensa, uma agressão, então a descrição da moral sai do terreno do pensamento utilitário e adentra o contexto das relações de poder13 13 Ou seja, grande parte dos aforismos que desenvolvem uma narrativa sobre a origem da moral, em Humano, é marcada por uma visada utilitarista, ver por exemplo: MA I/HH I 94-98, KSA 2.91-95. Por outro lado, alguns aforismos parecem carregar uma versão embrionária da visão genealógica que Nietzsche desenvolverá posteriormente, de forma que esta seria portanto uma narrativa recessiva no interior de Humano. Para o leitor, resta a impressão de que Nietzsche ainda não estaria suficientemente alerta da tensão entre essas duas narrativas, que aparecem de forma um pouco misturada, por exemplo, em MA I/HH I 96, KSA 2.92, no qual o filósofo parece oscilar, desavisadamente, entre uma visão segundo a qual ser moral é adequar-se a um cálculo tradicional de utilidade e a visão segundo a qual ser moral é adequar-se a uma tradição qualquer, seja ela “racional ou estúpida”. Já MA I/HH I 45, KSA 2.67, destoa significativamente do tom utilitarista que marca o livro como um todo, parecendo avançar o cerne da ideia genealógica que será desenvolvida posteriormente, principalmente porque desenvolve uma narrativa centrada nas relações de poder, e não nas relações de utilidade. . E de Humano em diante, o prazer passa a ser pensado como uma espécie de efeito colateral do sentimento de poder, como bem apontado por Richardson, ou seja, o prazer não motiva, o prazer tende a acompanhar os exercícios de poder. Em alguns trechos de Humano se encontra o germe da narrativa que se desenvolverá em Genealogia da Moral, em que Nietzsche nos apresenta duas formas de vida moral, ou duas perspectivas valorativas, expressas na moral de senhor e na moral de escravo. O importante aqui é que essas duas formas de criação moral não exprimem qualquer cálculo utilitário, elas são, antes, expressão (afirmativa ou negativa) das condições de poder em que senhor e escravo se encontram. A criação moral passa a ser pensada como expressão dos valores e das condições de poder que configuram cada perspectiva, as avaliações como expressão dos arranjos entre impulsos. Neste sentido a criação moral reflete certa espontaneidade, que é a espontaneidade dos próprios mecanismos impulsivos. Ou melhor, na Genealogia da Moral, Nietzsche identifica formas de criação moral que são gradativamente mais espontâneas, e tem como polarização arquetípica o modo nobre de valorar, aquele que diz “bom e verdadeiro é aquilo que sou e aquilo que se parece comigo”, e o modo escravo, que parte não da afirmação de si mesmo, mas da negação do outro.

A tese apresentada por Nietzsche aqui parece ser a de que essa inversão escrava da lógica de avaliação seria de certa forma uma inversão da expressão natural do mecanismo de satisfação dos impulsos, uma vez que retira desse mecanismo a imediaticidade de expressão que lhe é característica, sua espontaneidade. As indicações de Nietzsche parecem apontar para a ideia de que, mesmo que o modo escravo permita afinal uma forma de satisfação dos impulsos - uma forma talvez indireta, enviesada, adiada - essa perda de espontaneidade tenderia a levar a uma perda geral de vitalidade, representada pelo “homem do ressentimento”.

Na medida em que se apresenta não apenas como um estudo acerca da origem dos valores, mas como uma polêmica, a Genealogia é também um livro significativamente propositivo. Ao delimitar o surgimento de uma forma específica de vida ética, isto é, o surgimento do ponto de vista moral, o livro se destina, afinal, a denunciar o sequestro e monopolização dos valores pela moral, e seu efeito supostamente deletério sobre a autoconsciência e os impulsos. O livro como um todo pode ser lido como uma tentativa de recuperação da espontaneidade na criação de valores, da expressão afirmativa de tudo aquilo que fortalece a própria perspectiva.

No desenrolar da filosofia moral nietzschiana temos, portanto, um primeiro momento com Humano, em que se encontra uma descrição de teor utilitarista, segundo a qual o bom se identificaria com aquele que já incorporou um cálculo cristalizado sobre o que é útil à sobrevivência, sendo que essa descrição convive com um projeto de modo de vida desviante, o tipo espírito livre, que não se regula por esse cálculo cristalizado; a partir de Aurora, Nietzsche passa a enfatizar a visão do sujeito bom, do sujeito moral, como obediente à autoridade da tradição, o que já significa uma reformatação do pensamento em termos de poder - no caso, o poder da norma e da tradição - e não mais de utilidade. E, enfim, em obras subsequentes, como a Genealogia da Moral, somos apresentados às diferentes medidas de bem e mal historicamente expressas e remetidas às diferentes condições vitais e diferentes posições nas relações de poder que constituem cada perspectiva. Gradativamente, deslinda-se a ideia de que os valores não mais estão a serviço da sobrevivência, na medida em que a sobrevivência seria um pressuposto tácito das mais diferentes estratégias e arranjos de poder, conclusão apresentada em Além de Bem e Mal: cada impulso quer, acima de tudo “descarregar sua própria força” (JGB/BM 13, KSA 5.27). Os valores são a expressão mesma dos impulsos. Essa nova narrativa se desenvolve simultaneamente a uma atenção, cada vez maior, por parte do filósofo, aos chamados “tipos de exceção”, tipos que não estão a serviço da manutenção das condições de vida comuns, nem de um único cálculo utilitário, de uma norma, de qualquer função grupal, mas que atingem um maior vigor ao dar expressão à própria singularidade.

Dito isto, restam ainda algumas questões concernentes, por exemplo, ao suposto consequencialismo de uma ética dedicada ao florescimento de tais “tipos de exceção”, sobre a convivência dos tipos de exceção com os tipos normais, ou ainda, sobre modos de vida possíveis em que a espontaneidade do egoísmo dos impulsos passe por formas potentes de cultivo social. Essas questões nem sempre encontram uma resposta evidente na obra de Nietzsche, mas está bastante claro que ele buscou formular suas próprias questões para além do terreno utilitarista.

Esteticismo e imoralismo

A radicalidade dessa crítica à moral que aí se delineia levou autores como Philippa Foot a entenderem que Nietzsche estaria renunciando a qualquer pretensão normativa no campo da moral a favor de um tipo de esteticismo14 14 Cf. Foot, P., Nietzsche’s Immoralism. In: Moral Dilemmas. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 144-158. . Foot argumenta que Nietzsche critica a moral em razão da universalidade de suas exigências, ou seja, para Nietzsche a moral é um problema porque ela exige que tanto o tipo comum, caracterizado pelo instinto de rebanho, quanto o tipo “superior”, tipo de exceção, se orientem por um mesmo padrão de comportamento, segundo regras de apelo universalizante. Foot ressalta, portanto, a incompatibilidade das exigências universais da moral com o traço perspectivista do pensamento nietzschiano, que pode muito bem ser, de fato, o núcleo de seu imoralismo, se atribuirmos o devido peso a passagens como o prólogo de Além de Bem e Mal, em que Nietzsche aponta a invenção platônica do bem em si como o “pior, mais persistente e perigoso dos erros até hoje” por ser esta uma invenção que nega a “perspectiva, a condição básica de toda a vida” (JGB/BM, Prólogo, KSA 5.11).

Foot destaca, ainda, que por ser insensível ao caráter perspectivístico das formas de vida, a moral teria efeitos especialmente deletérios, efeitos de coação, sobre o “tipo superior”, o “tipo ascendente”. Sua leitura, então, liga a filosofia nietzschiana ao incentivo de um tipo específico de egoísmo: o egoísmo dos grandes homens. E, uma vez que a filosofia nietzschiana se destinaria especialmente a construir, ou ao menos, a desobstruir o caminho do “homem superior”, suas prescrições têm cunho fortemente estetizante porque o “homem superior” seria algo como uma “obra de arte”. Foot então retoma a ideia de que assim como não basta seguir regras para se produzir uma boa obra de arte, assim também não haveria regras para a produção do tipo ascendente, ou seja, aqueles homens mais “fortes, nobres e sutis”. Foot, no entanto, não enfrenta a questão de por que reduzir “forte, nobre e sutil” a valores estéticos, mas toma essa identificação como um pressuposto da filosofia nietzschiana.

Alexander Nehamas, em seu Nietzsche: life as literature, é bastante atento a este ponto: Nehamas ressalta como os processos de conferir estilo ao caráter, parte muito importante da “construção de si” na filosofia nietzschiana, encontra um paralelo apenas metafórico no fazer artístico em geral. Se mantemos em mente que essa é uma relação apenas metafórica evitamos o risco comum, quando se trata das afirmações nietzschianas sobre conferir estilo ao caráter, de colocar demasiada ênfase no estilo e insuficiente atenção ao caráter. O ponto é manter em mente que o material a ser cultivado, o material que chega a constituir um caráter, é uma série de impulsos e disposições que apenas parcialmente ou apenas em certo sentido pode-se dizer que são impulsos estéticos15 15 Ernani Chaves desenvolve uma abordagem bastante apurada da “fisiologia estética” de Nietzsche. Ver Chaves, E., “Considerações sobre o ator: uma introdução ao projeto nietzschiano da fisiologia da arte”. In: TRANS/FORM/AÇÃO – Revista de Filosofia. Marília: UNESP, v. 30 nº 1, 2007, p. 51-63. . Se há um tom esteticista predominante no imoralismo nietzschiano, ele certamente não pode ser acomodado como uma mera substituição de valores morais por valores estéticos tais como o belo. Nietzsche, o filósofo do amor fatti, que sempre falou sobre aceitarmos a fatalidade dos traços que nos constituem, o filósofo que recorreu à atividade artística pra falar da necessidade de acentuar, destacar ou por vezes lançar sombras sobre certos traços de nossa constituição até que possamos ser livres para “não mais nos envergonharmos de nós mesmos”, o filósofo que assumiu a aproximação entre o fazer estético e a criação de conceitos, e que povoou sua vida e sua filosofia com conceitos poderosamente originais, como “inocência do devir”, “além-do-homem”, “vontade de poder”, “espírito de gravidade”, etc., esteve longe de ser o tipo de filósofo que ofereceria um livro de inspiração para belas almas, é claro.

É possível que o mesmo problema se coloque frente aos outros principais conceitos estéticos, quer dizer, pode-se apresentar a possibilidade de uma estética do terrível ou do sublime, que busque acomodar-se melhor com a filosofia da superação, do excesso, que é muito caracteristicamente nietzschiana. Mas ainda assim, se tentamos retraduzir a parte normativa da filosofia nietzschiana em termos inteiramente estéticos, corremos o risco de perder um ponto fundamental do imoralismo, que é seu fim terapêutico. O que está em jogo aqui, ao que parece, é mais do que a tentativa de dar forma (bela, sublime, etc.) aos impulsos que herdamos, é realmente a tentativa de libertá-los de um tipo de sofrimento específico, que é o sofrimento advindo do modo moral de gerir os impulsos. Aqui o vocabulário da saúde, de que Nietzsche se vale tantas vezes, parece muito mais apropriado que o vocabulário das artes. Há dúvidas sobre o alcance dessa prática terapêutica; a questão “quem pode se libertar do sofrimento?” encontra uma resposta muito apressada com “somente os tipos de exceção”, os “grandes homens”, “os espíritos artísticos fortes” - talvez esta seja uma resposta equivocada mesmo no que diz respeito às evidências textuais.

Virtudes

Para além desse ponto sobre o esteticismo, que vou retomar adiante, há um outro ponto importante na crítica de Foot a Nietzsche, que é a sugestão de que Nietzsche visava renunciar também a qualquer discurso sobre a virtude. Bom, essa afirmação parece encontrar muitas evidências contrárias numa obra que inclui Assim falou Zaratustra e Além de Bem e Mal. Por outro lado, as recentes tentativas de harmonização da filosofia nietzschiana com uma ética das virtudes merecem um olhar mais demorado.

A princípio poderíamos encontrar uma série de pontos de contato entre Nietzsche e uma ética das virtudes de inspiração aristotélica, principalmente no que diz à valorização da excelência e a ênfase no “florescimento”; da mesma forma, a visão de que o cenário dessa conquista ou aprendizagem da virtude é um contexto pessoal e comunitário confere certa flexibilidade ao tipo de vida virtuosa que se desenvolverá em cada pessoa e em cada ethos, inviabilizando exigências de teor universal, o que parece se acomodar bem com as indicações nietzschianas. Além disso, Aristóteles concebe o prazer não como um fim em si, mas como uma espécie de “fenômeno concomitante” agradável, um reforço positivo que tende a acompanhar a ação virtuosa, um ponto de vista bastante sofisticado sobre o valor do prazer, em consonância com a visão do próprio Nietzsche.

À primeira vista, uma ética das virtudes de inspiração aristotélica parece ser uma boa alternativa às opções cristãs, sejam elas a ética deontológica kantiana ou as éticas de inspiração utilitarista. Seu ponto de partida não é qualquer tipo de autoridade metafísica, nem a universalidade do dever, mas a própria atratividade da virtude; seus corolários básicos não são o prazer e a utilidade para a maioria, mas a excelência e o florescimento individuais.

Quando Nietzsche fala da virtude, geralmente a associa a um imaginário da abundância e do transbordo de forças. Parece bastante claro que o que interessa a Nietzsche no ato virtuoso é especialmente o fato de ele ser expressão da intensificação das atividades vitais. As virtudes nietzschianas não se prestam, em absoluto, a um cálculo de utilidade, elas absolutamente não cumprem uma função. Vale lembrar o discurso de Zaratustra sobre a virtude dadivosa, que, assim como o ouro, teria adquirido o mais alto valor, e seria a mais alta virtude, por ser “incomum, inútil, reluzente e de brilho suave; por sempre se dar”. Dizer que o ato virtuoso é inútil não equivale a dizer, é claro, que ele é inócuo; o virtuoso simplesmente descarrega sua força no mundo e assim age como um vetor transformador, mas principalmente, o virtuoso é capaz de aumentar a própria vitalidade, de modo que o ato virtuoso é portanto extremamente autointeressado16 16 Christine Swanton aponta corretamente um tipo de consequencialismo qualificado em Nietzsche, ao notar que sua filosofia expressa um tipo de compromisso com certos valores, em geral, valores afirmativos da vida, mas também indica que tais valores devem ser alcançados por meio de atos que sejam, eles mesmos, expressão de criatividade e de forças refinadas. SWANTON, C., Virtue Ethics: a puralistic view. New York: Oxford University Press, 2003, p. 2. . Este último aspecto está muito claramente formulado no seguinte fragmento póstumo:

As maneiras de pensar benévolas, solícitas e bondosas não são honradas por causa da utilidade que parte delas, mas, antes, porque são estados de alma ricos, [dos] que podem ser pródigos e portam seu valor como sentimento de plenitude de vida. Observem-se os olhos dos benfeitores! Trata-se do contrário da autonegação, do ódio em relação ao moi, do “pascalismo” (Nachlass/FP 10[125], 1887, KSA 12.529)

Uma incursão no tema das virtudes em Nietzsche pode nos ajudar a entender melhor os aspectos de seu pensamento que possivelmente deram ensejo a interpretações esteticistas, se considerarmos, por exemplo, que a virtude surte um efeito análogo ao efeito estético ou artístico. Ou seja, assim como a arte, o ato virtuoso tonifica e engaja as potências vitais. Nietzsche tinha uma palavra especial para esse efeito: Rausch, que está próximo do termo inglês rush, sugerindo aceleração (no caso, aceleração de toda atividade orgânica) e se liga ao campo semântico da velocidade, instantaneidade, irrupção, êxtase e mesmo precipitação. Rausch se opõe aos estados letárgicos. Vale notar, brevemente, que os estados letárgicos podem também ser induzidos por um certo tipo de arte, as artes moralizantes e decadentes, que Nietzsche recorrentemente associa ao vício17 17 O tema da decadência estética como decadência fisiológica é desenvolvido principalmente nas últimas obras de Nietzsche: O Caso Wagner, Nietzsche contra Wagner e Crepúsculo dos Ídolos. Cf. Ernani Chaves, 2007. . Nessa analogia entre ética e estética conduzida pela noção de Rausch, devemos destacar que a ação virtuosa, assim como as atividades de criação e apreciação estética, são pensadas por Nietzsche como estados fisiológicos em que se goza de uma superabundância de força. Veja-se o apontamento de Richardson sobre este ponto:

Frequentemente parece que Rausch é simplesmente o “sentimento de poder” ele mesmo. CI.ix.8: “O que é essencial nesse Rausch é o sentimento de força aumentada e completude”. Isto conecta Rausch à mais importante noção explanatória e avaliativa de Nietzsche, o poder. No Rausch o organismo sente sua capacidade de atingir um pico, e sente prazer nessa potência elevada. Tais capacidades são impulsos para agir no mundo, e no Rausch o agente se sente “transbordante” de capacidades, pois elas irrompem para adaptar as coisas a si mesmo. É por induzir esse Rausch que a arte é o “grande estímulo à vida” (CI.ix.24) (Richardson, 2004RICHARDSON, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004., p. 230)18 18 Richardson cita dois trechos de Crepúsculo dos Ídolos: GD/CI, cap. IX “Incursões de um Extemporâneo”, 8 e 24, KSA 6.116,127. .

Richardson não desenvolve exatamente esta aproximação entre Rausch e virtude que propomos aqui, mas sua reconstituição parece nos dar espaço o bastante para traçar esse paralelo, principalmente porque Richardson ressalta o Rausch como um ímpeto de transformação, um engajamento das funções vitais em atividades de elaboração ou idealização, embelezamento e aperfeiçoamento dos objetos de interesse. Richardson lembra que

criar arte - no nosso sentido estrito de criar uma 'obra de arte' das belas artes - é apenas uma forma dessa atitude [a atitude Rausch ou que envolve Rausch]. Há formas cotidianas de Rausch, e há também formas muito mais grandiosas que as belas artes, na visão de Nietzsche: ele pensa na criação de valores, criação de práticas, criação de sociedades. (Richardson, 2004RICHARDSON, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004., p. 232)

Enquanto elemento da criação de valores, práticas e criação de sociedades, Rausch se conecta com a esfera da eticidade. Uma filosofia associada ao Rausch se refere frequentemente a possibilidades infinitas de intensificação, e muitos arranjos possíveis de acordo com as diferentes perspectivas. A experiência de Rausch expressa as condições, interesses e impulsos que configuram cada perspectiva. Cada organismo é composto por impulsos ou arranjos de impulsos singulares, que determinarão os objetos ou condições capazes de dar ensejo a essa excitação das suas funções vitais. Se Rausch pode ser pensado como uma forma excelente de experimentar a intensidade da própria força, seria o caso então de ver como esse conceito pode nos ajudar a pensar um tipo específico de egoísmo, um tipo que Nietzsche identifica com o egoísmo sadio.

Esse tipo de egoísmo é assim resumido por Richardson:

O organismo sadio é aquele que busca o que é melhor para si - melhor segundo os valores inscritos em seu design natural. Ademais (…) isso depende de que cada impulso do organismo persiga unilateralmente e “egoisticamente” suas próprias metas - ao invés de se constranger para cooperar com outros impulsos. De modo que o organismo sadio é uma síntese egoísta de muitas partes egoístas, que são suas disposições (Richardson, 2004RICHARDSON, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004., p. 181)

Podemos pensar os estados de Rausch como um estado de irrupção do egoísmo dos impulsos, impulsos que não se “resolvem” nem se domesticam, mas se mantêm em máxima tensão uns com os outros. Os caminhos interpretativos que levantamos até aqui sugerem, portanto, que Nietzsche propõe algo como um cultivo de virtudes promotoras de estados de Rausch, estados este que trazem em si algo do egoísmo espontâneo dos mecanismos pulsionais. Essa leitura, no entanto, traz uma série de problemas.

O primeiro deles é que ela parece atribuir à filosofia nietzschiana um tipo de retorno à natureza dos instintos e impulsos, e com isso um tipo de laisser aller dos impulsos contra o qual Nietzsche adverte explicitamente em várias passagens. Vale lembrar que nossos impulsos atuais são resultado de um longo processo de seleção natural e social, de modo que seus mecanismos de fixação poderiam ser objeto de uma “genealogia” tanto quanto nossos valores morais. Por outro lado, essa valorização de um tipo de “retorno à natureza” é textual, de fato, embora acompanhada de um alerta quanto à especificidade de seu sentido: “Também eu falo de ‘retorno à natureza’, embora não seja realmente um voltar, mas um ascender - à elevada, livre, até mesmo terrível natureza e naturalidade, uma tal que joga, pode jogar com grandes tarefas” (GD/CI, Incursões de um Extemporâneo, 48, KSA 6.150). Se a natureza não é algo a que se pode “voltar”, mas algo a que se tem que “ascender”, entende-se a necessidade de algum tipo de trabalho de cultivo, com tudo o que ele envolve de contenção, sublimação, hierarquização e medida.

A máxima tensão entre Dioniso e Apolo, representando a máxima tensão entre a irrupção dos impulsos e a criação de forma, apontada na obra de juventude como a maior realização grega, é novamente invocada em Crepúsculo dos Ídolos - aqui, Dioniso é associado a um estado em que “todo o sistema afetivo é excitado e intensificado: de modo que ele descarrega de uma vez todos os seus meios de expressão” e à “incapacidade de não reagir (de forma semelhante a determinados histéricos, que também a qualquer sinal adotam qualquer papel)” (GD/CI, Incursões de um Extemporâneo, 10, KSA 6.117), logo adiante, esse estado (patológico) de reação compulsiva é contraposto ao estado do homem forte que não reage porque pode não reagir (GC/CI, Incursões de um Extemporâneo, 11, KSA 6.118). Isso aponta, claro, para a necessidade de uma espécie de contrapeso para o dionisismo dos afetos. E como Nietzsche já deixou claro anteriormente, (M/A, 109, KSA 3.96), um afeto só pode ser dominado por outro afeto. Paul Van Tongeren nota que o ideal nietzschiano de cultivo de uma “medida” não se traduz numa regra fixa e de alcance universal, mas consistiria num ideal de máxima tensão entre os afetos:

Nietzsche fala sobre “o prazer de manter a medida”. Então ele compara esse prazer com “o prazer do cavaleiro em um cavalo fogoso!” O cavaleiro é tanto melhor na medida em que consegue montar os cavalos mais fogosos. E o melhor cavaleiro não irá exatamente reduzir as forças de seu cavalo, mas antes estimulá-las enquanto as mantém sob controle. O ideal não é o controle, mas a maior multiplicidade e intensidade das forças que ainda estão sob controle. Em outras palavras, o ideal é ser apto a suportar uma tensa pluralidade sem reduzi-la nas linhas de um ideal ascético e sem a fraqueza do “laisser-faire” da falta de medida (pós-) modernista. (Van Tongeren, 2002VAN TONGEREN, P. “Nietzsche's Greek Measure”. In: Journal of Nietzsche Studies, No. 24, Penn State University Press, 2002, p. 5-24 ., p. 22, tradução livre)

Parece correto dizer, portanto, que há um ideal nietzschiano de medida que é flexível o bastante para comportar as experiências de Rausch, ou mesmo que encontra sua maior realização justamente em certas experiências de Rausch. Ainda que este ideal não se define por uma regra fixa e universal, mas teria uma aplicação relativa a cada perspectiva. É preciso que cada pessoa, época e cultura encontrem sua própria medida na relação agônica entre os diversos impulsos e valores que as compõem, o que envolveria um intenso trabalho de autoconhecimento por parte dessas pessoas, épocas e culturas, como Nietzsche deixa claro em várias ocasiões. Mais do que isso, uma vez encontrada essa medida, deve-se sempre evitar o risco de seu enrijecimento; a medida buscada por Nietzsche deve ser capaz de constantemente assimilar e manter-se em tensão com a desmedida (o elemento dionisíaco), de modo que, uma vez encontrada, ela deve ser continuamente superada, alargada, para que continuamente suporte os mais altos graus de conflito e expressão de afetos; os alertas de Nietzsche neste sentido evitam o dogmatismo da medida (Van Tongeren, 2002VAN TONGEREN, P. “Nietzsche's Greek Measure”. In: Journal of Nietzsche Studies, No. 24, Penn State University Press, 2002, p. 5-24 .). A medida seria algo que emerge do próprio contato conflituoso com o outro, quer se trate de um outro afeto, ou uma outra pessoa, ou uma outra cultura ou grupo. Trata-se, portanto, de um ideal de medida mutável e relativo a cada perspectiva. Paul Van Tongeren aponta que o próprio Nietzsche coloca seu ideal de medida numa relação de emulação e agonismo com outros ideais de medida, com destaque, é claro, para o ideal grego:

Mas apesar de Nietzsche certamente admirar a virtude grega da medida, ele não irá simplesmente repeti-la. A característica extensão e intensificação da pluralidade na cultura contemporânea, bem como a forma na qual essa pluralidade está ameaçada hoje em dia pela predominância sem precedentes da cultura cristã, democrática, europeia, implica que Nietzsche tem que superar os gregos, da mesma forma como os estudiosos e artistas da Renascença o fizeram. (Van Tongeren, 2002VAN TONGEREN, P. “Nietzsche's Greek Measure”. In: Journal of Nietzsche Studies, No. 24, Penn State University Press, 2002, p. 5-24 ., p. 20, tradução livre)

Organizando algumas linhas de interpretação que levantamos até agora, seria possível dizer que Nietzsche se contrapõe à moral ao propor uma relação virtuosa com os impulsos e afetos de modo a recuperar algo de seu egoísmo espontâneo e sua força de irrupção e êxtase vivenciada nas experiências de Rausch. Paradoxalmente, a conquista da virtude estaria ligada ao cultivo de uma medida que permitiria um tipo de “retorno à natureza”, que entendemos aqui como um tipo de retorno ao egoísmo espontâneo dos impulsos. O ser virtuoso é aquele que, mediante intenso trabalho de cultivo e disciplina, pode se permitir a liberdade dos impulsos. Com isso podemos dizer que se encontra em Nietzsche algo como uma ética das virtudes? Ao que tudo indica, não.

Em primeiro lugar porque, diferente de Aristóteles e outros pensadores, Nietzsche não oferece nada parecido com um sistema acabado do que seria sua “ética”. O tema da virtude irrompe em alguns contextos de sua filosofia e de sua confrontação com a moral, mas frequentemente acompanhado de advertências contra a virtude. Assim, são conhecidas as exortações nietzschianas no sentido de “não se deixar escravizar pelas próprias virtudes”, ou a afirmação surpreendente de que “é uma medida de força, o quanto se está apto a livrar-se da virtude” (Nachlass/FP, 10 [45], 1888, KSA 12.476), ou ainda a ideia de que “toda virtude tende à estupidez e toda estupidez à virtude” (JGB/BM, 227, KSA 5.162). O trato com as virtudes seria regido pela máxima “tornar-se senhor de suas próprias virtudes”, que soa bastante paradoxal e totalmente estranha ao ambiente das éticas antigas. Nietzsche dá indícios de que, diferentemente de Aristóteles - na verdade, diferente de qualquer possível defensor de uma ética das virtudes - ele não identifica a vida virtuosa com a “vida boa”.

Paul Van Tongeren nota que o capítulo de Além de Bem e Mal aparentemente dedicado ao tema das virtudes começa com uma interrogação: “Nossas virtudes?” - em um aforismo que levanta a questão sobre, caso ainda tenhamos nossas virtudes, quão semelhantes elas seriam às virtudes de nossos antepassados. Em sua reconstituição da argumentação nietzschiana nesse capítulo, Van Tongeren aponta que Nietzsche, ao invés de oferecer uma lista ou definição das virtudes que sobreviveriam à passagem para uma era pós-moral, parece narrar, pelo contrário, a tragédia da “autossupressão” das virtudes. Incapazes de crer na virtude com a boa consciência de nossos antepassados, os “primogênitos” da era pós-moral estariam fadados a submeter suas virtudes a um escrutínio fatal para as próprias virtudes (Van Tongeren, 2016VAN TONGEREN, P., Nossas Virtudes. Cadernos Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v. 37, n.1, 2016, p. 219-241.).

Considerações finais

Esses traços desconstrucionistas da filosofia nietzschiana tornam bastante complexa a tarefa de localizar a “contrapartida positiva” de sua crítica à moral. As tentativas neste sentido passam pela distinção de diferentes sentidos de “moral”, dentre os quais haveria uma “moral no sentido pejorativo” (Leiter); ou ainda, distinguir a “moral” como uma determinada interpretação do vasto domínio da “ética”, distinção proposta por Bernard Williams sob suposta inspiração nietzschiana, e aplicada ao próprio Nietzsche na interpretação de Maudemarie Clark. Segundo essa interpretação, Nietzsche denuncia a sobrecarga de conteúdos morais nas éticas contemporâneas. Se por “moral” devemos compreender uma dada interpretação da vida ética, hegemônica no mundo moderno, então não haveria maiores dificuldades em atribuir a Nietzsche compromissos com um tipo de normatividade prática não moral. O problema é que não estão claros os termos exatos dessa nova normatividade nietzschiana, e isso contrasta com a clareza com a qual ele ataca praticamente qualquer alternativa disponível: utilitarismo, deontologia, virtudes, etc. Mesmo assim, é bastante evidente também que Nietzsche toma para si a tarefa de reavaliar os valores, ocasionalmente atribui diferentes valores a diferentes virtudes, etc., emitindo juízos sobre a sanidade ou insanidade de uma série de valores, práticas, etc., em suma, é bastante claro que ele não se furta a exercícios filosóficos que parecem subentender algum tipo de “normatividade”.

Ao que parece, um enfrentamento dessa questão deve passar por uma consideração menos apressada do fato de que Nietzsche reivindica para si o título de “imoralista”, de “primeiro imoralista”. Não “zaratustrista”, nem “esteticista”, nem qualquer outro título que aponte para uma nova ética de alguma forma completa, como se esperaria. “Imoralista”: uma das razões pelas quais Nietzsche insiste nesse título é provavelmente o diagnóstico de que a guerra contra a moral ainda não foi vencida! Pelo contrário, a “morte de Deus” é ainda uma ocasião de aprofundamento do ideal ascético, segundo Nietzsche, e os próximos dois séculos assistiriam ao desenrolar do embate do ideal ascético contra si mesmo. Nietzsche insiste muito nesse diagnóstico, na ideia de que a guerra em curso contra a moral não pode ser subestimada, e na denúncia de formas sub-reptícias de sobrevivência do ideal ascético na modernidade. Por isso mesmo, Nietzsche talvez acredite que não haja espaço para se propor um sistema ético radical e autenticamente novo; a total contaminação da esfera ética pelos valores morais impediria a possibilidade de aderir a apenas um dos polos moral-ética. As afirmações sui generis de Nietzsche no que diz respeito à virtude, inclusive, não podem ser compreendidas sem remissão aos efeitos desse contexto pós-cristão que é o lugar de fala do filósofo, que absorveu desse contexto o pessimismo antropológico e uma postura maquiavélica de flexibilidade frente às exigências da virtude.

Conquanto não seja fácil identificar o sentido completo de uma “nova ética nietzschiana”, é possível identificar as linhas mestras de seu imoralismo. Se por um lado os elementos de uma “ética” nietzschiana são muito vagamente oferecidos ou mesmo negados nos seus textos, por outro lado são abundantes as passagens em que Nietzsche defende um tipo de “experimentalismo” imoralista. O caráter “experimental” desse imoralismo é anunciado em uma série de passagens em que Nietzsche alude ao confronto com a moral como um tipo de “aventura”. Esse experimento parece consistir num continuado exercício de guerra contra a moral, em que alguns expedientes têm presença bastante marcada. O primeiro deles consiste na simples inversão de valores: onde o ideal ascético valorizou o altruísmo, chamar a atenção para o valor do egoísmo, por exemplo; outro expediente consiste na convocação de valores não morais, e que portanto sirvam à tarefa de deflacionar o conteúdo moral na esfera da eticidade - é o caso do apelo a valores estéticos, ou valores associados ao campo da saúde; ainda, a exposição a valores, normas e práticas não cristãs (como as comparações com o budismo e as referências à lei de Manu, no último Nietzsche, que servem ao objetivo de chocar e desestabilizar uma sensibilidade moral recalcitrante, abrindo espaço para a consideração de outras formas de gestão dos afetos); e por fim o sequestro e adaptação de uma série de conteúdos éticos, sejam eles cristãos ou não: valores morais, estéticos, virtudes, e práticas que passam por novas avaliações e ganham novos sentidos no interior da filosofia nietzschiana.

Embora esse experimento não resulte imediatamente em uma nova ética, ele parece ser balizado por alguns compromissos mínimos. Se nos perguntamos de que é feito o motor do imoralismo nietzschiano, seria possível dizer: pelo ideal de afirmação da vida, como antípoda do ideal ascético e pelo valor de liberdade como o antípoda dos valores morais. Liberdade, aqui, compreenderia não um estado de desimpedimento, mas uma atitude de ruptura com as exigências de homogeneidade que estariam no coração da moral. O estado subjetivo a ser buscado por esse experimento, segundo as indicações nietzschianas, teria a ver com uma espécie de “retorno” ou “ascensão” à natureza, realizado pelo cultivo de uma subjetividade capaz de comportar os níveis máximos de tensão entre os impulsos, exprimindo uma espontaneidade reencontrada, e portanto um tipo de “egoísmo dos impulsos”. Ainda, as experiências de Rausch ou engajamento vital seriam um indício de que o experimento se aproxima a um maior grau de vitalidade, e afasta-se dos estados letárgicos tipicamente morais. Por fim, a renúncia de Nietzsche a afirmar qualquer conteúdo universalizante parece exprimir um tipo de absoluto respeito pelas diferentes perspectivas, na medida em que a “perspectiva” seria o “aspecto fundamental” da própria vida.

Isto parece levar a filosofia nietzschiana a um tipo de paradoxo do perspectivismo, devido ao fato de que toda perspectiva normativa tende a se absolutizar, apagando sua relatividade perspectivística. Enquanto Nietzsche combate as exigências universalizantes da moral, permanece em aberto a questão sobre a possibilidade de um sistema de valores efetivamente capaz de renunciar a essa expansão universalista. Esta é uma questão que merece maior elaboração. De todo modo, as considerações expressas neste artigo apontam para a resistência de Nietzsche em resolver o problema substituindo o sistema moral por qualquer outro sistema avaliativo final. Ao que parece, a resposta a tais questões resultaria do experimento imoralista ainda em curso.

Referências bibliográficas

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  • VAN TONGEREN, P., Nossas Virtudes. Cadernos Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v. 37, n.1, 2016, p. 219-241.
  • 1
    Cf. MA I/HH I 98, 99, 102, 104, 107, KSA 2.95, 99, 100, 103.
  • 2
    Cf. MA I/HH I 102, 104, KSA 2.99, 100.
  • 3
    Cf. MA/HH 57, 94 a 98, entre outros, KSA 2.76, 91-95.
  • 4
    Cf. Fornari, M. C., “Nietzsche y el darwinismo”. Estudios Nietzsche, nº 8, 2008FORNARI, M. C., Nietzsche y el darwinismo. Estudios Nietzsche, nº8, 2008, p. 91-103., p. 91-103.
  • 5
    Cf. Spencer, H., The Principles of Ethics. Indianapolis, Ind.: Liberty Fund, 1978SPENCER, H., The Principles of Ethics, Indianapolis, Ind.: Liberty Fund, 1978, 2 vols. , 2 vols. Sobre o sentido de progresso em Spencer e sua crítica por parte de Nietzsche ver: Richardson, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004RICHARDSON, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004..
  • 6
    Cf. AC/AC, 14, KSA 6.180; JGB/BM, 62, KSA 5.81; GM/GM III, 13, KSA 5.316; GD/CI, Os “melhoradores” da humanidade, 2, KSA 6.99.
  • 7
    Richardson, 2004RICHARDSON, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004., p. 81-94.
  • 8
    Cf. FW/GC 354, KSA 3.590.
  • 9
    A noção de instinto de rebanho é apresentada em A Gaia Ciência, onde tem-se que: “Moralidade é o instinto de rebanho no indivíduo” (FW/GC 116, KSA 3.474). Ver também a explicação de Richardson: “(...) essa seleção social, por sua própria lógica, favorece um impulso à cópia, i.e., uma disposição para imitar os outros, querer ser e fazer o mesmo que eles. Nisto consiste o ‘meta-hábito’ de aprender hábitos ao copiá-los; trata-se um de produto tão básico e duradouro da seleção social, que se tornou, ele mesmo, um impulso estável.” Richardson, 2004RICHARDSON, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004., p. 86.
  • 10
    Cf. MA I/HH I 33, 57, KSA 2.52, 76; Nachlass/FP 10 [82], 1887/1888, KSA 12.502; Richardson, 2004RICHARDSON, J., Nietzsche's New Darwinism. Oxford University Press: Oxford, 2004.. p. 156-161.
  • 11
    Cf. FW/GC 354, KSA 3.590; JGB/BM 262-268, KSA 5.214-221.
  • 12
    Cf. MA I/HH I 225-229, KSA 2.189-193, 624-638, KSA 2.351-362.
  • 13
    Ou seja, grande parte dos aforismos que desenvolvem uma narrativa sobre a origem da moral, em Humano, é marcada por uma visada utilitarista, ver por exemplo: MA I/HH I 94-98, KSA 2.91-95. Por outro lado, alguns aforismos parecem carregar uma versão embrionária da visão genealógica que Nietzsche desenvolverá posteriormente, de forma que esta seria portanto uma narrativa recessiva no interior de Humano. Para o leitor, resta a impressão de que Nietzsche ainda não estaria suficientemente alerta da tensão entre essas duas narrativas, que aparecem de forma um pouco misturada, por exemplo, em MA I/HH I 96, KSA 2.92, no qual o filósofo parece oscilar, desavisadamente, entre uma visão segundo a qual ser moral é adequar-se a um cálculo tradicional de utilidade e a visão segundo a qual ser moral é adequar-se a uma tradição qualquer, seja ela “racional ou estúpida”. Já MA I/HH I 45, KSA 2.67, destoa significativamente do tom utilitarista que marca o livro como um todo, parecendo avançar o cerne da ideia genealógica que será desenvolvida posteriormente, principalmente porque desenvolve uma narrativa centrada nas relações de poder, e não nas relações de utilidade.
  • 14
    Cf. Foot, P., Nietzsche’s Immoralism. In: Moral Dilemmas. Oxford: Oxford University Press, 2002FOOT, P., Nietzsche’s Immoralism. In: Moral Dilemmas. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 144-158. , p. 144-158.
  • 15
    Ernani Chaves desenvolve uma abordagem bastante apurada da “fisiologia estética” de Nietzsche. Ver Chaves, E., “Considerações sobre o ator: uma introdução ao projeto nietzschiano da fisiologia da arte”. In: TRANS/FORM/AÇÃO – Revista de Filosofia. Marília: UNESP, v. 30 nº 1, 2007, p. 51-63.
  • 16
    Christine Swanton aponta corretamente um tipo de consequencialismo qualificado em Nietzsche, ao notar que sua filosofia expressa um tipo de compromisso com certos valores, em geral, valores afirmativos da vida, mas também indica que tais valores devem ser alcançados por meio de atos que sejam, eles mesmos, expressão de criatividade e de forças refinadas. SWANTON, C., Virtue Ethics: a puralistic view. New York: Oxford University Press, 2003SWANTON, C., Virtue Ethics: a puralistic view. New York: Oxford University Press, 2003., p. 2.
  • 17
    O tema da decadência estética como decadência fisiológica é desenvolvido principalmente nas últimas obras de Nietzsche: O Caso Wagner, Nietzsche contra Wagner e Crepúsculo dos Ídolos. Cf. Ernani Chaves, 2007CHAVES, E., Considerações sobre o ator: uma introdução ao projeto nietzschiano da fisiologia da arte. TRANS/FORM/AÇÃO - Revista de Filosofia, v. 30 nº 1, 2007, p. 51-63..
  • 18
    Richardson cita dois trechos de Crepúsculo dos Ídolos: GD/CI, cap. IX “Incursões de um Extemporâneo”, 8 e 24, KSA 6.116,127.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2017
  • Aceito
    22 Jun 2017
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