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Alfred Fouillée, ‘leitor lido’ de Nietzsche* * Tradução do italiano de Juliana Hass. Tradução do francês de Wilson Atonio Frezzatti Jr.

Alfred Fouillée, “Read Reader” of Nietzsche

Resumo:

Este artigo visa a investigar as críticas que o sociólogo francês Alfred Fouillé faz a Nietzsche acerca de suas concepções morais. Apoiado nos textos de seu enteado, Jean-Marie Guyau, Fouillée contrapõe uma moral do altruísmo ao que entende ser uma moral nietzschiana: individualismo, egoísmo e violência. O texto indica os equívocos da leitura de Fouillée a partir dos próprios comentários de Nietzsche ao sociólogo francês e faz algumas aproximações entre Nietzsche e Guyau.

Palavras-chave:
Fouillée; Guyau; moral; vontade de potência

Abstract:

This article intends to investigate the criticism raised by the French sociologist Alfred Fouillé to Nietzsche related to his moral conceptions. Supported by his stepson´s text, Jean-Marie Guyau, Fouillé opposes an altruism morality to what he understands to be a Nietzschian morality: individualism, selfishness and violence. The text points to errors in Fouillé´s readings based on the very Nietzsche´s comments to the French sociologist and do some approximations between Nietzsche and Guyau.

Keywords:
Fouillé; Guyau; morality; will to power

I

Alfred Fouillée (1838-1912) foi, na França, uma das vozes mais ouvidas de seu tempo. Autor de numerosos volumes, ensaios e artigos, ele é representante de uma filosofia que correspondia plenamente e era consonante com os sentimentos então em voga. Eram os anos de reação ao árido e exíguo positivismo: o primeiro Comte e seu discípulo Littré já estavam longe; o evolucionismo spenceriano, já inclinado às brumas do Incognoscível, era revisitado pela sensibilidade existencialista de Bergson, enquanto o famoso romancista Bourget, com Mensonges (1887) e Le disciple (1889), já havia tomado o caminho de uma psicologia espiritualista e moralizante. Henri Lichtenberger, em seu famoso volume dedicado ao exame do pensamento alemão contemporâneo, observa essa mudança:

E, pouco a pouco, no final do século, o culto à vida se espalhou cada vez mais. A idéia de que a vida, por sua própria essência, por suas energias fundamentais, é algo que é suscetível de "autossuperar-se" sem cessar, de evoluir para formas cada vez mais elevadas, a fé no crescimento não necessário, mas possível do tipo humano, a vontade de participar com todas as suas energias nessa ascensão à potência prevalece cada vez mais entre os modernos. Essas tendências encontraram sua expressão poética e filosófica mais radical e mais característica na doutrina de Nietzsche1 1 Lichtenberger, 1907, p. 306. .

Nesse vislumbre de final de século, Friedrich Nietzsche não podia mais dar sua opinião. Privado do pensamento consciente desde 1889, estava morto no santuário de Weimar em 1900, deixando um legado tão pesado quanto, talvez, inesperadamente alcançado por ele mesmo. Se Nietzsche, nos últimos anos de sua vida filosófica, detestando a obtusidade crassa de seus compatriotas, esperava “retornar ao mundo como francês” e procurava tradutores adequados que o transportassem para o que considerava a “pátria do gosto”2 2 “Simultaneamente à Sua carta, chegou uma de Paris da Sra. Taine, cheia de máxima consideração pelo Crepúsculo dos ídolos, em particular por suas “audaces et finesses”, e com uma exortação muito séria para fazer toda a pergunta da minha notoriedade na França, incluindo os meios para chegar lá, nas mãos de seu amigo editor-chefe do Journal des Débats e da Revue des deux mondes, do qual ele não pode elogiar suficientemente a profunda e livre inteligência, mesmo no que diz respeito à forma, ao conhecimento do alemão e da cultura alemã. No fundo, há anos leio apenas o Journal des Débats. - Na espera da abertura do meu Canal do Panamá pessoal para a França, adiei por um período indeterminado a publicação de novos escritos. Primeiro, devem ser traduzidos os dois livros capitais. Além de bem e mal e o Crepúsculo dos ídolos: deste modo serei apresentado na França” (carta a A. Strindberg, 18 dezembro 1888, KSB 8, 539). Jean Bourdeau - na realidade, um simples editor, cuja figura Nietzsche engrandece no delírio incipiente - será autor de “Frédéric Nietzsche. La religion de la force”, in Bourdeau, 1904, pp. 108-146. , seu breve desejo (“quero ser lido na França; aliás, mais do que isso, preciso disso”3 3 “Quero ser lido na França; aliás, mais do que isso, eu preciso disso. Dado que sou o espírito mais independente e talvez o mais forte que exista atualmente, condenado a realizar uma grande tarefa, não posso absolutamente permitir que limites absurdos, traçados por uma execrável política dinástica de interesses, representada por mentirosos, me impeçam de procurar as poucas pessoas que possam realmente ter ouvidos para mim. E confesso prontamente: procuro-as especialmente na França. Nada mais me é estranho do que aquilo que acontece no mundo espiritual francês: disseram-me que eu, no fundo, escrevo em francês, até onde talvez tenha chegado com a língua alemã, especialmente com o meu Zaratustra, algo que mesmo na Alemanha permanece incomparável” (carta a J. Bourdeau, por volta de 17 de dezembro de 1888, KSB 8, 532ss). ) parece ter sido realizado no início do século. A publicação das obras completas tinha começado em 1898 com Par-delà le bien et le mal e Ainsi parlait Zarathustra, na tradução de Weiskopf, Art e Albert para a Société du “Mercure de France”, enquanto Lichtenberger tinha apresentado o primeiro estudo dedicado completamente ao filósofo alemão4 4 Trata-se de Par-delà le bien et le mal, trad. L. Weiskopf et G. Art, 1898, que foi precedido por duas passagens traduzidas por D. Halévy e F. Gregh em 1892; Ainsi parlait Zarathustra, trad. H. Albert, 1898; H. Lichtenberger, La Philosophie de Nietzsche, 1898. ; vários artigos acerca da personalidade e do pensamento de Nietzsche, publicados na Revue des deux mondes entre 1892 e 1894, tinham constituído o avanço estratégico na França5 5 Cf. Philonenko, 1997. Fouillée publica na Revue des deux mondes três longos artigos (La religion de Nietzsche, La morale aristocratique du surhomme 1901; Les idées sociales de Nietzsche, 1902), cujos temas confluiram depois nos volumes subsequentes. Philonenko, como muitas dos críticos francesas, sustenta que a primeira recepção de Nietzsche na França foi predominantemente literária e que, nos primeiros artigos dedicados ao filósofo alemão, quase nenhum tema especulativo é tocado, se não banalizando-o: “O que resta do Nietzsche evocado por esses estudos? Quase nada, exceto - e isso é importante - uma certa imagem do pensador de Sils-Maria tal como foi apreendida na Belle Époque. Não se pode dizer que esses estudos [...] inspiram a admiração a Nietzsche, mas surge um sentimento muito claro: Nietzsche foi considerado um pensador com o qual era necessário contar” (Philonenko, 1997, p. 31). . “Ele se tornará logo, na França, tão familiar àqueles que pensam quanto ele é na Alemanha”, previa Jean Bourdeau em 19046 6 Bordeau, 1904, p. 131. Para as relações de Nietzsche com a cultura francesa, veja o estudo exemplar de Campioni, 2001; sobre Bourdeau, em particular cap. III, § 4. Cf. também Le Rider, 1999 e Bianquis, 1929. .

Em 1902, Fouillée também publicava seu volume sobre Nietzsche: Nietzsche et l’immoralisme era uma contribuição, sentida e necessária, para a estigmatização de uma filosofia que os contemporâneos consideravam excessiva e perigosa. Uma “filosofia perversa” que, segundo Bourdeau, “exalta o egoísmo exasperado e a energia imoralista”, e, para Raphaël Cor7 7 Cf. Cor, 1912. Também Fouillée, em seu livro sobre Nietzsche, dedica um capítulo inteiro a L’immoralisme et l’individualisme absolu de Stirner. , estreitamente relacionada ao individualismo stirneriano, a filosofia de Nietzsche deve ser contida, especialmente em seu caráter subversivo da ordem social. O moralismo com o qual, nesses primeiros anos, se leu na França a teoria do além-do-homem e, acima de tudo, a vontade de potência tem como consequência “uma vulgarização que tem a aparência de um equívoco e de um exorcismo”8 8 Campioni, 2001, p. 81. Quanto a Der Wille zur Macht, circulava então na França a edição do Nietzsche-Archiv de Weimar, organizada por P. Gast, E. e A. Horneffer (Leipzig, Naumann 1901), traduzida em 1903 por H. Albert para o Mercure de France. La volonté de puissance (ed. Wurzbach, 1922) foi publicada pela Gallimard apenas em 1935. .

Fouillée declara ter encontrado as doutrinas de Nietzsche quando trabalhou na Morale des idées-forces, que foi publicada em 1907. O fascínio e a sedução do filósofo de Zaratustra são indubitáveis e representam “uma questão preliminar levantada antes de qualquer trabalho moralista”. Mas, precisamente por esse motivo, é necessário conter o sucesso (“que foi antes de tudo um verdadeiro escândalo para muitos filósofos profissionais”) de uma doutrina “fortemente individualista e aristocrática”,

uma doutrina que acusa não somente a teologia, mas a moral, de ser a verdadeira causa da corrupção ou da “décadence” humana, o verdadeiro impedimento ao progresso da espécie por meio dos indivíduos superiores, uma doutrina que, assim, se coloca como “immoralismo” e pretende que aquilo que prevalece “sob os nomes mais sagrados”, e inclusive como “virtude”, são “valores de declínio e de aniquilamento”9 9 Fouillée, 1902, pp. I-IV passim. .

De acordo com Fouillée, o sucesso de Nietzsche, esse “ídolo exótico”10 10 Bourdeau, 1904, p. 123. , deve-se a causas contingentes: em primeiro lugar, o escrito aforismático, adaptado para um público que não tem “nem tempo nem meios para aprofundar algo e que confia prontamente em páginas sibilinas, sobretudo se elas são poéticas ao ponto de lhe parecer inspiradas”; em segundo lugar, seus paradoxos aparentemente singulares, que dão “a ilusão lisonjeira da originalidade”11 11 “A própria ausência de raciocínio e de prova regular empresta ao dogmatismo negador um ar de autoridade que se impõe à multidão de semi-instruídos, literatos, poetas, músicos, amadores de todos os tipos” (Fouillée, 1902, p. IV). .

A falta de originalidade, na análise de Fouillée, é precisamente um dos principais defeitos da filosofia nietzschiana. Segundo o sociólogo francês, Nietzsche não faria nada além de reproduzir, em hábitos inspirados e poéticos, aquilo que já pertencia aos estoicos e epicuristas, a La Rochefoucauld e Helvétius, a Proudhon, Renan, Taine e até aos moralistas ingleses, a quem Nietzsche tanto mostra desprezar (entre outros, “ele sofreu também a influência de Gobineau, pelo qual ele manifestou - como Wagner - um verdadeiro entusiasmo”12 12 Fouillée, 1902, p. IX. Também para Bourdeau (1904, p. 128): “Se, entretanto, nós despojarmos Zaratustra de seu traje oriental, de seu esplêndido cenário de mar e de montanhas, digno de provar o pincel de um Gustave Moreau, encontramos nele os antigos conhecimentos. Zaratustra tem a mesma linguagem que: os filósofos cínicos da Grécia antiga, negadores da civilização de sua época; Platão, quando ele sonhava para sua República uma casta nobre de guerreiros; Maquiavel, quando ele concilia a scelleratezza et a virtù; de Maistre, quando ele proclama a virtude mística da guerra, a necessidade do sangue derramado para o florescimento das obras-primas. É um tipo de lugar comum romântico proclamar os direitos do gênio, exaltar a má vontade e, como escárnio do burguês, buscar nas prisões os homens, os melhores, aqueles cuja bravura e audácia, em meio à nossa civilização nervosa, não puderam encontrar uma saída a não ser no crime”. ). Mas, em particular, a própria concepção fundamental da vida intensa e expansiva já tinha tido seu precursor, bem como no próprio Fouillèe, em Jean-Marie Guyau: espírito nobre que, ao contrário do filósofo alemão, tinha suscitado ideias aparentemente semelhantes a uma dignidade moral muito diferente.

Fouillée salienta uma curiosa coincidência:

Sem saber, Nietzsche, Guyau e eu mesmo, nós três, tínhamos vivido ao mesmo tempo em Nice e em Menton. Guyau não tinha o menor conhecimento do nome e dos escritos de Nietzsche; Nietzsche, ao contrário, conhecia Esquisse d’une morale sans obligation ni sanction e L’irréligion de l’avenir, livros que ele talvez comprou (bem como Science sociale contemporaine [de Fouillée]) na livraria Visconti, em Nice, onde os intelectuais frequentavam de bom grado, folheando e pegando os volumes novos13 13 Fouillée, 1902, p. II. Na realidade, Nietzsche já havia comprado o Esquisse de Guyau (datado de 1885) em novembro de 1884 e, de acordo com o recibo do livreiro Alfred Lorentz de Leipzig, ainda preservado, teve o volume enviado para Menton, na Pension des Étrangers. Nietzsche permaneceu em Nice por cinco invernos consecutivos (do outono de 1883 à primavera de 1888) e era efetivamente frequentador da Livraria Visconti, que então dispunha de uma sala de leitura e um serviço de empréstimo internacional. Cf. Ponton, 1997, pp. 123-33. Fouillée, acompanhado pelo jovem Guyau, em 1875, também transferiu-se para a costa por problemas de saúde: um deslocamento de retina ameaçava sua visão e lhe dava dores de cabeça contínuas e violentas. .

De fato, na biblioteca de Nietzsche, estão preservadas L’irréligion de l’avenir (Paris, F. Alcan, 1887) e a Science sociale contemporaine (Paris, Hachette et C.ie, 1880)14 14 Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction ( 1885 ), ao contrário, foi perdido. No entanto, Fouillée tinha tido a oportunidade, por Elisabeth Förster-Nietzsche, de copiar as “principais” marginálias ainda inéditas, que publicou em apêndice na sua tradução alemã do Esquisse (Sittlichkeit ohne "Pflicht". Ins Deutsche übersetzt von Elisabeth Schwarz. Mit einer für die deutsche Ausgabe verfaßten biographischkritischen Einleitung von Alfred Fouillée und bisher unveröffentlichten Randbemerkungen Friedrich Nietzsches, Leipzig 1909). Não está claro por que Förster-Nietzsche não deu a ele a possibilidade de ver as glosas nas margens da Irreligion, nem aquelas - que sem dúvida lhe interessavam mais - de La science sociale contemporaine (cf. Fouillée, 1902 , p. III, nota). Igualmente infeliz é o neto de Fouillée, Augustin Guyau, que dez anos mais tarde ainda lamenta: “Seria muito interessante ter as anotações de Nietzsche sobre Science sociale contemporaine e sobre as outras obras de Fouillée que ele poderia ter […] Infelizmente, o exemplar que Nietzsche possuia de Science sociale contemporaine e também aquele que ele possuia de l’Irreligion de l’avenir foram confiados a um encadernador tão ininteligente quanto minucioso; esse homem apagou parcialmente as anotações e parcialmente as cortou para deixar as páginas do mesmo tamanho. O editor que publica as obras de Nietzsche ainda não pode reconstituir essas notas que possuim, ao que parece, um grande interesse” ( A. Guyau, 1913 , p. 142 nota). , ricas em grifos e glosa nas margens: mas Fouillée certamente não poderia imaginar - embora estivesse ciente do interesse do filósofo em seus escritos - do alcance e da importância da relação que Nietzsche tinha mantido com as teorias sociológicas dele e de seu jovem pupilo15 15 Fouillée faz parte do “curioso caso desses franceses, contemporâneos do filósofo, que falaram da relação dele com a França e das fortes influências que reconhecem que ele recebeu dela, mas que ignoram que eles próprios contribuíram, de uma maneira ou outra, com a elaboração da trama dos textos dele (Faguet, De Roberty, Brunetière, Fouillée, Bourdeau, etc.)” (Campioni, 2001, p. 2). Para os livros conservados na biblioteca pessoal de Nietzsche (BN), ver o catálogo: Nietzsches persönliche Bibliothek, hrsg. v. G. Campioni, P. D’Iorio, M. C. Fornari, F. Fronterotta und A. Orsucci, unter Mitarb. v. R. Müller-Buck, Berlin/New York, de Gruyter 2003. . A análise de Fouillée, como a dos leitores contemporâneos de Nietzsche, se mostra, na verdade, bastante superficial16 16 Embora seja indubitavelmente certo o destaque de Laurent Fedi (2007, p. 118): “Certamente, podemos julgar sua leitura superficial em relação aos ganhos que nós dispomos após um século de comentários e de trabalhos de erudição. Mas avaliar retrospectivamente as críticas de Fouillée a Nietzsche em termos de uma interpretação supostamente adquirida parece metodologicamente menos pertinente do que remontar, por meio de uma leitura interna, o princípio de divergência que funda, em uma determinada disputa de pensamento, tais críticas”. . A “metafísica da potência” assume facilmente uma conotação “amoral” (ou, melhor dizendo, imoral); a psicologia nietzschiana, entendida por Fouillée como uma exaltação dos mais baixos instintos, inverte a ordem natural das coisas, colocando no lugar de uma meia-verdade (“não há nenhuma manifestação do ser, da vida, do pensamento e do amor que não envolva a potência”) uma falsidade perigosa: “fazer tudo se encaixar numa só fórmula: Macht auslassen [expandir potência], isso é sem dúvida violentar a verdade, mas é também violentar o cérebro do leitor, é o caso de repetir: ‘Violenti rapiunt illud’”17 17 Fouillée, 1905b, p. 217. E Macht auslassen é o que Nietzsche anota nas margens desta passagem de Guyau: “Quando sentimos, por exemplo, um prazer artístico, não queremos ser os únicos a usufruí-lo. Queremos que o outro saiba que existimos, que sentimos, que sofremos, que amamos. Queremos rasgar o véu da individualidade” (J.-M. Guyau, 1885, p. 21. O grifo é de Nietzsche). NT-WF: Mateus 11.12: regnum caelorum vim patitur et violenti rapiunt illud (o reino dos céus adquire-se à força, e são os violentos que o arrebatam). .

Como se sabe, a “vontade de potência”, analisada do ponto de vista psicológico, é colocada por Nietzsche no lugar da tão elogiada “felicidade individual”: o ser vivo não aspira à felicidade, mas “à potência, a algo a mais na potência” e, acima de tudo, tende a subverter os estados alcançados de equilíbrio de forças. O dinamismo vital ao qual ele chega indubitavelmente contrasta com o mecanismo da adaptação ao milieu (em particular o spenceriano), ao qual Nietzsche reprova por negligenciar a força ativa e espontânea do organismo para lidar exclusivamente com seu componente reativo18 18 Fouillée acusa Nietzsche de incoerência, quando este define “a atividade imanente, que é a vida, ‘uma vontade de potência e de dominação’. A dominação não é nada mais, na nossa opinião, que uma adaptação dos outros a si, que um mecanismo derivado e secundário, uma espécie de mal menor que se utiliza porque se é obrigado a isso diante de uma resistência. Dado como ponto de partida a justa objeção que fizera a Spencer, Nietzsche transformará em um grande erro, com sua arte habitual, a verdade que ela continha”. Em suma, “a partir de que toda atividade encontra resistência, Nietzsche concluiu não apenas que ela é trabalho e luta, mas que ela é luta contra as outras, o que constitui o mais manifesto paralogismo. Os casos de antagonismo entre uma atividade e outras são sem dúvida numerosos, mas eles não são todos os casos possíveis ou reais de atividade. Além disso, ao invés de constituir a base mesma da atividade, o combate é apenas uma limitação exterior. Não valeu a pena levantar-se contra Darwin para no final ser mais darwinista que o próprio Darwin” (Fouillée, 1902, p. 78 e p. 81). . Do mesmo modo, Nietzsche sempre criticou um suposto instinto de autopreservação, opondo-se à expansão da potência, típica da vida, o conatus sese conservandi de marca espinosana, indicando significativamente a base do utilitarismo inglês19 19 Cf. Nachlass/FP 1884, 26[280], KSA 11.223-224, e 1888, 14[121], KSA 13.300-301; e JGB/BM, 13, KSA 5.27-28. :

Querer preservar a si mesmo é a expressão de um estado extremamente doloroso, de uma limitação do verdadeiro instinto básico da vida que tende a uma expansão da potência e, muitas vezes, questiona e sacrifica, neste seu querer, a autopreservação. [...] A luta pela vida é apenas uma exceção, uma restrição temporária da vontade de viver; a grande e pequena luta gira, em todo lugar, em torno do prevalecer, do crescer e do expandir-se, em torno da potência, de acordo com a vontade de potência que é precisamente a vontade de vida20 20 Fouillée atribui essa posição à influência do biólogo Wilhelm Rolph (de quem Nietzsche possuía Biologische Probleme, 1882), cuja “tendência fundamental do ser como ‘insaciabilidade’” Nietzsche propõe como “vontade de potência”. . (FW/GC, 349, KSA 3.585-586)

Fouillée está disposto a admitir essa perspectiva vitalista: aliás, ele alega a ter promovido já desde a sua juvenil La liberté et le determinisme (1872), cujos passos largos testemunhariam uma forte consonância de pontos de vista21 21 Cf. Fouillée, 1905b, pp. 213-17. . O que Fouillée critica duramente é o caráter violento e dissipador da Wille zur Macht nietzschiana: a expressão de uma potência agressiva e superadora, que nega a possibilidade de todo altruísmo natural e o valor superior de todo bem moral. Nietzsche, que “distorce e falsifica as análises contidas em Liberté et le déterminisme para lhes dar esse apoio poético que atinge a multidão e produz a ilusão de novidade”, negligencia:

que a equivalência mecânica das forças é compatível com o progresso psíquico dos seres, que o físico sempre encontra o mesmo peso na sua balança, mas que o psicólogo e o moralista não encontram os mesmos valores. Enfim, […] a maioria dos fenômenos psíquicos são explicados por um desdobramento de nossa potência que tende à maior independência e ao máximo de eficiência, a qual se encontra na força das ideias superiores22 22 Fouillée, 1905b, p. 217. .

De fato, Fouillée destaca a continuidade entre matéria e espírito e denuncia o erro cometido pelo naturalismo em considerar de maneira redutiva o conceito de força. Existe apenas uma ordem de realidade, de natureza apetitiva e mental (“vital” é o termo sintético utilizado de maneira análoga por Guyau): e como a consciência - que não é um mero epifenômeno da matéria - é implementada por meio de movimentos físicos, segundo as leis da experiência, a fisicalidade é movida pela potência de pensamentos e sentimentos superiores. A vontade faz um com a própria inteligência, que é a vida que toma consciência de seus pontos de contato com as outras vidas e de suas múltiplas formas: “cogito, ergo volo, ergo sum” [penso, logo quero, logo existo].

Nesse paralelismo psicofísico, em que também o determinismo e a liberdade encontram sua conciliação, o homem é movido por forças individuais de interesse e simpatia, mas, sobretudo, por “uma terceira força social: a ideia”: é a noção recorrente de “ideia-força” (aquela que Nietzsche renomeará ironicamente “a ideia fixa do Sr. Fouillée!!!”), segundo a qual:

O homem pode se desinteressar dele próprio, desinteressar-se destes ou daqueles indivíduos, elevar-se para além de seu egoísmo ou de suas simpatias para conceber alguma coisa de universal: uma verdade elevada, um ideal elevado. Ele carrega não somente a noção de si-próprio e da sociedade limitada da qual ele faz parte, mas também aquela do universo; não somente a ideia do tempo persente no qual ele está perdido como um ponto na imensidão, mas também aquela do futuro infinito23 23 Fouillée, 1880, p. 144 (BN). O julgamento de Nietzsche foi manuscrito, em francês, no topo dessa página. A passagem citada é assinalada com uma linha vertical na margem e com um ponto de exclamação. .

Aceitando a identidade spenceriana entre as leis do desenvolvimento biológico e as leis do desenvolvimento moral e social, Fouillée define como realmente inseparáveis o crescimento da existência individual e o da existência coletiva e mostra o vínculo íntimo que une ciência da vida e ciência da sociedade. As faculdades e as tendências individuais de cada um são, de fato, um patrimônio hereditário da espécie, mas adquirem valor somente se incluídas em uma consciência coletiva. A sociedade é um organismo vivo, que se move em plena consonância com as leis biológicas, mas em cuja formação coopera uma união geral de consciências, um concurso de vontades que se encontram em relação frutífera com um ideal; é um grande “organismo contratual” em que “aquilo que une os membros e os torna solidários não é mais a contiguidade imediata, mas a solidariedade voluntária”24 24 Cf. Fouillée, 1880, p. 129. , que acaba se espalhando por toda a humanidade:

Dever-se-ia ter antecipado Nietzsche expondo [...] a teoria da universal “vontade de potência”, mas para a superar em seguida e completá-la por sua própria teoria da universal “vontade de consciência”. Esta última teoria dá àquela das ideias-forças um apoio no próprio coração do ser e, além disso, ela é a síntese muito pessoal do voluntarismo e do intelectualismo, - do voluntarismo, pois o fundo do ser é vontade; do intelectualismo, pois o ser envolve, ao mesmo tempo, o germe da consciência e da inteligência25 25 A. Guyau, 1913, p. 224. .

As razões para uma possível assimilação da sociedade a um grande corpo vivo residem, para Fouillée, na equivalência de estruturas, organização e finalidade: em particular, os dois têm suas partes constitutivas, hierarquizadas funcionalmente, empenhando-se para a conservação do todo. Do mesmo modo que um corpo não poderia existir sem a cooperação de seus órgãos constituintes, a sociedade precisa do sacrifício dos indivíduos pelo bem do todo; isso acontece, para Fouillée, na fraternidade, cuja fórmula - “dedique-se ao bem de todos, faça de si um meio em vista do todo, um órgão a serviço do grande organismo”26 26 Fouillée,1880, p. 345. O comentário de Nietzsche em M/A, 132, KSA 3.123-125: “hoje parece que faz bem a todos ouvir dizer que a sociedade está no caminho de ajustar a necessidade do indivíduo com as de todos, e que a felicidade e ao mesmo tempo o sacrifício do indivíduo consistiriam em sentir-se um membro útil e instrumento da totalidade [...]. Quer confesse ou não, se almeja nada menos do que uma transformação radical, aliás, um enfraquecimento e uma supressão do indivíduo: não se cansa de contar e acusar tudo aquilo que de malvado ou hostil, de pródigo, de dispendioso, de luxuoso existiu até o momento na forma da existência individual; espera-se alcançar uma economia mais barata, menos perigosa, mais regular e unitária, desde que ainda haja grandes corpos com seus membros. Tudo o que, de alguma maneira, corresponde a esse instinto plasmador de corpos e de membros, e aos seus instintos auxiliares, é percebido como bom: essa é a fundamental corrente moral do nosso tempo; em tudo isso sensibilidade simpática e sensibilidade social reagem uma a outra em um jogo mútuo”. - encontra sua justificativa não mais nas crenças religiosas ou sobrenaturais, mas nas leis da biologia e da fisiologia. De fato,

livres e iguais, como os indivíduos não reconhecem a utilidade superior da ação em comum? [...] Ao invés de buscar diretamente e exclusivamente sua própria felicidade, eles buscariam a felicidade da humanidade, tesouro em que cada um encontra mais a aproveitar do que todos lhe acrescentaram. O indivíduo, assim, receberá da sociedade mais do que ele mesmo deu. Daí uma simpatia universal, um universal entusiasmo de prestar serviço, uma universal troca de todas as alegrias: o interesse mais elevado é a mais elevada fraternidade27 27 Fouillée, 1878, p. 94. .

O aristocratismo de Nietzsche é, portanto, “o exagero ilegítimo de um princípio verdadeiro, a necessidade das elites naturais, não artificiais”; Fouillee mostra que a lei da seleção, invocada por Nietzsche, também “exige a verdadeira igualdade social, que permite às superioridades naturais ou adquiridas de se manifestar livremente; ela faz ver também que a fraternidade e a filantropia, condenadas por Nietzsche como por Spencer e por vários ingleses, são, na realidade, um instrumento de progresso social e não de decadência”28 28 Cf. A. Guyau, 1913, pp. 142-43. . O sistema das ideias-força transpõe para a esfera científica, principalmente psicológica, “um platonismo e um kantismo inteiramente renovados”29 29 A. Guyau, 1913, p. 3. . Obtém-se, assim, não mais um evolucionismo mecanicista, mas um evolucionismo psíquico, no qual a evolução é inovadora e progressista. Nessa espécie de “naturalismo providencial”, seguramente não há lugar para uma leitura da atividade vital como vontade de agressão e de domínio, assim como Fouillée compreende erroneamente o filosofema nietzschiano, nem para as fortes e motivadas críticas de Nietzsche à noção moderna de “progresso”.

II

Segundo Fouillée, formado na escola do evolucionismo spenceriano, submeter-se às condições sociais não é, portanto, renunciar à própria individualidade (“como Stirner e Nietzsche parecem acreditar”), mas é, pelo contrário, aceitar as condições essenciais da própria preservação e do próprio desenvolvimento30 30 “Isso é ainda menos renunciar à sua personalidade; é receber, ao contrário, pessoas multiplicadas ao infinito por elas mesmas na sociedade, tudo o que é indispensável à constituição de sua própria pessoa consciente, racional e amorosa” (Fouillée, 1905a, pp. 326-27). . Sua proposta, assim como a de Guyau, nasce da necessidade de precisamente fornecer um fundamento natural - e não mais transcendente ou convencional - ao altruísmo e à benevolência. O naturalismo moral spenceriano, de fato, prevê um caminho predeterminado para o aprimoramento da espécie: e se a vida trabalha para sua conservação e seu desenvolvimento, seu resultado apenas poderá ser a fixação de instintos altruístas, benevolentes e de cuidados recíproco em nós. A moral individualista,

que inicialmente era apenas uma doutrina de utilidade ou de potência, acaba, ao se desenvolver, por superar o ponto de vista dos Hobbes e dos La Rochefoulcauld, dos Stirner e dos Nietzsche, para os quais o amor de si é uma gravitação em antítese radical com a expansão moral. O verdadeiro individualismo resulta em colocar o fim do indivíduo na realização do verdadeiro eu [moi], e a conceber o verdadeiro eu como um eu altruísta. Essa é a forma mais elevada do sistema.

A concepção de si, assim como Nietzsche a entende (que Fouillée aproxima a Cálicles e a Trasímaco), abre espaço para a realização de um novo “si”: “Realize teu verdadeiro eu, teu eu superior31 31 Fouillée, 1905a, pp. 326-327. “[...] a potência”, prossegue Fouillée, “somente é explicada e julgada por seus efeitos, que são seus fins. A natureza mesma de um ser, se ela determina seu fim, é também, por sua vez, determinada por seu fim; pois ela envolve um vir-a-ser ou um progresso, e esse progresso implica um ideal. Ora, as potências do eu parecem irrealizáveis sem a consideração do meio natural e social em que o eu vive, do qual ele vive e que ele faz viver por sua parte” (p. 328). Nietzsche critica fortemente a determinação dos fins, em particular discutindo idealmente com Spencer, “esse intensificador do finalismo da seleção”. “O moralista que quer fundar uma moral é levado a indicar um objetivo final. ‘Se vocês quiserem ser saudáveis, precisam ser moderados. Mas é necessário que queiram ser saudáveis: uma vez que essa é uma condição para ser feliz, para cumprir os próprios fins, etc.’ Por trás de cada fim, um novo fim é revelado: e o moralista sempre acaba sendo forçado a indicar o propósito da existência. Eu poderia dizer: não há propósitos da existência, então não é possível uma moralidade destinada a atingir o objetivo da existência. Mas acreditou-se para esses propósitos: como resultado, poderia ser fundada uma moral com imperativos. No final, surgem necessariamente modos e hábitos de viver que exercem uma restrição, porque é desagradável resistir-lhes” (Nachlass/FP 1880, 6 [134], KSA 9.230). E ainda: “Todos os moralistas estão de acordo com a tendência geral, uma vez que todos se perguntam a qual fim deve tender o agir e qual é o bem da humanidade: eu os acho dominados por um único instinto e - nisso - cheios de preconceitos. O domínio do altruísmo parece-me arruinar a humanidade - um processo de extinção por eutanásia: talvez os moralistas sirvam ao desenvolvimento geral; mas eles esperam exatamente o contrário! Quero me tornar um pregador do egoísmo e daquele sábio conhecimento que não intervém de bom grado nos assuntos e na vida dos outros: somente por necessidade somos altruístas” (Nachlass/FP 1880, 6[74], KSA 9.214). Muitos fragmentos desse período remontam à leitura de Spencer e de Fouillée (cf. infra, nota 35). .

Da mesma maneira, Guyau também pode afirmar que “Uma moral positiva e científica […] pode apenas dar ao indivíduo este mandamento: desenvolve tua vida em todas as direções, sê um indivíduo tão rico em energia intensiva e extensiva quanto possível; por isso, sê o ser mais social e mais sociável32 32 Cf. J.-M. Guyau, 1885, pp. 205-206. , promovendo, assim, uma equação incontestável entre útil, natural e virtuoso.

Ao invés disso, Nietzsche afirmará significativamente: “Desenvolve todas as tuas forças - mas isso quer dizer: desenvolve a anarquia! Destrói!” (Nachlass/FP 1880, 6[159], KSA 9.237). Ele julgará as propostas da sociologia francesa não apenas erradas e mistificantes, mas o sintoma daquele Heerdenistinkt que justamente o estudo do evolucionismo e do naturalismo ético lhe tinha permitido identificar como um primum mobile da moral33 33 Cf. carta a F. Overbeck de 4 de janeiro de 1888, KSB 8.224. .

Desde o início dos anos 80, de fato, Nietzsche fez um estudo cuidadoso e motivado pelas propostas provindas além do canal da Mancha: em particular, ele se confronta com o darwinismo, com o evolucionismo, com o utilitarismo, com as doutrinas eudemonistas, com os resultados da sociologia contemporânea, descobrindo-se, no final, muito distante daquelas perspectivas, mas, no entanto, recorrendo a elas de mãos cheias para elaborar as próprias, originais conclusões. Sem poder, aqui, entrar no mérito34 34 Para uma explicação desses temas, gostaria de me referir ao meu La morale evolutiva del gregge. Nietzsche legge Spencer e Mill, 2006 (tradução alemã: Die Entwicklung der Herdenmoral. Nietzsche liest Spencer und Mill, 2009). , diremos apenas que as críticas à “mitologia do instinto”, colocadas em prática por seus interlocutores para explicar a evolução natural e histórica, levarão Nietzsche a uma nova consideração do tecido impulsional e da sua organização e a novas hipóteses para a estruturação da consciência. A mesma moral moderna, conduzida sob uma alegada predominância do impulso altruísta, será lida por Nietzsche como um sintoma e conjuntamente consequência das diretrizes imperiosas do instinto gregário - que encontra no medo seu determinante antropológico originário e cujos resultados, assim como Spencer lhe sugeriu, são capazes de se fixar nas estruturas nervosas da espécie35 35 Se Nietzsche estivesse disposto, a princípio, a admitir que a utilidade da ação altruísta devesse constituir a origem de seu louvor, e essa origem pudesse ter caído no esquecimento, é justamente Spencer que lhe sugere como essa hipótese, além de historicamente insustentável, acaba sendo uma contradição psicológica: “Quanto mais racional é a teoria oposta (sem ser por isso mais verdadeira), apoiada, por exemplo, por Herbert Spencer, que estabelece a analogia substancial do conceito de “bom” com o de “útil” e “conforme o fim”, de modo que, nos julgamentos de “bom” e “mau”, a humanidade teria se juntado e sancionado precisamente suas inolvidáveis e inesquecíveis ​​experiências sobre o que é útil e compatível ao fim, prejudicial e não compatível ao fim. De acordo com essa teoria, o que se mostrou útil desde tempos imemoriais é bom: com isso, pode querer valer como “louvável no mais alto grau”, “louvável em si”. Além disso, esse modo de explicação é, como eu disse, errôneo, mas, pelo menos, a explicação em si é racional e psicologicamente sustentável” (GM/GM I, 3, KSA 5.260-261). Ademais, a discussão reducionista da época convence Nietzsche de que a estruturação da consciência pode resultar da fixação de uma série de iterações do sistema nervoso: nesse sentido, se revela importante o spenceriano Espinas, para o qual o consensus social se produziria mediante a execução de atos inconscientes, ignorados pelo indivíduo, mas capitalizados pela espécie, visando a promoção e o desenvolvimento da vida associada e que encontram justificativa direta em nossa conformação orgânica (cf. Espinas, 1877). Na BN, há a tradução alemã da segunda edição francesa (1878), cf. Espinas, 1879. Nietzsche adquiriu esse exemplar em fevereiro de 1882. ; seus representantes, aqueles a quem Nietzsche inicialmente tinha se dirigido para confrontar o quesito da origem da moral, se revelarão, assim, testemunhas partidárias e portadores de um estigma capaz de mostrar genealogicamente a própria proveniência36 36 Para a distância entre origem (Ursprung) e genealogia (Genealogie), o ensaio de M. Foucault, Nietzsche, La généalogie, l’histoire, ainda ilumina, cf. Foucault, 1971. :

O que eu tenho a objetar contra toda sociologia francesa e inglesa é que ela conhece por experiência apenas as estruturas decadentes da sociedade e toma com toda inocência seus próprios instintos de decadêcia por norma de avaliação de valor sociológico. A vida declinante, o declínio de toda força de organização, isto é, aquela que diferencia, cava fossos, subordina e hierarquiza, é colocada na categoria de ideal pela sociologia atual... Nossos socialistas são decadentes, mas também o Sr. Herbert Spencer é um decadente - ele vê a vitória do altruísmo como algo desejável! (GD/CI , Incursões de um extemporâneo37, KSA 6.138-139)

O valor do altruímo não é o resultado da ciência; mas é pelo instinto hoje dominante que os homens de ciência se deixam levar a acreditar que a ciência confirma o desejo de seus instinto (cf. Spencer). (Nachlass/FP 1880/1881, 8[35], KSA 9.390)

Nietzsche se revela um crítico magistral e muito perspicaz da falácia naturalista, da derivação de normas de descrições fatuais, que ele encontrava exemplificada, encarnada, até mesmo nos moralistas de seu tempo. E às construções estáveis e unidirecionais do homem moderno, dominado por suas estruturas gregárias, ele opõe explicitamente as possibilidades abertas pela vontade de potência, que não conhecem finalidades pré-estabelecidas ou injunções de valor. Quando, então, encontra o Esquisse de Guyau - que, no entanto, lê com grande atenção e participação, confirmadas pelas glosas nas margens do texto37 37 Guyau, por exemplo, criticava o finalismo muito restrito da moral utilitaria de uma maneira que Nietzsche poderia ter compartilhado: “Os utilitaristas ou os hedonistas ficam muito satisfeitos por considerar a primeira espécie de prazer [uma forma particular e superficial da atividade; mas], às vezes, se age pelo prazer de agir, vive-se por viver, pensa-se por pensar. Há em nós força acumulada que exige ser gasta; quando o gasto é bloqueado por qualquer obstáculo, essa força se torna desejo ou aversão; quando o desejo é satisfeito, há prazer; quando ele é contrariado, há dor; mas disso não resulta que a atividade armazenada se desenrole unicamente em vista do prazer, com o prazer como motivo; a vida se desenrola e se exerce porque ela é vida. O prazer acompanha em todos os seres a busca da vida, muito mais do ele a provoca; é necessário viver antes de tudo, então usufrua” (Guyau, 1885, pp. 12-13; Nietzsche escreve na margem da p. 13 de seu texto “gut”). Mas Guyau lê esse ímpeto vital ainda como “manter-se vivo”, como “tendência do ser a perseverar no ser”, que constitui para ele o “fundo de todo desejo”; não se trata de um puro domínio da atividade em todas as suas formas, não é de modo algum uma energia vital que deseja ser descarregada, mas ainda é um “desejo de vida”. Nietzsche se distanciará dela reiterando seu conceito de vida como vontade de potência: “Não digo que a vontade de todo ser de perseverar em seu ser seja o fundo [Fond] de todo desejo: mas sim vontade de potência” (glosa na margem da página 15 de seu texto. Os grifos em negrito são de Nietzsche). - não é estranho que Nietzsche anote na página de rosto:

Este livro tem um estranho defeito: enquanto se esforça para demonstrar que os instintos morais têm seu lugar na própria vida, Guyau não percebeu ter demonstrado o contrário - ou seja, que todos os instintos vitais primários são imorais, incluindo os chamados instintos morais. A maior intensidade da vida está, de fato, necessariamente relacionada com sua maior expansão: apenas a última é o oposto de todos os dados de fato “altruístas”, - essa expansão se exprime como uma vontade indomável de potência.

A vida como vontade de potência tem em si a necessidade de sua expansão: Nietzsche concorda com Guyau quando encontra, no sociólogo francês, a atestação desse impulso propulsivo. Se, onde Guyau escreve: “Se perguntarmos o que é aumentar a intensidade da vida, nós responderemos que é aumentar o domínio da atividade sob todas suas formas (na proporção compatível com a reparação das forças )” 38 38 Guyau, 1885, p. 12. Os grifos em negrito são de Nietzsche. , Nietzsche pode anotar ao lado um “N.B.”, mas não pode aceitar que o movimento deste quantum de força já conheça uma direção predeterminada e, em particular, que vá endossar a moral corrente39 39 Cf., por exemplo, Nachlass/FP 1880, 7[246], KSA 9.368; 1883, 7[30], KSA 10.252-253; 1883, 7[201], KSA 10.305-306: “Os moralistas que existiam até agora podem ser distinguidos de acordo com o interesse predominante da seguinte maneira: alguns voltam sua atenção para como se comportar entre os homens; outros para como se deveria comportar. [...] O fato que, onde se age, se age com base em motivos é o pressuposto comum entre eles: é o erro comum deles; todos eles observaram muito mal, aliás negligenciaram até o que está em primeiro plano em todo o cenário moral - o fato de que se age e não se pode deixar de agir e que os assim chamados motivos não o justificam”. Nietzsche redescobrirá em Guyau a vida como “O motivo de nossas ações” e que “A tendência a perseverar na vida é a própria lei da vida” (Guyau, 1885, p. 11), e colocará ao lado, respectivamente, um ponto de exclamação e um “NB”. Os grifos são de Nietzsche. .

Transformar a necessária e fisiológica atividade vital em uma série de atos direcionados para o fim da vida já significa ser vítima da falácia gerada pelo instinto gregário: a promoção de uma determinada tabela de valores denota o tecido fisiológico do qual ela deriva (o que no último Nietzsche será bem explicitado com a noção de décadence). Para Nietzsche, todos os impulsos se demonstram “adequados ao propósito” e ninguém pode ser moralmente estigmatizado. Esse “indiferentismo moral da natureza”, que Guyau teme e vê no fundo do mecanismo universal, é relatado por Nietzsche à sua real inocência. Interessante o fato que, onde Guyau escreve:

No fundo do mecanismo universal, pode-se supor uma espécie de atomismo moral, o cenário de uma luta entre uma infinidade de egoísmos. Poderia haver na natureza tantos centros quanto átomos, tantos fins quanto há indivíduos ou, ao menos, tantos fins quanto há conjuntos conscientes, sociedades, e esses fins poderiam ser opostos; o egoísmo seria, portanto, a lei essencial e universal da natureza. Em outras palavras, haveria coincidência entre o que chamamos a vontade imoral no homem e a vontade de todos os seres. Isso seria talvez o ceticismo moral mais profundo40 40 Guyau, 1885, pp. 102-103. Os grifos são de Nietzsche. .

Nietzsche orgulhosamente anota nas margens: “Moi”.

III

Fouillée está convencido de ter entendido a doutrina nietzschiana da vontade de potência. Se “Macht” é a palavra que permeia toda a obra do filósofo alemão, “seu princípio unilateral o faz retroceder até as abstrações do antigo dinamismo, pois o que é, afinal, sua ‘potência’? Uma simples virtualidade, uma potencialidade de efeitos, e tudo depende do que sejam esses efeitos ”. Sem uma finalidade moral e social, a potência é uma palavra vazia e a de Nietzsche é uma pura mitologia da força, que ele expressa com o gosto usual da hipérbole e do excesso. Se Nietzsche tivesse entendido melhor Guyau, ele não teria substituído sua legítima vontade de expansão por uma vontade de dominação (“egoísmo, orgulho, tirania”); não teria despojado e mutilado “a vontade de potência indefinida e indefinidamente expansiva” para reduzi-la às suas formas mais baixas:

Esse romance de imaginação germânica em que todos os corpos querem conquistar potência, em que eles combatem, como os deuses do Walhalla, para vencer e adquirir sem cessar, para dominar com o único fim de dominar, tal romance só poderia ter como conclusão o imoralismo absoluto dos indivíduos e dos povos, no qual subsiste apenas a ética animal erigida em direito por Bismarck e von Moltke41 41 Cf. Fouillée, 1905b, pp. 218-19. Também do ponto de vista teorético, aproximar “potência” e “vontade” - duas palavras às quais Nietzsche recusou todos os sentidos objetivos - dá vida a uma obra cujo título já é “duplamente ontológico, tão quimérico quanto um tratado do flogisto ou da influência astral. O dogmatismo orgulhoso dos compatriotas de Hegel e Schopenhauer se propaga sob a aparência de um completo ceticismo. Após ter zombado tanto dos metafísicos, como Nietzsche pode tomar uma tal metafísica antropomórfica e zoomórfica como a última palavra da filosofia? No sentido abstrato, sua vontade de potência permanece uma fórmula ontológica vazia; em seus diversos sentidos concretos, ela é uma visão unilateral, uma análise incompleta das relações reais da existência, objetos de ideias e de ideias-forças, que Nietzsche quer em vão reduzir tudo a escassas ‘relações de potência’, torturando-as no leito de Procusto de seu sistema” (Fouillée, 1905b, p. 235). Um título e um sistema que existem naturalmente graças às manipulações do Nietzsche-Archiv. .

Fouillée não é menos crítico no que diz respeito à doutrina do eterno retorno e “à teoria pagã do além-do-homem”42 42 Ao eterno retorno, Fouillée dedica, além de um breve capítulo de seu livro sobre Nietzsche, também um artigo na Revue philosophique, Note sur Nietzsche et Lange “Le retour éternel” (cf. Fouillée, 1909): em ambos destaca mais uma vez a pouca originalidade do filósofo. Em particular, Fouillée deseja lembrar que “Os comentadores de Nietzsche também negligenciaram mencionar que, em Vers d’un philosophe, que apareceu en 1881, Guyau havia feito da análise espectral e da repetição ao infinito o tema de uma de suas mais belas peças líricas” (Fouillée, 1902, p. 208). . Este último tem suas bases em Platão, nos Schlegel, em Tieck (com a concepção do indivíduo superior, imagem do Absoluto), em Blanqui e Nägeli, no gênio romântico de Goethe. Mas, para o gênio “Nietzsche adicionará o riso” - se lamenta Fouillée, sem entender nenhum dos elementos fundamentais nietzschianos e preferindo a natureza trágica schopenhaueriana -, “e não somente ele autorizará as licenças contra a gramática moral, mas destruirá inteiramente toda gramática dos costumes”43 43 Fouillée, 1902, p. 189. . Aqui também, Fouillée acha que encontra inconsistências: para um mundo desprovido de sentido, como o além-do-homem pode se opor como “sentido da terra”? Como não há nada em si bom ou mau, nenhuma vontade criativa poderá trazer o bem do nada:

Zaratustra, o “criador”, desejaria muito dar um sentido e uma meta humanos ao sol, à lua e às estrelas, que seriam simplesmente astrologia, e ele não mudará um milionésio o curso dos astros nem o curso total das coisas. O que é o Todo para Nietzsche, senão um imenso vir-a-ser sem causa e sem meta, que gira eternamente sobre si? O universo certamente zomba das metas que o homem quer lhe colocar!44 44 Fouillée, 1902, p. 193.

O próprio Nietzsche acabaria por reduzir toda essa pretensa criação à aceitação pura e simples do destino. “Eu queria justamente aquilo que foi”, e ele “imagina que assim metamorfoseou o destino em obra de sua vontade”. Um “toque de varinha de condão muito cômodo”, diante do qual Fouillée assume uma posição explícita e clara:

Isso é fazer da vida uma ideia arbitrária, digna de um poeta cabeludo de 1830, de um “criador” de Hernani ou de Manfred, como se a vida individual ou coletiva não tivesse suas leis determinadas cientificamente e sua direção normal; o filósofo deve descobrir, não “inventar”! O filósofo estabelece leis, se você preferir, mas ele as estabelece em virtude de uma pesquisa dirigida ao próprio fundo da consciência45 45 Fouillée, 1902, p. 193. .

Se Nietzsche tivesse conhecido essa passagem, certamente não teria deixado de escrever ao lado “Heerde” (rebanho), assim como fez na página 58 de seu exemplar de Die Tatsache der Ethik, de Spencer46 46 Tradução alemã de The Date of Ethics (cf. Spencer, 1879) (BN). Cf. Fornari, 2006, § 3.3.1. . Se, como mencionado, Nietzsche acredita ter identificado no instinto gregário a conformação a partir da qual se desenvolveria toda a casuística dos imperativos éticos como a conhecemos hoje47 47 “Eu considero os homens com um olhar bom ou ruim, mas sempre os vejo aplicados a uma única tarefa, todos e cada um em particular: ‘fazer o que beneficia a conservação da espécie humana’. E isso, para dizer a verdade, menos por um sentimento de amor a ela que, simplesmente, porque nada é neles mais antigo, mais forte, mais implacável, mais insuperável que esse instinto - pois esse instinto é justamente a essência de nossa espécie e de nosso rebanho” (FW/GC, 1, KSA 3.369). , Spencer, com sua ideia da moral como perfeitamente conduzida e naturalmente regulada nas necessidades da espécie, representaria justamente a concreta adoção desse modelo ético. Do mesmo modo, Fouillée e Guyau, procurando dar às suas soluções morais o inegável quanto improvável selo da natureza (“as leis determinadas cientificamente e uma direção normal que o filósofo deve, não “inventar”, mas descobrir”), se mostram presas de um círculo vicioso, que torna seus estudos sobre as origens e os princípios da moral não confiáveis. Fouillée e Guyau são caracterizados pela falta de olhar histórico, o mesmo defeito que Nietzsche atribui estritamente aos moralistas ingleses aos quais são relacionados; os resultados de suas teorias visam a um enfraquecimento crescente do indivíduo, que receiam em sua excentricidade, precisamente por causa de sua fraca constituição fisiológica e moral48 48 Cf., por exemplo, M/A, 132, KSA 3.123-125. .

Se Fouillée protestava que suas ideias não levariam à anulação do indivíduo no todo (“Não, porque se produz uma evolução no sentido contrário, que não é menos incontestável do que a outra e que se caracteriza pela crescente autonomia do indivíduo; nós tendemos tanto à variedade e à descentralização quanto à unidade e à centralização: ambos os movimentos pertencem à história da evolução humana e não podem ser negados” 49 49 Fouillée, 1880, p. 249. Ao grifo, Nietzsche acrescenta, ao lado, um “falsch” (falso). ), Nietzsche, ainda nos últimos anos de sua vida produtiva, volta a desmascará-lo com força:

A “crescente autonomia do indivíduo”: esses filósofos parisienses, como Fouillée, falam disso: deveriam, ao contrário, considerar a raça ovina [race moutonnière] que eles mesmos são!... Abram, então, os olhos, senhores sociólogos do futuro! O “indivíduo” tornou-se forte nas condições contrárias; vocês descrevem o extremo enfraquecimento e entristecimento do homem, vocês mesmos o querem e, para esse fim, usam todo o aparato de mentiras do velho ideal! Vocês são tais que realmente sentem como ideal suas necessidades de animais de manada! A absoluta falta de probidade psicológica! (Nachlass/FP 1887/1888, 11[137], KSA 13.63)

Agora está claro que o mal-entendido de Nietzsche da parte de Fouillée não seria imputável, ao filósofo alemão - se soubesse disso - apenas uma má interpretação: seu pertencimento à decadénce causa e altera sua filosofia e seu sistema de valores. Além disso, o próprio Fouillée pede prudência, consciente da força moralizante das ideias, com uma advertência metodológica que Nietzsche poderia dirigir a ele mesmo:

Infelizmente, aqueles que fazem a história empírica das ideias morais têm também a pretensão de mostrar sua origem primeira; ora, se eles apresentarem sua história no tempo, mais ou menos incompleta e inexata, como uma adequada explicação dos sentimentos morais, uma tal “gênese” não será mais indiferente ao moralista [...] A gênese de uma ideia pode, então, muito bem, segundo o caso, ou fortificar ou enfraquecer o seu valor [prix]. É por isso que o verdadeiro sábio não pode colocar muita prudência nas deduções que ele apresenta como científicas50 50 Fouillée, 1905a, p. 35. .

Uma noção moral conscientizada de sua origem - continua Fouillée - não permanece imóvel aos olhos do observador como uma borboleta empalada por um alfinete: a consciência de que ela tem da própria natureza passa a compor ou enfraquecer o sistema de valores ao qual pertence.

É por isso que o Nietzsche moralista é pernicioso, para Fouillée: com sua pretensão de deduzir as ideias morais de um terreno extramoral, de derrubar o que deve necessariamente estar no alto, removeu todo poder da ideia, se não o destrutivo de suas próprias tábuas de valores.

Por outro lado, é por isso que Fouillée moralista é pernicioso, para Nietzsche: com sua pretensão de encontrar a origem da moral no próprio seio da natureza, e de sancionar, assim, um determinado sistema ético como o único possível, dá força e valor absoluto para um sistema de valores gregários e enfraquecidos pelas perigosas consequências políticas e sociais.

“É precisamente em razão dessa força que é importante produzir opiniões justas na moral e não confundir as ideias pseudo-científicas com as ideias verdadeiramente científicas” inventar”51 51 Fouillée, 1905a, p. 37. , conclui Fouillée: e Nietzsche, seu perpiscaz leitor, não poderia estar mais de acordo.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Lichtenberger, 1907LICHTENBERGER, H. L’Allemagne moderne, son évolution. Paris : Flammarion, 1907., p. 306.
  • 2
    “Simultaneamente à Sua carta, chegou uma de Paris da Sra. Taine, cheia de máxima consideração pelo Crepúsculo dos ídolos, em particular por suas “audaces et finesses”, e com uma exortação muito séria para fazer toda a pergunta da minha notoriedade na França, incluindo os meios para chegar lá, nas mãos de seu amigo editor-chefe do Journal des Débats e da Revue des deux mondes, do qual ele não pode elogiar suficientemente a profunda e livre inteligência, mesmo no que diz respeito à forma, ao conhecimento do alemão e da cultura alemã. No fundo, há anos leio apenas o Journal des Débats. - Na espera da abertura do meu Canal do Panamá pessoal para a França, adiei por um período indeterminado a publicação de novos escritos. Primeiro, devem ser traduzidos os dois livros capitais. Além de bem e mal e o Crepúsculo dos ídolos: deste modo serei apresentado na França” (carta a A. Strindberg, 18 dezembro 1888, KSB 8, 539). Jean Bourdeau - na realidade, um simples editor, cuja figura Nietzsche engrandece no delírio incipiente - será autor de “Frédéric Nietzsche. La religion de la force”, in Bourdeau, 1904BORDEAU, J. Les maîtres de la pensée contemporaine. Paris : F. Alcan, 1904., pp. 108-146.
  • 3
    “Quero ser lido na França; aliás, mais do que isso, eu preciso disso. Dado que sou o espírito mais independente e talvez o mais forte que exista atualmente, condenado a realizar uma grande tarefa, não posso absolutamente permitir que limites absurdos, traçados por uma execrável política dinástica de interesses, representada por mentirosos, me impeçam de procurar as poucas pessoas que possam realmente ter ouvidos para mim. E confesso prontamente: procuro-as especialmente na França. Nada mais me é estranho do que aquilo que acontece no mundo espiritual francês: disseram-me que eu, no fundo, escrevo em francês, até onde talvez tenha chegado com a língua alemã, especialmente com o meu Zaratustra, algo que mesmo na Alemanha permanece incomparável” (carta a J. Bourdeau, por volta de 17 de dezembro de 1888, KSB 8, 532ss).
  • 4
    Trata-se de Par-delà le bien et le mal, trad. L. Weiskopf et G. Art, 1898, que foi precedido por duas passagens traduzidas por D. Halévy e F. Gregh em 1892; Ainsi parlait Zarathustra, trad. H. Albert, 1898; H. Lichtenberger, La Philosophie de Nietzsche, 1898.
  • 5
    Cf. Philonenko, 1997PHILONENKO, A. Nietzsche au miroir de le Belle Époque. In: CESSOLE, B. de; CAUSSÉ, J. (dir.). Nietzsche 1892-1914. Paris: Éditions des deux mondes, 1997. pp. 3-31.. Fouillée publica na Revue des deux mondes três longos artigos (La religion de Nietzsche, La morale aristocratique du surhomme 1901; Les idées sociales de Nietzsche, 1902), cujos temas confluiram depois nos volumes subsequentes. Philonenko, como muitas dos críticos francesas, sustenta que a primeira recepção de Nietzsche na França foi predominantemente literária e que, nos primeiros artigos dedicados ao filósofo alemão, quase nenhum tema especulativo é tocado, se não banalizando-o: “O que resta do Nietzsche evocado por esses estudos? Quase nada, exceto - e isso é importante - uma certa imagem do pensador de Sils-Maria tal como foi apreendida na Belle Époque. Não se pode dizer que esses estudos [...] inspiram a admiração a Nietzsche, mas surge um sentimento muito claro: Nietzsche foi considerado um pensador com o qual era necessário contar” (Philonenko, 1997PHILONENKO, A. Nietzsche au miroir de le Belle Époque. In: CESSOLE, B. de; CAUSSÉ, J. (dir.). Nietzsche 1892-1914. Paris: Éditions des deux mondes, 1997. pp. 3-31., p. 31).
  • 6
    Bordeau, 1904BORDEAU, J. Les maîtres de la pensée contemporaine. Paris : F. Alcan, 1904., p. 131. Para as relações de Nietzsche com a cultura francesa, veja o estudo exemplar de Campioni, 2001CAMPIONI, G. Les lectures françaises de Nietzsche. Paris: PUF, 2001.; sobre Bourdeau, em particular cap. III, § 4. Cf. também Le Rider, 1999LE RIDER, J. Nietzsche en France de la fin du XIXe au temps présent. Paris: PUF , 1999. e Bianquis, 1929BIANQUIS, G. Nietzsche en France. L’influence de Nietzsche sur la pensée française. Paris: F. Alcan, 1929..
  • 7
    Cf. Cor, 1912COR, R. A propos de Nietzsche. In: COR, R. Essais sur la sensibilité contemporaine. Paris: H. Falque, 1912, pp. 27-92.. Também Fouillée, em seu livro sobre Nietzsche, dedica um capítulo inteiro a L’immoralisme et l’individualisme absolu de Stirner.
  • 8
    Campioni, 2001CAMPIONI, G. Les lectures françaises de Nietzsche. Paris: PUF, 2001., p. 81. Quanto a Der Wille zur Macht, circulava então na França a edição do Nietzsche-Archiv de Weimar, organizada por P. Gast, E. e A. Horneffer (Leipzig, Naumann 1901), traduzida em 1903 por H. Albert para o Mercure de France. La volonté de puissance (ed. Wurzbach, 1922) foi publicada pela Gallimard apenas em 1935.
  • 9
    Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., pp. I-IV passim.
  • 10
    Bourdeau, 1904BORDEAU, J. Les maîtres de la pensée contemporaine. Paris : F. Alcan, 1904., p. 123.
  • 11
    “A própria ausência de raciocínio e de prova regular empresta ao dogmatismo negador um ar de autoridade que se impõe à multidão de semi-instruídos, literatos, poetas, músicos, amadores de todos os tipos” (Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., p. IV).
  • 12
    Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., p. IX. Também para Bourdeau (1904BORDEAU, J. Les maîtres de la pensée contemporaine. Paris : F. Alcan, 1904., p. 128): “Se, entretanto, nós despojarmos Zaratustra de seu traje oriental, de seu esplêndido cenário de mar e de montanhas, digno de provar o pincel de um Gustave Moreau, encontramos nele os antigos conhecimentos. Zaratustra tem a mesma linguagem que: os filósofos cínicos da Grécia antiga, negadores da civilização de sua época; Platão, quando ele sonhava para sua República uma casta nobre de guerreiros; Maquiavel, quando ele concilia a scelleratezza et a virtù; de Maistre, quando ele proclama a virtude mística da guerra, a necessidade do sangue derramado para o florescimento das obras-primas. É um tipo de lugar comum romântico proclamar os direitos do gênio, exaltar a má vontade e, como escárnio do burguês, buscar nas prisões os homens, os melhores, aqueles cuja bravura e audácia, em meio à nossa civilização nervosa, não puderam encontrar uma saída a não ser no crime”.
  • 13
    Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., p. II. Na realidade, Nietzsche já havia comprado o Esquisse de Guyau (datado de 1885GUYAU, J.-M. L’Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction. Paris: F. Alcan , 1885.) em novembro de 1884 e, de acordo com o recibo do livreiro Alfred Lorentz de Leipzig, ainda preservado, teve o volume enviado para Menton, na Pension des Étrangers. Nietzsche permaneceu em Nice por cinco invernos consecutivos (do outono de 1883 à primavera de 1888) e era efetivamente frequentador da Livraria Visconti, que então dispunha de uma sala de leitura e um serviço de empréstimo internacional. Cf. Ponton, 1997PONTON, J.-P. La Librairie Visconti.Nice Historique, n. 247, pp. 123-33, 1997., pp. 123-33. Fouillée, acompanhado pelo jovem Guyau, em 1875, também transferiu-se para a costa por problemas de saúde: um deslocamento de retina ameaçava sua visão e lhe dava dores de cabeça contínuas e violentas.
  • 14
    Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction ( 1885 GUYAU, J.-M. L’Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction. Paris: F. Alcan , 1885. ), ao contrário, foi perdido. No entanto, Fouillée tinha tido a oportunidade, por Elisabeth Förster-Nietzsche, de copiar as “principais” marginálias ainda inéditas, que publicou em apêndice na sua tradução alemã do Esquisse (Sittlichkeit ohne "Pflicht". Ins Deutsche übersetzt von Elisabeth Schwarz. Mit einer für die deutsche Ausgabe verfaßten biographischkritischen Einleitung von Alfred Fouillée und bisher unveröffentlichten Randbemerkungen Friedrich Nietzsches, Leipzig 1909). Não está claro por que Förster-Nietzsche não deu a ele a possibilidade de ver as glosas nas margens da Irreligion, nem aquelas - que sem dúvida lhe interessavam mais - de La science sociale contemporaine (cf. Fouillée, 1902 FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902. , p. III, nota). Igualmente infeliz é o neto de Fouillée, Augustin Guyau, que dez anos mais tarde ainda lamenta: “Seria muito interessante ter as anotações de Nietzsche sobre Science sociale contemporaine e sobre as outras obras de Fouillée que ele poderia ter […] Infelizmente, o exemplar que Nietzsche possuia de Science sociale contemporaine e também aquele que ele possuia de l’Irreligion de l’avenir foram confiados a um encadernador tão ininteligente quanto minucioso; esse homem apagou parcialmente as anotações e parcialmente as cortou para deixar as páginas do mesmo tamanho. O editor que publica as obras de Nietzsche ainda não pode reconstituir essas notas que possuim, ao que parece, um grande interesse” ( A. Guyau, 1913 GUYAU, A. La philosophie èt la sociologie d'Alfred Fouillée. Paris: F. Alcan , 1913. , p. 142 nota).
  • 15
    Fouillée faz parte do “curioso caso desses franceses, contemporâneos do filósofo, que falaram da relação dele com a França e das fortes influências que reconhecem que ele recebeu dela, mas que ignoram que eles próprios contribuíram, de uma maneira ou outra, com a elaboração da trama dos textos dele (Faguet, De Roberty, Brunetière, Fouillée, Bourdeau, etc.)” (Campioni, 2001CAMPIONI, G. Les lectures françaises de Nietzsche. Paris: PUF, 2001., p. 2). Para os livros conservados na biblioteca pessoal de Nietzsche (BN), ver o catálogo: Nietzsches persönliche Bibliothek, hrsg. v. G. Campioni, P. D’Iorio, M. C. Fornari, F. Fronterotta und A. Orsucci, unter Mitarb. v. R. Müller-Buck, Berlin/New York, de Gruyter 2003CAMPIONI, G.; D’IORIO, P.; FORNARI, M. C.; FRONTEROTTA, F.; ORSUCCI, A. (Hrsg.). Nietzsches persönliche Bibliothek. Unter Mitarb. R. Müller-Buck. Berlin/New York: de Gruyter, 2003..
  • 16
    Embora seja indubitavelmente certo o destaque de Laurent Fedi (2007FEDI, L. Des idées-forces à la volonté de puissance: Alfred Fouillée critique du vitalisme de Nietzsche. Corpus. Revue de philosophie, n. 53, pp. 117-141, 2007., p. 118): “Certamente, podemos julgar sua leitura superficial em relação aos ganhos que nós dispomos após um século de comentários e de trabalhos de erudição. Mas avaliar retrospectivamente as críticas de Fouillée a Nietzsche em termos de uma interpretação supostamente adquirida parece metodologicamente menos pertinente do que remontar, por meio de uma leitura interna, o princípio de divergência que funda, em uma determinada disputa de pensamento, tais críticas”.
  • 17
    Fouillée, 1905bFOUILLÉE, A. Le Moralisme de Kant et l’amoralisme contemporain. Paris : F. Alcan , 1905b., p. 217. E Macht auslassen é o que Nietzsche anota nas margens desta passagem de Guyau: “Quando sentimos, por exemplo, um prazer artístico, não queremos ser os únicos a usufruí-lo. Queremos que o outro saiba que existimos, que sentimos, que sofremos, que amamos. Queremos rasgar o véu da individualidade” (J.-M. Guyau, 1885GUYAU, J.-M. L’Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction. Paris: F. Alcan , 1885., p. 21. O grifo é de Nietzsche). NT-WF: Mateus 11.12: regnum caelorum vim patitur et violenti rapiunt illud (o reino dos céus adquire-se à força, e são os violentos que o arrebatam).
  • 18
    Fouillée acusa Nietzsche de incoerência, quando este define “a atividade imanente, que é a vida, ‘uma vontade de potência e de dominação’. A dominação não é nada mais, na nossa opinião, que uma adaptação dos outros a si, que um mecanismo derivado e secundário, uma espécie de mal menor que se utiliza porque se é obrigado a isso diante de uma resistência. Dado como ponto de partida a justa objeção que fizera a Spencer, Nietzsche transformará em um grande erro, com sua arte habitual, a verdade que ela continha”. Em suma, “a partir de que toda atividade encontra resistência, Nietzsche concluiu não apenas que ela é trabalho e luta, mas que ela é luta contra as outras, o que constitui o mais manifesto paralogismo. Os casos de antagonismo entre uma atividade e outras são sem dúvida numerosos, mas eles não são todos os casos possíveis ou reais de atividade. Além disso, ao invés de constituir a base mesma da atividade, o combate é apenas uma limitação exterior. Não valeu a pena levantar-se contra Darwin para no final ser mais darwinista que o próprio Darwin” (Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., p. 78 e p. 81).
  • 19
    Cf. Nachlass/FP 1884, 26[280], KSA 11.223-224, e 1888, 14[121], KSA 13.300-301; e JGB/BM, 13, KSA 5.27-28.
  • 20
    Fouillée atribui essa posição à influência do biólogo Wilhelm Rolph (de quem Nietzsche possuía Biologische Probleme, 1882), cuja “tendência fundamental do ser como ‘insaciabilidade’” Nietzsche propõe como “vontade de potência”.
  • 21
    Cf. Fouillée, 1905bFOUILLÉE, A. Le Moralisme de Kant et l’amoralisme contemporain. Paris : F. Alcan , 1905b., pp. 213-17.
  • 22
    Fouillée, 1905bFOUILLÉE, A. Le Moralisme de Kant et l’amoralisme contemporain. Paris : F. Alcan , 1905b., p. 217.
  • 23
    Fouillée, 1880FOUILLÉE, A. La science sociale contemporaine. Paris: Hachette , 1880., p. 144 (BN). O julgamento de Nietzsche foi manuscrito, em francês, no topo dessa página. A passagem citada é assinalada com uma linha vertical na margem e com um ponto de exclamação.
  • 24
    Cf. Fouillée, 1880FOUILLÉE, A. La science sociale contemporaine. Paris: Hachette , 1880., p. 129.
  • 25
    A. Guyau, 1913GUYAU, A. La philosophie èt la sociologie d'Alfred Fouillée. Paris: F. Alcan , 1913., p. 224.
  • 26
    Fouillée,1880FOUILLÉE, A. La science sociale contemporaine. Paris: Hachette , 1880., p. 345. O comentário de Nietzsche em M/A, 132, KSA 3.123-125: “hoje parece que faz bem a todos ouvir dizer que a sociedade está no caminho de ajustar a necessidade do indivíduo com as de todos, e que a felicidade e ao mesmo tempo o sacrifício do indivíduo consistiriam em sentir-se um membro útil e instrumento da totalidade [...]. Quer confesse ou não, se almeja nada menos do que uma transformação radical, aliás, um enfraquecimento e uma supressão do indivíduo: não se cansa de contar e acusar tudo aquilo que de malvado ou hostil, de pródigo, de dispendioso, de luxuoso existiu até o momento na forma da existência individual; espera-se alcançar uma economia mais barata, menos perigosa, mais regular e unitária, desde que ainda haja grandes corpos com seus membros. Tudo o que, de alguma maneira, corresponde a esse instinto plasmador de corpos e de membros, e aos seus instintos auxiliares, é percebido como bom: essa é a fundamental corrente moral do nosso tempo; em tudo isso sensibilidade simpática e sensibilidade social reagem uma a outra em um jogo mútuo”.
  • 27
    Fouillée, 1878FOUILLÉE, A. L’idée moderne du droit en Allemagne, en Angleterre et en France. Paris: Hachette, 1878., p. 94.
  • 28
    Cf. A. Guyau, 1913GUYAU, A. La philosophie èt la sociologie d'Alfred Fouillée. Paris: F. Alcan , 1913., pp. 142-43.
  • 29
    A. Guyau, 1913GUYAU, A. La philosophie èt la sociologie d'Alfred Fouillée. Paris: F. Alcan , 1913., p. 3.
  • 30
    “Isso é ainda menos renunciar à sua personalidade; é receber, ao contrário, pessoas multiplicadas ao infinito por elas mesmas na sociedade, tudo o que é indispensável à constituição de sua própria pessoa consciente, racional e amorosa” (Fouillée, 1905aFOUILLÉE, A. Les Eléments sociologiques de la morale. Paris: F. Alcan 1905a., pp. 326-27).
  • 31
    Fouillée, 1905aFOUILLÉE, A. Les Eléments sociologiques de la morale. Paris: F. Alcan 1905a., pp. 326-327. “[...] a potência”, prossegue Fouillée, “somente é explicada e julgada por seus efeitos, que são seus fins. A natureza mesma de um ser, se ela determina seu fim, é também, por sua vez, determinada por seu fim; pois ela envolve um vir-a-ser ou um progresso, e esse progresso implica um ideal. Ora, as potências do eu parecem irrealizáveis sem a consideração do meio natural e social em que o eu vive, do qual ele vive e que ele faz viver por sua parte” (p. 328). Nietzsche critica fortemente a determinação dos fins, em particular discutindo idealmente com Spencer, “esse intensificador do finalismo da seleção”. “O moralista que quer fundar uma moral é levado a indicar um objetivo final. ‘Se vocês quiserem ser saudáveis, precisam ser moderados. Mas é necessário que queiram ser saudáveis: uma vez que essa é uma condição para ser feliz, para cumprir os próprios fins, etc.’ Por trás de cada fim, um novo fim é revelado: e o moralista sempre acaba sendo forçado a indicar o propósito da existência. Eu poderia dizer: não há propósitos da existência, então não é possível uma moralidade destinada a atingir o objetivo da existência. Mas acreditou-se para esses propósitos: como resultado, poderia ser fundada uma moral com imperativos. No final, surgem necessariamente modos e hábitos de viver que exercem uma restrição, porque é desagradável resistir-lhes” (Nachlass/FP 1880, 6 [134], KSA 9.230). E ainda: “Todos os moralistas estão de acordo com a tendência geral, uma vez que todos se perguntam a qual fim deve tender o agir e qual é o bem da humanidade: eu os acho dominados por um único instinto e - nisso - cheios de preconceitos. O domínio do altruísmo parece-me arruinar a humanidade - um processo de extinção por eutanásia: talvez os moralistas sirvam ao desenvolvimento geral; mas eles esperam exatamente o contrário! Quero me tornar um pregador do egoísmo e daquele sábio conhecimento que não intervém de bom grado nos assuntos e na vida dos outros: somente por necessidade somos altruístas” (Nachlass/FP 1880, 6[74], KSA 9.214). Muitos fragmentos desse período remontam à leitura de Spencer e de Fouillée (cf. infra, nota 35).
  • 32
    Cf. J.-M. Guyau, 1885GUYAU, J.-M. L’Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction. Paris: F. Alcan , 1885., pp. 205-206.
  • 33
    Cf. carta a F. Overbeck de 4 de janeiro de 1888, KSB 8.224.
  • 34
    Para uma explicação desses temas, gostaria de me referir ao meu La morale evolutiva del gregge. Nietzsche legge Spencer e Mill, 2006FORNARI, M. C. La morale evolutiva del gregge. Nietzsche legge Spencer e Mill. Pisa: ETS, 2006. (tradução alemã: Die Entwicklung der Herdenmoral. Nietzsche liest Spencer und Mill, 2009).
  • 35
    Se Nietzsche estivesse disposto, a princípio, a admitir que a utilidade da ação altruísta devesse constituir a origem de seu louvor, e essa origem pudesse ter caído no esquecimento, é justamente Spencer que lhe sugere como essa hipótese, além de historicamente insustentável, acaba sendo uma contradição psicológica: “Quanto mais racional é a teoria oposta (sem ser por isso mais verdadeira), apoiada, por exemplo, por Herbert Spencer, que estabelece a analogia substancial do conceito de “bom” com o de “útil” e “conforme o fim”, de modo que, nos julgamentos de “bom” e “mau”, a humanidade teria se juntado e sancionado precisamente suas inolvidáveis e inesquecíveis ​​experiências sobre o que é útil e compatível ao fim, prejudicial e não compatível ao fim. De acordo com essa teoria, o que se mostrou útil desde tempos imemoriais é bom: com isso, pode querer valer como “louvável no mais alto grau”, “louvável em si”. Além disso, esse modo de explicação é, como eu disse, errôneo, mas, pelo menos, a explicação em si é racional e psicologicamente sustentável” (GM/GM I, 3, KSA 5.260-261). Ademais, a discussão reducionista da época convence Nietzsche de que a estruturação da consciência pode resultar da fixação de uma série de iterações do sistema nervoso: nesse sentido, se revela importante o spenceriano Espinas, para o qual o consensus social se produziria mediante a execução de atos inconscientes, ignorados pelo indivíduo, mas capitalizados pela espécie, visando a promoção e o desenvolvimento da vida associada e que encontram justificativa direta em nossa conformação orgânica (cf. Espinas, 1877ESPINAS, A. Des sociétés animales. Paris: Germer Ballière,1877.). Na BN, há a tradução alemã da segunda edição francesa (1878), cf. Espinas, 1879ESPINAS, A. Die thierischen Gesellschaften. Eine vergleichend-psychologische Untersuchung. Braunschweig: F. Vieweg und Sohn, 1879. Nietzsche adquiriu esse exemplar em fevereiro de 1882.
  • 36
    Para a distância entre origem (Ursprung) e genealogia (Genealogie), o ensaio de M. Foucault, Nietzsche, La généalogie, l’histoire, ainda ilumina, cf. Foucault, 1971FOUCAULT, M. Nietzsche, La généalogie, l’histoire. In: FOUCAULT, M. et al. Hommage à Jean Hyppolite. Paris: PUF , 1971, pp. 145-172..
  • 37
    Guyau, por exemplo, criticava o finalismo muito restrito da moral utilitaria de uma maneira que Nietzsche poderia ter compartilhado: “Os utilitaristas ou os hedonistas ficam muito satisfeitos por considerar a primeira espécie de prazer [uma forma particular e superficial da atividade; mas], às vezes, se age pelo prazer de agir, vive-se por viver, pensa-se por pensar. Há em nós força acumulada que exige ser gasta; quando o gasto é bloqueado por qualquer obstáculo, essa força se torna desejo ou aversão; quando o desejo é satisfeito, há prazer; quando ele é contrariado, há dor; mas disso não resulta que a atividade armazenada se desenrole unicamente em vista do prazer, com o prazer como motivo; a vida se desenrola e se exerce porque ela é vida. O prazer acompanha em todos os seres a busca da vida, muito mais do ele a provoca; é necessário viver antes de tudo, então usufrua” (Guyau, 1885GUYAU, J.-M. L’Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction. Paris: F. Alcan , 1885., pp. 12-13; Nietzsche escreve na margem da p. 13 de seu texto “gut”). Mas Guyau lê esse ímpeto vital ainda como “manter-se vivo”, como “tendência do ser a perseverar no ser”, que constitui para ele o “fundo de todo desejo”; não se trata de um puro domínio da atividade em todas as suas formas, não é de modo algum uma energia vital que deseja ser descarregada, mas ainda é um “desejo de vida”. Nietzsche se distanciará dela reiterando seu conceito de vida como vontade de potência: “Não digo que a vontade de todo ser de perseverar em seu ser seja o fundo [Fond] de todo desejo: mas sim vontade de potência” (glosa na margem da página 15 de seu texto. Os grifos em negrito são de Nietzsche).
  • 38
    Guyau, 1885GUYAU, J.-M. L’Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction. Paris: F. Alcan , 1885., p. 12. Os grifos em negrito são de Nietzsche.
  • 39
    Cf., por exemplo, Nachlass/FP 1880, 7[246], KSA 9.368; 1883, 7[30], KSA 10.252-253; 1883, 7[201], KSA 10.305-306: “Os moralistas que existiam até agora podem ser distinguidos de acordo com o interesse predominante da seguinte maneira: alguns voltam sua atenção para como se comportar entre os homens; outros para como se deveria comportar. [...] O fato que, onde se age, se age com base em motivos é o pressuposto comum entre eles: é o erro comum deles; todos eles observaram muito mal, aliás negligenciaram até o que está em primeiro plano em todo o cenário moral - o fato de que se age e não se pode deixar de agir e que os assim chamados motivos não o justificam”. Nietzsche redescobrirá em Guyau a vida como “O motivo de nossas ações” e que “A tendência a perseverar na vida é a própria lei da vida” (Guyau, 1885GUYAU, J.-M. L’Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction. Paris: F. Alcan , 1885., p. 11), e colocará ao lado, respectivamente, um ponto de exclamação e um “NB”. Os grifos são de Nietzsche.
  • 40
    Guyau, 1885GUYAU, J.-M. L’Esquisse d'une morale sans obligation ni sanction. Paris: F. Alcan , 1885., pp. 102-103. Os grifos são de Nietzsche.
  • 41
    Cf. Fouillée, 1905bFOUILLÉE, A. Le Moralisme de Kant et l’amoralisme contemporain. Paris : F. Alcan , 1905b., pp. 218-19. Também do ponto de vista teorético, aproximar “potência” e “vontade” - duas palavras às quais Nietzsche recusou todos os sentidos objetivos - dá vida a uma obra cujo título já é “duplamente ontológico, tão quimérico quanto um tratado do flogisto ou da influência astral. O dogmatismo orgulhoso dos compatriotas de Hegel e Schopenhauer se propaga sob a aparência de um completo ceticismo. Após ter zombado tanto dos metafísicos, como Nietzsche pode tomar uma tal metafísica antropomórfica e zoomórfica como a última palavra da filosofia? No sentido abstrato, sua vontade de potência permanece uma fórmula ontológica vazia; em seus diversos sentidos concretos, ela é uma visão unilateral, uma análise incompleta das relações reais da existência, objetos de ideias e de ideias-forças, que Nietzsche quer em vão reduzir tudo a escassas ‘relações de potência’, torturando-as no leito de Procusto de seu sistema” (Fouillée, 1905bFOUILLÉE, A. Le Moralisme de Kant et l’amoralisme contemporain. Paris : F. Alcan , 1905b., p. 235). Um título e um sistema que existem naturalmente graças às manipulações do Nietzsche-Archiv.
  • 42
    Ao eterno retorno, Fouillée dedica, além de um breve capítulo de seu livro sobre Nietzsche, também um artigo na Revue philosophique, Note sur Nietzsche et Lange “Le retour éternel” (cf. Fouillée, 1909FOUILLÉE, A. Note sur Nietzsche et Lange “Le retour éternel”. Revue philosophique, n. 34, pp. 519-525, 1909.): em ambos destaca mais uma vez a pouca originalidade do filósofo. Em particular, Fouillée deseja lembrar que “Os comentadores de Nietzsche também negligenciaram mencionar que, em Vers d’un philosophe, que apareceu en 1881, Guyau havia feito da análise espectral e da repetição ao infinito o tema de uma de suas mais belas peças líricas” (Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., p. 208).
  • 43
    Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., p. 189.
  • 44
    Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., p. 193.
  • 45
    Fouillée, 1902FOUILLÉE, A. Nietzsche e l’immoralisme. Paris: F. Alcan , 1902., p. 193.
  • 46
    Tradução alemã de The Date of Ethics (cf. Spencer, 1879SPENCER, H. Die Thatsachen der Ethik. Stuttgart: Schweizerbart, 1879. ) (BN). Cf. Fornari, 2006FORNARI, M. C. Die Entwicklung der Herdenmoral. Nietzsche liest Spencer und Mill. Wiesbaden: Harrassowitz Verlag, 2009., § 3.3.1.
  • 47
    “Eu considero os homens com um olhar bom ou ruim, mas sempre os vejo aplicados a uma única tarefa, todos e cada um em particular: ‘fazer o que beneficia a conservação da espécie humana’. E isso, para dizer a verdade, menos por um sentimento de amor a ela que, simplesmente, porque nada é neles mais antigo, mais forte, mais implacável, mais insuperável que esse instinto - pois esse instinto é justamente a essência de nossa espécie e de nosso rebanho” (FW/GC, 1, KSA 3.369).
  • 48
    Cf., por exemplo, M/A, 132, KSA 3.123-125.
  • 49
    Fouillée, 1880FOUILLÉE, A. La science sociale contemporaine. Paris: Hachette , 1880., p. 249. Ao grifo, Nietzsche acrescenta, ao lado, um “falsch” (falso).
  • 50
    Fouillée, 1905aFOUILLÉE, A. Les Eléments sociologiques de la morale. Paris: F. Alcan 1905a., p. 35.
  • 51
    Fouillée, 1905aFOUILLÉE, A. Les Eléments sociologiques de la morale. Paris: F. Alcan 1905a., p. 37.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2019
  • Aceito
    30 Set 2019
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