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Nietzsche e a tarefa do filósofo do futuro

Nietzsche and the task of the philosopher of the future

Resumo:

Pretende-se neste artigo analisar a noção nietzschiana de filósofo do futuro e sua contribuição para o surgimento do novo homem, tendo em vista, prioritariamente, Além de bem e mal. Para tanto, iniciaremos analisando de que forma esta obra pode ser considerada, segundo a pretensão de seu autor, como uma crítica da modernidade e, consequentemente, de que forma ela se constitui como o manifesto de uma tarefa que Nietzsche define como própria dos filósofos do futuro: a superação do passado, ou seja, das formas metafísicas, dogmáticas e ascéticas que orientaram a filosofia ao longo da história, por meio dos “trabalhadores filosóficos”, que agora devem ceder lugar aos autênticos filósofos, cujas lentes fisiopsicológicas examinam o pensamento como sintoma da saúde ou da doença de seus autores. Com isso, Nietzsche substitui a antiga tarefa do filósofo (buscar a verdade) por uma nova missão (buscar a saúde). Com essa reflexão, acredita-se margear alguns dos problemas centrais da pesquisa do homenageado desse dossiê, prof. Wilson Antonio Frezzatti Jr.

Palavras-chave:
filósofo; filósofo do futuro; fisiopsicologia; saúde; doença

Abstract:

This paper intends to analyze the Nietzschean notion of philosopher of the future and its contribution to the emergence of the new man, having in mind, primarily, Beyond good and evil. In order to do so, we will begin by analyzing how this work can be considered, according to the author’s intention, as a critique of modernity and, consequently, in what way it constitutes the manifesto of a task that Nietzsche defines as proper to the philosophers of the future: the overcoming of the past, that is, of the metaphysical, dogmatic and ascetic forms that have guided philosophy throughout history, through the “philosophical workers”, who must now give way to authentic philosophers, whose physiopsychological lenses examine thought as symptom of the health or illness of its authors. With this, Nietzsche replaces the philosopher’s old task (seeking truth) with a new mission (seeking health). With this reflection, it is believed that some of the central problems of the research of the honoree of this dossier, prof. Wilson Antonio Frezzatti Jr., are bordered.

Keywords:
philosopher; philosopher of the future; physiopsychology; health; disease

Introdução

“Existe hoje suficiente coragem, ousadia, confiança, vontade de espírito, vontade de responsabilidade, liberdade de vontade, para que de ora em diante o filósofo seja realmente - possível?...” (GM, III, 10).

Além de bem e mal está entre as obras mais lidas e discutidas pelos intérpretes de Nietzsche bem como pelos interessados em sua filosofia. Isso se explica tanto pelo estilo acessível e instigante quanto pela condensação dos principais temas que remetem a outras obras do autor, para as quais o livro de 1886 serve de articulação e, em algum sentido, introdução. Nele, além disso, Nietzsche eleva ainda mais o seu tom polêmico e crítico, deixando transparecer, com isso, a sua verve filosófica de análise (extemporânea) da cultura ocidental.

O presente artigo parte da convicção de que o eixo central desse exame é a pergunta sobre o papel do filósofo e a busca pelo “conceito genuíno de filósofo” (der ächte Begriff des Philosophen), como se lê no Fragmento Póstumo 26[452], do verão-outono de 1884, KSA 11.271), conceito esse que se transforma, afinal, em uma espécie de promessa, cunhada pelo termo “filósofos do futuro” (Philosophen der Zukunft) ou “filósofos vindouros” (kommenden Philosophen) (JGB/BM, 42, KSA 5.59). Como promessa, tal ideia é também uma missão e, sobretudo, uma tarefa, que deve ser assumida por aqueles que se libertam das antigas amarras da verdade e se lançam a novos horizontes de sentido, por meio de um olhar multiperspectivo que quer ver mais longe, que quer ver além. Com essa formulação, Nietzsche assume o encargo de promover um novo tipo de homem, marcado por um novo tipo de atitude diante da vida: sua saúde o levaria, afinal, para a afirmação e a celebração jubilosa da existência, mesmo lá onde ela contém os perigos mais contundentes, para os quais será exigida a força mais lancinante. Pretendemos demonstrar como essa tarefa conduz a um novo tipo de atitude por parte do pensador, que deixa de ser apenas um trabalhador filosófico para ser, afinal, um autêntico filósofo.

A crítica à modernidade, entre o passado e o futuro

Ao visar retrospectivamente a obra de 1886, Além de bem e malNIETZSCHE, Friedrich. Além de bem e mal. Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2002., Nietzsche escreve, em Ecce HomoNIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo. Como alguém se torna o que é. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2008. aquela que é uma das afirmações mais contundentes a respeito de sua obra: “Este livro (1886) é, em todo o essencial, uma crítica da modernidade” (EH/EH, Além de bem e mal, 2, KSA 6.350). Levando-se em conta o papel e a importância de Além de bem e mal no corpus nietzschiano, essa declaração não é desprovida de força capaz de vazar seu sentido para quase todo o seu projeto filosófico, na medida em que a obra de 1886 articula, em suas temáticas, tanto as reflexões iniciadas em obras anteriores (como Humano, demasiado humanoNIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado Humano. Um livro para espíritos livres. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. e A gaia ciênciaNIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.) quanto projeta os temas que se tornarão decisivos na última fase de sua produção filosófica, entre os quais estão o perspectivismo, a vontade de poder, a crítica genealógica da moral, a nobreza de espírito e a atitude afirmativa da existência. Afirmar que Além de bem e mal é uma crítica da modernidade é, portanto, dizer que seus temas centrais servem de crítica ao projeto moderno (passado) e oferecem o horizonte para sua superação. Isso significa, como notou Pippin (2010, p. 45)PIPPIN, Robert B. Nietzsche, psychology, & First Philosophy. Chicago; London: The University of Chicago Press, 2010., que a modernidade é assumida por Nietzsche como “um problema psicológico”.

Tal perspectiva “histórica”, por assim dizer, da obra, vale lembrar, está posta já no subtítulo: prelúdio (Vorspiel) a uma filosofia do futuro. Essas “preliminares” são, portanto, uma estratégia de inauguração de um novo tipo de filosofia que se opõe frontalmente ao que tinha sido a característica central da tradição ocidental, a qual Nietzsche identifica agora como substrato da própria modernidade (que, nesse sentido, seguiria herdeira das mesmas premissas ao longo de toda a história do Ocidente). Eis porque, na continuidade da passagem supracitada, encontramos a lista daquilo que precisa ser superado: “as ciências modernas”, “as artes modernas”, “a política moderna” e o homem moderno. Essas quatro dimensões, reconhecidas como o orgulho da modernidade seriam, para Nietzsche, representações do grande entrave que tem impedido a aparecimento da nobreza de espírito capaz de inaugurar a necessária atitude nova que ele resume sob o dístico do futuro. Em outras palavras, nessas quatro dimensões residem os obstáculos para a superação do passado da cultura ocidental, um passado que remete, em última instância, à inflação da racionalidade e da responsabilidade, à hipertrofia da culpa e do ressentimento e à ascensão da lógica décadent e niilista. Essa superação exigiria, por isso, um olhar para o presente: o livro “é obrigado a enfocar com agudeza o imediato, a época, o em torno” (EH/EH, Além de bem e mal, 2, KSA 6.350). Essa atenção ao presente é apresentada como a estratégia de luta contra o passado e, consequentemente, de abertura do horizonte futuro. O presente, afinal, é o tempo sobre o qual se dobra a oportunidade da crítica e da superação.

As quatro dimensões da crítica à modernidade dependem, portanto, dessa atenção ao presente, na medida em que a modernidade resume o passado e serve de terreno para o avanço do novo - que não vem ex nihilo, mas se expressa como superação a partir do que foi. Nietzsche enumera, por isso, o que deve ser superado - o que representava, na verdade, os grandes orgulhos da modernidade: “a famosa ‘objetividade’”, “a ‘compaixão pelo sofredor’”, “o ‘sentido histórico’” e “a ‘cientificidade’”. Estariam postos, assim, os motes centrais da era moderna, resumidos em seu afã científico, em sua moral da compaixão e em sua visão evolutiva, progressista e escatológica da história. Essas noções tanto guardam o espólio do passado platônico-judaico-cristão quanto indicam as teses e os autores que servem de terreno para a continuidade de seu cultivo: Hegel, Darwin e as teses da democracia e do socialismo, em termos históricos; Kant e Schopenhauer em termos morais; o positivismo em termos científicos. Com isso, Nietzsche descreve (e ao mesmo tempo refuta) o presente, comprovando as ligações diretas da jactância moderna com muito daquilo que ela mesma pretendia, inicialmente, superar.

Wotling (2016, p. 248)WOTLING, Patrick. “Oui, l’homme fut un essai”. La philosophie de l’avenir selon Nietzsche. Paris: Press Universitaires de France, 2016., nessa esteira, identifica aquelas que poderiam ser consideradas as duas raízes últimas da modernidade apontadas por Nietzsche: a ideia de hierarquia e o horror a todas as formas de sofrimento. Da primeira teria nascido o processo de afirmação política da igualdade e da democracia (que inclui a ideia de lei, derivada do campo das ciências naturais, como se lê no aforismo 22 de Além de bem e mal) e, da segunda, o ideal religioso e moral da piedade, do altruísmo e da compaixão. O resultado teria sido, precisamente, a criação de um tipo de homem que Nietzsche identifica como algo a ser superado:

O que é o homem moderno, então? O tipo de homem que representa o europeu herdeiro da longa história do platonismo e do cristianismo é sobretudo um ser que foge com um horror irreprimível de tudo o que ele percebe como portador de desprazer, de sofrimento ou de infelicidade (malheur) - e da mesma maneira ele é irresistivelmente enfeitiçado por tudo aquilo que lhe dá o sentimento de ser não um indivíduo, uma singularidade, mas, ao contrário, um elemento anônimo no seio de uma comunidade na qual obedecer é a única coisa que lhe seja pedido. (Wotling, 2016WOTLING, Patrick. “Oui, l’homme fut un essai”. La philosophie de l’avenir selon Nietzsche. Paris: Press Universitaires de France, 2016., p. 250)

Essa descrição ajuda a esclarecer como e por que a modernidade se torna a história de uma doença do homem, cujas raízes são os sentimentos de medo da dor e de negação de tudo o que é singular em nome da moralidade do rebanho e mesmo dos ideais da multidão e da massa, cujo diagnóstico Nietzsche é um dos primeiros a realizar. O instinto gregário, portanto, seria marcado por um desejo de abnegação de si, tanto no sentido do recolhimento amedrontado daqueles que não querem arriscar o seu quartil de pretenso bem-estar, quanto porque tal ideal passou a ser associado à pertença ao rebanho e à vida sob o manto protetor da multidão, que não promove e não admite nenhuma individualidade. O homem moderno, ao contrário do que propôs o Iluminismo, é descrito por Nietzsche como um indivíduo que não sabe e não quer comandar a si mesmo, que recusa o exercício do poder e prefere obedecer ao invés de pensar e viver por si mesmo. Ele se opõe frontalmente, como veremos adiante, às expectativas derivadas da tarefa do filósofo do futuro1 1 Uma tarefa que, segundo Wotling, pode ser resumida com uma referência à contradição fisiopsicológica própria do homem europeu, no qual persiste uma luta entre o Sim e o Não ou, em outras palavras, uma batalha entre obedecer e desobedecer, “uma rivalidade entre sistemas de valores” (2016, p. 254) que se organiza, afinal, na luta entre o bem e o mal. É nesse sentido que estar Além de bem e mal seria, afinal, colocar-se acima dessa contradição, alcançar a “elevação”. O resultado dessa luta, ao contrário, teria sido a fraqueza do homem moderno, a desorganização de seus instintos, a dúvida, a hesitação e, em última instância, a paralisia. O exemplo mais acabado desse tipo de homem seria, afinal, o próprio homem alemão (cf. EH/EH, O caso Wagner, 2, KSA 6.357). .

Tal fato faz da modernidade a história de um fracasso, cujo resultado é a imposição de entraves para o avanço do novo, identificado por Nietzsche como o tempo da transvaloração, nascido da atitude “que diz Não, que faz o Não: a transvaloração2 2 Alteramos aqui a tradução de Paulo César de Sousa para a expressão Umwerthung, originalmente vertida para português como tresvaloração. mesma dos valores existentes, a grandeza de guerra” que é também, para o filósofo, uma “obra de destruição” (EH/EH, Além de bem e mal, 1, KSA 6. 350). Se Assim falou ZaratustraNIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2011. havia sido a obra do Sim, ela também tinha inaugurado uma nova “tarefa”, “traçada da maneira mais rigorosa”: lutar contra os obstáculos, o que se traduziu, nesse caso, como uma luta contra as bases da modernidade. A filosofia do futuro se tornou, por isso, uma empresa destrutiva na medida em que o Sim conduziu à fidelidade à terra e, consequentemente, à recusa das antigas premissas metafísicas da cultura ocidental. A força do Sim transforma-se em força criadora que é, também, agora, força destrutiva, na medida em que toda nova criação exige ao Umwerthung dos valores do passado. O presente é o tempo da guerra porque o futuro é o tempo dos novos valores, que são, conforme lemos no Prólogo de Além de bem e mal, produzidos pela tensão do arco, determinada pela luta empreendida contra o passado. A Umwerthung é, nesse sentido, a tarefa da liberdade plena, que orienta a tensão do arco para um novo objetivo.

O filósofo do futuro e a tarefa de superação

Para isso, Além de bem e mal é exemplar: sua ordem interna não é outra coisa senão uma tentativa de reorientar a tensão da seta e indicar o que deve ser superado: os preconceitos dos filósofos, o espírito cativo, a natureza religiosa, as raízes metafísicas da moral, a compaixão e o altruísmo, a igualdade de direitos, a erudição vazia da ciência e da filosofia, a política patriótica dos europeus embasada na democracia e na crença no progresso e na civilização. Essas temáticas, note-se, são analisadas criticamente com a energia afirmativa de quem se dirige contra os bastiões mais celebrados da modernidade. Com essa estratégia, Nietzsche alcança um segundo resultado, sub-reptício e, em algum ponto, até mesmo solapado pela crítica como tal: a questão é que, ao apresentar e desenvolver a sua crítica, Nietzsche também explicita como deve proceder a chamada filosofia do futuro e, ainda mais, como deve proceder o filósofo para que ele seja do futuro. Em outras palavras, ao formular seu pensamento, Nietzsche o faz não apenas pensando, mas também ensinando como se deve pensar. Ao fazê-lo, portanto, expõe de forma radical e explícita, os passos de sua própria disposição intelectual e as tensões de seus afetos.

Nesses termos, a obra mesma está organizada segundo esse eixo central: a noção de filósofo do futuro e de sua tarefa. Para Wotling, por exemplo, isso se reflete na própria “lógica” do livro: “a primeira seção (‘Dos preconceitos dos filósofos’) prepara o terreno detectando as pressuposições que embasam constantemente a prática filosófica desde sua instauração no quadro do pensamento platônico” (2016, p. 244) e, a partir daí, na segunda seção empreende-se o trabalho de reconstrução dos “primeiros traços dos pensadores verdadeiramente fiéis à exigência filosófica”, ou seja, dos “novos filósofos” (JGB/BM, 203, KSA 5.126), dos “filósofos do futuro” (JGB/BM, 42, KSA 5.59) e do “espírito livre”. A terceira seção projetaria, segundo Wotling, a tarefa fundamental desse filósofo, resumida sob o emblema da Züchtung, ou seja, da seleção e da elevação, traduzida pela ideia da hierarquia e de nobreza (o que retorna na seção 9). As seções seguintes indicam como essa tarefa pode ser realizada, por meio de uma superação dos processos de degeneração e, principalmente, do restabelecimento da ligação problemática entre a verdade e o valor: a verdadeira tarefa do filósofo não está mais ligada ao pensamento apenas, mas à experiência, à vida e sua forma de aproximação dos problemas parte de uma avaliação do próprio valor da verdade - eis a questão radical evocada pela filosofia nietzschiana. É o que se lê, por exemplo, no aforismo 210: “através do nome com que ousei batizá-los, já sublinhei claramente a experimentação e o prazer no experimento” (JGB/BM, 210, KSA 5.142), algo que se dá de forma mais radical na medida em que o verdadeiro experimento, o mais profundo, é aquele que o filósofo pratica consigo mesmo, realiza em si mesmo. Em nome de sua “paixão pelo conhecimento” (JGB/BM, 210, KSA 5.142) eles farão de si mesmos objetos de experimentação, de forma que a vida e o pensamento não sejam mais desligados. Com isso, Nietzsche está rompendo com uma longa tradição, que repercute como tese central da modernidade (especialmente com o cogito cartesiano), que separou essas duas instâncias, a da atividade intelectual e a da atividade vital. O que eles alcançarão, afinal, com isso, não é outra coisa, nas palavras de Nietzsche, do que uma superação até mesmo da atitude crítica (ademais, própria da modernidade) em direção à criação do que é novo. Enquanto Kant e os demais pensadores modernos teriam sido apenas bons conselheiros e reconciliadores das teses modernas com as antigas, os filósofos do futuro utilizam esse trabalho já feito para ir além, para criar novos valores.

Os trabalhadores filosóficos e os filósofos autênticos

A distinção mais relevante definida por Nietzsche entre os filósofos do passado e os filósofos do futuro aparece no aforismo 211 de Além de bem e mal: os primeiros seriam os “trabalhadores filosóficos” e os segundos os filósofos propriamente ditos. Na prática, os primeiros seriam os precursores dos segundos, na medida em que estes assumem sua condição a partir das várias experiências que caracterizam a tarefa daqueles: “talvez seja indispensável, na formação de um verdadeiro filósofo, ter passado alguma vez pelos estágios em que permanecem, em que têm de permanecer os seus servidores, os trabalhadores filosóficos” (JGB/BM, 211, KSA 5.144). No fundo, a constituição do filósofo é uma tarefa de autossuperação, na qual o conhecimento é um processo de vivência no qual a vida é a principal matéria: “talvez ele próprio tenha de ter sido crítico, cético, dogmático e historiador, e além disso poeta, colecionador, viajante, decifrador de enigmas, moralista, vidente, ‘livre pensador’ e praticamente tudo, para cruzar o âmbito dos valores e sentimentos de valor humanos” (JGB/BM, 211, KSA 5.144). Essas seriam, para Nietzsche, as “precondições de sua tarefa”, mas a tarefa mesma, aquela que distinguiria os verdadeiros filósofos dos meros trabalhadores, é a capacidade de criar valores. Nietzsche propõe, por isso, uma inversão da antiga tarefa da filosofia: não apenas interpretar e analisar o mundo (o que, no caso de Nietzsche, significaria, a moral) mas criá-la. Enquanto os trabalhadores filosóficos reproduzem o passado (Nietzsche nomeia diretamente Kant e Hegel, que teriam apenas colocado em fórmulas lógicas, políticas e artísticas as “determinações” morais do passado - teriam, sido, afinal, apenas trabalhadores), os novos filósofos são aqueles que assumem a tarefa de criação como tarefa de criação de futuro: “os autênticos filósofos são comandantes e legisladores” (JGB/BM, 211, KSA 5.144). À maneira do que fez Marx, na sua célebre afirmação de que a tarefa do filósofo seria transformar o mundo e não apenas interpretá-lo3 3 “Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de diferentes maneiras; a questão, porém, é transformá-lo” (Marx, 1993, p. 14) , Nietzsche afirma que o papel do filósofo não seria apenas interpretar a moral, mas criá-la ou seja, legislar a favor de um novo tipo de valor, que seja afirmativo da vida. Como criadores, os filósofos devem ter o poder de reorientar os valores: “eles dizem ‘assim deve ser!’, eles determinam o para onde? e para quê? do ser humano (...) - estendem a mão criadora para o futuro, e tudo o que é e foi torna-se para eles um meio, um instrumento, um martelo” (JGB/BM, 211, KSA 5.144). Para Nietzsche, o “trabalho prévio de todos os trabalhadores filosóficos, de todos os subjugadores do passado” serve agora de meio e instrumento para essa nova criação. Note-se que todos os adjetivos referentes aos trabalhadores filosóficos dizem respeito ao passado, enquanto o vocabulário do verdadeiro filósofo diz respeito ao futuro como um produto da superação das barreiras que impediam o aparecimento do novo.

No último aforismo dessa seção (sexta) de Além de bem e mal Nietzsche volta ao tema, demonstrando como o surgimento do filósofo do futuro depende de seu cultivo. Isso significa que foi “em virtude da ascendência”, ou seja, devido aos “ancestrais” e ao “sangue” (Nietzsche mesmo coloca essa palavra entre aspas, para destacar o seu uso metafórico) que o verdadeiro filósofo se tornou possível: “muitas gerações devem ter trabalhado na gênese do filósofo; cada uma de suas virtudes deve ter sido adquirida, cultivada, transmitida, incorporada” (JGB/BM, 213, KSA 5.147). O filósofo, assim, deve ser reconhecido como um produto da sucessão de experimentos que incluem (embora não se atenham a eles) o que foi o trabalho dos antigos pensadores.

Nietzsche, além disso, explicita como os trabalhadores filosóficos estão atrelados à vontade de verdade, enquanto os verdadeiros filósofos são aqueles que se ligam à vontade de poder: “seu ‘conhecer’ é criar, seu criar é legislar, sua vontade de verdade é - vontade de poder (Wille zur Macht)” (JGB/BM, 211, 5.144). A formulação liga, portanto, a busca pela verdade (tarefa tradicional do filósofo) ao passado e a busca pelo poder, compreendido aqui como capacidade de orientação e de definição dos valores a partir da vida, como atividade legislativa. Para isso, ele assume o que é próprio do seu tempo mas para contradizer isso que lhe é próprio: “em contradição com o seu hoje; seu inimigo sempre foi o ideal de hoje” (JGB/BM, 212, KSA 5.145). Nesse sentido, a vontade de poder é uma força de transmutação, ligada diretamente à tarefa da Umwerthung, que tem como premissa a tarefa de opor-se ao seu tempo (no caso, àquilo que caracteriza a modernidade). É isso que Nietzsche chama, precisamente, de “ser a má consciência do seu tempo”: colocar “a faca no peito das virtudes do tempo, para vivisseccioná-lo” (JGB/BM, 212, KSA 5.145).

O passado dogmático e o futuro perspectivístico

A vontade de poder, nesse caso, apresenta-se como vontade de superação de todos os obstáculos que atravancam a criação dos novos valores e, para isso, trata-se de enfrentar a modernidade enquanto tal, compreendida como o tempo do adoecimento da vontade, na medida em que a busca pela verdade conduziu à atrofia da vontade enquanto abertura de poder: “nada é mais atual do que a fraqueza da vontade” (JGB/BM, 212, KSA 5.145). A modernidade é o tempo do comodismo, do contentamento com o pouco oferecido pelas mentiras transformadas em verdade, do medo do risco e da aventura, traduzidas, no fundo, como medo da vida. Superá-la significa, por isso, “ir além, onde vocês, hoje, menos se sentem em casa” (JGB/BM, 212, KSA 5.145). Se a era moderna, afinal, é o tempo do escanteamento da vontade por meio das especializações e dos cientificismos a la Descartes, então superá-la significa abrir-se para a multiplicidade de perspectivas, o que Nietzsche considera o primeiro passo para a conquista da grandeza do homem: enquanto a verdade tinha sido associada à tirania das certezas próprias do modo moderno de fazer ciência, Nietzsche resgata a “vastidão e multiformidade” daquilo que caracteriza a vida e convoca o filósofo não apenas para a repetição de fórmulas prontas, mas para o domínio sobre terrenos novos, ainda não desbravados. Se a vontade de verdade mantinha o ser humano trancafiado em suas câmaras escuras de medo e hipocrisia, a vontade de poder, sendo sempre já um exercício de força, induz para fora, eleva e lança para aqueles terrenos além de bem e mal, como consta já no título da obra, que não passa de uma referência direta, portanto, àquilo que é o centro nevrálgico do livro: a definição da tarefa do filósofo.

Nessa perspectiva, o filósofo, sendo a má-consciência do seu tempo, é aquele que se volta contra a moral vigente e torna-se um caluniador da moral, um imoralista e, sobretudo, um solitário. O tema da solidão é associado, assim, ao tema da grandeza, na medida em que, rompendo com os ideais da modernidade, o filósofo terá de romper com a moral de rebanho, produzida pela doença da vontade. Isso porque, ao optar pela vontade de poder, o verdadeiro filósofo será alvo das inúmeras iniciativas impetradas contra ele como tentativa de dominar a sua força. Ele se torna, afinal, uma ameaça e precisa ser banido, enfraquecido, combatido a todo custo. Com isso, morre também o tipo nobre que ele representa e produz: “hoje o ser-nobre, o querer-ser-para-si, o poder-ser-distinto, o estar-só e o ter-que-viver-por-si são parte da noção de grandeza” (JGB/BM, 212, KSA 5.145). Descrita nesses termos, a solidão se torna a característica central do filósofo e um dos temas mais recorrentes da obra de Nietzsche. Ela representa a capacidade criadora da vontade de poder que se opõe àquilo que caracteriza o adoecimento e a fraqueza da modernidade. É por isso que o filósofo é o afirmador da solidão: “será o maior aquele que puder ser o mais solitário, o mais oculto, o mais divergente, o homem além de bem e mal, o senhor de suas virtudes, o transbordante de vontade” (JGB/BM, 212, KSA 5.145). Nessa descrição, Nietzsche deixa claro como a solidão se apresenta como o critério da nobreza e, nesse sentido, como premissa da capacidade legisladora e criativa daqueles que romperam os diques da vontade de verdade para alcançar a plenitude da vontade de poder. É por ela, afinal, que o filósofo se coloca, corajoso, além de bem e mal - “precisamente a isso se chamará grandeza” (JGB/BM, 212, KSA 5.145). Falar em tipo nobre, portanto, é falar de alguém capaz de romper com as amarras das fórmulas e formas antigas de filosofar: “a alma nobre tem reverência por si mesma”, vaticina Nietzsche (JGB/BM, 287, KSA 5.232).

Como adesista da vontade de poder, o filósofo do futuro dá preferência, como já vimos, pela experiência vital - superando a mera tarefa intelectual dos pensadores acostumados a costurar remendos sobre panos antigos. Nesse sentido, o filósofo se opõe ao erudito que tudo diz do que não vive. Nietzsche resgata aqui um tema já tratado em sua Extemporânea sobre Schopenhauer, reorientando a sua argumentação segundo os temas de seu interesse atual: para ele, os eruditos praticam um tipo de pensamento rangente, pesado e triste, digno apenas de suor; enquanto os filósofos que sabem por experiência praticam o pensamento como “algo leve, divino e intimamente aparentado à dança e à exuberância!” (JGB/BM, 213, KSA 5.147). É como dançarinos, portanto, que os filósofos do futuro experimentam a sua força e resgatam a vontade daquela sina de adoecimento à qual ela tinha sido submetida pela modernidade. A plena liberdade passa a ocorrer, então, como “pleno poder” (JGB/BM, 213, KSA 5.147).

A tarefa primordial do filósofo: a criação do homem novo

Podemos dizer, contudo, que a criação de novos valores ainda não é a tarefa final dos novos filósofos. Essa, na verdade, pode ser compreendida como um meio para algo ainda maior: a criação de homens novos, descritos por Nietzsche tipos nobres, “espíritos fortes” (JGB/BM, 203, KSA 5.126) e saudáveis capazes de romper com os grilhões do passado graças à sua originalidade e à sua capacidade de opor-se aos ideais do rebanho. O filósofo é, nesse caso, um promotor do homem do futuro: ele deve “estimular valorizações opostas e transvalorar e transtornar (umzuwerthen, umzukehren) ‘valores eternos’” e sobretudo, sua tarefa será resgatar a esperança no futuro do próprio homem a partir da experimentação que ele fez consigo mesmo, por meio, portanto, do testemunho de sua própria vivência. O filósofo do futuro é, sobretudo, um educador - compreendendo a educação segundo a fórmula nietzschiana do cultivo, resgatada de forma reiterada em Além de bem e mal, como se nota na seguinte passagem:

Ensinar ao homem o futuro do homem como sua vontade, dependente de uma vontade humana, e preparar grandes empresas e tentativas globais de disciplinação e cultivo, para desse modo pôr um fim a esse pavoroso domínio do acaso e do absurdo que até o momento se chamou ‘história’ - o absurdo do ‘maior número’ é apenas sua última forma -: para isso será necessária, algum dia, uma nova espécie de filósofos e comandantes, em vista dos quais tudo o que já houve de espíritos ocultos, terríveis, benévolos, parecerá pálido e mirrado. É a imagem de tais líderes que paira ante os nossos olhos: - posso dizê-lo em voz alta, ó espíritos livres? (JGB/BM, 203, KSA 5.126).

Os novos líderes (Philosophen und Befehlshabern) são, portanto, os cultivadores do novo homem e sua missão é abrir os “caminhos e testes” capazes de preparar o homem do futuro para “uma transvaloração dos valores, sob cuja nova pressão e novo martelo uma consciência se tornaria brônzea, um coração se faria de aço, de modo a suportar o peso de uma tal responsabilidade” (JGB/BM, 203, KSA 5.126). Para tanto, os filósofos devem incluir entre suas tarefas, a orientação dos “homens extraordinários” para que não se percam de suas rotas por causa, por exemplo, da “estúpida inocência e credulidade das ‘ideias modernas’ e mais ainda em toda a moral cristã-europeia” (JGB/BM, 203, KSA 5.126). Isso porque, a modernidade, como tal, sendo o tempo da degeneração, é o tempo do grande perigo para o aparecimento dos homens novos - mais uma vez: é preciso lutar contra os obstáculos impostos pela própria era moderna contra o aparecimento dos homens do futuro. Tudo ocorre como se a modernidade estivesse, contrariamente ao que ela mesma propõe, atrelada de forma indefectível, ao passado. Dizer moderno é dizer, no fundo, apenas antigo, ultrapassado, doente, velho... não por acaso, é na modernidade que se realizará o ato definitivo que levou à morte do Deus cristão.

O filósofo do futuro, contudo, olha para o novo com expectativas porque “ele sabe, com todo o saber de sua consciência, como o homem está ainda inesgotado para as grandes possibilidades” (JGB/BM, 203, KSA 5.126) e como, afinal, as teses modernas (que incluem o socialismo, a democracia e os discursos sobre direitos iguais) representam mais uma etapa na degeneração e na decadência. Como produtos da modernidade, Nietzsche inclui em sua crítica esses elementos que estão entre as conquistas mais célebres da era moderna. Ao fazê-lo, Nietzsche não pretende apenas polemizar ou lançar mão de teses obscurantistas para reafirmar suas próprias posições políticas. Na verdade, ele o faz por fidelidade ao próprio movimento de seu pensamento, na medida em que identifica nessas pretensas conquistas, mais do mesmo. Para Nietzsche, nenhuma dessas promessas políticas são de fato novas porque não querem produzir verdadeiramente um homem novo, mas apenas requentar os velhos ideais humanizadores já provados na tradição e cujo fracasso o próprio Nietzsche diagnosticou. O homem novo não nascerá, afinal, a não ser de si mesmo, de uma nova matriz, de uma afirmação aristocrática que se contrapõe aos discursos da igualdade próprios da era moderna. Isso fica evidente quando lemos o primeiro aforismo da seção O que é nobre?: “toda elevação do tipo ‘homem’ foi, até o momento, obra de uma sociedade aristocrática - e assim será sempre: de uma sociedade que acredita numa longa escala de hierarquias e diferenças de valor entre um e outro homem, e que necessita da escravidão em algum sentido” (JGB/BM, 257, KSA 5.205). Aos olhos modernos, a afirmação é de difícil aceitação. Ela deve ser compreendida, contudo, a partir da premissa geral da crítica de Nietzsche à modernidade, como o tempo do rebanho, da degeneração e da negação das diferenças, cujo resultado final seria a elevação da doença e da fraqueza como valores.

Tal afirmação se apoia sobre o conceito de “pathos de distância” (JGB/BM, 257, KSA 5.205) que é definido não apenas em sentido político, mas sobretudo em sentido espiritual: “o desejo de sempre aumentar a distância no interior da própria alma, a elaboração de estados sempre mais elevados, mais raros, remotos, amplos, abrangentes, em suma, a elevação do tipo ‘homem’, a contínua ‘autossuperação do homem’, para usar uma forma moral num sentido extramoral” (JGB/BM, 257, KSA 5.205). Aprender a distanciar em si mesmo os vários estados afetivos é o caminho para que seja possível, afinal, elevar o tipo homem e reconhecer os distanciamentos necessários para que a sociedade se torne uma estufa de plantas superiores.

Ora, a ideia de pathos de distância aproxima-se de um dos conceitos mais populares da obra de Nietzsche: o perspectivismo. Toda tomada de distância tem, afinal, como objetivo um ver melhor, um colocar-se em lugar mais apropriado para ver, em orientar o olhar de forma mais clara e sem obstáculos. Ora, ver melhor, nesse caso, não é apenas ver de outro modo, mas tomar uma posição de elevação a partir da qual seja possível reconhecer a variedade possível de perspectivas. Esse sentir-se distante é, portanto, um sentir-se elevado e isso possibilita o reconhecimento da existência de diferentes perspectivas sobre todas as coisas. Uma tal postura se diferencia frontalmente da tradição de busca pela verdade que, em última instância, é única e se encontra no alto, cuja tarefa de alcance é descrita desde Platão como uma ascese e uma purificação de tudo o que é terreno e humano. Nietzsche, ao contrário, por dar preferência àquestão do poder como capacidade de criar valores, o faz em detrimento daquela posição cuja visão é unificada e totalitária. O perspectivismo é a afirmação de uma forma de acesso aos valores, de uma aproximação do problema dos valores a partir da formulação de múltiplas perspectivas. Tratar-se-ia, no fundo, de alterar o ponto de vista a partir do qual os valores sejam avaliados, deslocando a perspectiva corrente na tradição para outras, nas quais sejam abertos novos horizontes de sentido. A estratégia, em si mesma, remete à afirmação da vontade de poder como força afirmativa da vida e, consequentemente, à afirmação da vida como critério da valoração. Afirmar a vida significa, afinal, tornar a vida interessante, interessar-se por ela e, com isso, romper com a estratégia do medo que compreendeu a vida como um perigo a ser evitado. Born anunciou essa estratégia como o eixo central de Além de bem e mal: para ele numerosos aforismos “mostram como o livro faz uso de imagens que demandam uma mudança ou transformação de perspectiva” (2015, p. 160BORN, Marcus Andreas. Perspectives on a Philosophy of the Futur in Nietzsche’s Beyond Good and Evil. In: BAMFORD, Rebecca. Nietzsche’s Free Spirit Philosophy. London; New York: Rowman & Littlefield International, 2015, p. 157-168.). É Born também quem lembra que a associação entre perspectivismo e afirmação da vida está na base da obra, conforme se lê no Prefácio: “certamente significou por a verdade de ponta-cabeça e negar a perspectiva (das Perspektivische), a condição básica de toda a vida, falar do espírito e do bem tal como fez Platão” (JGB/BM, Prefácio, KSA 5.11). O perspectivismo é descrito como uma estratégia de combate contra o dogmatismo: se deste vem o acabamento e a univocidade de sentido, daquele vem a abertura, a pluralidade e as diferenças que devem ser reconhecidas como elementos próprios da experiência vital, recolhidas, afinal, pela noção de vontade de poder. O mesmo sentido retorna no aforismo 34 de forma ainda mais clara: “não existiria nenhuma vida, senão com base em avaliações e aparências perspectivas” (JGB/BM, 34, KSA 5.52).

A estratégia fisiopsicológica

Toda essa argumentação está amparada em um uso muito próprio do que Nietsche chama e pratica como psicologia: “morfologia e teoria da evolução da vontade de poder” (JGB/BM, 23, KSA 5.38), ou seja, análise do “que foi até agora escrito, um sintoma do que foi até aqui silenciado”. Uma tal psicologia aparece, assim, como instrumento central que revela como toda filosofia foi produzida (como sintoma) por um filósofo, ou seja, pelo corpo do ser humano pensante que todo filósofo é - e não, como acreditam os dogmáticos e metafísicos, como um produto milagroso de instâncias suprassensíveis. Como “teoria da evolução”4 4 Frezzatti Jr (2019) chama atenção para o fato de que, nesse trecho, Nietzsche não usa a palavra evolução (Evolution), mas desenvolvimento (Entwicklung), o que reforçaria “suas críticas ao progresso”. , ela conta (apoiada nas conquistas das ciências naturais, especialmente na biologia, “o mais novo dos métodos filosóficos”, conforme a afirmação de Nietzsche no primeiro aforismo de Humano, demasiado humano) a história de como os valores foram avaliados, ou seja, como determinados valores foram afirmados em detrimento de outros, como parte do jogo de disputa que caracteriza a vontade de poder. Desvendar o que está por trás dos conceitos considerados imutáveis e demonstrar que eles foram produzidos a partir de experiências vitais, de fraquezas ou forças de um determinado corpo passa a ser, portanto, a base da observação psicológica proposta pelo filósofo alemão. Como lembra Frezzatti Jr., Nietzsche “coloca sua psicologia ao lado das psicofisiologias francesa e alemã, ou seja, o psicológico tem suas raízes no fisiológico e não é determinado a priori por faculdades ahistóricas e essenciais” (2019, p. 162).

A conhecida definição de psicologia apresentada por Nietzsche não apenas o tornaria, segundo ele mesmo reivindica, o primeiro psicólogo, como confirmaria o que já tinha sido inaugurado em Humano, demasiado humano como o método próprio de análise dos sentimentos morais, ou seja, por meio das “observações psicológicas” (MAI/HHI, 2, KSA 2.24). Para Nietzsche, a psicologia é a forma de acesso à história dos sentimentos morais, na medida em que ela possibilita a compreensão de que a moralidade não tem um fundamento metafísico mas traduz a história dos afetos que geram as avaliações. Essa definição se encontra na obra de Nietzsche a partir de 1876, momento de rompimento com a filosofia schopenhauriana e com o projeto wagneriano de reforma da cultura alemã e de amizade com Paul Rée, cuja obra remetia aos mesmos pressupostos. Nesse sentido, o aforismo 23 de Além de bem e mal, resgata essa posição e esclarece ainda mais qual é o papel da psicologia em seu projeto, principalmente porque formula, pela primeira vez, o conceito de fisiopsicologia: “uma autêntica fisiopsicologia tem de lutar com resistências inconscientes no coração do investigador, tem o ‘coração’ contra si”. Tais resistências não são outra coisa que a dificuldade de reconhecer determinados afetos, considerados indesejáveis, como parte dos impulsos formadores da vida. Por isso, ligada à vontade de poder, a fisiopsicologia se constitui como uma teoria que vê os impulsos condicionando-se simultaneamente e não simplesmente opostos uns aos outros. O que se descobre, afinal, é que “os afetos de ódio, inveja, cupidez, ânsia de domínio”, tradicionalmente considerados contrários à moralidade, têm, na verdade, um papel importante “na economia global da vida” e, dado que a vida “deve ser realçada”, então, com ela também esses afetos devem ser afirmados.

Adentrar no reino da moral é, por isso, adentrar no reino da vida, no qual a psicologia deve ser assumida como a “rainha das ciências (Herrin der Wissenschaften), para cujo serviço e preparação existem as demais ciências” (JGB/BM, 23, KSA 5.38). Como “rainha” a psicologia toma o antigo lugar da teologia: na medida em que esta celebra realidades ultramundanas em detrimento da terra, aquela traduziria o esforço de afirmação da vida como vontade de poder, ou seja, como jogo tensional de forças que levam ao surgimento de valores (nunca definitivos, mas sempre provisórios e intercambiáveis; cheios de “história”, portanto). É nessa medida que Nietzsche encerra essa seção afirmando que “a psicologia é, uma vez mais, o caminho para os problemas fundamentais” (JGB/BM, 23, KSA 5.38), na medida em que a vida e tudo o que diz respeito à sua afirmação aparece como o mais fundamental entre os problemas morais. A base dessa abordagem é a “superação da dualidade cultura e biologia” tal como descrita por Wilson Frezzatti Jr. em sua tese de doutorado publicada em 2006FREZZATTI JUNIOR, Wilson Antonio.A fisiologia de Nietzsche: a superação da dualidade cultura/biologia. Ijuí, Editora da Unijuí, 2006. (Col. Nietzsche em perspectiva)., na qual o autor analisa os “elementos que parecem conceber a cultura como resultado de um determinismo biológico” e aqueles que “apontam para um projeto educacional que visa à transformação radical do indivíduo” (2006, p. 22). Ao resgatar essa segunda perspectiva, da educação, Frezzatti Jr. acaba por afirmar a tarefa do filósofo como educador, ou seja, como criador de novos valores por meio da construção do homem novo. A educação, afinal, faz parte da estratégia da Züchtung e deve contribuir para a seleção e a elevação do tipo nobre, precisamente o contrário do que estaria fazendo na modernidade.

Os filósofos e suas filosofias: a tarefa fisiopsicológica

Isso nos leva, por fim, a uma questão que permaneceu central ao longo da obra de Nietzsche e que encontra uma formulação própria em Além de bem e mal: o interesse pelo filósofo em detrimento do interesse pela sua filosofia. Desde seus escritos iniciais, como por exemplo o curso A filosofia na época trágica dos gregos, Nietzsche confessa um interesse especial pela psicologia dos autores e isso, nos escritos da maturidade, se revela como uma espécie de paradoxo, já que esse interesse se opõe às enormes críticas dirigidas às teorias por eles formuladas, já que estas não seriam mais do que sintomas fisiopsicológicos de quem as forjou: “Platão é melhor do que sua filosofia”, escreveu ele em um fragmento póstumo (FP/Nachlass 26 [355], do verão-outono de 1884, KSA 11.156-7). Essa posição se mantém, obviamente, devido ao próprio procedimento desenvolvido por Nietzsche, cuja base é o uso da psicologia e, mais ainda, o reconhecimento da importância do corpo (conforme a formulação de Zaratustra, a “grande razão” [ZA/ZA, Dos desprezados do corpo]) na constituição do pensamento e, consequentemente, da própria moralidade. Em outras palavras, o estudo da moral não deve começar a não ser pela pergunta sobre sua proveniência fisiopsicológica, o que implica um exame dos seus autores, das suas fraquezas e forças constituintes. E isso aparece como uma das primeiras tarefas do autêntico filósofo, ou seja, cabe a ele recusar o caminho fácil (geralmente superficial) da análise das ideias apresentadas (geralmente com a intenção de mascarar o mais importante e profundo) e perscrutar a sua fonte primeira, qual seja, a questão sobre a saúde do corpo que as produziu: “para um psicólogo, poucas questões são tão atraentes como a da relação entre filosofia e saúde”, escreve Nietzsche no Prólogo de A gaia ciênciaNIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2002., o mesmo texto no qual ele afirma que “desde que se é uma pessoa, tem-se necessariamente a filosofia de uma pessoa” e, mais ainda, que “os pensadores doentes predominaram na história da filosofia” (FW/GC, Prólogo, 2, KSA 3.347). Essa afirmação, ao mesmo tempo em que comprova que toda a filosofia foi produzida, ao longo da história, a partir de estados de saúde ou de doença e que cabe ao verdadeiro filósofo decifrar esse enigma como sua tarefa primordial, também apresenta a advertência de que tal tarefa deve começar com a análise das próprias conjunturas fisiopsicológicas, pois [só] “após uma interrogação de si mesmo, experimentação consigo mesmo, aprendemos a olhar mais sutilmente para todo o filosofar que houve até agora” (FW/GC, Prólogo, 2, KSA 3.347).

Nesse sentido, o que tornaria Nietzsche um verdadeiro filósofo (ou psicólogo, como ele mesmo parece preferir nesses trechos) é o fato de que ele mesmo é um experimentado nas instâncias da doença e visto para onde empurra toda enfermidade: “para sol, sossego, brandura, paciência, remédio, bálsamo em todo e qualquer sentido” (FW/GC, Prólogo, 2, KSA 3.347). Ora, se a avaliação geral é de que a história da filosofia não é mais do que a história de um erro de interpretação da vida, então isso já serve de evidência de que ela fora produzida por pensadores que foram aliciados pelo sofrimento, por indivíduos, afinal, doentes, cujo único objetivo era encontrar uma cura para sua dor. A citação é bastante contundente:

Toda filosofia que põe a paz acima da guerra, toda ética que apreende negativamente o conceito de felicidade, toda metafísica e física que conhece um finale, um estado final de qualquer espécie, todo anseio predominantemente estético ou religioso por um Além, Ao-lado, Acima, Fora, permitem perguntar se não foi a doença que inspirou o filósofo. (FW/GC, Prólogo, 2, KSA 3.347).

O que ocorre é que toda filosofia é uma espécie de disfarce inconsciente de “necessidades fisiológicas sob o manto da objetividade, da ideia, da pura espiritualidade”, em resumo, que toda filosofia não é mais do que sintoma de um corpo. O filósofo, nesse caso, é um “médico filosófico” (FW/GC, Prólogo, 2, KSA 3.347) na medida em que estuda o problema da saúde e decifra os segredos fisiopsicológicos que estão por trás das ideias de “verdade”: Nietzsche retoma aqui a antiga tarefa da filosofia (buscar a verdade) para lhe contrapor uma nova tarefa, ainda mais radical e instigante: “em todo o filosofar, até o momento, a questão não foi absolutamente a ‘verdade’, mas algo diferente, como saúde, futuro, poder, crescimento, vida...” (FW/GC, Prólogo, 2, KSA 3.347). A saúde (na medida em que denota o estado de força ou fraqueza da vida de um organismo) torna-se, assim, mais fundamental do que a pergunta sobre a verdade e é ela que deve ser assumida, agora, como tarefa do novo filósofo. A pesquisa sobre a saúde é preferível à pesquisa sobre a verdade e, consequentemente, o filósofo do futuro deve ser mais um médico ou fisiopsicólogo do que um filósofo propriamente dito.

É isso precisamente o que significa a tarefa proposta por Nietzsche em Para agenealogia da moralNIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. Uma polêmica. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.: “A partir do momento em que a fé no Deus do ideal ascético é negada, passa a existir um novo problema: o problema do valor da verdade. - A vontade de verdade requer uma crítica - com isso determinamos nossa tarefa -, o valor da verdade será experimentalmente posto em questão” (GM/GM, III, 23, KSA 4.395). Ora, esse experimento que coloca a verdade em xeque não pode ser realizado a não ser por meio do procedimento fisiopsicológico e o que ele desvela não é outra coisa do que o sentimento de medo que funda o instinto gregário e que, no fundo, induz a vontade de verdade a buscar sempre uma espécie de familiarização confortável com o mundo:

- como? nossa necessidade de conhecer não é justamente essa necessidade do conhecido, a vontade de, em meio a tudo o que é estranho, inabitual, duvidoso, descobrir algo que não mais nos inquiete? Não seria o instinto do medo que nos faz conhecer? E o júbilo dos que conhecem não seria precisamente o júbilo do sentimento de segurança conquistado? (FW/GC, 355, KSA 3.586)

Isso significa que, no fundo, não é da verdade mesmo que se trata, mas apenas da segurança diante do medo da vida. E, como insistiu reiteradamente Nietzsche, o resultado desse processo não é outra coisa que o medo da própria vida, a busca por refúgio nos conceitos, nas ideias e nos dogmas morais que, por impedirem e dispensarem a luta e a disputa, os riscos e as aventuras próprias da existência, acabam por agravar ainda mais o processo de adoecimento, levanto à completa atrofia das forças fisiopsicológicas.

Para Nietzsche, portanto, o novo filósofo parte de um reconhecimento de seu próprio estado e, mais ainda, do estado geral dos corpos que geram os pensamentos, como seus sintomas. Ele acredita que a dor e a doença são formas de aprofundamento cujo resultado é uma maior riqueza da experiência vital. Só quem adoeceu pode, afinal, compreender como a doença age e de que forma afeta um corpo. Enquanto a tradição religiosa deu à dor um papel de purificadora e aperfeiçoadora do espírito, Nietzsche reconhece nela uma oportunidade de aprofundamento no corpo:

apenas a grande dor, a lenta e prolongada dor, aquela que não tem pressa, na qual somos queimados com madeira verde, por assim dizer, obriga a nós, filósofos, a alcançar nossa profundidade extrema e nos desvencilhar de toda confiança, toda benevolência, tudo o que encobre, que é brando, mediano, tudo que antes púnhamos talvez nossa humanidade. Duvido que uma tal dor “aperfeiçoe”- : mas sei que nos aprofunda. (FW/GC, Prólogo, 3, KSA 3.349).

Essa perspectiva em relação ao papel da dor aparece, portanto, como parte da condição mesma para que uma filosofia venha à luz, para que ela seja de fato constituída de alguma veracidade - e não apenas do eruditismo vazio que leva, facilmente, aos dogmatismos amedrontados tão comuns na história da filosofia. O filósofo do futuro, assim, deve se reconhecer como um ser humano, propriamente dito, e não como um mero animal frio e sem vísceras, ou mesmo uma máquina:

Não somos batráquios pensantes, não somos aparelhos de objetivar e registrar, de entranhas congeladas - temos de continuamente parir nossos pensamentos em meio a nossa dor, dando-lhes maternalmente todo o sangue, coração, fogo, prazer, paixão, tormento, consciência, destino e fatalidade que há em nós. (FW/GC, Prólogo, 3, KSA 3.349).

Afinal, “não se trata apenas de pensar a vida, mas de compreender que o pensamento é sempre determinado pela vida e pelas formas que ela pode assumir” (Wotling, 2008WOTLING, Patrick. La philosophie de l’esprit libre. Introduction à Nietzsche. Paris: Éditions Flammarion, 2008. (Col. Champs Essais)., p. 182). Isso porque, como Nietzsche afirma já no início de Além de bem e mal, “a maior parte do pensamento consciente deve ser incluída entre as atividades instintivas” e, por isso, “o pensamento consciente de um filósofo é secretamente guiado e colocado em certas trilhas pelos seus instintos” (JGB/BM, 3). O novo filósofo deve ser capaz, portanto, de realizar esse exame fisiopsicológico que passa ela identificação das pulsões orientadoras de sua vida que, no limite, se refletem nos valores e nas formas de avaliação. Essa é a forma mais eficaz de ir além de bem e mal - uma tarefa que só o filósofo do futuro tem a chance de concretizar.

Considerações finais

“É necessário, talvez até desejável, que o filósofo seja uma planta rara”, escreve Nietzsche (FP 26[452], do verão-outono de 1884, KSA 11.271). Essa raridade não é apenas resultado de algum elitismo, mas produto da tarefa que ele identifica como própria do filósofo do futuro. Em outras palavras, é a grandiosidade da tarefa que cria a raridade do pensador. De fato, até hoje, poucos são os que conseguem assumir tal incumbência com a responsabilidade e a disposição necessárias. Sem dúvida, o prof. Wilson Antonio Frezzatti Junior está entre eles. Seu empenho interpretativo, sua diligência teórica e seriedade de ofício seriam suficientes para confirmar o que acabo de declarar e o que escrevi aqui em sua homenagem. Mas ele também é grande na amizade e na gentileza, traços de uma personalidade ponderada e cultivada em estufas especiais. Sua contribuição, por isso, para os estudos de Nietzsche no Brasil é indiscutível, seja pela temática escolhida, seja pela qualidade teórica e estilística de tudo o que ele produz, inspirando colegas e jovens pesquisadores que, como eu um dia, nos encontramos com seus textos profundos e didáticos, criativos e instigantes. Wilson trouxe para perto de nós temas sobre os quais pairavam ainda muitas poeiras que ele teve de retirar, com a diligência do artesão. Destaco especialmente o trabalho de fontes que Wilson vem levando adiante: certamente entre as joias que ele fez ver, estão nomes cuja influência foram absolutamente importantes para Nietzsche e cujo conhecimento contribui de forma decisiva para a compreensão de algumas das teses mais centrais do filósofo alemão, especialmente quando pensamos em Lamarck, Darwin e Ribot.

O que Wilson faz, por esses páramos, remete diretamente, por isso, à tarefa de um educador sério e de um pesquisador perseverante, cujo trabalho recupera o que de melhor vem se produzindo no cenário brasileiro sobre a filosofia do autor de Além de bem e mal. É isso o que precisa ser louvado, com entusiasmo. Wilson, sem dúvida, é parte da promessa concionada por Nietzsche porque de sua vocação emanam as virtudes que Nietzsche reconheceu como urgentes e necessárias a todo pensador: “coragem, perspicácia, simpatia, solidão” (JGB/BM, 284, KSA 5.231).

Referências

  • BORN, Marcus Andreas. Perspectives on a Philosophy of the Futur in Nietzsche’s Beyond Good and Evil In: BAMFORD, Rebecca. Nietzsche’s Free Spirit Philosophy London; New York: Rowman & Littlefield International, 2015, p. 157-168.
  • FREZZATTI JUNIOR, Wilson Antonio.A fisiologia de Nietzsche: a superação da dualidade cultura/biologia Ijuí, Editora da Unijuí, 2006. (Col. Nietzsche em perspectiva).
  • FREZZATTI JUNIOR, Wilson Antonio. Nietzsche e a psicofisiologia francesa do século XIX São Paulo: Humanitas, 2019. (Col. Nietzsche em perspectiva)
  • MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia Alemã São Paulo: Editora Hucitec, 1993.
  • NIETZSCHE, F. Sämtliche Werke Kritische Studienausgabe in 15 Bänden. Herausgegeben von Colli und Montinari. Berlin/ München: Walter de Gruyter/DTV, 1988.
  • NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
  • NIETZSCHE, Friedrich. Além de bem e mal. Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
  • NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.
  • NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo Como alguém se torna o que é. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.
  • NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. Uma polêmica. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
  • NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado Humano. Um livro para espíritos livres. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
  • PIPPIN, Robert B. Nietzsche, psychology, & First Philosophy Chicago; London: The University of Chicago Press, 2010.
  • WOTLING, Patrick. “Oui, l’homme fut un essai”. La philosophie de l’avenir selon Nietzsche Paris: Press Universitaires de France, 2016.
  • WOTLING, Patrick. La philosophie de l’esprit libre. Introduction à Nietzsche. Paris: Éditions Flammarion, 2008. (Col. Champs Essais).
  • 1
    Uma tarefa que, segundo Wotling, pode ser resumida com uma referência à contradição fisiopsicológica própria do homem europeu, no qual persiste uma luta entre o Sim e o Não ou, em outras palavras, uma batalha entre obedecer e desobedecer, “uma rivalidade entre sistemas de valores” (2016, p. 254) que se organiza, afinal, na luta entre o bem e o mal. É nesse sentido que estar Além de bem e mal seria, afinal, colocar-se acima dessa contradição, alcançar a “elevação”. O resultado dessa luta, ao contrário, teria sido a fraqueza do homem moderno, a desorganização de seus instintos, a dúvida, a hesitação e, em última instância, a paralisia. O exemplo mais acabado desse tipo de homem seria, afinal, o próprio homem alemão (cf. EH/EH, O caso Wagner, 2, KSA 6.357).
  • 2
    Alteramos aqui a tradução de Paulo César de Sousa para a expressão Umwerthung, originalmente vertida para português como tresvaloração.
  • 3
    “Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de diferentes maneiras; a questão, porém, é transformá-lo” (Marx, 1993MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia Alemã. São Paulo: Editora Hucitec, 1993., p. 14)
  • 4
    Frezzatti Jr (2019)FREZZATTI JUNIOR, Wilson Antonio. Nietzsche e a psicofisiologia francesa do século XIX. São Paulo: Humanitas, 2019. (Col. Nietzsche em perspectiva) chama atenção para o fato de que, nesse trecho, Nietzsche não usa a palavra evolução (Evolution), mas desenvolvimento (Entwicklung), o que reforçaria “suas críticas ao progresso”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2021
  • Aceito
    13 Dez 2021
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