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“Educar os educadores!” Nietzsche e o problema da educação

“Educate Educators!” Nietzsche and the problem of education

Resumo:

Pretendemos, de início, mostrar que, ao refletir sobre a educação, Nietzsche se associa a uma tradição de pensamento que remonta ao neo-humanismo do final do século XVIII. Contamos, em seguida, examinar a análise que ele faz dos estabelecimentos de ensino alemães, em particular do ginásio e da universidade. Queremos, por fim, questionar em que medida o seu diagnóstico das instituições pedagógicas do seu tempo não se assemelharia ao que poderíamos fazer das nossas.

Palavras-chave:
Neo-humanismo; formação; educação; ginásio; universidade

Abstract:

We intend, at first, to show that, when reflecting on education, Nietzsche is associated with a tradition of thought that goes back to the neo-humanism of the late 18th century. We will then examine his analysis of German educational establishments, particularly the gymnasium and university. Finally, we want to question to what extent his diagnosis of the pedagogical institutions of his time would not be similar to what we could make of ours.

Keywords:
Neo-humanism; formation; education; gymnasium; university

Educar os educadores! Mas os primeiros têm antes de educar a si mesmos! É para eles que eu escrevo1 1 Nietzsche, 1967-1977, Nachlass/ FP 5[25], KSA 8.47. Salvo indicação em contrário, é de minha responsabilidade a tradução dos textos de Nietzsche aqui citados.

Nietzsche

Ao percorrer o texto das conferências Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação, um leitor desatento poderia supor ter diante dos olhos algo que acaba de ser escrito. E o mesmo poderia pensar um leitor atento - com mais razão até. Pode ser que a atualidade do pensamento nietzschiano se deva a seu caráter extemporâneo ou às transformações tardias por que passam nossas concepções de cultura e educação - pouco importa. O que conta é que, tomado como ferramenta de trabalho, ele nos permite lançar um olhar mais crítico sobre o momento em que vivemos.

À análise da questão educacional na Alemanha, Nietzsche se dedica já em seus primeiros escritos2 2 Um dos primeiros a chamar a atenção para o “Nietzsche educador” foi Martin Havenstein, que parece surpreender-se com o fato de que então não se leve em conta na Alemanha “o maior educador dos alemães do século XIX”. . No início de 1872, ele promete uma série de seis conferências, a serem proferidas no quadro das atividades de divulgação científica organizadas pela “Sociedade Acadêmica” da Basileia3 3 Nietzsche havia anunciado seis conferências, antes mesmo de ter um projeto acabado do que viria tratar. Não chegou a proferir a sexta. Pensou em reuni-las num livro, mas não concluiu o texto. Cf. Janz, vol. I, p. 355. . Das seis palestras prometidas, só faz cinco. Nos dias 16 de janeiro, 6 e 27 de fevereiro, 5 e 23 de março, ele fala “Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação”4 4 A propósito das conferências dadas por Nietzsche na Basileia, cf. o interessante artigo de Jörg Schneider, que as examina a partir das leituras de textos pedagógicos feitas pelo filósofo. .

Logo de início, o jovem professor faz questão de esclarecer o título mesmo de suas conferências. Adverte o público de que, ao tratar de nossas instituições de formação, não se disporá a falar das suíças, mas apenas das alemãs. Por certo, não quer se comprometer; afinal, trabalha na Universidade da Basileia. Insiste em declarar ter ciência do lugar em que se encontra, uma cidade que tanto faz pela cultura e pela educação, diante de ouvintes que tanto refletiram sobre essas questões.

Mas não é apenas por prudência que Nietzsche substitui um país por outro, uma localidade geográfica por outra. A seu ver, a Alemanha é bem mais que um território nacional determinado; ela encarna nesse momento as transformações pelas quais estão passando as concepções mesmas de cultura e educação. As mudanças que têm ocorrido nas instituições de formação alemãs, visando a que se adequem ao tempo presente, são em boa parte linhas divergentes e desvios da tendência original que presidiu à sua fundação. A tarefa consiste, pois, em atuar no sentido de renovar o espírito alemão, de modo a propiciar que elas renasçam e se tornem ao mesmo tempo velhas e novas.

As conferências Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação têm um intuito polêmico. Nelas, Nietzsche levanta questões de caráter geral e examina dificuldades específicas. Para estabelecer o seu diagnóstico, não hesita em lançar-se tanto num exame conceitual quanto numa análise institucional. É certo que não propõe soluções para os problemas que julga encontrar nos estabelecimentos de ensino alemães5 5 Na carta de 21 de abril de 1872 a Arnold von Salis, Jakob Burckhardt exprime a expectativa de que na sexta conferência, que acabará por não ocorrer, Nietzsche ofereça uma solução “para as perguntas e queixas levantadas com tanta ousadia e grandeza” nas palestras anteriores. Cf. Janz, vol. 1, pp. 357s. . Mas também é certo de que converte essa série de palestras antes de tudo numa constatação irretorquível da falência do modelo de formação humanista que chegou a ser implantado no início do século XIX na Alemanha.

Nas Considerações Extemporâneas, em particular na terceira intitulada Schopenhauer como Educador, Nietzsche retoma e desenvolve essas ideias. Nos escritos subsequentes, ao introduzir a figura do espírito livre, entende que é preciso livrar-se de toda e qualquer coerção para dedicar-se ao aprimoramento de si. Em Assim falava Zaratustra, põe em cena um protagonista que, nas primeiras páginas do livro, ao falar para o povo reunido na praça do mercado, experimenta um fracasso pedagógico e, ao longo do seu percurso, busca partilhar suas vivências6 6 Para um exame aprofundado da concepção de educação presente em Assim falava Zaratustra, cf. Scarlett Marton, 2019. . Nos textos da maturidade, voltará a criticar o sistema educacional alemão, para buscar o seu aperfeiçoamento. Não há dúvida de que Nietzsche sempre se viu como um educador7 7 A propósito das reflexões de Nietzsche sobre a educação, cf. por exemplo Reinhard Löw, em particular o sexto capítulo; David Edwards Cooper; Christophe Baroni, em particular os capítulos 2, 3 e 5; Richard Schacht, “Zarathustra/ Zarathustra as Educator”. .

Em 1870, o filósofo confidencia ao amigo Erwin Rohde: “claustros vão se fazer outra vez necessários”8 8 Nietzsche, 1975-1984, carta de 16 de julho de 1870, KSB 3.86. . Lembra-se, então, da primeira sociedade literária, que fundara, com Gersdorff e Deussen, nos tempos do colégio. Recorda como refizera a tentativa na Universidade, reconstituindo a associação com Rohde e Romundt9 9 Trata-se respectivamente da Sociedade Literária Germania e da Sociedade Filológica de Leipzig. . Imagina criar uma espécie de confraria, um convento moderno, de que participariam todos os seus amigos. Trabalhariam juntos, servindo de professores uns aos outros, e se dedicariam a renovar a cultura alemã. Seria uma instituição completamente desvinculada do Estado, uma universidade livre, uma escola para educadores10 10 O projeto não encontra receptividade. Retomado por Nietzsche em diversas ocasiões, nunca chegará a concretizar-se. .

Mais relevante, porém, é frisar que, com essa frase, Nietzsche expressa a ideia de que a formação só pode se dar inter pares; entende que a educação pressupõe partilhar iguais valores, comungar mesmos ideais. Distante do projeto pedagógico do Iluminismo, considera que a cultura não é dada a todos. Mais afastado ainda do ideário marxista, acredita que ela cabe a uns poucos. Tornar os homens felizes não faz parte de seu desiderato; melhorar a humanidade não constitui um propósito seu. Partidário da “aristocracia do espírito”, concepção essa que aparece pela primeira vez nas suas conferências Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação, defende a tese de que todo esforço cultural deve visar a engendrar homens excepcionais.

É bem verdade que a importância atribuída aos grandes homens é uma ideia recorrente no século XIX; está presente, por exemplo, nas considerações de Hegel, Stuart Mill e Augusto Comte. Mas Nietzsche insiste em sublinhar que aqueles que se destacam da “mediocridade coletiva” têm de enriquecer-se reciprocamente. Para tanto, entende ser necessário salvaguardar a liberdade interior e impor-se, ao mesmo tempo, rigorosa disciplina. A liberdade interior conduz à rebelião contra toda autoridade e à revolta contra toda crença; a disciplina rigorosa leva a desfazer-se de hábitos, abandonar comodidades, renunciar à segurança. Da sua perspectiva, o aprimoramento de si é uma tarefa de bem poucos. Elitista? Talvez. Estratégico? Sem dúvida. É que se trata para Nietzsche de empreender uma crítica radical da educação tal como é entendida e praticada na sua época.

Importa destacar que, em suas considerações sobre a educação nos seus primeiros escritos, o jovem professor toma como ponto de partida uma concepção que encontra suas raízes e sua mais clara formulação no pensamento dos neo-humanistas11 11 Ao que consta, o termo aparece com o filósofo e pedagogo alemão F. Niethammer, um dos promotores da reforma do ensino no início do século XIX. Para um estudo aprofundado desse movimento, cf. por exemplo R. S. Turner. . Consideram eles a cultura e a civilização gregas a realização mais perfeita e acabada do gênero humano; não é por acaso que suas obras guardaram, através dos tempos, valor universal. Pretendendo retomar antigos ideais, procedem à identificação entre o espírito grego e o alemão. Se afirmam a originalidade do gênio alemão, não é por razões nacionalistas, mas para combater a imitação das letras e costumes estrangeiros. À imagem da Grécia veiculada pela França contrapõem a Grécia Antiga e à obra de um Corneille ou Racine, por exemplo, opõem as tragédias gregas. Contra a tradição latina e francesa, querem resgatar os pensadores e poetas originais.

Os neo-humanistas propõem-se formar homens cultos, capazes de desenvolver de modo pleno e harmonioso todas as suas potencialidades. Esperam assim transformar os estudantes através do contato amplo e profundo com a cultura clássica, convertendo-os num novo ser humano. O conhecimento prático da vida cotidiana, os eventuais progressos na esfera da técnica e as mudanças na organização social e política são problemas insignificantes ao lado das questões fundamentais colocadas pela condição humana. A melhor maneira de servir à humanidade é entregar-se ao trabalho árduo e penoso de cultivar o próprio espírito. Portanto, o ensino deve ser puro, desvinculado de qualquer objetivo prático e a cultura, criação desinteressada, desligada de qualquer intuito utilitário12 12 No entender de Fritz Ringer, “os grandes poetas alemães, os neo-humanistas e os filósofos idealistas do século XVIII estavam profundamente imbuídos por essas ideias. Talvez nenhum outro grupo de homens chegou a proclamar o valor da cultura pessoal com maior fervor do que idealistas como Wilhelm von Humboldt e Friedrich von Schiller” (p. 35). .

Surgidas na Universidade de Göttingen na segunda metade do século XVIII, as ideias neo-humanistas chegam a inspirar, no começo do século XIX, uma reforma no ensino secundário, iniciada por Friedrich August Wolf. Em 1810, culminam com a fundação da Universidade de Berlim, levada a bom termo por Wilhelm von Humboldt13 13 Para um exame mais detido do empreendimento de Humboldt, cf. por exemplo E. Spranger. . Quando dos esboços preparatórios para criar essa instituição, Kant, Schelling, Fichte, Schleiermacher e o próprio Humboldt defenderam a posição de que os estabelecimentos de ensino superior teriam de ser mais do que instituições de treinamento de oficiais. Acreditavam que a formação deveria ultrapassar de longe um curso especializado que garantisse uma habilitação profissional.

Em Berlim, esperava-se que o coração da Universidade palpitasse na faculdade de filosofia; só ela poderia assegurar o princípio de interdisciplinaridade indispensável para a formação de homens cultos. Enquanto escolas especializadas de teólogos, médicos, juristas, as diversas faculdades só poderiam permanecer sob o teto da Universidade, se tivessem vínculos profundos com a faculdade de filosofia. No entender de Schleiermacher, “não poderia haver nem para o Estado nem para o indivíduo vida conveniente e nobre, se não se associasse, no domínio de saber, um sentido mais geral à habilidade sempre limitada”14 14 Friedrich Schleiermacher, p. 226. . Com os estatutos aprovados em 1816, a Universidade de Berlim passou a contar com professores de renome e grande número de estudantes. Visando a formar o aluno segundo os princípios da cultura humanista, ela tornou-se um dos centros de discussão mais prestigiados na época.

Nesse contexto, era imprescindível afirmar a independência e autonomia da filologia, que, concebida até então como pura técnica de leitura de textos, não passava de ciência anexa da jurisprudência e da teologia. A filologia constitui-se, então, como “ciência da Antiguidade” (Altertumswissenschaft). Gozando de um estatuto privilegiado nas universidades alemãs, ela permite que se ensine aos jovens as línguas clássicas e ao mesmo tempo a eles se proponha um modelo estético e moral inspirado na antiga Grécia. O filólogo desempenha assim um duplo papel: o de modelo de “cientificidade” e o de promotor de um programa pedagógico15 15 Sobre esse ponto em particular, cf. Denis Thouard, em particular p. 97. .

Contudo, a partir de 1830, as ideias neo-humanistas começam a ser relegadas a segundo plano. Revela-se infrutífera a tentativa de implementá-las nas instituições pedagógicas. Palco de profundas transformações, a Alemanha vive importantes mudanças econômicas e sociopolíticas: a implantação da indústria, o aparecimento de novas camadas sociais, a unificação dos Estados alemães em torno da Prússia. Mudanças de igual importância também ocorrem na esfera da cultura e da educação16 16 A propósito das transformações econômicas e sociopolíticas ocorridas na Alemanha no correr do século passado e os impactos por elas causados na cultura e na educação, cf. Scarlett Marton, 2010, em particular o capítulo intitulado “Claustros vão se fazer outra vez necessários”. . À diferença do que se dera na França e na Inglaterra, a unificação política e a industrialização são processos tardios no país, mas nem por isso deixam de obedecer a um ritmo acelerado. De uma Alemanha particularista e patriarcalista, passa-se a uma Alemanha capitalista e industrial.

É apenas para assegurar privilégios sociais e garantir conservadorismos políticos que se reivindica o ideário neo-humanista. Antes, a cultura não devia ter nenhum intuito utilitário; agora, ela está atrelada às exigências do momento, aos caprichos da moda, aos ditames da opinião pública. Antes, o ensino não devia ter nenhum objetivo prático; agora, com a proliferação dos institutos profissionais e escolas técnicas e com o esfacelamento das universidades em cursos especializados, ele se converte em ensino de classe. Tributário de Winckelmann, Goethe e Schiller, o ideal do “filólogo educador” não tem como fazer frente à nova situação. A democratização do ensino da filologia altera a sua natureza e os seus meios; o seu sucesso contribui para desprovê-la de conteúdo.

Por volta de 1870, Nietzsche virá a lamentar o sucedido. Filólogo de formação, ele constata que a empresa fracassou. Do ponto de vista “científico”, a filologia sofreu uma involução deixando-se impregnar pelo modo de pensar positivista. Com isso, ela se transformou, com a multiplicação de ramos anexos, num vasto empreendimento de edições e comentários de textos, assim como de pesquisa de fontes. Do ponto de vista pedagógico, o ideário neo-humanista se revelou inadequado ao espírito da época, em particular no momento da fundação do Império alemão.

Em sua análise das instituições pedagógicas alemãs, Nietzsche desenvolve a ideia de que

duas correntes aparentemente contrapostas, em sua ação igualmente prejudiciais e confluentes em seus resultados no final, governam na atualidade as nossas instituições de formação antes originariamente baseadas em bem outros fundamentos: por um lado, o impulso para a maior ampliação possível da cultura; por outro, o impulso para a sua redução e enfraquecimento17 17 Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação, Introdução, KSA 1.647. .

No decorrer do século XIX, ambas se fariam presentes nos estabelecimentos de ensino alemães, impregnando-os nos seus mais diversos níveis: desde a escola primária, passando pelo ginásio18 18 O ginásio alemão correspondia ao liceu francês; tratava-se de um estabelecimento, que englobava o ginásio e o colégio ou, na nomenclatura atual, o ensino fundamental 2 e o ensino médio. e pela escola técnica, até a universidade. Frutos da implantação da indústria e da prussianização da Alemanha, essas tendências estariam moldando o espírito pedagógico da época, espírito esse que “santifica tantas mentiras”.

Apesar de parecerem opostas, a tendência à redução da cultura e a tendência à sua ampliação visariam a atingir resultados igualmente nefastos; elas caminhariam de mãos dadas como a burguesia alemã e o Estado prussiano. Uma pretenderia que a cultura só se consagrasse à defesa dos interesses do Estado, deixando de lado os seus próprios propósitos. A outra esperaria que ela fosse dispensada em círculos cada vez mais amplos, visando a um número cada vez maior de indivíduos. Num caso, a tendência, corrente no final do século XIX na Europa, a encarregar o Estado de difundir a cultura terminaria por modelá-la; no outro, a tendência a democratizar a cultura acabaria por convertê-la em savoir faire. Atuando no sentido de suprimir a cultura, essas tendências expressariam, no fundo, o filisteísmo cultural.

Nesse momento da nossa investigação, é preciso esclarecer que Nietzsche emprega o termo “cultura” no sentido geralmente aceito no século XIX. Entende-se então por cultura “o enobrecimento ou refinamento de todas as forças mentais e físicas de um homem ou de uma nação”19 19 Cf. Johann Christoph Adelung. . Com a palavra, abarca-se tanto o enobrecimento do caráter através da discriminação e supressão dos preconceitos quanto o refinamento da moral. Por mais diferentes que sejam as suas interpretações, elas apresentam pontos em comum; dentre eles, o de colocar-se acima das necessidades imediatas da vida, como bem ressaltava Jacob Burckhardt20 20 Cf. Jakob Burckhardt, vol. 2, pp. 46-54. , ou o de realizar o mais nobre potencial humano, como virá a enfatizar Nietzsche21 21 Cf. Nietzsche, 1967-1977, Terceira Consideração Extemporânea § 6, KSA 1.383-404. Para uma interpretação em outra direção, cf. Sarah Kofman. . Numa palavra, como os neo-humanistas, o jovem professor concebe a cultura como cultivo do próprio espírito22 22 No primeiro volume de Humano, demasiado humano, Nietzsche dirá: “Está nas tuas mãos lograr que todas as tuas vivências - os ensaios, desvios, erros, enganos, paixões, o teu amor e a tua esperança - se integrem completamente ao teu alvo. Este alvo é o de tornar-te uma cadeia necessária de anéis de cultura e, a partir dessa necessidade, compreender a necessidade do curso da cultura universal” (Nietzsche, 1967-1977, Humano, demasiado humano § 292, KSA 2.236). . É dessa perspectiva que critica as transformações na esfera cultural e educacional que está testemunhando.

Adquirir cultura passou a significar capacitar-se para ganhar dinheiro ou ingressar nos quadros de funcionários do Estado - e por isso deveria ser acessível a todos. Teria de ser rápida, para que o indivíduo pudesse ganhar logo dinheiro ou servir logo ao Estado, e aprofundada apenas o bastante, para que pudesse ganhar o suficiente ou servir de modo eficiente. Preparar bons profissionais, técnicos ou funcionários, teria sido o objetivo das reformas educacionais empreendidas pela Prússia. Educação passou a equivaler a profissionalização; e cultura, a fazer dos indivíduos cidadãos utilizáveis o mais rápido possível.

Em seus textos, Nietzsche não ataca a proliferação das escolas técnicas, que, de alguma forma, tentam atingir os objetivos a que se propuseram. Denuncia - isto sim - a deficiência da formação, desde que o ginásio e a Universidade também se tornaram profissionalizantes. A educação voltada para a cultura não é a que permite ao indivíduo aspirar a um posto de funcionário ou a um ganha pão qualquer, mas a que o leva ao desenvolvimento pleno e harmonioso de todas as suas potencialidades - não apenas para criar obras, mas para fazer-se enquanto obra.

Além de combater a política educacional instituída na Alemanha nas últimas décadas do século XIX, Nietzsche não deixa de criticar pontos específicos do funcionamento das instituições pedagógicas23 23 Para um estudo aprofundado das transformações impostas aos ginásios e universidades alemães, cf. o rico trabalho de Friedrich Paulsen, professor da Universidade de Berlim. . É o que se verifica quando examina de perto o ginásio e a Universidade e o modo pelo qual eles se inter-relacionam. Centro motor do processo de formação do estudante, lugar de preparo do adolescente para a cultura, o ginásio deveria constituir a base dos outros estabelecimentos de ensino. Tudo o que nele se aprende, sejam “vícios” ou “virtudes” na maneira de pensar, ler e escrever, terá prolongamento na Universidade. Contudo, no entender de Nietzsche, “o ginásio, de acordo com a sua formação original, não forma para a cultura, mas apenas para a erudição e, além disso, ultimamente tomou uma direção como se nem mais quisesse formar para a erudição e sim para o jornalismo”24 24 Nietzsche, 1967-1977, Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação, Segunda Conferência, KSA 1.677. .

Basta examinar o ensino da língua alemã que nele se oferece para constatar tal fato. Sendo a língua materna uma peça-chave no processo de formação, nada haveria de mais importante do que incentivar o aluno a criar o hábito de tratá-la com seriedade e rigor. Imprescindível, o ensino do grego e do latim levaria a respeitar as regras próprias de cada língua quanto ao léxico e à gramática. Assim o aluno acabaria por aprender a bem ler e a bem escrever. No entanto, segundo Nietzsche, nos ginásios alemães, o ensino do grego e do latim acabou por assumir um caráter meramente teórico; desvinculadas do contexto cultural da Antiguidade clássica, essas línguas tornaram-se línguas mortas. Substituiu-se assim o ensino prático pela erudição histórica. Seria preciso, pois, revitalizar o estudo do alemão, através do sentimento de harmonia estética inspirado pela arte e literatura gregas. Seria indispensável ultrapassar o ensino inconsequente e mecânico das línguas, buscando reinseri-las nos seus contextos culturais.

Grande é a importância que se deveria atribuir ao ginásio; a ele caberia preparar o aluno para o ingresso na vida universitária. Concebida como uma situação de extraordinária liberdade, esta exigiria que ele tivesse a autonomia necessária para desfrutar ao máximo o que lhe seria oferecido. Mas, de acordo com Nietzsche, coagindo-o a rapidamente pôr-se a escrever, julgar e criticar, sem incutir-lhe a consciência de sua ignorância, o ginásio impede-lhe de apropriar-se do saber do seu não saber, que seria imprescindível para que se tornasse autônomo. Assim “formado”, o estudante ingressa na Universidade.

Da perspectiva nietzschiana, em alguns de seus aspectos essenciais, a Universidade nada mais faz do que prolongar as tendências presentes no ginásio. Nela também se observa essa união tão frequente entre a erudição e a barbárie do gosto, a ciência e o jornalismo. Tanto é que, em vez de dar ao estudante a oportunidade de encarregar-se da própria formação, a autonomia universitária consiste tão-somente na audição. Recorrendo a uma situação hipotética, Nietzsche escreve:

quando um estrangeiro quer conhecer nosso sistema universitário, logo pergunta com insistência: ‘como o estudante está ligado à Universidade?’ Respondemos: ‘pelo ouvido, é um ouvinte’. O estrangeiro se surpreende: ‘só pelo ouvido?’, volta a perguntar. ‘Só pelo ouvido’, voltamos a responder25 25 Nietzsche, 1967-1977, Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação, Quinta Conferência, KSA 1.739. A respeito do órgão da audição, Nietzsche escreve em Aurora: “O ouvido, o órgão do medo, pôde desenvolver-se tanto como se desenvolveu apenas na noite e na penumbra de bosques sombrios e cavernas, conforme o modo de viver na época do medo, ou seja, na época mais longa da humanidade” (Nietzsche, 1967-1977, Aurora § 250, KSA 3.205). No contexto universitário, de que trata Nietzsche, ao identificar-se poder e saber, só ao professor cabe falar; ao estudante atemorizado só resta ouvir. .

Poucos elementos intervêm numa sala de aula: uma boca, algumas orelhas, poucas mãos. O mestre fala, lendo geralmente páginas preparadas para a exposição; os estudantes ouvem ou fingem ouvir; alguns deles tomam notas. O estudante tem autonomia para escolher os cursos a serem ouvidos e liberdade de escutá-los ou não. Portanto, o que o vincula à instituição de ensino superior se reduz ao ouvido.

Nesse contexto, o que pensar do ensino da filosofia na Universidade? Seria possível transmitir o saber filosófico numa relação pedagógica como a que foi descrita? Ao professor caberia exercer uma atividade bem precisa: todos os dias, num determinado horário, deveria ensinar filosofia aos estudantes que quisessem ouvi-lo. Na Terceira Consideração Extemporânea: Schopenhauer como Educador, Nietzsche escreve:

Pergunta: pode propriamente um filósofo, com boa consciência, comprometer-se a ter diariamente algo para ensinar? E a ensiná-lo diante de qualquer um que queira ouvir? Ele não tem de dar-se a aparência de saber mais do que sabe? Não tem de falar, diante de um auditório desconhecido, sobre coisas das quais somente com o amigo mais próximo poderia falar sem perigo? E, em geral: não se despoja de sua mais esplêndida liberdade, a de seguir seu gênio, quando este chama e para onde este chama? - por estar comprometido a pensar publicamente, em horas determinadas, sobre algo pré-determinado? E isto diante de jovens! Um tal pensar não está de antemão como que emasculado? E se ele sentisse um dia: hoje não consigo pensar nada, não me ocorre nada que preste - e apesar disso teria de se apresentar e parecer pensar!26 26 Nietzsche, 1978, Terceira Consideração Extemporânea: Schopenhauer como Educador § 6, KSA 1.416.

Donde se depreende que não é filosofia o que se ensina na Universidade.

A reflexão crítica não pode estar subordinada à obrigação de abordar temas pré-determinados diante de certo público, num lugar pré-estabelecido e num momento pré-fixado. O ensino da filosofia que consiste apenas em dar informações sobre sistemas filosóficos passados nada mais é do que o ensino de uma história erudita ou, na melhor das hipóteses, de uma história da filosofia. Não se espera, pois, que o estudante levante questões; basta que compare textos, comente comentários, sem nunca deixar de exercer-se na crítica das palavras pelas palavras.

Na ótica nietzschiana, a “educação filosófica” se resumiria a ensinar ao estudante manipular cinquenta sistemas filosóficos distintos, reduzidos a fórmulas, e cinquenta críticas desses mesmos sistemas, também reduzidas a fórmulas. “Esse sucedâneo de pensamento” na Universidade, a que ainda se chama de filosofia, traria as marcas da erudição e da especialização: da primeira, porque desprezaria a reflexão e, da última, porque ignoraria a formação. Embora soem como termos antagônicos, especialização e erudição concorreriam para o enfraquecimento da cultura. Mas não nos enganemos. Essa posição não deixa entrever traço algum de anti academicismo; revela, ao contrário, um desiderato: o de fazer dos estabelecimentos de ensino o lugar apropriado para a reflexão, o espírito crítico e a atividade criadora.

Ao final do nosso percurso, não temos como deixar de nos questionar. Como poderíamos ignorar as semelhanças entre o diagnóstico que Nietzsche apresenta do sistema educacional alemão da segunda metade do século XIX e o que faríamos hoje do nosso? Como desconhecer os pontos comuns entre os ataques que ele dirige à cultura de sua época e os que endereçaríamos hoje à nossa? Em que medida, também entre nós, capacitar-se para ganhar dinheiro não se converte em sinônimo de adquirir cultura? Em que medida a excessiva especialização não se faz em detrimento da formação humanística? Em que medida a massificação do ensino não se impõe à custa do aprimoramento individual? A estas questões nenhum educador pode se furtar.

Referências

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    Nietzsche, 1967-1977NIETZSCHE, -. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA). Berlim: Walter de Gruyter, 1967-1977. 15v., Nachlass/ FP 5[25], KSA 8.47. Salvo indicação em contrário, é de minha responsabilidade a tradução dos textos de Nietzsche aqui citados.
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    Um dos primeiros a chamar a atenção para o “Nietzsche educador” foi Martin HavensteinHAVENSTEIN, M. Nietzsche als Erzieher. Berlim: E.G.Mittler e Sohn, 1922., que parece surpreender-se com o fato de que então não se leve em conta na Alemanha “o maior educador dos alemães do século XIX”.
  • 3
    Nietzsche havia anunciado seis conferências, antes mesmo de ter um projeto acabado do que viria tratar. Não chegou a proferir a sexta. Pensou em reuni-las num livro, mas não concluiu o texto. Cf. JanzJANZ, Curt Paul. Friedrich Nietzsche. Uma biografia. Trad. Markus A. Hediger. Petrópolis: Editora Vozes, 2016. 2v. , vol. I, p. 355.
  • 4
    A propósito das conferências dadas por Nietzsche na Basileia, cf. o interessante artigo de Jörg SchneiderSCHNEIDER, Jörg. "Nietzsches Basler Vorträge ‘Ueber die Zukunft unserer Bildungsanstalten’ im Lichte seiner Lektüre pädagogischer Schriften”. In: Nietzsche-Studien, 21, 1992, pp. 308-325., que as examina a partir das leituras de textos pedagógicos feitas pelo filósofo.
  • 5
    Na carta de 21 de abril de 1872 a Arnold von Salis, Jakob Burckhardt exprime a expectativa de que na sexta conferência, que acabará por não ocorrer, Nietzsche ofereça uma solução “para as perguntas e queixas levantadas com tanta ousadia e grandeza” nas palestras anteriores. Cf. JanzJANZ, Curt Paul. Friedrich Nietzsche. Uma biografia. Trad. Markus A. Hediger. Petrópolis: Editora Vozes, 2016. 2v. , vol. 1, pp. 357s.
  • 6
    Para um exame aprofundado da concepção de educação presente em Assim falava Zaratustra, cf. Scarlett Marton, 2019MARTON, Scarlett. “Zaratustra: do fracasso pedagógico ao aprendizado por vivência”. In: Enunciação, v. 4, n. 1 (2019), pp. 01-12 http://www.editorappgfilufrrj.org/enunciacao/index.php/revista/article/view/66/82.
    http://www.editorappgfilufrrj.org/enunci...
    .
  • 7
    A propósito das reflexões de Nietzsche sobre a educação, cf. por exemplo Reinhard LöwLÖW, Reinhard. Nietzsche, Sophist und Erzieher. Weinheim: Acta humaniora, 1984., em particular o sexto capítulo; David Edwards CooperCOOPER, David Edwards. Authenticity and learning. Nietzsche’s educational philosophy. Londres: Routledge e Kegan Paul, 1983.; Christophe Baroni, em particular os capítulos 2, 3 e 5; Richard SchachtSCHACHT, Richard. “Zarathustra/ Zarathustra as Educator”. In: Sedgwick, Peter R. (org.). Nietzsche: A critical Reader. Oxford: Blackwell, 1995, pp. 222-249., “Zarathustra/ Zarathustra as Educator”.
  • 8
    Nietzsche, 1975-1984NIETZSCHE, -. Sämtliche Briefe. Kritische Studienausgabe (KSB). Berlim: Walter de Gruyter , 1975-1984. 8v., carta de 16 de julho de 1870, KSB 3.86.
  • 9
    Trata-se respectivamente da Sociedade Literária Germania e da Sociedade Filológica de Leipzig.
  • 10
    O projeto não encontra receptividade. Retomado por Nietzsche em diversas ocasiões, nunca chegará a concretizar-se.
  • 11
    Ao que consta, o termo aparece com o filósofo e pedagogo alemão F. NiethammerNIETHAMMER, F. Der Streit des Philanthropinismus und Humanismus in der Theorie des Erziehungsunterrichts unserer Zeit. Iena: [s.n.], 1888., um dos promotores da reforma do ensino no início do século XIX. Para um estudo aprofundado desse movimento, cf. por exemplo R. S. TurnerTURNER, R.S. “Historicism, Kritik and the Prussian Professionrate, 1790 to 1840”, in BOLLACK, M. e WISMANN, H. (orgs.). Philologie et herméneutique au 19esiècle. Göttingen: Vandenhoeck, 1983..
  • 12
    No entender de Fritz RingerRINGER, Fritz. The decline of the German mandarins (Harvard: University Press, 1969, p. 21; em português, O Declínio dos Mandarins Alemães. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Edusp, 2000, p. 35., “os grandes poetas alemães, os neo-humanistas e os filósofos idealistas do século XVIII estavam profundamente imbuídos por essas ideias. Talvez nenhum outro grupo de homens chegou a proclamar o valor da cultura pessoal com maior fervor do que idealistas como Wilhelm von Humboldt e Friedrich von Schiller” (p. 35).
  • 13
    Para um exame mais detido do empreendimento de Humboldt, cf. por exemplo E. SprangerSPRANGER, E. Wilhelm von Humboldt und die Reform des Bildungswesen. Berlim: Reuther, 1910..
  • 14
    Friedrich SchleiermacherSCHLEIERMACHER, Friedrich. “Gelegentliche Gedanken über Universitäten in deutschen Sinn”. In: Anrich, A. Die Idee der deutschen Universität. Darmstadt: Wissenschaft Buchgesellschaft, 1959., p. 226.
  • 15
    Sobre esse ponto em particular, cf. Denis ThouardTHOUARD, Denis. “Le centaure et le cyclope. Nietzsche et la philologie entre critique et mythe”. In: Crépon, Marc. Nietzsche. Paris: Éditions de l’Herne, 2000, pp. 95-110. , em particular p. 97.
  • 16
    A propósito das transformações econômicas e sociopolíticas ocorridas na Alemanha no correr do século passado e os impactos por elas causados na cultura e na educação, cf. Scarlett Marton, 2010MARTON, Scarlett. Nietzsche, seus leitores e suas leituras. São Paulo: Editora Barcarolla, 2010., em particular o capítulo intitulado “Claustros vão se fazer outra vez necessários”.
  • 17
    Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação, Introdução, KSA 1.647.
  • 18
    O ginásio alemão correspondia ao liceu francês; tratava-se de um estabelecimento, que englobava o ginásio e o colégio ou, na nomenclatura atual, o ensino fundamental 2 e o ensino médio.
  • 19
    Cf. Johann Christoph AdelungADELUNG, Johann Christoph. Gramatisch-kritisch Wörterbuch der Hochdeutschen Mundart. Leipzig: [s.n.], 2a ed., 1793-1801..
  • 20
    Cf. Jakob BurckhardtBURCKHARDT, Jakob. Weltgeschichtliche Betrachtungen. Köln: Kiwi Bücher, 3a. ed., 1954. 2v., vol. 2, pp. 46-54.
  • 21
    Cf. Nietzsche, 1967-1977, Terceira Consideração Extemporânea § 6, KSA 1.383-404. Para uma interpretação em outra direção, cf. Sarah KofmanKOFMAN, Sarah. “Le/Les ‘concepts’ de culture dans les ‘Intempestives’ ou la double dissimulation”. In: Nietzsche aujourd'hui? Paris: Union Générale d’éditions, 1973, vol. 2, pp. 119-146; em português: “O/Os ‘conceitos’ de cultura nas Extemporâneas ou a dupla dissimulação”. In: Marton, Scarlett (org.). Nietzsche hoje? Trad. Milton Nascimento e Sonia Salztein Goldberg. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 77-109. .
  • 22
    No primeiro volume de Humano, demasiado humano, Nietzsche dirá: “Está nas tuas mãos lograr que todas as tuas vivências - os ensaios, desvios, erros, enganos, paixões, o teu amor e a tua esperança - se integrem completamente ao teu alvo. Este alvo é o de tornar-te uma cadeia necessária de anéis de cultura e, a partir dessa necessidade, compreender a necessidade do curso da cultura universal” (Nietzsche, 1967-1977, Humano, demasiado humano § 292, KSA 2.236).
  • 23
    Para um estudo aprofundado das transformações impostas aos ginásios e universidades alemães, cf. o rico trabalho de Friedrich PaulsenPAULSEN, Friedrich. Geschichte des gelehrten Unterrichts. Berlim: Walter de Gruyter , 1921. 2v., professor da Universidade de Berlim.
  • 24
    Nietzsche, 1967-1977, Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação, Segunda Conferência, KSA 1.677.
  • 25
    Nietzsche, 1967-1977, Sobre o Futuro de nossas Instituições de Formação, Quinta Conferência, KSA 1.739. A respeito do órgão da audição, Nietzsche escreve em Aurora: “O ouvido, o órgão do medo, pôde desenvolver-se tanto como se desenvolveu apenas na noite e na penumbra de bosques sombrios e cavernas, conforme o modo de viver na época do medo, ou seja, na época mais longa da humanidade” (Nietzsche, 1967-1977, Aurora § 250, KSA 3.205). No contexto universitário, de que trata Nietzsche, ao identificar-se poder e saber, só ao professor cabe falar; ao estudante atemorizado só resta ouvir.
  • 26
    Nietzsche, 1978NIETZSCHE, -. Obras incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 2a ed., 1978 (Coleção "Os Pensadores")., Terceira Consideração Extemporânea: Schopenhauer como Educador § 6, KSA 1.416.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2022
  • Aceito
    12 Set 2022
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