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Grupos sócio-espaciais ou a quem serve a assessoria técnica

Resumo

O conceito de grupo sócio-espacial proposto neste artigo visa à reflexão crítica de pesquisas e práticas de assessoria técnica em Arquitetura, Urbanismo e Planejamento. Ele designa grupos para os quais o espaço é constitutivo e que, inversamente, constituem (produzem) espaço. Parte-se da premissa de que a assessoria técnica - à diferença do assistencialismo - deve fortalecer a autonomia desses grupos. O primeiro item explica o contexto da discussão e a diferença entre noções e conceitos (teóricos). O segundo, argumenta o porquê de a assessoria técnica precisar ultrapassar noções como cliente, usuário, beneficiário ou comunidade. O terceiro, explora abordagens de grupos sociais pela sociologia, para mostrar que o conceito de grupos sócio-espaciais não é tautológico nem apenas incremental. O último item exemplifica e sintetiza abordagens de assessorias técnicas que trabalham, refletidamente, com grupos sócio-espaciais, isto é, que dispõem de um conceito para compreender e discutir a quem elas servem.

Palavras-chave:
Assessoria técnica; Grupo social; Pesquisa sócio-espacial; Autonomia; Produção do espaço

Abstract

The concept of socio-spatial groups proposed in this paper aims to provide a critical reflection on the research and practice of technical advisory services in architecture, urban design and urban planning. It designates groups for whom space is constitutive, and who, conversely, constitute (produce) space. We begin from the premise that technical advisory practices - as opposed to assistance - should strengthen group autonomy. The first section explains the context of the discussion, and the difference between notions and (theoretical) concepts. The second part demonstrates why technical advisory practices have to overcome notions such as client, user, beneficiary or community. The third explores sociological approaches to social groups, demonstrating that the concept of socio-spatial groups is neither tautological nor merely incremental. The final section illustrates and summarizes approaches of technical advisory practices that work reflectively with socio-spatial groups, i. e. that possess a concept in order to understand and discuss those that they serve.

Keywords:
Technical advisory practices; Social group; Socio-spatial research; Autonomy; Production of space

Contexto da proposição

Conceitos são os elementos com que se fazem teorias, esforços racionais de compreensão da realidade. Eles derivam da experiência e representam aspectos da experiência, mas acrescentam-lhe uma explicação ou, literalmente, um desdobramento (do latim plica, dobra). Eles são imprescindíveis ao pensamento crítico porque ainda que uma relação de dominação possa sobreviver socialmente sem nenhum conceito que a apreenda, dificilmente será questionada e transformada sem tal conceito. Dispor de conceitos amplia as possibilidades de discernimento e ação.

O objetivo deste texto é propor o conceito de grupo sócio-espacial, partindo de experiências de assessoria técnica em arquitetura, urbanismo e planejamento, isto é, de situações em que especialistas prestam serviço a pessoas que não dominam o mesmo conhecimento e que, socialmente, ocupam um lugar pior. Há quem prefira caracterizar tais situações como assistência técnica, seguindo a terminologia da Lei Federal 11.888/2008BRASIL. Lei nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008. Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social e altera a Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005. Diário Oficial da União, Seção 1, 26/12/2008, p. 2. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei-11888-24-dezembro-2008-585074-norma-pl.html . Acesso em: 03/03/2018.
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, que “assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social” (grifo meu). Entretanto, assistência conota uma adesão acrítica ao pressuposto da inferioridade social dos assistidos, esbarrando no assistencialismo e na filantropia, enquanto assessoria condiz mais com uma perspectiva crítica dessas relações de dominação. A razão é histórica, não teórica ou etimológica: se o Estado prefere o termo assistência, os movimentos populares que em alguma medida realizam ou almejam a autogestão têm preferido o termo assessoria. No Brasil as primeiras contratações de arquitetos por movimentos sociais autogestionários (com o coletivo Usina em São Paulo e a gestão do prefeito Chico Ferramenta em Ipatinga) inspiraram-se nas cooperativas habitacionais uruguaias, que se referem ao trabalho de arquitetos como asesoramiento técnico (cf. Nahoum, 2008NAHOUM, Benjamin (ed.). Una historia con quince mil protagonistas: Las cooperativas de vivienda por ayua mutua uruguayas. Montevideo: Intendencia Municipal de Montevideo y Junta de Andalucía, [1999] 2008.). Já a Lei de Assistência Técnica inspirou-se no Sistema Único de Saúde, por sua vez alinhado à ideologia das necessidades ou da “condição humana como condição de dependência de bens e serviços” (Illich, 1990ILLICH, Ivan. Needs. Manuscrito inédito. Bremen, 1990. ). Assistência e autonomia são opostos nesse sentido. Analogamente, nos campos acadêmicos ocupados com as questões sociais e espaciais, a preferência por assistência ou assessoria tende a corresponder, respectivamente, a um interesse maior pelo uso do espaço ou por sua produção1 1 Jean Rémy (1993, p.265) atribui essa polarização à sociologia urbana francesa, mas penso que ela se aplica a um contexto mais amplo, incluindo as pesquisas em arquitetura e urbanismo: “The French Urban Sociology is divided between people interested on appropriation of space and other interested in the production.” .

Assim como as palavras assistência e assessoria carregam certas premissas, o nome pelo qual os profissionais chamam, verbal ou mentalmente, as pessoas a que seus serviços se destinam indica a estrutura social que ali se reproduz. Médicos tratam pacientes, advogados defendem clientes ou mandantes, programas públicos atendem a beneficiários ou comunidades, enquanto arquitetos, convencionalmente, projetam para clientes ou usuários. Mas esses termos expressam noções, não conceitos. Aderimos a eles no caudal da linguagem, seja comum ou especializada, sem sobre eles refletir. Apenas quando novas constelações perturbam a prática convencional de repente parecem inadequados. Chamaremos os destinatários da assessoria técnica de clientes ou usuários? A substituição por outros nomes não significa necessariamente que os motivos da inadequação e as noções e práticas anteriores tenham passado por uma reflexão crítica. Por vezes a nova nomenclatura sedimenta-se com a mesma naturalidade que a antiga, disponível à livre associação de significados. O jargão produz vocábulos autorizados, usados lado a lado sem jamais se confrontarem, muitos com referência a um nome célebre e ignorância do conteúdo que justificaria a celebridade.

Exemplifica-o um debate do Conselho Municipal de Habitação de Belo Horizonte que presenciei anos atrás, no qual o secretário de habitação defendia com veemência o “direito à cidade” e opunha-se com a mesma veemência à autogestão - “Já vimos que isso não dá certo”. O conceito de “direito à cidade” cunhado por Henri Lefebvre tem sofrido esse fenômeno de absorção e neutralização em toda parte, não apenas no Brasil. Na mesma linha da ideologia das necessidades, ele tem sido identificado com o acesso a um conjunto de bens e serviços urbanos, enquanto se ignora a ideia central, de um direito coletivo de imaginar e produzir a cidade: “direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) motivações subjetivas do comportamento socia” (Lefebvre, [1968] 2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, [1968] 2001., p. 135). David Harvey e outros têm insistido numa compreensão mais clara desse conceito (cf. Harvey, 2008HARVEY, David. The right to the city. New Left Review, n.53, p. 23-40, 2008. Disponível em: https://newleftreview.org/II/53/david-harvey-the-right-to-the-city . Acesso em: 03/03/2018.
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; Stanek, 2011STANEK, Lukasz. Henry Lefebvre on Space. Architecture, Urban Research and the Production of Theory. Mineapolis: University of Minnesota Press, 2011.; Kapp, 2012KAPP, Silke. Direito ao espaço cotidiano: moradia e autonomia no plano de uma metrópole. Cadernos Metrópole (PUCSP), v. 14, p. 463-485, 2012. Disponível em: http://cadernosmetropole.net/system/artigos/arquivos/000/000/243/original/cm28_244.pdf?1474650655 . Acesso em: 03/03/2018.
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).

Quando cursei a graduação em Arquitetura e Urbanismo, a própria palavra conceito era usada de maneira difusa e imprecisa. Todo projeto deveria “ter um conceito”, o que significava que deveria ambicionar mais do que a equação de cômodos e metros quadrados num terreno qualquer. Ficções diversas serviam de inspiração para inventar formas e preencher memoriais descritivos (cf. Maciel, 2003MACIEL, Carlos Alberto. Arquitetura, projeto e conceito. Arquitextos, São Paulo, v.4, n.043.10, s.p., dez. 2003. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/ read/arquitextos/04.043/633 . Acesso em: 03/03/2018.
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). Não sei se os professores tinham consciência de que o conceito havia migrado para o campo arquitetônico a partir da chamada arte conceitual, para a qual o adjetivo conceitual foi sobretudo um contraponto ao ofício material, no sentido de ideia criativa ou algo nessa linha. Dado que na arquitetura isso seria mero pleonasmo2 2 Alberti ([1450] 1988, p.3) já define o arquiteto em oposição à execução: “Devo explicar exatamente a quem chamo de arquiteto, pois não é um carpinteiro que eu compararia com os maiores expoentes de outras disciplinas: o carpinteiro não é mais do que um instrumento nas mãos do arquiteto”. , o conceito nem teria feito carreira se não fosse um artigo de Peter Eisenman (1970EISENMAN, Peter. Notes on Conceptual Architecture: Towards a Definition. Design Quarterly, n.78/79, p. 1-5, 1970.), que chamou de conceptual architecture justamente a alusão a conteúdos filosóficos nos projetos (ou nos discursos a seu respeito). Por outro lado, na célebre Introdução à Arquitetura organizada por Snyder e Catanese ([1979] 1984SNYDER James C.; CATANESE, Anthony J. (Eds.) Introdução à Arquitetura. Tradução de Heloisa Frederico. Rio de Janeiro: Campus , [1979] 1984., p. 210) lê-se que parti e esquisse, partido e esboço, também seriam sinônimos de conceito. O entendimento era assaz escorregadio. Contribuiu para isso o fato de conceito, em português, assim como concept em inglês ou francês, cobrir dois campos semânticos: a ideia que motiva um processo de criação ou planejamento e que também poderíamos denominar concepção (em alemão, Konzept); e o elemento de uma teoria (em alemão, Begriff).

Então, para prevenir mal-entendidos, o sentido que interessa aqui é esse último. Conceitos são “unidades explicativas fundamentais, ao mesmo tempo constitutivas de qualquer construção teórica […] e nutridas pelas abordagens teóricas” (Souza, 2013SOUZA, Marcelo Lopes de. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013., p. 9). Um conceito (teórico) sintetiza um raciocínio (teórico). Não é uma imagem, nem uma intuição, nem uma forma. Conceitos (teóricos) podem inspirar concepções artísticas ou integrar teorias que, por sua vez, motivam ou fundamentam ações, mas eles não se confundem com nenhuma das duas coisas.

Como indicado acima, o conceito aqui proposto visa à reflexão crítica de pesquisas e práticas de assessoria técnica. Numa aproximação preliminar, grupo sócio-espacial designa um grupo de pessoas que se relacionam entre si num espaço, sendo esse espaço constitutivo do grupo e, inversamente, constituído por ele. A articulação entre espaço e nexo social é necessária e dialética: necessária porque o grupo não existiria sem ela; dialética porque tensionada e sempre em processo (aliás, esse é o motivo para insistir, como Souza [2013SOUZA, Marcelo Lopes de. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.], na grafia com hífen em vez da grafia que sugere um continuum automático: socioespacial). Na linguagem de Henri Lefebvre, um grupo sócio-espacial produz um espaço e é produzido por ele. Um grupo que dá conta de se constituir produzindo um espaço ou na perspectiva de fazê-lo, terá alguma ideia de autonomia, por mais frágil que seja. A assessoria visa a fortalecer essa autonomia, ao contrário da maioria dos programas públicos.

No item seguinte detalho o argumento de que a assessoria técnica precisa ultrapassar as noções de cliente, usuário e beneficiário, além de apontar brevemente o porquê de sua substituição pela noção de comunidade ser pouco esclarecedora para as pesquisas e práticas de assessoria técnica. No terceiro item discuto algumas abordagens de grupos sociais pela sociologia, a fim de mostrar que o conceito de grupos sócio-espaciais não é tautológico nem apenas incremental. O último item tenta exemplificar e sintetizar as abordagens de assessorias que trabalham, refletidamente, com grupos sócio-espaciais, isto é, que dispõem de um conceito para compreender e discutir a quem elas servem.

Clientes, usuários, beneficiários, comunidades

Os antigos romanos chamavam de cliens o plebeu sob proteção de um patrício. O termo vem de cluere, escutar, obedecer. O patrício representava o cliens nos tribunais e, em troca, recebia lealdade; o cliens deveria, por exemplo, prestar-lhe visitas regulares e juntar-se a seu séquito nas aparições públicas e na guerra. Quanto maior a clientela, maior o poder do patrício. O lendário príncipe que recorre a um arquiteto para projetar palácios jamais seria caracterizado como cliente. Tome-se a situação de Filarete na corte do duque Francesco Sforza em Milão em meados do século XV3 3 Antonio Pietro Averlino, o Filarete, escreveu e ilustrou o Libro Architettonico ou Trattato di Architettura por volta de 1460. Trata-se de uma ficção sobre a construção da cidade de Sforzinda que, no entanto, contém muitos elementos reais de sua relação com o duque e com os canteiros (cf. Filarete, 1965). : ele emerge do meio social dos mestres de obra e faz de tudo para legitimar seu pertencimento a um “círculo privilegiado”4 4 O pertencimento dos arquitetos a um “círculo privilegiado” foi discutido numa perspectiva sociológica por Garry Stevens (2002), que, no entanto, não aborda o caso de Filarete e tampouco - o que é mais notável - a relação entre os arquitetos e os trabalhadores nos canteiros de obras. , mobilizando até instrumentos para que o duque se torne coautor dos projetos (os riscos do nobre enobrecem a atividade do desenho). No sentido antigo, Filarete seria o cliente, o protegido de Sforza, não o contrário. Entretanto, há um aspecto na relação que já indica o que mais tarde definirá o cliente de um arquiteto, pois uma das tarefas de Filarete é racionalizar o canteiro, protegendo os interesses do duque na medida em que contrariam os interesses de mestres de obra, pedreiros e serventes.

A situação que nos é mais familiar, do arquiteto de fama mediana que projeta para um proprietário não nobre, surge com a ascensão da burguesia e da indústria imobiliária urbana. Le guide de ceux qui veulent bâtir (O guia para aqueles que querem construir, 1781) de Nicolas Le Camus de Mézières dá testemunho disso. Dirigindo-se diretamente a proprietários que querem construir e não podem perder dinheiro ou deixar um terreno sem uso, ele “apresenta o arquiteto como um especialista […] empregado para dar conselhos práticos a seu cliente” (Picon, 2000PICON, Antoine. Introduction. In: DURAND, Jean-Nicolas-Louis. Précis of the Lectures on Architecture: With Graphic Portion of the Lectures on Architecture. Los Angeles: Getty Research Institute, 2000., p. 16). Mézières (1781LE CAMUS DE MÉZIÈRES, Nicolas. Le guide de ceux qui veulent bâtir. Paris: B. Morin, 1781., p. 4-5) primeiro pinta os horrores de um empreendimento mal planejado e as fraudes dos construtores, para então recomendar os próprios serviços: “sou arquiteto […] jamais me deixarei levar por um interesse vil. Você pode confiar nos meus conselhos”; “cabe a mim defendê-lo”. Cliente e arquiteto ocupam posições sociais semelhantes, e a obra que resulta da relação será um expediente de acumulação de capitais econômico e simbólico para ambos. Isso não exclui conflitos internos, claro. Mas seja com bajulação ou arrogância, panegíricos mútuos ou quedas de braço, os personagens desse tipo de relação são solidários quanto a seus interesses de classe.

Os grupos a que a assessoria técnica se destina - como movimentos de sem-teto e sem-terra, cooperativas de trabalho, os chamados povos tradicionais (índios, quilombolas, ciganos), assentamentos urbanos espontâneos ou ocupações organizadas - não são clientes nesse sentido moderno, porque não estão em condições de igualdade estrutural com a assessoria. A caracterização como cliente se aplicaria a eles apenas no sentido antigo, do plebeu que se submete ao patrício para que este o represente nas instâncias de poder, já que lhe faltam credenciais de acesso para fazê-lo por si mesmo (daí também o clientelismo). Analogamente, os grupos assessorados se submeteriam aos arquitetos em troca de representação junto a prefeituras, bancos e outras instâncias com as quais não negociam sozinhos, seja por interdições objetivas ou constrangimentos subjetivos. De fato, essa é uma das razões mais comuns de grupos procurarem assessoria técnica mesmo quando têm convicção de que não precisariam dela para equacionar espaços e construções. Menos mal se todos estiverem conscientes disso e a assessoria assumir sua função advocatícia sem impor serviços técnicos não demandados. Ainda assim, a relação criará novas dependências, contrariando o objetivo de fortalecer a autonomia dos assessorados (além de sempre se correr o risco de a própria função advocatícia exigir serviços técnicos não demandados no início do processo).

Usuário é um termo mais recente, difundido juntamente com a ideia de que leigos em matemática poderiam usar computadores. Usuários são aqueles que recebem pronto certo sistema de funcionamento, que podem empregá-lo com alguma criatividade e até subvertê-lo, mas sem decidir a respeito dele. A supracitada Introdução à Arquitetura - verdadeira mina de chavões da profissão - explicita esse entendimento: “os usuários raramente participam diretamente das decisões do projeto; eles devem confiar, portanto, no profissionalismo do arquiteto que vai considerar seus interesses” (Parsons, [1979] 1984PARSONS, David J. “A indústria da construção”. In: SNYDER James C.; CATANESE, Anthony J. (Eds.) Introdução à Arquitetura. Tradução de Heloisa Frederico. Rio de Janeiro: Campus, [1979] 1984, p. 92-112., p. 94-95). Soa bem que pelo menos os arquitetos tenham tal consideração, mas já na frase seguinte vê-se que ela é limitada: “o tempo e as verbas comumente são insuficientes para que o arquiteto possa satisfazer plenamente os desejos e aspirações dos futuros usuários”. Curioso é o caso que ilustra o conflito entre quem domina o espaço e quem o usa: “o desejo de uma universidade de que seus dormitórios tenham durabilidade pode levar a paredes de blocos de concreto e móveis fixos, enquanto os estudantes que querem personalizar o espaço em que vivem talvez prefiram material quente e móveis soltos”. Note-se a sutileza retórica: a instituição tem um desejo (desire), como se ela fosse um sujeito e como se seu controle fosse coisa suave, enquanto os estudantes, rebeldes por natureza, querem (want to) personalizar. O autor sugere que os arquitetos recorram a psicólogos, sociólogos e antropólogos para obter “informações específicas sobre padrões de grupos de usuários e de comportamento”, o que resolveria o problema da insatisfação. Se antes os interesses do cliente eram ameaçados pelo canteiro, o usuário constitui o novo problema de uma sociedade em que tanto produtores quanto consumidores precisam ser orquestrados em grande escala.

Os estudos de ambiente e comportamento de fato têm subsidiado cada vez mais projetos. Por melhores que sejam as intenções dos profissionais que deles se servem e por mais que se admita sua utilidade em certas circunstâncias (equipamentos públicos, estádios de futebol etc.), a contradição de origem permanece. Projetar para usuários é como projetar para animais de zoológico. Também nesse caso um arquiteto cuidadoso recorrerá a especialistas para conhecer a anatomia, os hábitos e os “padrões de comportamento” de cada tipo de bicho e criará jaulas com o máximo de conforto e o mínimo de conflito, dada a inquestionável circunstância do enjaulamento. Objetar-se-á que pesquisas de comportamento dão voz aos usuários mediante entrevistas e outras técnicas. Mas os zoólogos fariam o mesmo se pudessem. Ouvir os usuários é um expediente de coleta de dados que não pressupõe nem implica o seu reconhecimento como sujeitos políticos com autonomia de decisão e ação. Se a assessoria partir desse reconhecimento, não abordará os grupos assessorados como usuários.

Quanto ao papel do beneficiário, ele parece somar as formas de submissão do antigo cliens e do moderno usuário. O cliens submete-se ao patrício em troca de proteção, mas, afora préstimos ocasionais, pode cuidar da própria vida. O usuário não decide sobre os dispositivos que usará, mas, como consumidor, ainda pode escolher entre um ou outro desses dispositivos. Dos beneficiários, a proteção recebida exige submissão plena a um dispositivo que não podem escolher.

Cabe ressalvar que, desde a produção habitacional de massa dos anos 1950, surgiram diversos métodos participativos para romper a heteronomia imposta a usuários e beneficiários. Meus argumentos não visam a invalidar nenhum deles a priori. Em parte, foram frutíferos e devem ser retomados e aprimorados. A questão refere-se ao aparato conceitual que sustenta esses métodos, muitas vezes nebuloso. Em rigor, a chamada participação do usuário - na realidade quase sempre participação do beneficiário - é um oxímoro, porque alguém que participasse da produção não seria apenas usuário ou beneficiário, enquanto um processo de produção que restringe os não especialistas ao papel de usuários ou beneficiários não é participativo. Talvez pareça preciosismo, mas há consequências no fato de a participação figurar como atributo acidental de sujeitos cuja essência estaria no uso (usuários) ou na carência (beneficiários). A participação tida por mero bônus pode ser banalizada, encenada ou suprimida sem afetar o empreendimento em si. Por outro lado, se o processo for entendido como colaboração (de collaborare, trabalhar junto) entre assessoria técnica e grupo assessorado, a supressão da agência de uma das partes implica o fim desse processo.

E o que dizer da comunidade? O termo designa um sujeito coletivo, sugere espaço e engajamento comuns, e tem sido empregado na prática da assessoria técnica, inclusive pelos próprios grupos assessorados. Coloquialmente, nada contra. Entretanto, numa discussão teórica de alguma precisão, ele é problemático porque pode significar desde a absoluta miséria até o suprassumo da articulação política, com todos os matizes entre esses extremos. Tönnies ([1887] 1922)TÖNNIES, Ferdinand. Gemeinschaft und Gesellschaft. Grundbegriffe der reinen Soziologie. Berlin: Karl Curtius, [1887] 1922. contrapõe a sociedade (Gesellschaft) à comunidade (Gemeinschaft), como formação tradicional, solidária, fechada, pertencente ao passado. Max Weber (1922WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1922., p. 21) denomina comunalização (Vergemeinschaftung) as relações sociais baseadas na “solidariedade subjetivamente sentida (afetiva ou tradicional) dos participantes”, e socialização (Vergesellschaftung) as relações sociais baseadas no “ajuste de interesses racionalmente motivado”. Os community studies, “uma variedade particular de pesquisa empírica […] de redes sociais, laços de parentesco e relações sociais diretas que constituem a estrutura social de uma localidade geográfica”, procuraram enclaves de comunidades em meio à sociedade, mas depois privilegiaram comunidades não espaciais ou “líquidas”, constituídas via mídias remotas pelos cidadãos do mundo globalizado (Blackshaw, 2010BLACKSHAW, Tony. Key concepts in community studies. London: Sage, 2010., p. 56 et seq.). Estudos de “comunidades rurais tradicionais” no Brasil descobriram formações baseadas na família conjugal e numa frágil colaboração interfamilial dominada pelo coronelismo5 5 Durham (2004, p. 131-179) relaciona e sintetiza vários desses estudos no ensaio “As comunidades rurais tradicionais e a migração”, originalmente publicado em 1973. . Nos programas internacionais de desenvolvimento comunitário dos anos 1960, comunidade era sinônimo de anomia e precariedade6 6 Para essas variações de compreensão relacionadas às favelas, cf. Valladares, 2005, especialmente o capítulo II, “A transição para as ciências sociais: valorização da favela e descoberta do trabalho de campo”. . Na Teologia da Libertação foi sinônimo de base ativa, emancipatória. Gaston Bardet ministrou um curso de Urbanismo no Brasil em 1953, no qual “escala comunitária” equivalia ao bairro (Brandão, 1956BRANDÃO, Francisco de Assis da Silva. Curso de urbanismo do professor Gaston Bardet. Revista da Escola de Arquitetura da UMG, n.156, p. 156-160, (impresso) 1956.). Já a ideia de comunidade formulada por Marx depois da Comuna de Paris seria a suprassunção (Aufhebung) de Estado e sociedade civil, sem limites territoriais nem escalares7 7 Cf. Pogrebinschi (2009), especialmente o capítulo intitulado “O lugar do político: a comunidade real”. . Para movimentos de luta política, comunidade tem designado “organizações frequentemente temporárias, formadas em função de objetivos comuns, muito específicos e restritos, que ocupam uma parte relativamente pequena da vida e do tempo das pessoas” (Durham, 2004DURHAM, Eunice Ribeiro. A Dinâmica da Cultura: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosacnaify, 2004., p. 220). E uma busca online na chamada comunidade acadêmica revela outras dezenas de sentidos, majoritariamente permeados por uma ideologia do altruísmo que desqualifica a individualidade (ou o “individualismo”) cujo reconhecimento seria imprescindível para qualquer forma de associativismo produtivo. Sem ignorar que a noção de comunidade por vezes serve de curinga aos movimentos sociais no embate político, talvez seja melhor não carregá-la ainda mais, nem tentar extrair dela um conceito para (refletir) a assessoria técnica.

Grupos sociais na sociologia

Numa palestra em que apresentei um esboço da presente discussão, uma socióloga ponderou que o conceito corrente de grupo social já pressupõe um espaço compartilhado ou, dito com menos elegância, que um conceito de grupo sócio-espacial seria mera tautologia. Em vista dessa objeção, cabe explicar por que considero que o tema dos grupos sociais na sociologia e a respectiva tradição de pesquisa são insuficientes para a compreensão da relação entre grupos e espaços, necessária à assessoria técnica.

Genericamente, qualquer conjunto de indivíduos pode ser denominado grupo social, inclusive frações de classes ou estratos estatísticos. No sentido mais preciso da microssociologia e dos social group studies desenvolvidos a partir dos anos 1940, grupo social designa formações de pelo menos três pessoas que têm um propósito comum, interagem de modo relativamente contínuo durante um período relativamente longo e desenvolvem um senso de pertencimento e identidade, bem como um sistema interno de normas e certa divisão de tarefas e papéis (Schäfers, 1999SCHÄFERS, B. (ed.): Einführung in die Gruppensoziologie. Geschichte - Theorien - Analysen. Wiesbaden: Quelle & Mayer, 1999., p. 20). Temas clássicos são grupos domésticos, de parentesco, de trabalho, de auto-ajuda, de vizinhança e ligados por afinidades diversas. O espaço não é constitutivo da concepção de grupos sociais inicialmente adotada na sociologia. O fato de pessoas estarem num mesmo lugar não configura, por si, um grupo social e, inversamente, tal grupo não depende sempre de um espaço físico (tanto menos quanto maiores as possibilidades de interação remota). Por outro lado, é evidente que grupos reais costumam coincidir com determinados espaços. Interessa, então, compreender como tais espaços entram nas pesquisas e discussões. Em vez de tentar um panorama, concentro-me num livro da fase inicial desses estudos, a meu ver exemplar quanto ao tratamento do espaço que lhes é característico e que persistiu nas vertentes sociológicas ocupadas dos (pequenos) grupos sociais, mesmo depois do spatial turn8 8 A expressão spatial turn foi usada primeiro por Edward Soja em Postmodern Geographies (1989) e em seguida por Fredric Jameson em Postmodernism (1991). A discussão do espaço como dimensão esquecida pela teoria social crítica, no entanto, remonta às décadas de 1960 e 1970, sobretudo à obra de Henri Lefebvre. .

Trata-se de The Human Group (1951) de autoria de George C. Homans, sociólogo da Universidade de Harvard. O livro é uma sistematização teórica de pesquisas etnográficas e pesquisas industriais, realizadas alguns anos antes (o autor não participou de nenhuma delas diretamente). A utilização de dados empíricos qualitativos obtidos em contextos reais foi um avanço na época. Técnicas de pesquisa de opinião baseadas em observações de grupos em laboratório haviam se difundido durante a Segunda Guerra para avaliar os efeitos da comunicação de massa e vinham sendo usadas para a investigação de grupos9 9 O sociólogo austríaco Paul Lazerfeld fundou o Office of Radio Reasearch na Universidade de Columbia em 1939, do qual participaram também Robert Merton e os emigrados do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. . Embora tenham refinado seus métodos ao longo do tempo - por exemplo, com entrevistas coletivas sutilmente dirigidas a determinado foco (focused interview) em lugar daquela abordagem a queima roupa dos recenseamentos10 10 Essa técnica se difundiu depois na versão banalizada do grupo focal ou focus group, usado em pesquisas de mercado. Um relato sobre a transformação encontra-se em Merton (1987). - sua evidente limitação era a descontextualização de espaços e atividades cotidianos dos interlocutores11 11 O prefácio de Robert Merton, na primeira edição de The Human Group (1951), ressalta essa inovação. .

Outra razão do sucesso do livro de Homans foi a provisão de um aparato analítico que, supostamente, seria aplicável a quaisquer grupos sociais e permitiria compará-los. Ele propõe para isso três variáveis interdependentes: atividade (activity), que abrange qualquer ação individual ou coletiva; interação (interaction), que consiste na comunicação verbal e não-verbal entre os membros do grupo; e sentimento (sentiment), que designa as motivações subjetivas do comportamento social (Homans [1951] 2004HOMANS, George C. The Human Group. New Brunswick; London: Transactions, [1951] 2004., chapter 2, “The Elements of Behavior”). Atividades, interações e sentimentos formam o nexo interno de um pequeno “sistema social”, provido de limites (boundaries) e suficientemente coeso para ser analisado. Demais aspectos que afetam o grupo são subsumidos por Homans na categoria ambiente (environment), por sua vez analisada em termos físicos, técnicos e sociais: “Tudo o que não é parte do sistema social é parte do ambiente em que o sistema social existe” (Homans [1951] 2004HOMANS, George C. The Human Group. New Brunswick; London: Transactions, [1951] 2004., p. 87). Portanto, Homans inclui uma das dimensões que os experimentos de laboratório não podiam contemplar (a atividade), mas toma por mero pano de fundo outra dimensão suprimida nesses experimentos (o espaço). O “ambiente físico” em que um grupo existe - e que às vezes até produz ativamente - é descrito, mas há poucas indicações sobre as práticas correlatas e nenhuma diferenciação entre espaço dado heteronomamente e espaços transformados ou geridos pelo próprio grupo.

Um dos casos empíricos de Homans provém dos Hawthorne Studies, realizados entre 1927 e 1932 numa fábrica da Western Electric Company, com a colaboração do departamento de pesquisa industrial de Harvard. Financiada pela empresa para aperfeiçoar a administração científica na linha de Taylor, a investigação primeiro avaliou os efeitos do ambiente físico na produtividade e depois se expandiu para fatores como motivação e colaboração, com longas observações diretas e mais de vinte mil entrevistas12 12 O caso ficou conhecido pelo Hawthorne effect ou a constatação de que a produtividade dos trabalhadores havia sido mais influenciada pelo fato de eles se sentirem observados do que pelas variáveis testadas. . Homans usa dados da última fase, o bank wiring room experiment, coordenado pelo psicólogo Elton Mayo (1933MAYO, Elton. The Human Problems of an Industrial Civilization. New York: Macmillan,1933. ). O experimento envolveu uma equipe de montagem de centrais telefônicas, instalada numa sala à parte e observada em tempo integral (o constrangimento pela observação parece ter cessado depois de algumas semanas). Estabeleceu-se um sistema de remuneração com pagamento coletivo por peça, rateado conforme a produtividade individual. Mayo esperava que os homens competiriam entre si para aumentar os ganhos individuais e, ao mesmo tempo, colaborariam para aumentar os ganhos do grupo. Em vez disso, estabelecem uma produção diária média, individual e coletiva, num ritmo de trabalho bom mas não exaustivo, e cuidavam para evitar desvios. A análise de Homans concentra-se no jogo das interações que controlava tais atividades de trabalho. Quanto ao “ambiente físico”, ele observa que a condição do grupo numa sala à parte criou uma coesão interna maior do que ocorreria no grande galpão e que a disposição de bancadas e equipamentos favoreceu certas relações: “a simples posição geográfica dos homens dentro do espaço tinha algo a ver com a organização do trabalho e até com o surgimento de turmas” (Homans [1951] 2004, p. 88). Entretanto, ele não desenvolve essa observação nem considera a possibilidade de o grupo, por iniciativa própria, alterar o local de trabalho. Numa situação típica de trabalhadores industriais assalariados, é pressuposto que irão operar num espaço configurado pelos especialistas da administração. Também os espaços da fábrica, do entorno urbano, dos percursos ou do cotidiano fora do trabalho não comparecem. O grupo social constitui um sistema social dentro de um ambiente, no fundo muito semelhante a um laboratório, ao qual deve adaptar-se e que, eventualmente, pode lhe ser adaptado pelos especialistas. De todo modo, o ambiente permanece externo aos limites daquele sistema social que o grupo constitui.

Outro grupo analisado por Homans provém da pesquisa etnográfica de William Foote WhiteFOOTE WHITE, William. Street Corner Society: The social structure of an Italian Slum. Chicago: University of Chicago Press, 1943. publicada em 1943 sob o título Street Corner Society: The social structure of an Italian Slum, que depois se tornou um clássico da sociologia urbana. Homans entende como ambiente da “gangue” da Norton Street o contexto de recessão, desemprego e falta de oportunidades. Não parece relevante fato de o grupo se definir por um território, isto é, por determinada rua na estrutura de outras ruas e turmas e a partir da situação urbana peculiar do North End de Boston. Da mesma maneira que no caso da fábrica, toma-se como fato quase natural que os jovens da Norton Street operem num espaço dado, cuja transformação pelo próprio grupo seria improvável.

Paradoxalmente, a mesma relação heterônoma entre grupo social e espaço formalizado, peculiar à sociedade industrial urbana, subjaz às análises que Homans faz de grupos efetivamente produtores de seus espaços, constituídos no processo dessa produção e impensáveis sem ela, isto é, de grupos que, mais do que sociais, são sócio-espaciais. Um desses casos é uma comunidade na Nova Inglaterra, à qual Homans recorre para discutir processos de desintegração social (suas fontes para esse caso são Zimmerman [1938ZIMMERMAN, C. C. The Changing Community. New York; London: Harper, 1938.] e Hatch [1948HATCH, D. L. Changes in the Structure and Function of a Rural New England Community since 1900. Harvard University, 1948(Tese de Doutorado).]). O espaço permanece categoria subjacente, embora os dados permitam suspeitar que a época em que os habitantes “desbravaram” o território e se responsabilizaram pela sua estrutura física foi a de maior coesão interna e autonomia política, ao passo que a decadência do grupo coincidiu com paulatina interferência dos governos estadual e federal nesse território.

O caso que torna mais evidente o paradoxo de grupos sócio-espaciais analisados sem considerar sua produção do espaço é a ilha de Tikopia na Polinésia. Homans recorre ao antropólogo Raymond William Firth, que ali realizou um longo trabalho de campo. Os textos de Firth (1936FIRTH, Raymond. We, The Tikopia. A sociological study of kinship in primitive Polynesia. London: Allen & Unwin, 1936., 1939FIRTH, Raymond. Primitive Polynesian Economy. London: Routledge, 1939., 1940FIRTH, Raymond. The Work of the Gods in Tikopia. Melbourne: Melbourne University Press, 1940.) explicitam o processo de transformação da ilha pelos habitantes, com casas, infraestrutura e uma arboricultura que recriou as florestas nativas radicalmente e, assim, deu início a numa verdadeira história ecológica ou ecologia histórica (cf. Kirch, 1997KIRCH, Patrick V. Microcosmic Histories. Island Perspectives on ‘Global’ Change. American Anthropologist, v. 99, n. 1, p. 30-42, (impresso) 1997.). Homans, no entanto, não vê nisso um constituinte dos grupos sociais em questão. Ele descreve a geografia; menciona a canalização de água nas vilas e muros de pedras nos currais de pesca; fala do complexo sistema de controle do uso da terra; toma “a casa enquanto objeto físico” como ponto de partida para a análise da família; nota as homonímias entre a ilha e seus habitantes (tikopia) e as palavras casa e parentela (te paito); e nota que o nome de cada casa é assumido como nome pessoal pelo homem que se torna seu chefe (Homans, [1951] 2004HOMANS, George C. The Human Group. New Brunswick; London: Transactions, [1951] 2004., p. 204-207). Ainda assim, o “ambiente” figura como coisa externa, e os tikopianos, como seus usuários. Apenas dessa vez se trata de um espaço provido pela natureza, não pelos especialistas.

The Human Group exemplifica uma concepção de grupo social de meados do século XX e as lacunas que, retrospectivamente, podemos constatar ali. Há de se conceder que ele pertence a um período de combate ao geodeterminismo e à ideologia do espaço vital (o Lebensraum dos nazistas), o que em parte explica por que Homans evita o tema de uma reciprocidade entre relações sociais e espaços. Por outro lado, é o período áureo do Estado keynesiano e do capitalismo fordista, que dependem do controle do espaço, seja no território nacional, na fábrica ou na moradia estudantil. O tema dos (pequenos) grupos sociais entra em pauta para elucidar questões caras a esse contexto político-econômico, desde o apaziguamento social até a produtividade no trabalho, o marketing de consumo e a indústria da ajuda humanitária. Não é que as pesquisas estivessem sempre a serviço de posições conservadoras. Mas entre teoria tradicional e teoria crítica, pertencem à primeira: mais do que questionar, descrevem, analisam e classificam fenômenos do mundo social (cf. Horkheimer, [1937] 1989HORKHEIMER, Max. Teoria tradicional e teoria crítica [1937]. In: HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1989.). E o mundo social em que se desenvolvem não favorece grupos que produzam espaço com alguma autonomia, conquanto favorece muito a concepção do espaço como um “sistema inercial” que “exerce efeito sobre todos os objetos corpóreos, sem que esses exerçam nele um efeito retroativo” (Einstein, 1960EINSTEIN, Albert. Vorwort. In: JAMMER, Max. Das Problem des Raumes. Darmstadt, 1960. , p. XIV). Seu espaço é absoluto, objeto de medição, mapeamento, delimitação, planejamento e propriedade, mas não parte de uma disputa política de baixo para cima (cf. Harvey, 2004HARVEY, David. Space as a Key Word. Paper for Marx and Philosophy Conference, Institute of Education, London, 2004. Disponível em: http://www.frontdeskapparatus. com/files/harvey2004.pdf . Acesso em: 03/03/2018.
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).

Mencionei antes que o espaço pressuposto por Homans persiste na sociologia mesmo depois do spatial turn ou do período em que várias disciplinas começaram a descobrir o espaço para explicar a realidade. Quero especificar essa afirmação. Na sociologia francesa as relações entre espaço e grupos sociais foram discutidas já por Maurice Halbwachs (1938HALBWACHS, Maurice. Morphologie Sociale. Paris: Armand Colin, 1938.) numa concepção de interdependência de materialidade e representações coletivas (cf. Jaisson, 1999JAISSON, M. Temps et espace chez Maurice Halbwachs. Revue d’Histoire des Sciences Humaines, n.1, p. 163-178, (impresso) 1999.). Na década de 1950, Lefebvre e outros membros do Centre d’études sociologiques tentavam avançar nesse sentido e “deixar para trás os conceitos de território ou ambiente (milieu) usados na história rural, sociologia, geografia humana e etnografia francesas, para desenvolver o conceito de espaço socialmente produzido” (Stanek, 2011STANEK, Lukasz. Henry Lefebvre on Space. Architecture, Urban Research and the Production of Theory. Mineapolis: University of Minnesota Press, 2011., p. 16). Porém, os desdobramentos dessas abordagens críticas, por autores como Manuel Castells, David Harvey e o próprio Lefebvre, deu-se com ênfase em escalas mais amplas, da urbana à planetária, enquanto incidiu pouco em teorias e métodos de pesquisa empírica qualitativa concernentes a (pequenos) grupos sociais.

Para citar um exemplo, Martina Löw propõe uma sociologia do espaço (Raumsoziologie, 2001LÖW, Martina. Raumsoziologie. Frankfurt/M: Suhrkamp , [2001] 2012.) a partir do conceito de espaço relacional, oposto ao espaço absoluto da sociologia norte-americana de meados do século. Entretanto, a relativização refere-se a apropriações simbólicas, ao passo que o entendimento da produção material permanece quase o mesmo: trata-se de espaços planejados onde grupos sociais apenas se comportam (bem ou mal, conforme o ponto de vista). A interpretação de Löw de um estudo etnográfico de Paul WillisWILLIS, Paul. Learning to Labour: How Working Class Kids Get Working Class Jobs. New York: Columbia University Press, [1977] 1981. evidencia a questão. Sob o título Learning to Labour: How Working Class Kids Get Working Class Jobs (1977), ele descreve como a rebeldia de um grupo de estudantes numa escola secundária na Inglaterra desemboca na reprodução de sua posição social de origem. Löw retoma os dados de Willis recolhendo indicações concernentes ao espaço, tratado apenas marginalmente pelo autor. Ela consegue mostrar que o comportamento dos lads - como eles próprios se chamam - cria um espaço “contracultural” na escola, dissolvendo seus limites em relação à rua: agem na escola como se estivessem na rua, infringindo todas as regras (ficar sentado, não sair pelo portão no recreio, não fumar). Sem poder rearranjar objetos físicos, usam seus corpos e pequenas ações para subverter a ordenação dada; movimentam-se o tempo todo de um lado a outro, andam em bando, bloqueiam passagens, deitam-se nas mesas, espalham tocos de cigarro, grafitam paredes. Löw conclui que “a análise de espaços não pode […] se restringir à análise dos efeitos estruturantes de espaços já institucionalizados. Na constituição cotidiana do espaço essas ordenações estão constantemente sujeitas a disputas e são deslocadas - por exemplo, pelo movimento e pelo autoposicionamento -, suspendidas e por vezes até dissolvidas” (Löw, [2001] 2012LÖW, Martina. Raumsoziologie. Frankfurt/M: Suhrkamp , [2001] 2012., p. 246).

Tudo isso pode servir à compreensão dos contextos empíricos em que Löw se baseia e talvez de fenômenos como os rolézinhos em shopping centers brasileiros, mas não serve à compreensão dos contextos em que a assessoria técnica opera. Não faria sentido tentar abordar uma favela, uma ocupação urbana ou um assentamento do MST a partir conceitos desenvolvidos para explicar atritos entre espaços formais e grupos que vivem exclusivamente nesse tipo de espaço. Uma perspectiva em que a “constituição cotidiana do espaço” por grupos sociais se restringe à atribuição significados simbólicos ou a gestos mínimos de apropriação, como os tocos de cigarro dos adolescentes na escola ou a cortina drapeada numa unidade habitacional modernista, não basta a uma autoprodução material massiva, que é expediente elementar de sobrevivência e às vezes também de contraprodução política.

Volto, então, à objeção de que o espaço - portanto, o conceito de grupo sócio-espacial - estaria incluído no conceito corrente de grupo social. Penso que não é o caso, salvo minha ignorância de uma abordagem sociológica que de fato relacione grupos sociais ao espaço pela produção, no sentido pleno e enfático do termo. Recorrendo mais uma vez a Lefebvre, o que me parece prevalecer é um reconhecimento de que grupos sociais produzem espaços de representação, sem o reconhecimento de que podem produzir representações do espaço (autoplanejamento por exemplo) e práticas materiais transformadoras. Mas enquanto se discutem relações “líquidas”, a sólida construção de conjuntos habitacionais periféricos avança como nunca (aliás, jamais se consumiram tantos recursos materiais como neste tempo de suposta desmaterialização de quase tudo).

Grupos sócio-espaciais na assessoria técnica

Passageiros do mesmo ônibus ou clientes do mesmo supermercado compartilham espaços, mas não formam grupos sociais. A gangue da Norton Street ou os trabalhadores da sala de montagem compartilham espaços e formam grupos sociais, mas não produzem os espaços que compartilham. Equipes de urbanistas que desenham loteamentos ou equipes de juristas que escrevem legislações urbanas formam grupos sociais e produzem espaço (em termos normativos), mas esse espaço não os constitui como grupo; poderiam desenhar anúncios publicitários ou legislar sobre outro tema qualquer. A nenhum desses casos se aplica o conceito de grupos sócio-espaciais.

Porém, os limites não são sempre tão nítidos. Imagine-se uma escola pública numa periferia urbana brasileira. A construção do edifício está pronta, recrutam-se professores e administradores, matriculam-se alunos. Nos primeiros tempos as pessoas operam num espaço onde nada foi decidido ou feito por elas. À medida que a rotina se estabelece, o lugar físico e institucional produz um grupo social (com subgrupos) e começam as transformações: alunos pintam um mural no corredor; o pessoal da limpeza põe móveis num canto para tomar café; a diretoria se transfere para uma sala menor no térreo dando lugar à informática; a portaria passa à entrada lateral, mais fácil de controlar; uma turma monta o viveiro numa parte do pátio onde outra turma quer fazer a horta; um pedreiro ajuda a abrir a biblioteca para a sala ao lado; conseguem um empreiteiro para cobrir o vão central, que agora fica abafado, mas seco; um pequeno mutirão constrói um cômodo para os apetrechos das aulas de teatro etc.

Em que ponto o grupo deixa de ser apenas social e torna-se sócio-espacial? Difícil dizer. Certo é que haverá uma definição quando os responsáveis do órgão externo decidirem pôr fim ao que entendem como puxadinhos e gambiarras. Arquitetos contratados para a reforma procedem da maneira convencional: levantamento físico, reunião com a diretora, programa de necessidades (dessa vez incluindo laboratórios, a sala do pessoal da limpeza, uma biblioteca mais generosa), projeto, construção. O prédio recupera certa integridade formal e o grupo volta a ser grupo social num espaço determinado de cima para baixo. Depois as transformações de baixo para cima recomeçam, apenas com menos ânimo e capricho, porque todos sabem que serão desmanchadas mais cedo ou mais tarde.

Outra possibilidade seria uma assessoria técnica que reconhece o potencial do grupo e tenta encontrar meios para apoiar e ampliar as iniciativas, trazer os conflitos à tona, facilitar negociações, prover informações técnicas, fomentar a melhor compreensão dos efeitos das diversas mudanças imaginadas. Se o grupo chegar à conclusão de que precisa de projetos para resolver certas questões, a assessoria os fará com a devida expertise. Entretanto, sua principal tarefa não é desenhar a escola e sim criar interfaces para que o grupo continue produzindo o espaço que o constitui como grupo e para que seja capaz de fazer isso melhor que antes. A meta não é um objeto arquitetônico íntegro e sim um grupo sócio-espacial ativo. Se a assessoria for bem sucedida, é provável que as pessoas da escola adquiram mais competência para imaginar, negociar, decidir e realizar mudanças. E talvez a experiência as estimule a expandir essa atuação para o terreno ao lado ou a rua em frente, o que abriria um novo capítulo de interações.

Tome-se agora um grupo quilombola que pleiteia a propriedade coletiva da terra que ocupa. O laudo antropológico requerido para a regularização fundiária registra língua, música, casas, hábitos, festas, comida etc., evidenciando uma história coletiva e a identidade do grupo como população tradicional com direito àquela terra. Paralelamente, o quilombo recebe de programas sociais equipamentos dispostos no espaço comum ou privado: aparelhos de ginástica ao ar livre, uma caixa d’água, banheiros pré-fabricados. Arquitetos entram em cena para traçar limites, melhorar condições sanitárias e projetar uma sede para a associação. Lêem o relatório antropológico, mapeiam, desembaraçam o caos documental, desenham e apresentam planos às lideranças, que concordam depois de alguns palpites, embora não tenham entendido tudo. O quilombo torna-se semelhante a outros quilombos, com os mesmos aparelhos de ginástica e as mesmas fossas sépticas, além de ordenações fundiárias e edifícios-sede bem parecidos. No entanto o plano de construção de uma estrada que passará logo ao lado não foi discutido. Quando ele se concretiza, o grupo é literalmente atropelado e não tem o que contrapor às novas determinações externas. Uma assessoria que reconhecesse o caráter sócio-espacial do grupo abriria alternativas nesse processo. Em vez de querer adequar o espaço a uma suposta identidade quilombola, entenderá que ele faz parte de tal identidade tanto quanto a música, a comida, as festas e tudo o mais. Sua primeira tarefa talvez fosse estimular uma reconstrução da história espacial coletiva pelas pessoas que a fizeram e procurar meios de elas se informarem melhor sobre interesses externos determinantes ali. Num cenário otimista, o grupo conseguiria se fortalecer e se organizar a ponto de definir demandas próprias, em contraposição ou colaboração com instâncias externas. Em vez da troca de fossas negras por fossas sépticas e outras soluções para problemas que nem tinham antes de os especialistas passarem por ali, talvez o foco das discussões estaria na poluição das águas pela agro-indústria ou naquele plano de construção da estrada. O grupo torna-se autogestionário: deteria “os saberes e o controle […] sobre as condições da sua existência e da sua sobrevivência em meio à mudança” (Lefebvre, [1990] 2003LEFEBVRE, Henri. From the social pact to the contract of citizenship [1990]. In: ELDEN, S.; LEBAS, E.; KPFMAN, E. (Eds.). Henri Lefebvre - Key writings. London/New York: Continuum, 2003., p. 252).

Muitos outros exemplos fictícios e experiências reais (positivas e negativas) poderiam ilustrar a questão, mas concluo com uma síntese provisória da ideia de que a assessoria técnica de arquitetura, urbanismo e planejamento serve a grupos sócio-espaciais:

  • Nexos social e espacial do grupo constituem um processo (frágil ou vigoroso). Um produto espacial acabado imposto heteronomamente, mesmo que acomode as demandas levantadas em determinado momento, enfraquece ou interrompe esse processo.

  • Grupos sócio-espaciais (reais e potenciais) diferem quanto ao espaço, ao tempo e à organização interna. Alguns têm uma história de produção coletiva do espaço que ocupam, mas nenhuma organização formal; outros nem sequer têm terreno, mas são partes de um movimento antigo; ainda outros foram ajuntados por uma circunstância qualquer e nem chegaram a nenhuma coesão interna.

  • O grupo é agente político (real ou potencial). Ele não apenas opera com um espaço dado, mas também contra esse espaço, e nisso há confrontos substanciais.

  • O espaço do grupo importa mais do que os espaços individuais dos seus integrantes e a assessoria importa mais nas decisões tomadas coletivamente do que nas decisões privadas. (Propostas como do Elemental no Chile ou dos suportes e recheios de Habraken não favorecem grupos sócio-espaciais porque a abertura para mudanças ao longo do tempo se restringe ao âmbito privado.)

  • A história da produção coletiva do espaço, quando existe, importa mais do que as eventuais inadequações nos seus produtos. Assessorar um grupo implica criar meios para que ele se dê conta do que já produziu, como e porquê. (Por que suas ações resultaram num beco estreito? E por que preservaram o campo de futebol?)

  • A estrutura social do grupo está ou estará relacionada à sua estrutura espacial de uma maneira que precisa ser compreendida e não pressuposta. Isso significa suspender correspondências automáticas, tais como entre espaço e atividade, entre uso e propriedade ou entre território e comunidade. Muitas relações sócio-espaciais não cabem em padrões formais (a começar por um simples atalho que atravessa um terreno alheio).

Conceitos tendem a negar a variabilidade, o movimento, a transformação daquilo que apreendem, de modo que acabam anulando as experiências que deveriam explicar, refletir e criticar. Adorno o chama de hipóstase do princípio de identidade: o pensamento postula que a realidade é isso ou aquilo e mantém o postulado à revelia da experiência. Dialética significa um pensamento que combate essa tendência de “auto-preservação” dos conceitos, sem deixar de usá-los (Adorno, [1966] 1990ADORNO, Theodor. Negative Dialektik. Frankfurt/M: Suhrkamp, [1966] 1990., p. 157). Portanto, entenda-se o conceito de grupo sócio-espacial aqui proposto como parte de uma teoria em processo, não como produto acabado.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento das pesquisas que deram origem a este trabalho.

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    » http://www.jstor.org/ stable/ 41146010
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  • ZIMMERMAN, C. C. The Changing Community New York; London: Harper, 1938.
  • 1
    Jean Rémy (1993RÉMY, Jean. Trends in Urban Sociology in French speaking countries from 1945 to 1980. Geojournal, v. 31, n. 3, p. 265-278, 1993.Disponível em: http://www.jstor.org/ stable/ 41146010 . Acesso em: 03/03/2018.
    http://www.jstor.org/ stable/ 41146010...
    , p.265) atribui essa polarização à sociologia urbana francesa, mas penso que ela se aplica a um contexto mais amplo, incluindo as pesquisas em arquitetura e urbanismo: “The French Urban Sociology is divided between people interested on appropriation of space and other interested in the production.”
  • 2
    Alberti ([1450] 1988ALBERTI, Leon Battista Alberti. On the Art of Building in Ten Books. Cambrigde, Massachussets: MIT Press, [1450] 1988. , p.3) já define o arquiteto em oposição à execução: “Devo explicar exatamente a quem chamo de arquiteto, pois não é um carpinteiro que eu compararia com os maiores expoentes de outras disciplinas: o carpinteiro não é mais do que um instrumento nas mãos do arquiteto”.
  • 3
    Antonio Pietro Averlino, o Filarete, escreveu e ilustrou o Libro Architettonico ou Trattato di Architettura por volta de 1460. Trata-se de uma ficção sobre a construção da cidade de Sforzinda que, no entanto, contém muitos elementos reais de sua relação com o duque e com os canteiros (cf. Filarete, 1965FILARETE (Antonio Pietro Averlino). Filarete's treatise on architecture. New Haven: Yale University Press, 1965.).
  • 4
    O pertencimento dos arquitetos a um “círculo privilegiado” foi discutido numa perspectiva sociológica por Garry Stevens (2002STEVENS, Garry. The favored circle: the social foundations of architectural distinction. Cambridge, Massachussets: MIT Press, 2002.), que, no entanto, não aborda o caso de Filarete e tampouco - o que é mais notável - a relação entre os arquitetos e os trabalhadores nos canteiros de obras.
  • 5
    Durham (2004DURHAM, Eunice Ribeiro. A Dinâmica da Cultura: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosacnaify, 2004., p. 131-179) relaciona e sintetiza vários desses estudos no ensaio “As comunidades rurais tradicionais e a migração”, originalmente publicado em 1973.
  • 6
    Para essas variações de compreensão relacionadas às favelas, cf. Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A Invenção da Favela. Do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005., especialmente o capítulo II, “A transição para as ciências sociais: valorização da favela e descoberta do trabalho de campo”.
  • 7
    Cf. Pogrebinschi (2009POGREBINSCHI, Thamy. O Enigma do Político. Marx contra a política moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.), especialmente o capítulo intitulado “O lugar do político: a comunidade real”.
  • 8
    A expressão spatial turn foi usada primeiro por Edward SojaSOJA, Edward W. Postmodern Geographies: The Reassertion of Space in Critical Social Theory. London: Verso , 1989. em Postmodern Geographies (1989) e em seguida por Fredric JamesonJAMESON, Fredric. Postmodernism or The Cultural Logic of Late Capitalism. London: Verso, 1991. em Postmodernism (1991). A discussão do espaço como dimensão esquecida pela teoria social crítica, no entanto, remonta às décadas de 1960 e 1970, sobretudo à obra de Henri Lefebvre.
  • 9
    O sociólogo austríaco Paul Lazerfeld fundou o Office of Radio Reasearch na Universidade de Columbia em 1939, do qual participaram também Robert Merton e os emigrados do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt.
  • 10
    Essa técnica se difundiu depois na versão banalizada do grupo focal ou focus group, usado em pesquisas de mercado. Um relato sobre a transformação encontra-se em Merton (1987MERTON, Robert. The Focussed Interview and Focus Groups: Continuities and Discontinuities. The Public Opinion Quarterly, v. 51, n. 4, p. 550-566, (impresso) 1987.).
  • 11
    O prefácio de Robert Merton, na primeira edição de The Human Group (1951), ressalta essa inovação.
  • 12
    O caso ficou conhecido pelo Hawthorne effect ou a constatação de que a produtividade dos trabalhadores havia sido mais influenciada pelo fato de eles se sentirem observados do que pelas variáveis testadas.
  • 1
    This and all citations hereafter from Brazilian and German sources have been translated by the author, unless otherwise stated.
  • 2
    Jean Rémy (1993RÉMY, Jean. Trends in Urban Sociology in French speaking countries from 1945 to 1980. Geojournal, v. 31, n. 3, p. 265-278, 1993.Disponível em: http://www.jstor.org/ stable/ 41146010 . Acesso em: 03/03/2018.
    http://www.jstor.org/ stable/ 41146010...
    : 265) attributes this polarization to French urban sociology, but I feel that it applies to a broader context, including research in architecture and urban design: ‘The French Urban Sociology is divided amongst people interested in the appropriation of space and others interested in the production.’
  • 3
    Already Alberti ([1450] 1988ALBERTI, Leon Battista Alberti. On the Art of Building in Ten Books. Cambrigde, Massachussets: MIT Press, [1450] 1988. , p. 3) defined the architect as opposed to execution: ‘I should explain exactly whom I mean by an architect; for it is no carpenter that I would have you compare to the greatest exponents of other disciplines: the carpenter is but an instrument in the hands of the architect.’
  • 4
    Antonio Pietro Averlino, the Filarete, wrote and illustrated the Libro Architettonico or Trattato di Architettura around 1460. It is a fictious work on the construction of the city of Sforzinda, which nevertheless contains many real elements of his relationship with the Duke and with the building sites (cf. Filarete, 1965FILARETE (Antonio Pietro Averlino). Filarete's treatise on architecture. New Haven: Yale University Press, 1965.).
  • 5
    Durham (2004DURHAM, Eunice Ribeiro. A Dinâmica da Cultura: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosacnaify, 2004., pp. 131-179) lists and synthesizes several of these studies in the essay ‘As comunidades rurais tradicionais e a migração’ (Traditional rural communities and migration), originally published in 1973.
  • 6
    For these variations of understanding related to favelas, cf. Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A Invenção da Favela. Do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005., especially chapter II, ‘The transition to social sciences: valorizing the favela and discovering fieldwork’.
  • 7
    Cf. Pogrebinschi (2009POGREBINSCHI, Thamy. O Enigma do Político. Marx contra a política moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.), especially the chapter entitled ‘The place of the political: the real community.’
  • 8
    The expression “spatial turn” was first used by Edward SojaSOJA, Edward W. Postmodern Geographies: The Reassertion of Space in Critical Social Theory. London: Verso , 1989. in Postmodern Geographies (1989), and then by Fredric Jameson JAMESON, Fredric. Postmodernism or The Cultural Logic of Late Capitalism. London: Verso, 1991.in Postmodernism (1991). However, the discussion of space as a forgotten dimension of critical social theory goes back to the 1960s and 1970s, especially to the work of Henri Lefebvre'.
  • 9
    The Austrian sociologist Paul Lazerfeld founded the Office of Radio Reasearch at Columbia University in 1939, in which Robert Merton and the emigres from the Frankfurt Institute of Social Research also took part.
  • 10
    This technique was more widely known later in the trivialized version of the focus group, used in market research. An account of the transformation may be found in Merton (1987MERTON, Robert. The Focussed Interview and Focus Groups: Continuities and Discontinuities. The Public Opinion Quarterly, v. 51, n. 4, p. 550-566, (impresso) 1987.).
  • 11
    The preface by Robert Merton in the first edition of The Human Group (1951) emphasizes this innovation.
  • 12
    The case became known by as the Hawthorne effect or the finding that worker productivity was more influenced by the fact that they were being observed than by the variables tested.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2017
  • Aceito
    18 Set 2017
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