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Hackers cívicos: tecnologias digitais como construção coletiva do meio urbano no Brasil

Civic hackers: digital technologies as a collective construction of the urban environment in Brazil

Resumo

Este estudo visa analisar teórica e conceitualmente o movimento civic hacking no Brasil, com base na diferenciação de tipologias e objetivos dos grupos na construção de ambientes urbanos digitais. A metodologia estabelece um levantamento empírico do fenômeno, seguido por agrupamento de conceitos e categorizações e pelo entendimento dos níveis de atuação da prática hacktivista, o que resultou em um modelo interpretativo que procura definir panoramicamente e de modo flexível a atuação do hackeamento cívico no Brasil. Observou-se que nesse contexto a prática hacker emerge como algo além da quebra de códigos, uma vez que passa a figurar como forma de subversão da utilização tradicional do digital, visibilizando e dando voz a diferentes narrativas. Concluiu-se que a lógica do “sistema a ser invadido” permanece, em alguma medida, de maneira empírica e iterativa, pautada nas tentativas, erros e improvisos.

Palavras-chave:
Hackers Cívicos; Hacktivismo; Ativismo Digital; Tecnologias Digitais; Gestão Urbana

Abstract

This study examines theoretically and empirically the civic hacking movement in Brazil, considering the typologies and objectives of diverse groups involved in the construction of digital urban environments. The methodology establishes an empirical survey followed by a grouping of concepts and categorizations and understanding about the levels of action of hacktivist practice, which resulted in a framework based on the theoretical-conceptual correlations established, defining the Brazilian civic hacking strategies in a panoramic and flexible approach. Results confirm that the hacker practice emerges as something beyond the breaking of codes, and starts to figure as a way of subversion of the traditional use of the digital medium in order to make the action visible and legitimizing different narratives. We concluded the logic of a “system to be invaded” remains in an empirical and iterative process, based on trials, errors and improvisation.

Keywords:
Civic Hacking; Hacktivism; Digital Activism; Digital Technologies; Urban Management

Introdução

A emergência do conceito de smart city trouxe à tona, nos últimos anos, o debate sobre as forças que regem esse modelo de concepção e gestão urbanas. De um lado, existem empresas de tecnologia, fornecedoras de infraestrutura, associadas a outros agentes urbanos que agem de modo “invisível” sobre os cidadãos, mediante a vigilância intrusiva e o corporativismo urbano das tecnologias - ao mesmo tempo que assumem os riscos, tais empresas detêm o poder de determinar quem obtém os benefícios. De outro lado, observa-se um amplo espectro de iniciativas envolvendo a apropriação de tecnologias e a produção de conteúdos, como resultado da ação de grupos comunitários, coletivos ativistas, ONGs e outras organizações da sociedade civil.

Uma das questões emergentes nesse processo é a efetividade da participação popular na tomada de decisão ou em ações diretas que influenciem sistemas urbanos e a vida cotidiana dos cidadãos (GANDY JR.; NEMORIN, 2018 GANDY. JR, O.H.; NEMORIN, S. Toward a political economy of nudge: smart city variations. Information, Communication & Society, v. 22, n. 14, p. 2012-2126, 2018.). Nos modelos mais propagados, muitas vezes a chamada inteligência urbana é mais guiada por lógicas dos mercados de tecnologias de gestão e governo eletrônico do que pela diversidade de vozes e a capacitação de cidadãos como agentes ativos do processo de planejamento e construção do espaço urbano. Isso é uma crítica ao entendimento mais tradicional das smart cities, sustentado sobre uma conceituação de natureza tecnocrática e apolítica (AMPATZIDOU et al., 2015 AMPATZIDOU, C.; BOUW, M.; VAN DE KLUNDERT, F.; LANGE, M; DE WAAL, M. The hackable city: a research manifesto and design toolkit. Knowledge Mile: Amsterdam, 2015.), amparada por modelos de gestão neoliberal que consideram a cidade como mero ambiente facilitador de negócios.

Segundo essa lógica, um ambiente como esse deve prezar pela eficiência na gestão dos fluxos, no controle de acessos e movimentos, assim como no uso de recursos financeiros para fins e interesses específicos. Na concepção mercadológica das smart cities, há pouca margem para diversidade e improviso e para ações de reparo a desequilíbrios de forças e poder. Isto é, o uso acrítico de tecnologias digitais nas cidades tende a reproduzir desigualdades e desequilíbrios históricos na construção do espaço urbano, além de ampliar mecanismos de controle dependentes de algoritmos e sistemas tecnológicos igualmente enviesados (HOLLANDS, 2008 HOLLANDS, R. G. Will the real smart city please stand up? City, v. 12, n. 3, p. 303-320, 2008.; KITCHIN, 2016KITCHIN, R. The ethics of smart cities and urban science. Philosophical Transactions of The Royal Society - Mathematical, physical and engineering sciences, v. 374, n. 2083, p. 1-15, 2016.; LUQUE-AYALA; MARVIN, 2020LUQUE-AYALA, A; MARVIN, S. Urban operating systems: producing the computational city. Cambridge: The MIT Press, 2020.).

A ideia de tecnologias cívicas, abertas à participação popular, engendra a noção de uma inteligência coletiva (LÉVY, 2003 LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2003.) que demanda e incentiva a colaboração social em soluções abertas e escaláveis (TENA-ESPINOZA-DE-LOS-MONTEROS; MERLO-VEGA, 2017TENA-ESPINOZA-DE-LOS-MONTEROS, M. A.; MERLO-VEGA, J. A. Tecnología cívica para la participación ciudadana. El caso de Codeando México. El profesional de la información, v. 26, n. 1, p. 114-124, 2017.). Essa discussão se faz necessária para promover a compreensão dos modos pelos quais o digital opera politicamente na reconfiguração dos territórios, poderes e fluxos (LUQUE-AYALA; MAIA, 2019LUQUE-AYALA, A.; MAIA F. N. Digital territories: Google maps as a political technique in the re-making of urban informality. Environment and Planning D: Society and Space, v. 37, n. 3, p. 449-467, 2019.).

Considera-se, no entanto, que as ferramentas digitais apresentam muita imprevisibilidade e que nem sempre são empregadas, dependendo de sua aderência às demandas, problemáticas e intenções dos grupos sociais a que se referem ou destinam (FONTOURA, 2014FONTOURA, M. C. Hackers e participação: uma análise de aplicativos de dados públicos do Brasil e seus criadores. 2014. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2014.). Isso cresce num contexto em que as respostas institucionais ficam mais concentradas em períodos eleitorais ou em agendas não necessariamente aderentes ao contexto e às demandas do momento (MORAIS, 2018MORAIS, M. M. de. Net-ativismo e ações colaborativas nas redes sociais digitais. 2018. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2018.). Da mesma forma, deve-se relativizar a mobilização das pessoas em torno das mídias digitais, uma vez que as condições de acesso e fluxos de informações são assimétricas (FONTOURA, 2014FONTOURA, M. C. Hackers e participação: uma análise de aplicativos de dados públicos do Brasil e seus criadores. 2014. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2014.). Em consideração a isso, percebe-se que, em alguma medida, ainda que pela impossibilidade de acesso, os ambientes digitais tornam-se locais de busca da representatividade.

Algoritmos e plataformas digitais são o novo espaço político (LUQUE-AYALA; MAIA, 2019LUQUE-AYALA, A.; MAIA F. N. Digital territories: Google maps as a political technique in the re-making of urban informality. Environment and Planning D: Society and Space, v. 37, n. 3, p. 449-467, 2019.; LIRA, 2016 LIRA, I. T de. Hacktivistas e cypherpunks: a resistência à militarização e vigilância do ciberespaço na sociedade de controle. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 40., 2016, Caxambu. Anais [...]. Caxambu: Anpoc, 2016.; AMOORE; PIOTUKH, 2015 AMOORE, L.; PIOTUKH, V. Algorithmic life: calculative devices in the age of Big Data. London: Routledge, 2015.) que militariza o espaço digital (LIRA, 2016 LIRA, I. T de. Hacktivistas e cypherpunks: a resistência à militarização e vigilância do ciberespaço na sociedade de controle. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 40., 2016, Caxambu. Anais [...]. Caxambu: Anpoc, 2016.) e o torna disputável pela atenção do público, e onde existem bolhas de interesse e convivência, muitas delas vulneráveis a manipulações políticas e corporativas (EVANGELISTA, 2018EVANGELISTA, R. Para além das máquinas de adorável graça. São Paulo: Sesc, 2018.; VANOLO, 2014VANOLO, A. Smartmentality: the smart city as disciplinary strategy. Urban Studies, v. 51, n. 5, p. 883-898, 2014.). A ideia de hackeamento surge com o advento das tecnologias informacionais, especialmente as digitais; nesse processo, sensores e equipamentos tornam-se quase onipresentes, e o corpo físico passa a operar junto a eles. Trata-se do que Gandy Jr. e Nemorin (2018 GANDY. JR, O.H.; NEMORIN, S. Toward a political economy of nudge: smart city variations. Information, Communication & Society, v. 22, n. 14, p. 2012-2126, 2018., p. 6) chamam de “mercantilização do corpo físico”.

A ideia de sistemas computacionais urbanos é ampliada na ascensão do chamado urbanismo de plataforma (SRNICEK, 2016 SRNICEK, N. Platform capitalism. Cambridge: Polity Press, 2016.), em que, alegadamente, uma variedade maior de atores decide, projeta e programa, mas o que de fato importa é o avanço de uma perspectiva hegemônica de modelo de negócios adaptada para as cidades (HODSON et al., 2020 HODSON, M.; KASMIRE, J; MCMEEKIN, A.; STEHLIN, J. G.; WARD, K. (ed.). Urban platforms and the future city. Transformations in infrastructure, governance, knowledge and everyday life. London: Routledge , 2020.; LUQUE-AYALA; MARVIN, 2020LUQUE-AYALA, A; MARVIN, S. Urban operating systems: producing the computational city. Cambridge: The MIT Press, 2020.). Nesse processo, formas de coprodução e resistência emergem, com grupos de hackers cívicos buscando contribuir tanto para o avanço do urbanismo de plataforma como para a produção de visões e caminhos alternativos. Isso quer dizer que os hackers não são meros usuários das tecnologias digitais, mas criadores ativos, que se apropriam das estruturas para fazer da cidade um laboratório, com o potencial de propor, por meio do engajamento digital, espaços de disputas urbanas mais inclusivas (AMPATZIDOU et al., 2015 AMPATZIDOU, C.; BOUW, M.; VAN DE KLUNDERT, F.; LANGE, M; DE WAAL, M. The hackable city: a research manifesto and design toolkit. Knowledge Mile: Amsterdam, 2015.; LUQUE-AYALA et al., 2020LUQUE-AYALA A; FIRMINO, R. J.; FARINIUK, T. M. D.; VIEIRA, G.; MARQUES, F. Platforms in the making: hacking the urban environment in Brazilian cities. In: HODSON, M.; KASMIRE, J.; McMEEKIN, A.; STEHLIN, J.G.; WARD, K. (ed.). Urban platforms and the future city: transformations in infrastructure, governance, knowledge and everyday life. London: Routledge , 2020.).

Há na literatura algumas abordagens que assumem equivaler esse movimento ao conceito de “netativismo”. Lira (2016 LIRA, I. T de. Hacktivistas e cypherpunks: a resistência à militarização e vigilância do ciberespaço na sociedade de controle. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 40., 2016, Caxambu. Anais [...]. Caxambu: Anpoc, 2016.) considera o termo como o mais adequado por tratar de uma adaptação da realidade que não é originalmente e necessariamente virtual. Morais (2018MORAIS, M. M. de. Net-ativismo e ações colaborativas nas redes sociais digitais. 2018. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2018.) pontua que, embora o movimento netativista tenha sua origem pautada em um modelo de rede (de contatos, de pessoas, de ideias) na qual o digital amplia a noção de autonomia, esse é um movimento complexo e não passível de uma categorização determinista. Porém, segundo a autora, são importantes as diferentes maneiras de observar o fenômeno que sempre se reconfigura em variadas formas e velocidades. Assim, cabe aqui a distinção entre o hacktivismo e o movimento netativista - mais abrangente, ao considerar novas formas de política democrática e de legitimação da identidade cidadã (DAHLGREN, 2004 DAHLGREN, P. Civic cultures and net activism: modest hopes for the EU public sphere. 2004. CONFERENCE ON ONE EU - MANY PUBLICS? 5-6, February 2004. Stirling: University of Stirling, 2004. ), questões de comunitarismo em rede e dimensões agregativas de relacionamento digital (DI FELICE, 2020DI FELICE, M. O Net-ativismo e as dimensões ecológicas da ação nas redes digitais. PAULUS: Revista de Comunicação da FAPCOM, v.4, n.7, p. 17-37, 2020.), além da utilização da mídia para dinâmicas de engajamento e questões que se relacionam apenas de modo secundário com a web (TURSI, 2017 TURSI, A. Net-activism and redesign democracy. In: ANTONELLI, A. (ed.). Net-activism: How digital technologies have been changing individual and collective actions. Roma: Roma Tre-Press, 2017.).

A literatura associa a atuação hacker a grupos que compartilham uma “ética hacker”, mas o movimento não pode ser tratado como homogêneo (COLEMAN, 2013 COLEMAN, E. G . Coding Freedom: The ethics and aesthetics of hacking. New Jersey: Princeton University Press, 2013.). Além disso, é preciso analisar os indicadores que denotam o caminhar para uma inteligência urbana coletiva e o modo como eles refletem a real finalidade de uso das tecnologias (AHVENNIEMI et al., 2017 AHVENNIEMI, H.; HOUVILA, A.; PINTO-SEPPÄ, I.; AIRAKSINEN, M . What are the differences between sustainable and smart cities? Cities, v. 60, p. 234-245, 2017.). Dessa forma, o tema do hacktivismo cívico é um complexo quadro fenomenológico a ser analisado, e não apenas um processo (FONTOURA, 2014FONTOURA, M. C. Hackers e participação: uma análise de aplicativos de dados públicos do Brasil e seus criadores. 2014. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2014.). Também dentro dessa complexidade reside a crítica à apropriação do urbanismo de plataforma como prática ciberutópica, internetcentrista e solucionista de problemas (EVANGELISTA, 2018EVANGELISTA, R. Para além das máquinas de adorável graça. São Paulo: Sesc, 2018.; MOROZOV, 2011 MOROZOV, E. The net delusion: the dark side of internet freedom. New York: PublicAffairs, 2011.).

Diante desse cenário, o objetivo principal deste estudo foi caracterizar panoramicamente o movimento de “hackeamento cívico” no Brasil, mediante a diferenciação teórica de tipologias e objetivos dos grupos na construção de ambientes urbanos - ditos - mais inteligentes. Esta investigação tratou de ampliar o anterior estudo, realizado entre os anos de 2018 e 2021, cujo objetivo principal foi analisar o papel das ferramentas digitais para a reconfiguração das territorialidades urbanas.

Os resultados apresentados buscam contribuir para organizar o conhecimento sobre: a) as tipologias de atuação do movimento de hackeamento cívico, segundo a literatura; b) a caracterização da atuação de grupos hackers cívicos no Brasil, em consideração às motivações, formas de organização e objetivos dos grupos identificados como tais; e c) a prática de ativismo digital no contexto das narrativas recentes sobre smart cities e urbanismo de plataforma, em face das possibilidades de ressignificação de espaços urbanos.

1. Ativismo digital, hackers ou mobilizadores?

É comum que a prática “hacktivista” seja associadada à mera utilização das ferramentas digitais para invasão de hardwares e sistemas computacionais - percepção que pode ser confrontada com base em uma observação panorâmica do histórico dessa prática. Segundo Ampatzidou et al. (2015 AMPATZIDOU, C.; BOUW, M.; VAN DE KLUNDERT, F.; LANGE, M; DE WAAL, M. The hackable city: a research manifesto and design toolkit. Knowledge Mile: Amsterdam, 2015., p. 19), a lógica hacker (princípios, práticas e ética) sempre esteve presente em uma variedade de intervenções midiáticas nas cidades, incluindo, por exemplo, a criação de emissoras de radioamador cidadãs nos anos 1910 e 1920. A ideia de hackers mais comum nos dias de hoje tem sua origem nos anos 1960, quando jovens estudantes do Massachusetts Institute of Technology (MIT) utilizavam os recém-criados supercomputadores para “explorações lúdicas”, subvertendo assim a finalidade original dos aparelhos. A ideia original de inventividade desses estudantes foi aos poucos transformada em modelos de produção e consumo e migrada para um contexto mais específico de utilização da criatividade na engenharia, apoiada nos meios computacionais disponíveis (WARK, 2006WARK, M. Hackers. Theory, Culture & Society, v. 23, n. 2-3, p.320-322, 2006.).

É somente a partir dos anos 1980, no entanto, que a lógica hacker passa a ser associada à vulnerabilidade tecnológica e ao estigma do crime. Esse entendimento se populariza, principalmente pela concomitante popularização de tecnologias computacionais e pelo apelo ao cinema e obras de ficção científica, para assumir um novo significado apenas na década seguinte, em decorrência da emergência de softwares livres, que exigiam a ação hacker para desbravar as novas possibilidades de disseminação informacional e cultural por meios digitais (TORRES, 2013TORRES, A. A tecnoutopia do software livre: uma história do projeto técnico e político do GNU. 2013. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2013.; EVANGELISTA, 2010EVANGELISTA, R. Traidores do movimento: política, cultura, ideologia e trabalho no software livre. 2010. Tese (Doutorado) - Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.), dessa vez subvertendo lógicas de mercado e propriedade intelectual.

O contexto acadêmico em que a prática emergiu contribuiu para que a ideia de hackeamento também fosse associada a uma noção de colaboração e de compartilhamento de metas em um ambiente competitivo e de valorização ao reconhecimento. Esse reconhecimento, porém, era importante entre os próprios pares, e não necessariamente por parte da indústria ou mesmo formalmente na academia (WARK, 2006WARK, M. Hackers. Theory, Culture & Society, v. 23, n. 2-3, p.320-322, 2006.). Ainda assim, a criminalização da atividade hacker segue presente no imaginário popular, vez ou outra inflada por matérias de grandes jornais e programas de TV, em especial em tempos de vazamentos de dados e perfis em redes sociais. Trata-se, portanto, de um processo de resistência à sociedade de controle por meio da criptografia e do questionamento sobre níveis de privacidade e propriedade, elementos oriundos da cultura cyberpunk. Na literatura, há alguma distinção entre grupos segundo sua lógica ou motivação de atuação. Lira (2016 LIRA, I. T de. Hacktivistas e cypherpunks: a resistência à militarização e vigilância do ciberespaço na sociedade de controle. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 40., 2016, Caxambu. Anais [...]. Caxambu: Anpoc, 2016.) comenta que podem ser denominados crackers aqueles agentes com técnica direcionada a processos de sabotagem e atividades ilegais (até então entendidos como hackers); o novo entendimento do papel hacker, por sua vez, reside na capacidade de subversão dos aparatos tecnológicos e, assim, na proposição da abertura de códigos, na criação de comunidades de software livre e na organização/midiatização de ações que envolvam plataformas digitais.

No Brasil, é possível identificar uma proximidade entre as comunidades de cientistas da computação e de dados, e mesmo grupos de hackers, e o movimento pelo software livre, principalmente a partir dos anos 1990 (EVANGELISTA, 2014EVANGELISTA, R. O movimento software livre no Brasil: política, trabalho e hacking. Horizontes Antropológicos, v. 41, p. 173-200, 2014.; TORRES, 2013TORRES, A. A tecnoutopia do software livre: uma história do projeto técnico e político do GNU. 2013. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2013.; SHAW, 2011 SHAW, A. Insurgent expertise: the politics of free/livre and open source software in Brazil. Journal of Information Technology & Politics, v. 8, n. 3, 2, p. 253-272, 2011.; RICHTER; ZO; MARUSCHKE, 2009 RICHTER, D.; ZO, H.; MARUSCHKE, M. A comparative analysis of open source software usage in Germany, Brazil, and India. International Conference on Computer Sciences and Convergence Information Technology, 4., 2009, Seoul. Proceedings of the IEEE. Seoul: ICCIT, 24-26 November 2009.; LEISTER; FRAZIER, 2014 LEISTER, V.; FRAZIER, M. Brazil’s role in emerging global open-source initiatives. CONGRESS OF THE BRAZILIAN STUDIES ASSOCIATION, 12, 2014, London. Proceedings. London: BRASA XII August 2014.). O entusiasmo com o “movimento software livre Brasil” faz com que a prática e o trabalho de hackers se confundam com o movimento de defesa e expansão de tecnologias de código aberto entre acadêmicos e ativistas digitais. Evangelista (2018EVANGELISTA, R. Para além das máquinas de adorável graça. São Paulo: Sesc, 2018.) sugere a característica livre de um software apoiada em quatro funcionalidades: i) uso sem restrições; ii) liberdade de cópia; iii) liberdade de estudo por meio de código-fonte liberado; e iv) liberdade de modificação, em que se permitem correções e melhorias do código. Nesse processo, o sentido do termo copyright (associado a direitos autorais) é transformado em copyleft (que busca impedir que uma criação coletiva se torne privada). As políticas de código aberto e de software livre são uma crítica liberal dentro do liberalismo, o que posiciona a atuação hacker ao mesmo tempo no centro e nas margens da tradição liberal, como consequência de engajamentos - de mobilização e adesão às iniciativas (COLEMAN, 2013 COLEMAN, E. G . Coding Freedom: The ethics and aesthetics of hacking. New Jersey: Princeton University Press, 2013.).

A ideia de abertura de sistemas faz parte de um entendimento mais abrangente do que seria o espírito hacker: o propósito de atribuir novas funções, modificar, consertar e aprimorar. Nesse processo, o sentimento de desconfiança das estruturas formais de poder e das autoridades está quase sempre presente (FONTOURA, 2014FONTOURA, M. C. Hackers e participação: uma análise de aplicativos de dados públicos do Brasil e seus criadores. 2014. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2014.). De Lange pontua a atividade hacker comparando-a com a de personagens que “falam com a imaginação” (2019DE LANGE, M. Of hackers and cities: how selfbuilders in the Buiksloterham are making their city. In: DE LANGE, M.; DE WAAL, M. (ed.). The hackable city. Singapore: Springer Nature , 2019. , p. 292), cujas capacidades, não raro, são utilizadas contra todas as possibilidades, empregando o que estiver disponível.

As ações desses grupos poucas vezes são isoladas - o que também já postula a ideia de uma construção conjunta, colaborativa, e distorce a ideia original de um hacker solitário, atuando na criminalidade (FONTOURA, 2014FONTOURA, M. C. Hackers e participação: uma análise de aplicativos de dados públicos do Brasil e seus criadores. 2014. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2014.; SCHROCK, 2016 SCHROCK, A. R. Civic hacking as data activism and advocacy: A history from publicity to open government data. New Media & Society, v. 18, n. 4, p. 581-599, 2016.). Assim, o conceito de hacker, como termo “flutuante” e “escorregadio” (SCHROCK, 2016, p. 583), emerge com características contraditórias e passa a ser atribuído a estruturas ideológicas antagônicas entre si, seja pela engenhosidade liberal motivada pelo tédio e pelo apego ao “solucionismo tecnológico”, seja na constituição de uma “nova esquerda”, em que mobilizações, projetos e ações buscam reconstituir os indivíduos fragmentados (EVANGELISTA, 2018EVANGELISTA, R. Para além das máquinas de adorável graça. São Paulo: Sesc, 2018.).

Segundo Torres (2013TORRES, A. A tecnoutopia do software livre: uma história do projeto técnico e político do GNU. 2013. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2013., p. 28), o entrelaçamento entre o movimento de software livre e o de hackers se dá pelo interesse comum, “que se baseia principalmente na ideia de um ambiente de cooperação e de acesso livre ao software e às ferramentas tecnológicas”. Essa proximidade também expõe muitas das contradições e limites presentes, originalmente, nas disputas entre as comunidades de free software e open source, sobretudo nos Estados Unidos. De acordo com Richard Stallman (2007 STALLMAN, R. Por que o código aberto não compartilha dos objetivos do software livre. Ensaios e artigos. Boston: GNU, 2007., n. p.), as diferenças entre essas duas inspirações da cultura hacker estão nos valores de cada movimento:

Os termos “software livre” e “código aberto” representam quase a mesma gama de programas. No entanto, eles dizem coisas profundamente diferentes sobre esses programas, com base em valores diferentes. O movimento do software livre faz campanha pela liberdade para os usuários da computação; é um movimento pela liberdade e pela justiça. Por outro lado, a ideia de código aberto valoriza principalmente a vantagem prática e não faz campanha por princípios. É por isso que não concordamos com o código aberto e não usamos esse termo.

Nesse contexto, hacker cívico é um conceito que não se restringe, necessariamente, à perícia ou à especialidade em informática e programação (LIRA, 2016 LIRA, I. T de. Hacktivistas e cypherpunks: a resistência à militarização e vigilância do ciberespaço na sociedade de controle. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 40., 2016, Caxambu. Anais [...]. Caxambu: Anpoc, 2016.; EVANGELISTA, 2018EVANGELISTA, R. Para além das máquinas de adorável graça. São Paulo: Sesc, 2018.). O hacker cívico emerge em uma economia cívica e compartilhada, que associa a cidade a uma lógica de sistema “a ser subvertido”. Isso problematiza o entendimento da lógica smart city e sua natureza mercadológica, tecnocrática e apolítica. Também contradiz a ideia tradicional de que dados digitais são velozes e imediatos, pois a ação hacker cívica é, por característica, um movimento politizado mais lento (SCHROCK, 2016 SCHROCK, A. R. Civic hacking as data activism and advocacy: A history from publicity to open government data. New Media & Society, v. 18, n. 4, p. 581-599, 2016.). Há que se contrapor, entretanto, a lógica de idealização da cultura hacker à ideia de uma postura revolucionária ideal que emerge da expressão de liberdade oriunda da disseminação das tecnologias e das práticas de abertura de dados, uma vez que não necessariamente o livre acesso às informações representa o intuito de transformação do meio (MOROZOV, 2011 MOROZOV, E. The net delusion: the dark side of internet freedom. New York: PublicAffairs, 2011.).

A lógica de atuação dos grupos de ativistas digitais é tão flexível e diversa quanto suas motivações pessoais. Carvalho e Maia (2016 CARVALHO, L.; MAIA, C. Civic entrepreneurs and smart cities: practices, motivations and innovation geographies. GOT, Porto, 10, p. 95-112, 2016.) comentam a pressão sobre a construção de políticas públicas para uma atenção crescente a esses agentes digitais e formas de empreendimento cívico, sob a alegação de que as cidades possam se tornar mais inclusivas e democráticas. Essa preocupação deve se voltar ao entendimento da aderência da política digital às territorialidades e das geografias que são importantes para estimular coletivismo e engajamento social. Para os autores, as possibilidades de mudança apresentadas por grupos de ativistas digitais são sustentadas por fatores relacionados: a) à proximidade territorial física, que contextualiza dados dependendo das demandas locais; b) à proximidade temporal, que configura estratégias de atuação dos grupos; e c) à perenidade do contato a distância, que possibilita comunicação assíncrona e acúmulo de conhecimento ao longo do tempo.

É bastante comum a redução da ação do dito hacker cívico a eventos do tipo hackathons - temporários ou efêmeros, de caráter empresarial e emergencial. Segundo Robinson e Johnson (2016 ROBINSON, P. J.; JOHNSON P. A. Civic hackathons: new terrain for local government-citizen interaction? Urban Planning, v. 1, n. 2, p. 65-74, 2016.), essa forma de atuação torna visível o potencial de engajamento de grupos ativistas. Inicialmente, os hackathons serviam para trazer à tona os dados abertos e suas múltiplas possibilidades de utilização. Com o decorrer do tempo, entendeu-se que o fornecimento dos dados é apenas um passo para um envolvimento mais amplo, e, assim, os hackathons cada vez mais discutem o digital e suas potencialidades - apesar dos aspectos mercadológicos, normalmente atrelados à cultura do empreendedorismo e aos métodos empregados para estimular os jovens a trabalharem ao longo de dois ou três dias consecutivos. No Brasil, essa lógica pode ser visualizada na série de eventos Hacking.Rio, considerado o maior hackathon da América Latina, cuja origem está em maratonas para a promoção de plataformas de dados abertos, gestão municipal e transparência. Nas últimas edições, recebeu nova denominação: festival de cultura digital e congresso de tecnologia, inovações e negócios. Nesse contexto, a maratona hackathon em si constitui-se agora em apenas uma das etapas do evento (HACKING.RIO, 2021 HACKING.RIO. Página oficial do LinkedIN. 2021. Disponível em: https://br.linkedin.com/company/hacking-rio. Acesso em: fev. 2022.
https://br.linkedin.com/company/hacking-...
). O evento é patrocinado por grandes empresas nacionais e multinacionais, que “encomendam” os problemas a serem “solucionados” pelas equipes de hackers inscritos na maratona.

Robinson e Johnson (2014 ROBINSON, P. J.; JOHNSON P. A. Civic hackathons: innovation, procurement, or civic engagement? Review of Policy Research, v. 31, n. 4, p. 349-357, 2014.; 2016 ROBINSON, P. J.; JOHNSON P. A. Civic hackathons: new terrain for local government-citizen interaction? Urban Planning, v. 1, n. 2, p. 65-74, 2016.) identificam ainda que, frequentemente, as soluções e o engajamento criados durante hackathons se tornam obsoletos em pouco tempo, o que enfraquece a relação entre design e implementação. No entanto, os eventos apresentam como aspecto positivo a característica exploratória das demandas e possibilidades de solução, o que suscita novas possibilidades de democracia digital. Assim, hackathons são mais indicadores de problemas do que, propriamente, solucionadores (FONTOURA, 2014FONTOURA, M. C. Hackers e participação: uma análise de aplicativos de dados públicos do Brasil e seus criadores. 2014. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2014.).

A efetividade e contribuição do ativismo hacker cívico são postas em questionamento por diversos autores. Deslandes (2018 DESLANDES, S. F. O ativismo digital e sua contribuição para a descentralização política. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 10, p. 3133-3136, 2018.) questiona a novidade da atividade, apontando que esta apenas reproduz movimentos previamente existentes. A autora sugere, assim, uma diferenciação entre ativismo digital e hacktivismo. No primeiro caso, há o intuito de mobilizar e influenciar, coletivamente, a ação da gestão pública, ao passo que, no segundo, não há necessariamente esse compromisso. Assim, ela pontua que o ativismo digital apresenta como vantagem a capacidade de agregar diferentes frentes, permitindo a transversalidade entre pautas, embora dificilmente seja isento de algum tipo de vínculo com setores do mercado (por exemplo, o patrocínio por parte de empresas). Luque-Ayala e Marvin (2020LUQUE-AYALA, A; MARVIN, S. Urban operating systems: producing the computational city. Cambridge: The MIT Press, 2020.) alertam para a natureza empreendedora dos hackathons urbanos, nos quais a cidade é reconfigurada como um campo de experimentação de negócios, em que o papel do governo local é reduzido ao de um simples provedor de dados (ver também Barns, 2016 BARNS, S. Mine your data: open data, digital strategies and entrepreneurial governance by code. Urban Geography, v. 34, n. 4, p. 554-571, 2016.). No caso de hackathons organizados pelos governos municipais, com frequência existe um incentivo da gestão sobre o mercado de aplicativos e soluções digitais. Isso põe em dúvida o papel do poder público, que deveria ser o de agente político e influente no processo, com capacidade de priorizar o bem público em detrimento de interesses corporativos e comerciais.

Ampatzidou et al. (2015 AMPATZIDOU, C.; BOUW, M.; VAN DE KLUNDERT, F.; LANGE, M; DE WAAL, M. The hackable city: a research manifesto and design toolkit. Knowledge Mile: Amsterdam, 2015.) também questionam a ação de hackeamento cívico quanto à sua real representatividade no tocante à cidadania como um todo. A fim de melhor entender as formas de representação, os autores conduziram em Amsterdam, Holanda, em 2014, um survey com mais de oitenta projetos e iniciativas, selecionadas entre grupos que utilizam as ferramentas digitais para promover a transformação da comunidade em níveis de: a) gestão de recursos mais sustentáveis; b) melhoria da coesão e interação social; e c) melhoria da habitabilidade por meio de ações táticas de urbanismo (AVRAM, 2019 AVRAM, G. This is our city! Urban communities re-appropriating their city. In: DE LANGE, M.; DE WAAL, M. (ed.). The hackable city. Singapore: Springer Nature, 2019. ). O processo de seleção considerou grupos auto-organizados, em sua maioria composta de não especialistas, ou seja, pessoas interessadas na mobilização que aprendiam à medida que buscavam e desenvolviam as soluções. A análise desses grupos permitiu aos autores determinar características do processo de ativação digital e de hackeamento urbano em níveis de engajamento, conforme apresentado no Quadro 1. Tais características definem o projeto, mas também indicam o processo sequencial de amadurecimento pelo qual ele passa.

Quadro 1
Níveis do processo de ativação e hackeamento urbano

Webb et al. (2019 WEBB, R.; AVRAM, G.; GARCÍA, J. B.; JOYCE, A. Transforming cities by designing with communities. In: DE LANGE, M.; DE WAAL, M. (ed.). The hackable city . Singapore: Springer Nature , 2019., p. 97) comentam que o levantamento de Ampatzidou e colaboradores revela formas de abertura da cidade que a afirmam, de fato, como um ambiente “hackeável”, em iniciativas que estimulam diferentes atores em uma mobilização de busca pela resiliência e pela habitabilidade por meio do envolvimento com o digital. É essa facilidade de hackeamento e de apropriação do tecido urbano que revela a emergência da “sociedade de plataforma” (AVRAM, 2019 AVRAM, G. This is our city! Urban communities re-appropriating their city. In: DE LANGE, M.; DE WAAL, M. (ed.). The hackable city. Singapore: Springer Nature, 2019. , p. 130).

A classificação dos autores se alinha a relatos comuns sobre as motivações possíveis para o engajamento na manipulação de dados em face da atuação do setor público (DAVIES, 2010 DAVIES, T. Open data, democracy and public sector reform: A look at open government data use from data.gov.uk. 2010. Dissertation (MSc) - Oxford Internet Institute, University of Oxford, Oxford, 2010.), incluindo: a) atuação com foco governamental, que visa simplesmente entender melhor as práticas de governo; b) inovação tecnológica, que objetiva a criação de novas plataformas; c) busca por “recompensas” ou reconhecimento pela atuação nas causas; d) busca da digitalização governamental, com o intuito de aumentar a eficácia da gestão; e) efetiva resolução de problemas, identificados em decorrência de desafios e demandas particulares; e f) intencionalidade do próprio setor público, na busca por melhor provisão de serviços.

2. Mapeando o ativismo digital urbano no Brasil

Uma vez que o recorte do estudo é a caracterização do movimento de hackeamento cívico no Brasil - ainda que em termos panorâmicos e conceituais -, esta pesquisa apresenta-se como uma ampliação de estudo anterior, que visou ao entendimento sobre o papel das tecnologias digitais na reconfiguração das territorialidades urbanas.

Metodologicamente, a pesquisa se apresenta como uma exploração qualitativa da temática, que combina uma revisão bibliográfica a uma análise temática para a criação de categorias de análise em um modelo interpretativo dos conceitos-chave da pesquisa.

O estudo de origem da pesquisa permitiu, em um de seus produtos, um levantamento panorâmico de diferentes grupos de ativismo digitais brasileiros. As quarenta iniciativas selecionadas, organizadas em quatro macrotipologias, servem de base para a construção conceitual aqui proposta. No presente trabalho, essas tipologias são acrescidas de outras, refinadas pela revisão bibliográfica, conforme se apresenta a seguir.

A dimensão teórico-conceitual seguiu o processo de análise de conteúdo, uma vez que o material de base é textual (literatura científica, documentos, notícias, postagens, relatórios). A análise de conteúdo aqui realizada segue os preceitos de Moraes (1999MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.), que a posiciona no campo metodológico como uma descrição sistemática das informações e mensagens que estão presentes em um conteúdo, mediante a individualização, a classificação e a interpretação dos dados. Quanto à abordagem qualitativa realizada na pesquisa em foco, o autor pontua que a análise de conteúdo consiste em uma ferramenta para interpretar sentidos simbólicos nas unidades de informação - no caso do presente estudo, considerando os conceitos sob a questão “para dizer o quê?” - e, dessa maneira, categorias de dados podem ir se configurando durante o processo analítico, sem serem necessariamente conhecidas no momento de definição dos objetivos.

A análise consistiu, em um primeiro momento, no agrupamento de conceitos e categorizações, com vistas a promover o entendimento efetivo dos níveis de atuação da prática hacktivista. Essa etapa tomou como base a lógica de atuação dos hackers cívicos seccionada em tipologias, propostas por Ampatzidou et al. (2015 AMPATZIDOU, C.; BOUW, M.; VAN DE KLUNDERT, F.; LANGE, M; DE WAAL, M. The hackable city: a research manifesto and design toolkit. Knowledge Mile: Amsterdam, 2015.) e já apresentadas, complementada pela identificação de aderências a essa lógica na análise bibliográfica sistemática. No estabelecimento dessas relações, tinham-se como meta a caracterização e a menção panorâmica de grupos, entidades ou organizações observadas durante a pesquisa, a fim de exemplificar as categorias.

Com as correlações teórico-conceituais estabelecidas, buscou-se reestruturar as quatro categorias presentes no estudo de origem em uma análise conceitual mais completa, a qual resultou, agora, em um modelo interpretativo que procura definir panoramicamente e de modo flexível a atuação dos hackers cívicos no Brasil, em consideração ao papel do digital na definição de territorialidades no contexto das noções emergentes de cidades digitais ou computacionais. A formatação desse modelo interpretativo - apresentado mais adiante - considerou, portanto, critérios de flexibilidade, nuances mais tênues de atuação, maior ou menor aderência aos arranjos institucionais formais e recursos, além das formas de autorreconhecimento ou autodefinição dos grupos enquanto hacktivistas.

2.1 Considerações tipológicas

O primeiro levantamento das diferentes lógicas de ativismo digital urbano no Brasil identificou a atuação de quarenta grupos e iniciativas, que indicou o ativismo digital em quatro frentes (LUQUE-AYALA et al., 2020LUQUE-AYALA, A; MARVIN, S. Urban operating systems: producing the computational city. Cambridge: The MIT Press, 2020.). No primeiro grupo, estão ações em nível de pesquisa e experimentação de protótipos digitais no meio urbano, desenvolvidas sobretudo no contexto de universidades e não necessariamente voltadas à mobilização comunitária. Um exemplo dessa aplicação é dado pelo desenvolvimento e a instalação de sensores urbanos, tecnologias que, por meio de sua resolução espectral, radiométrica e temporal (CARDOZO; DA SILVA, 2013 CARDOZO, O. D.; DA SILVA, C. J. Aplicaciones urbanas de los sensores remotos Revista Geográfica Digital. v. 10, n. 20, 2013.), efetuam a medição e o monitoramento de dados urbanos cartográficos, climáticos, ambientais e fluxos. Esse tipo de iniciativa representa uma estratégia primária de reconhecimento de problemáticas urbanas, o que corresponde ao nível 1 - identificação (Quadro 1). Nessa categoria, o digital é utilizado como meio de viabilidade técnica, sem necessariamente comunicar as problemáticas.

O segundo grupo compreende ações em nível de hackathons ou eventos de engajamento temporário, com finalidades pontuais. Tais eventos podem ser situados entre as categorias 1 e 3 do Quadro 1, ou seja, vão da definição, passando pela visualização, e, enfim, chegam ao engajamento. No Brasil, segundo Rodrigues (2019 RODRIGUES, R. T. Panorama de hackathons no Brasil. 2019. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2019.), esses eventos são promovidos para a criação de produtos digitais destinados a fins públicos ou privados, para teste de produtos, para a contratação de pessoas capacitadas e para a promoção de marcas empresariais, por meio do incentivo à inovação e às parcerias (PINHEIRO et al., 2020 PINHEIRO, A. M; SOUZA, C. R. B.; TENÓRIO, N.; FILHO, F. M. F.; MELO, L. A. O que acontece após um hackathon? Um estudo empírico. In: SEMINÁRIO INTEGRADO DE SOFTWARE E HARDWARE, 47., 2020, Cuiabá. Anais [...]. Cuiabá: Semish, 2020.). No tocante à política pública, eventos dessa natureza geram dúvidas sobre a legitimidade dos interesses colocados em pauta e em desenvolvimento. Por um lado, há a preocupação com a imperatividade de grandes empresas de tecnologia que os fomentam e que se tornam agentes ativos da gestão urbana. No nível mais corporativo da ação, a cidade e suas problemáticas são reduzidas a estatísticas controladas pelo governo e compartilhadas com as empresas (GANDY JR.; NEMORIN, 2018 GANDY. JR, O.H.; NEMORIN, S. Toward a political economy of nudge: smart city variations. Information, Communication & Society, v. 22, n. 14, p. 2012-2126, 2018.). Por outro, o subaproveitamento de ideias oriundas desse tipo de mobilização digital, especialmente em formato de aplicativos de engajamento, é visto como um desperdício, uma vez que se trata de ações de memória coletiva social e do desenvolvimento de um pensamento coletivo crítico, baseados nas demandas e nas percepções de parte da população (JANUÁRIO, 2019 JANUÁRIO, S. B. B. A cidadania nas pontas dos dedos: um panorama por meio dos aplicativos cívicos no Brasil. 2019. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019.).

A terceira categoria de iniciativas é composta de ações voltadas à mobilização em torno de questões pontuais e/ou particulares (ambas as tipologias aderentes aos níveis 2 e/ou 3 do Quadro 1). Essa categoria também pode ser expandida com o propósito de representar grupos que se estruturam em torno de uma causa comum. A emergência de grupos de pressão no Brasil, nos últimos anos, está especialmente relacionada à alternância de grupos no poder; a mobilização no entorno de tais grupos é fomentada com as Jornadas de Junho de 2013 e a intensificação do uso de mídias sociais em grandes mobilizações (CAVALCANTI et al., 2020 CAVALCANTI, D. B.; JARDELINO, F.; NASCIMENTO, F. Ativismo digital no Brasil contemporâneo/digital activism in contemporary Brazil. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 7, p. 42566-42570, 2020.).

Por fim, a quarta tipologia consiste em ações de intervenção digital oriundas de maker spaces ou FabLabs, desenvolvidas por equipes mais consolidadas que em geral apresentam uma linha de ação previamente definida e espaços físicos de trabalho - o que já se configura como os níveis 4 ou 5 indicados no Quadro 1. Essas estruturas, originadas na cultura maker do do it yourself (SMITH et al., 2016 SMITH, A.; FRESSOLI, M.; ABROL, D.; AROND, E.; ELY, A. Grassroots innovation movements. London: Routdlege, 2016.), constituíam, até 2017, mais de cinquenta espaços formalizados em 24 cidades brasileiras (COSTA; PELEGRINI, 2017 COSTA, C. O.; PELEGRINI, A. V. O design dos makerspaces e dos FabLabs no Brasil: um mapeamento preliminar. Design & Tecnologia, v. 7, n. 13, p. 57-66, 2017.). Em geral, muitas intervenções hacktivistas têm origem em FabLabs, embora as práticas de produção desses espaços transcendam as das comunidades de hackers cívicos - na medida em que os maker spaces enfatizam o material sobre a dimensão digital das intervenções, tanto por meio das ferramentas usadas como dos objetos produzidos.

A diversidade de níveis de atuação na prática hacker revela que as propostas, a efetividade de mobilização e os arranjos técnico-institucionais não seguem necessariamente uma lógica de engajamento; assim, diferentes contextos indicam diferentes narrativas entre grupos ativistas.

Em consideração a esse cenário, os itens a seguir pontuam o refinamento de análise das categorias propostas por Ampatzidou et al. (2015 AMPATZIDOU, C.; BOUW, M.; VAN DE KLUNDERT, F.; LANGE, M; DE WAAL, M. The hackable city: a research manifesto and design toolkit. Knowledge Mile: Amsterdam, 2015.), confrontadas e complementadas pela percepção de outros autores, numa ampliação dos sete níveis da lógica hacktivista.

2.1.1 Definição e visualização

No primeiro nível, o da definição, identificou-se uma correlação com os chamados “cidadãos consumidores” (DAVIES, 2010 DAVIES, T. Open data, democracy and public sector reform: A look at open government data use from data.gov.uk. 2010. Dissertation (MSc) - Oxford Internet Institute, University of Oxford, Oxford, 2010.), os quais, amparados por suas escolhas individuais e pela participação no mercado, definem suas preferências e elegem dados para serviços específicos, podendo até mesmo gerar um processo de inovação competitiva. Dessa forma, o processo de oferta de serviços é guiado pela demanda e pela demografia de dados oriunda da articulação desses cidadãos.

A atuação na área de dados é uma prática que engendra disputas no Brasil, especialmente quando se questionam a propriedade e a visibilidade, maior ou menor, dos dados, a depender dos interesses no entorno do que é disponibilizado (VIEIRA, 2016VIEIRA, G. Sobre o data labe. Publicado em 31 de março de 2016. Disponível em: https://datalabe.org/.
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). Dessa maneira, o que a literatura apresenta como os níveis de engajamento hacktivista depende, na prática, das possibilidades de acesso aos dados e dos contextos de disputa de poder sobre eles - o que também se reflete na estrutura dos grupos, na intencionalidade da atuação e na possibilidade de angariar recursos.

O nível da visualização adere-se à prática de jornalismo de dados (BARNS, 2016 BARNS, S. Mine your data: open data, digital strategies and entrepreneurial governance by code. Urban Geography, v. 34, n. 4, p. 554-571, 2016.), ação reconhecida na cultura hacker como uma contribuição para a visualização dessas informações. A prática que combina o aspecto investigativo do jornalismo tradicional à acessibilidade e à trafegabilidade permitida na rede ganha novos contornos para suas dimensões investigativa, interpretativa e comunicativa depois da implementação da Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527/2011 (BRASIL, 2011 BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2011.), e da cultura de Open Government (MANCINI; VASCONCELLOS, 2016MANCINI, L; VASCONCELLOS, F. Jornalismo de dados: conceito e categorias. Revista Fronteiras - estudos midiáticos, v. 18, n. 1, p. 69-82, 2016.). Um exemplo prático dessa forma de atuação é a criação de plataformas de visualização de dados - de maneira mais objetiva e “amigável” para o grande público - ou de mapas colaborativos, que posicionam o cidadão como cocriador da informação a disseminar.

No Brasil, pode-se citar o exemplo da plataforma Código Urbano1 1 Ver https://www.codigourbano.org/sample-page-2 (de 2015 a 2017), de São Paulo, uma iniciativa originada de forma independente com o intuito de tornar transparente o uso de dados municipais. A criação dessa plataforma digital, com base nos dados fornecidos pelo governo local, além de levantamentos estatísticos e de cruzamento de dados de outros bancos, tinha como objetivo o monitoramento de dados para a gestão urbana, tais como qualidade do ar, nível das reservas de abastecimento de água e índices de mortes no trânsito. A iniciativa foi descontinuada em razão, entre outros fatores, de mudanças dos grupos da gestão municipal. Isso reflete os conflitos de disponibilidade e uso das plataformas fornecidas pelo governo, o que indica diferentes níveis de disputa pelo poder originado na manipulação de dados para o entendimento de territorialidades.

Ressalta-se, portanto, que o jornalismo de dados pode ganhar contornos de atuação mais efetiva, além da mera visualização, em decorrência de contendas e controvérsias que surgem na aderência dessa prática a outros tipos de motivação e atuação territorial, conforme será discutido mais adiante.

2.1.2 Engajamento, representação e ideação

No nível engajamento, identificou-se inicialmente a aderência de grupos ativistas (FONTOURA, 2014FONTOURA, M. C. Hackers e participação: uma análise de aplicativos de dados públicos do Brasil e seus criadores. 2014. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2014.) com histórico de envolvimento em outras frentes. Para eles, dados abertos não são o fim da ação, mas o meio para tornarem suas pautas visíveis e comunicar a realidade. Nesse grupo também estão os que Machado (2015MACHADO, M. B. Entre o controle e o ativismo hacker: a ação política dos Anonymous Brasil. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, 22, supl., p. 1531-1549, 2015.) denomina “evangelizadores”, utilizando o termo de conotação religiosa para identificar os indivíduos responsáveis por divulgar as ações de seus grupos e captar novos usuários ou colaboradores. Essa definição difere do entendimento tradicional sobre data evangelists, que consiste em uma postura de incentivo à utilização de dados para resolver problemáticas e à tomada de decisão baseada em tendências apontadas por dados (RICHARD; KING, 2013 RICHARDS, N. M; KING, J. H. Three paradoxes of Big Data. Stan. L. Rev. v. 66, n. 41, p. 2013-2014, 2013. ).

Considerando que diversos grupos de atuação hacktivista se apropriam das próprias formas de ativismo anteriores (utilizando o digital apenas como atualização das práticas), observa-se aqui que o engajamento se confunde com a atuação que combina a visualização e a disseminação de ideias. Nesse sentido, pode-se discutir que o engajamento é uma característica per se da atuação hacktivista - e não necessariamente um nível dela. Fontoura (2014FONTOURA, M. C. Hackers e participação: uma análise de aplicativos de dados públicos do Brasil e seus criadores. 2014. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2014.) chama de “especialistas” os hackers cívicos que têm preocupações mais específicas e utilizam ativamente os dados abertos em consonância aos interesses - o que os posiciona de modo mais aderente ao nível da representação. Em caráter de quase inseparabilidade da representação está a ideação, que se relaciona ao que Davies (2010 DAVIES, T. Open data, democracy and public sector reform: A look at open government data use from data.gov.uk. 2010. Dissertation (MSc) - Oxford Internet Institute, University of Oxford, Oxford, 2010.) conceitua como participação colaborativa e comunitária. Tal prática consiste na coprodução do planejamento. Nessa modalidade, há a colaboração para ideação entre cidadãos e entre cidadãos e governo na resolução de problemas e design de serviços/soluções; trata-se, portanto, de um processo de inovação distribuída.

Essa é, provavelmente, uma das mais significativas e visíveis formas de disseminação do ativismo digital brasileiro. No Brasil, essa prática segue tendências globais de consolidação periódica de grupos que trabalham com demandas locais. Um dos exemplos mais conhecidos é o Open Data Day, evento anual de utilização de dados abertos para a criação de pesquisas, plataformas e aplicativos, e que visa ampliar o engajamento e a conscientização sobre a manipulação de dados em geral.2 2 Ver https://opendataday.org/pt_br/#what.

Eventos desse tipo, conforme mencionado, costumam ser patrocinados por empresas do setor tecnológico, muitas vezes associadas ao governo local. O exemplo do evento “Hacker Cidadão” (PREFEITURA DO RECIFE, 2020PREFEITURA DO RECIFE. Hacker Cidadão 3.0. 2020. Disponível em: http://dados.recife.pe.gov.br/hacker-cidadao-3. Acesso em: fev. 2022.
http://dados.recife.pe.gov.br/hacker-cid...
), em Recife, ilustra essa proposta. A organização anual reflete uma tradição hacktivista da cidade que trabalha em projetos com usos de dados e internet. Em geral, a maior parte dos participantes são estudantes das áreas de informática, sistemas e correlatas, que propõem soluções digitais para problemáticas urbanas pautadas pelos eventos. Embora a prática tenha ressignificado o acesso ao portal de dados abertos da cidade, que aumentou consideravelmente nos últimos anos (GONÇALVES; GAMA, 2018 GONÇALVES, B. A; GAMA K. S. Transparência e dados abertos do Recife: Uma estratégia bem-sucedida de publicação. Cadernos BAD, v. 1, p. 157-164, 2018.), não diminuiu as incertezas sobre a temporalidade e a efetiva consolidação das ideias articuladas durante os eventos.

2.1.3 Ação e institucionalização

Ocorre aqui um antagonismo interessante, pois, ao mesmo tempo que a ideação pode evoluir para ação - por meio de projetos que efetivamente se desenvolvam e sejam implementados -, nem sempre ela preenche os requisitos de uma ação de engajamento, visto que as ações desenvolvidas não necessariamente serão compreendidas, disseminadas em larga escala e engajadas pelo público-alvo.

Observa-se que grupos que trabalham no nível da ação provavelmente atingiram esse patamar com certa consolidação nos níveis de definição, visualização, engajamento, representação e ideação - a ação, propriamente dita, é uma combinação de todos esses ideais, aderentes aos contextos específicos de cada caso.

Pode-se citar aqui como exemplo a atuação do grupo data_labe,3 3 Ver https://datalabe.org. equipe de jovens ativistas com atuação no complexo da Maré, no Rio de Janeiro, na área de jornalismo de dados, que utiliza plataformas digitais para ressignificar formas de ativismo preexistentes dentro do próprio grupo. A agenda de mobilização deles sustenta-se especialmente sobre demandas do contexto e do território, tais como ativação cidadã para direitos humanos, empoderamento, questões raciais e de gênero e políticas públicas, fazendo uso da prática de geração cidadã de dados para incentivar o conhecimento, a mobilização e a disseminação de ideias. O grupo também atua de maneira tangente à utilização per se da tecnologia, por meio da formação técnica de jovens da Maré para a coleta de dados e a produção de conteúdo e capacitação para o empreendedorismo local. Na mesma linha do fomento ao empreendimento social, podem-se mencionar, ainda, atuações como Olabi,4 4 A Olabi tem como princípios a democratização das tecnologias digitais por meio de eventos, treinamentos e apoio a populações vulnerabilizadas. Dentre seus projetos, está o PretaLab, que envolve mulheres negras na formação educacional, treinamento técnico e consultoria em tecnologia e empreendedorismo. Ver https://www.olabi.org.br. MariaLab,5 5 A MariaLab se define como potencializadora do uso de tecnologia em espaços feministas e do autocuidado nos meios digitais, atuando na intersecção entre política, gênero e suas tecnologias. Ver https://www.marialab.org. Agência Tatu,6 6 A Agência Tatu é um coletivo de jornalismo de dados de Maceió, que tem como focos a coleta, a análise e a produção de visualização de dados sobre a realidade local, no recorte geográfico do estado do Alagoas. Ver https://www.agenciatatu.com.br. ou InfoAmazonia.7 7 InfoAmazonia tem uma incidência regional, em todos os estados que abrangem a região da Floresta Amazônica, que “utiliza dados, mapas e reportagens geolocalizadas para contar histórias sobre a maior floresta tropical contínua do planeta”. Ver https://infoamazonia.org. Todos esses exemplos ilustram a ideia de coletivos configurados como laboratórios de tecnologias para a utilização e a capacitação de ativismo de dados, visando à promoção de direitos sociais, visibilidade de vulnerabilidades e potência de territórios periféricos.

Grupos como esses também costumam oferecer espaço para a promoção de eventos de disseminação de ideias e práticas, para a ampliação do conhecimento e para a atuação voltada à transformação local. O engajamento com fortes vínculos socioterritoriais parece reforçar uma importante característica do posicionamento das tecnologias no papel do ativismo e na visão política desses grupos, no que Luque-Ayala et al. (2020) definiram como o encontro do digital com formas preexistentes de ativismo, ou “intervenções situadas”, em que se estabelecem lutas históricas por direitos e infraestruturas urbanas com o suporte de tecnologias digitais e o trabalho com dados. O Quadro 2 sintetiza as correlações tipológicas discutidas até aqui.

Quadro 2
Síntese das tipologias de ação da atividade hacktivista, segundo níveis de envolvimento determinados por Ampatzidou et al. (2015 AMPATZIDOU, C.; BOUW, M.; VAN DE KLUNDERT, F.; LANGE, M; DE WAAL, M. The hackable city: a research manifesto and design toolkit. Knowledge Mile: Amsterdam, 2015.)

3. Os caminhos do ativismo digital urbano no Brasil

A reflexão sobre as múltiplas facetas da ação hacktivista no Brasil revela que a utilização do meio digital pode assumir múltiplos caminhos. Uma das possibilidades é o emprego da tecnologia como plataforma per se, ou seja: o meio como possibilidade de interação, mobilização e divulgação. Outro caminho é o que posiciona o conceito de plataforma como algo mais abrangente do que mero apoio digital: aqui, a plataforma representa identidades, narrativas e ideias em desenvolvimento, como um arranjo sociotécnico que reflete dinâmicas tecnopolíticas organizadas em torno da atividade digital. Na prática, isso representa uma ressignificação do uso das plataformas digitais para engajamento, ação cidadã e mobilização cívica. Nesse sentido, e com base no que foi apresentado, propõe-se a construção de um modelo interpretativo que representa uma das múltiplas possibilidades de interpretação desse contexto, e que visa elucidar as formas de ação hacktivista brasileira, porém as flexibilizando em consideração às nuances tecnopolíticas que atuam sobre a temática (Figura 1).

Figura 1
Modelo interpretativo para a ação hacktivista no Brasil

Nessa proposta, a dimensão central é a do engajamento, considerado o primeiro nível de organização; é, por essa razão, uma dimensão interna, endógena, que determina os níveis de envolvimento e comprometimento das iniciativas. A segunda dimensão, intermediária, representa a intencionalidade das ações, definindo o tipo das iniciativas e as maneiras de apresentação/veiculação. Por fim, na dimensão mais abrangente encontram-se os principais responsáveis por influenciar, direta ou indiretamente, as ações, e que podem se articular entre si ao longo do tempo: gestão pública, iniciativa privada, universidades e sociedade civil. Nesse contexto, ficaria sugerido que a prática hacker emerge como algo além da quebra, da modificação e da revolução de códigos e funcionalidades, e que passa a figurar como tentativa de subversão da utilização tradicional do meio digital como mera ferramenta de comunicação, em consideração às demandas de contexto.

Apesar de o conceito de smart city ser mais comumente vinculado a propostas mercadológicas e tecnocráticas, a análise de formas de ativismo urbano por meio de práticas hackers abre possibilidades para que a cidade computacional/digital se constitua com maior aderência aos contextos, removendo o foco principal das tecnologias e gerando maior abertura a diversos setores sociais - ou, ao menos, da veiculação - com contornos mais democráticos (McFARLANE; SÖDERSTRÖM, 2017 McFARLANE, C.; SÖDERSTRÖM, O. On alternative smart cities. City, v. 21, n. 3-4, p.312-328, 2017.). De acordo com o trabalho de Rose (2017 ROSE, G. Posthuman agency in the digitally mediated city: exteriorization, individuation, reinvention. Annals of the American Association of Geographers, v. 107, n. 4, p. 779-793, 2017., p. 779), o que está em jogo, epistemologicamente, é uma “agência pós-humana na cidade mediada digitalmente”:8 8 Do original em inglês: “posthuman agency in the digitally mediated city”. um reconhecimento de que o desenvolvimento urbano deve ser entendido como fruto de múltiplas forças, priorizando a diversidade da agência humana, sua inventividade e criatividade, e ainda por meio de mediação digital. Entende-se, portanto, que a temática hacktivista engendra uma construção sociotécnica (PINCH; BIJKER, 1984 PINCH, T. J.; BIJKER, W. E. The social construction of facts and artefacts: or how the sociology of science and the sociology of technology might benefit each other. Social Studies of Science, v. 14, n. 3, p. 399-441, 1984.) que reconhece o papel do digital como mediador em exercícios tensos e conflituosos da produção política do território, com controvérsias que se abrem e se encerram a todo momento.

Conclusões

Este artigo apresentou uma análise teórica do ativismo digital urbano no Brasil, baseando-se em uma diferenciação de origens e objetivos das ações. A ponderação sobre um possível modelo interpretativo que expresse uma imagem exploratória do hacktivismo brasileiro possibilitou compreender as dinâmicas tecnopolíticas presentes na temática. Discutiu-se que o digital ressignifica a mobilização cidadã, a partir do momento em que assume ora um posicionamento da utilização ferramental, como meio para a ação, unicamente, ora a veiculação de narrativas e identidades arranjadas social e tecnicamente, como “intervenções situadas” (LUQUE-AYALA et al., 2020LUQUE-AYALA, A; MARVIN, S. Urban operating systems: producing the computational city. Cambridge: The MIT Press, 2020.). Assim, as redes digitais, embora tenham como componentes mecanismos de controle e vigilância indiscriminada, materializam oportunidades de maior participação e interação entre uma diversidade de grupos e interesses.

Ainda que seja possível concluir que a prática hacktivista não se reduz à simples codificação, programação, quebra e decodificação, entende-se em decorrência deste estudo que a lógica do “sistema a ser subvertido” permanece. Isso ocorre porque, para o hacktivismo, a cidade é influenciada por tensões tecnopolíticas, o que demanda a “quebra”, não de códigos ou algoritmos, mas sim de paradigmas, comportamentos, decisões e processos. Assim, permanece o intuito original de abrir as estruturas, nas tentativas, erros e improviso, e de desconfiar de hierarquias estabelecidas. Uma diferença, no entanto, da prática hacker tradicional, reside no fato de que esse hacktivismo busca a visibilidade da ação, e não o anonimato. Com isso, entende-se que dar voz a diferentes narrativas e identidades é uma forma de combater a invisibilidade deliberada imposta sobre determinadas demandas e interesses.

É importante destacar, também, certo “atalho analítico” que utilizamos para amenizar as nuances da cultura e da ética hacker originais, com a finalidade de definir o que estamos chamando de hacktivismo urbano situado. Não se pretende, com isso, ignorar as contradições e limites, apontados anteriormente, presentes na formação dessa cultura e dos grupos que nela se inspiram, evitando-se a reificação da atividade hacker como guardiã de uma resistência progressista. É fundamental que nos esquivemos de qualquer exagero idealista com relação aos grupos hackers e ao movimento hacktivista, ao mesmo tempo que se valorizam as motivações comuns de grupos ativistas na subversão de projetos hegemônicos. É com esse sentido, conscientes dos riscos de generalizações descuidadas, que “tomamos emprestados” os termos de movimentos de inspiração hacker para tratar de possíveis tipificações de movimentos ativistas digitais urbanos no Brasil.

Entende-se, desse modo, a demanda por outras abordagens sobre o ativismo digital e as diversas manifestações de tecnopolíticas urbanas. Estudos futuros podem ser conduzidos no sentido de exemplificar as tipologias aqui discutidas, analisando de maneira mais profunda as motivações, intencionalidades e efetividades das ações conduzidas por coletivos de ativistas digitais.

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    Do original em inglês: “posthuman agency in the digitally mediated city”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    06 Maio 2022
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