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As palavras sobre os cortiços: análise dos relatórios municipais e da produção acadêmica em São Paulo entre as décadas de 1970 e 1980

The words about tenements: analysis of municipal reports and academic production in São Paulo between the 1970s and 1980s

Resumo

Este artigo apresenta e analisa as terminologias que fizeram referência aos cortiços nos relatórios produzidos por órgãos públicos municipais e nas pesquisas acadêmicas entre as décadas de 1970 e 1980 na cidade de São Paulo. Esse conjunto de estudos foi motivado pelo desafio de definir um cortiço, identificar suas manifestações e tipologias e analisar as condições de moradia. Ademais, o artigo tem como intenção elucidar o referencial da subnormalidade habitacional, elaborado no âmbito da Organização Mundial da Saúde e da Associação Americana de Saúde Pública nos anos 1960, em virtude de sua adoção nos estudos analisados. Neles, os cortiços passaram a ser entendidos como habitação subnormal precária de aluguel.

Palavras-chave:
São Paulo; Cortiços; Habitação social; Habitação subnormal; Habitação Coletiva Precária de Aluguel

Abstract

This article presents and analyzes the terminologies that made reference to tenements in academic researches, and reports produced by municipal public agencies between the 1970s and 1980s in São Paulo. This set of studies had the challenge of defining a tenement, identifying its manifestations and typologies, and analyzing housing conditions. In addition, the article intends to clarify the framework of housing subnormality, elaborated within the scope of the World Health Organization and the American Public Health Association in the 1960s, as it was adopted in the analyzed studies. In these agencies, the tenements came to be understood as precarious subnormal rent housing.

Keywords:
São Paulo; Tenements; Social Housing; Subnormal Housing; Precarious Collective Rental Housing

Introdução

Os cortiços, que são opções de moradia para as camadas populares desde o século XIX, receberam ao longo do tempo diversas terminologias em função da variedade de tipologias, de soluções arquitetônicas e de dinâmicas de estigmatização social das quais fazem parte nas cidades brasileiras. Entre elas, destacam-se “casa de cômodo”, “cabeça de porco”, “pensão”, “vila” e “hotel”. O objetivo deste artigo é apresentar e analisar tais terminologias, entendidas como “as palavras sobre os cortiços”, entre as décadas de 1970 e 1980 na cidade de São Paulo, período em que órgãos públicos municipais e pesquisadores voltaram o olhar para essa modalidade sob a óptica da habitação social.

No Dicionário de arquitetura brasileira, de Lemos e Corona (2017LEMOS, C. A. C.; CORONA, E. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: Romano Guerra, 2017.), publicado pela primeira vez em 1972, nota-se, por exemplo, que o cortiço é polissêmico e apresenta mais de um verbete: cortiço e cabeça de porco. No primeiro ele é descrito como “pátio agrupando várias moradias. Casa que serve de habitação coletiva, para os pobres” (LEMOS; CORONA, 2017LEMOS, C. A. C.; CORONA, E. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: Romano Guerra, 2017., p. 151), enquanto no segundo se faz referência à “casa de cômodo de mau aspecto. Habitação coletiva. Cortiço. Estalagem” (id., p. 91).

Lilian Vaz (1994VAZ, L. F. Dos cortiços às favelas e aos edifícios de apartamentos - a modernização da moradia no Rio de Janeiro. Análise Social, v. XXIX, p. 581-597, 1994.), por sua vez, apresenta essa diversidade lexical e, para compreendê-la, relaciona as terminologias com as características arquitetônicas no âmbito da história urbana do Rio de Janeiro, sobretudo no século XIX. As “estalagens” eram formadas por pequenas casas enfileiradas; as “casas de cômodos” eram edificações subdivididas internamente; as “avenidas” eram tipologias intermediárias entre habitações coletivas insalubres e vilas higiênicas, entre outras. Todas ficaram popularmente conhecidas como “cortiços” e “cabeças de porco”, termos que, segundo a autora, carregam conotação depreciativa, ligada à insalubridade. Além disso, embora sejam modalidades com características espaciais distintas, todas são frutos de um mesmo sistema desigual de produção de moradias.

Para Nabil Bonduki (2013BONDUKI, N. G. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade: Fapesp, 2013.), é lícito incluir os cortiços em um grupo mais amplo de habitações coletivas buscadas pelas camadas mais pobres no meio urbano e produzidas para aluguel na virada dos séculos XIX e XX. Dentro desse grupo, destaca-se a existência de vários termos e tipologias, tais como “cortiço-corredor”, “cortiço-casa de cômodos”, “vilas” e “correr de casas geminadas”. O modelo mais comum em São Paulo era o primeiro, formado por uma série de cômodos dispostos ao longo de um corredor ou pátio, no qual estavam alocados o banheiro compartilhado e a área de lavagem de roupas.

Tanto Vaz como Bonduki concordam com o fato de que, para os proprietários e/ou investidores privados, o objetivo da construção de cortiços era a obtenção de lucros com poucos recursos, já que o potencial máximo do terreno era aproveitado, o material construtivo podia ser de menor qualidade e a previsão de poucos pontos de hidráulica barateava o empreendimento. Além disso, havia demanda significativa por habitações baratas nos bairros centrais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os rendimentos com os aluguéis eram compensadores.

Essas dinâmicas habitacional e urbana apresentam continuidades até os dias atuais. No entanto, a produção teórica que procurou compreender os cortiços a partir dos anos 1970 trouxe novas terminologias e variáveis à tona, como o referencial de subnormalidade, a preocupação com a exploração e a insegurança dos moradores e a identificação de novas tipologias, inclusive em bairros periféricos. Essa produção será revisada com o propósito de apresentar a construção desse conhecimento e encontrar “as (novas) palavras sobre os cortiços” daquela década para cá.

Para mapear essa produção e elaborar um quadro teórico, utilizou-se como parâmetro o artigo de Maria Ruth Amaral Sampaio (2007SAMPAIO, M. R. A. O cortiço paulistano entre as ciências sociais e política. Revista do IEB, São Paulo, n. 44, p. 125-140, 2007.), que analisa as inter-relações entre a produção acadêmica e as políticas públicas no campo da habitação social em São Paulo. A autora mostra que foi a partir do final dos anos 1970 que o cortiço, então ainda pouco visível e despercebido na cidade, começou, de fato, a ser objeto de atenção. Em linhas gerais, tais pesquisas ressaltaram as condições precárias de habitabilidade, como a superlotação, a superposição de funções no mesmo cômodo, a promiscuidade, a falta de higiene, o acesso e o uso comum de instalações sanitárias, assim como a exploração dos moradores por meio da cobrança abusiva de aluguéis.

Sampaio divide essa produção em três frentes. A primeira é representada pela municipalidade e conta com relatórios produzidos por, ou a pedido de, órgãos públicos municipais, dentre eles a Secretaria do Bem-Estar Social (Sebes), a Coordenadoria Geral de Planejamento (Cogep) e a Secretaria de Planejamento (Sempla).

A segunda é composta da produção em âmbito acadêmico: as pesquisas de Emília Margonari (1978MARGONARI, E. Alguns aspectos na realidade social dos cortiços da área da Paróquia de Santa Cecilia da cidade de São Paulo. 1978. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1978.), Antônio Teixeira (1985TEIXEIRA, A. C. Cortiço: o pequeno espaço do povo. 1985. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985.), Lucio Kowarick e Clara Ant (1994KOWARICK, L.; ANT, C. Cem anos de promiscuidade: o cortiço na cidade de São Paulo. In: KOWARICK, L. (org.). As lutas sociais e a cidade: São Paulo, passado e presente. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1994. p. 73-93.) e Andrea Piccini (1999)PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. São Paulo: Annablume: Fapesp, 1999.. Adiciona-se ao quadro a pesquisa realizada por Suzana Pasternak Taschner e Yvonne Mautner (1982TASCHNER, S. P.; MAUTNER, Y. Habitação da pobreza: alternativas de moradia popular em São Paulo. 1982. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982.), em que se trata do tema no mesmo recorte temporal. Destaque-se também o fato de Suzana Pasternak Taschner ter se tornado uma referência importante nos estudos sobre habitação social em São Paulo.

A terceira frente é protagonizada por representantes da Igreja católica. Segundo Sampaio, parte das pesquisas sociológicas foi desenvolvida por religiosos interessados em compreender os problemas relacionados às famílias operárias, dentre eles os habitacionais. Como exemplo, citam-se as pesquisas realizadas pela Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais (SAGMACS), fundada pelo padre Lebret.

A pesquisa de mestrado da irmã Emília Margonari (1978MARGONARI, E. Alguns aspectos na realidade social dos cortiços da área da Paróquia de Santa Cecilia da cidade de São Paulo. 1978. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1978.), que era religiosa e assistente social, fez parte dessa frente em um momento em que o Serviço Social, na sua relação com a Igreja, tinha a população residente em cortiços como um dos públicos de atendimento. A pesquisa tinha como finalidade compreender as características sociais e de ocupação dos cortiços de Santa Cecília, um dos bairros de São Paulo com maior densidade de imóveis encortiçados naquele momento. Adicionalmente, Margonari já estava envolvida com moradores em seu trabalho como assistente social1 1 Na dissertação, a irmã Margonari esclarece que sua pesquisa foi realizada para atender a uma demanda da Comissão Arquidiocesana de Pastoral, que estava interessada em conhecer a realidade dos cortiços na região central de São Paulo para elaborar um plano de ação visando à formação de comunidades eclesiais de base (Cebs). .

Os estudos que integram o quadro teórico preparado por Sampaio foram consultados e analisados. Em conjunto, evidenciaram, de um lado, as dificuldades de conceituação dessa modalidade habitacional e, de outro, a permanência da variedade de terminologias. Em nossa pesquisa, foram consultados quatro documentos oficiais elaborados por, ou a pedido de, órgãos públicos municipais e cinco trabalhos acadêmicos. Vale lembrar que, para os documentos oficiais, o caráter das fontes primárias é heterogêneo: há casos de publicações com um ou dois cadernos, casos do diagnóstico da Sebes (1975) e do estudo da Sempla (1986), enquanto outros são compostos de um conjunto extenso de relatórios, pareceres técnicos e ofícios internos, exemplificados pela Cogep (1981). Portanto, defende-se que a quantidade de material não compromete a análise e as considerações sugeridas.

1. Dos anos 1940 aos 1960: casas menos adequadas, miseráveis e moradias infra-humanas

Antes de discorrer sobre a produção teórica dos anos 1970 e 1980, faz-se necessário apresentar estudos prévios para inserir essa produção em perspectiva histórica em São Paulo. O primeiro estudo encontrado foi realizado pelo sociólogo Donald Pierson2 2 Donald Pierson (1900-1995) foi sociólogo, pesquisador da Universidade de Chicago e professor de Sociologia e Antropologia Social na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP). , no início dos anos 1940. Publicado pela Revista do Arquivo Municipal, objetivava descrever as habitações de São Paulo com base nos dados censitários disponíveis. Pierson dividiu a amostra das habitações em dois grupos: as “mais adequadas” e as “menos adequadas”. As primeiras foram selecionadas nos bairros Pacaembu, Higienópolis e Jardim América, ao passo que as segundas estavam localizadas na Mooca, no Canindé e no Bixiga. Esses bairros foram escolhidos porque Pierson verificou “com várias pessoas competentes que conhec[ia]m muito bem a cidade” e viabilizou “uma inspeção preliminar dessas seções” (PIERSON, 1942PIERSON, D. Um estudo comparativo da habitação em São Paulo. Revista do Arquivo Histórico Municipal, n. LXXXII, p. 241-254, 1942., p. 242).

No Bixiga, por exemplo, foram analisados 25 exemplares e apresentados os dados sobre eles na comparação com imóveis do mesmo grupo em outros bairros. Em linhas gerais, as habitações “menos adequadas” eram cortiços, pois eram alugadas e caracterizadas por densidade habitacional elevada, bem como por más condições de moradia, superlotação e “promiscuidade nas condições de dormir”, já que “pais e filhos dormiam lado a lado”, ou seja, não havia privacidade (PIERSON, 1942PIERSON, D. Um estudo comparativo da habitação em São Paulo. Revista do Arquivo Histórico Municipal, n. LXXXII, p. 241-254, 1942., p. 248).

Os campos da Sociologia e do Serviço Social se aproximaram nesse período por meio das investigações das condições das pessoas mais pobres na cidade. A assistente social Guiomar Urbina Telles realizou, nos anos 1940, uma série de conferências intituladas O problema dos cortiços, em que conceituou os cortiços como casas onde moravam muitas famílias geralmente “desapegadas da casa”, isto é, “sem formação doméstica”. Os moradores eram “pessoas completamente desajustadas [...] que sofriam ao mesmo tempo de deficiências morais, físicas e econômicas” (TELLES apud PAOLI; DUARTE, 2004PAOLI, M. C.; DUARTE, A. São Paulo no plural: espaço público e redes de sociabilidade. In: PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. São Paulo: Annablume: Fapesp, 1999., p. 72 e 74). Percebe-se um tom estigmatizante nessa abordagem. Telles mostrou que, nos cortiços, as instalações sanitárias eram comuns a todas as famílias, e isso contribuía para as condições precárias de moradia.

Destaca-se, também, a contribuição do padre Louis-Joseph Lebret para o tema3 3 Mais informações podem ser encontradas nas pesquisas de Michelly de Angelo (2010) e Dinalva Roldan (2012). ANGELO, M. R. de. Les développeurs: Louis-Joseph Lebret e a SAGMACS na formação de um grupo de ação para o planejamento urbano no Brasil. 2010. Tese (Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, São Carlos, 2010. . Ele foi o coordenador da pesquisa “Sondagem preliminar a um estudo de habitação em São Paulo”, publicada em 1951 e desenvolvida com o objetivo de avaliar as condições de habitação na cidade de São Paulo. Por meio de um levantamento de mais de mil exemplares, as habitações foram divididas em dois grupos - “casas miseráveis” e “casas luxuosas” - e categorizadas em sete tipologias, a saber: i) subcasebre (habitação miserável, insatisfatória em todos os aspectos); ii) casebre (habitação miserável, que pode ter elementos satisfatórios); iii) semicasebre (habitação insatisfatória, mas que não pode ser melhorada); iv) habitação insatisfatória, porém passível de melhoria; v) habitação satisfatória; vi) habitação confortável e vii) habitação luxuosa (ROLDAN, 2012ROLDAN, D. D. Um ideário urbano em desenvolvimento: a experiência de Louis-Joseph Lebret em São Paulo de 1947 a 1958. 2012. Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 117). A pesquisa permitiu concluir que, na área central do município, havia uma concentração de “casas miseráveis” localizadas em bairros próximos, as quais tinham média de ocupação elevada, ou seja, tais habitações eram, em sua maioria, cortiços.

No quesito formas de ocupação, os cortiços foram enquadrados como categoria específica, caracterizada pela alta densidade, por dimensões insuficientes dos cômodos e pelas deficiências de iluminação, ventilação e insolação. Foram descritos como “casebre[s] adensado[s] onde famílias dividem áreas molhadas”, ocupado por “população muito pobre e mal-educada, que vive de recursos casuais, em estado de absoluta falta de higiene, às vezes com cozinha rudimentar comum a diversas famílias” (LEBRET apudROLDAN, 2012ROLDAN, D. D. Um ideário urbano em desenvolvimento: a experiência de Louis-Joseph Lebret em São Paulo de 1947 a 1958. 2012. Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 119-120).

Nos anos 1960, foi publicada4 4 Fizeram parte da equipe: Décio Tozzi, Mário Zocchio, João Manuel Conrado Ribeiro, Eduardo Carlos de Aregi Filipe, Bona de Vila, Mary Franklin, Teresa Stangherlin, Helena Belvenuzzi, Neusa Sanchez e Helena Cadebe (LAGENEST, 1962, p. 5). a pesquisa “Os cortiços de São Paulo”, coordenada pelo frei Jean Pierre Barruel de Lagenest5 5 O frei Lagenest chegou ao Brasil em 1946, um ano antes do padre Lebret. Com formação em filosofia, teologia, sociologia e psicanálise, ele atuou como professor na Escola de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Não foram encontradas mais publicações sobre os cortiços além da pesquisa publicada pela Revista Anhembi em 1962. . Os cortiços foram conceituados como “moradias infra-humanas” instaladas em “prédios superpovoados” e separados em três tipologias: i) porões, ii) meias-águas e iii) andares superiores. Conforme os resultados da pesquisa, 600 mil pessoas residiam em cortiços no município, e o bairro da Bela Vista era o “mais atingido” (LAGENEST, 1962LAGENEST, J. P. B. Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, p. 5-17, 1962., p. 14)6 6 De acordo com a pesquisa, mais de 50% da população dos bairros Bela Vista, Liberdade, Consolação, Santa Cecília, Barra Funda, Bom Retiro, Santa Ifigênia, Brás, Mooca, Cambuci e Belenzinho residia em cortiços naquele momento. .

Foram selecionados exemplares de alguns bairros para análise das condições e das características físicas dos cortiços. A precariedade habitacional era mais grave na tipologia de “porões”, os quais, no geral, apresentavam paredes e tetos com umidade, iluminação elétrica insuficiente, odores desagradáveis, fogareiro interno a gás e mais de dois adultos dividindo a mesma cama. A situação de precariedade dos “porões” da Bela Vista era semelhante aos casos da Liberdade e de Campos Elíseos, este último mais grave na comparação entre os bairros pesquisados. Para a tipologia de “meias-águas”, os imóveis da Bela Vista apresentavam situação um pouco melhor que a da Liberdade e de Santa Cecília, enquanto, para esta última, a precariedade podia ser a mais grave entre a verificada em todos os bairros.

A pesquisa de Lagenest trouxe mais elementos para a compreensão dos cortiços e das famílias residentes. Na maioria dos casos, o homem “trabalhava como operário braçal ou pequeno funcionário” (LAGENEST, 1962LAGENEST, J. P. B. Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, p. 5-17, 1962., p. 15), ou seja, recebia baixa remuneração e tinha pouca qualificação profissional, ao passo que a mulher permanecia no cortiço cuidando das crianças. A “ordem” era garantida pelo encarregado, considerado “peça central do cortiço”, quase sempre contratado pelo proprietário do imóvel e responsável pela coleta dos aluguéis e pelo aceite ou recusa de inquilinos (id., ib). Foram identificados vários cortiços em que se praticava cobrança abusiva de aluguel e em que se faziam ameaças frequentes de despejo, aspecto que pode denotar preocupação dos autores da pesquisa em relação às condições vulneráveis de moradia.

As tentativas de compreender a vida dos pobres e suas condições de moradia sempre foram objeto das disciplinas de Urbanismo e de Sociologia, haja vista as publicações de Friedrich Engels no século XIX e os projetos urbanos e habitacionais realizados desde então. Contudo, foi nos anos 1960 que o campo da habitação social tomou corpo e as pesquisas passaram a ser incorporadas na formulação de políticas públicas. Vale lembrar que a maior parte dessa produção adotou uma perspectiva marxista, na tentativa de compreender a distribuição da classe trabalhadora pelo tecido urbano e o processo de periferização nas metrópoles da periferia do capitalismo7 7 Pedro Arantes (2009) traça um panorama acerca da produção desses intelectuais, que ensaiaram, nos anos 1970, formulações para uma teoria crítica da urbanização na periferia do capitalismo. Os pesquisadores estavam vinculados ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). ARANTES, P. F. Em busca do urbano: marxistas e a cidade de São Paulo nos anos 1970. Novos Estudos Cebrap, n. 83, p. 103-127, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/Q6C6w9vg93LQdtC5VK8crrm/?lang=pt. Acesso em: 20 março 2021 .

2. A subnormalidade como referencial

Os estudos sobre os cortiços em São Paulo nos anos 1970 e 1980 partiram de um referencial que considerou os problemas habitacionais urbanos com base na perspectiva da “subnormalidade”, que já fazia parte dos debates nos campos da saúde pública e da habitação social desde a década de 1960. Tais estudos se apoiaram nos termos e critérios contidos nas discussões e publicações do Comitê de Especialistas em Higiene da Habitação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Comitê de Higiene e Habitação da Associação Americana de Saúde Pública (APHA), de 1961 e 1968, respectivamente.

Em 1956, foi criado no âmbito da OMS o Grupo Misto de Trabalho sobre Habitação e Serviços Comunitários e dele fizeram parte engenheiros e médicos dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse grupo, foi organizado o Comitê de Especialistas em Higiene da Habitação, cujo Primeiro Informe, que está sendo apresentado aqui, foi publicado em 1961. Já o segundo comitê fez parte da estrutura da APHA, que foi fundada em 1872 e que conta atualmente com mais de setenta países participantes. Sua atuação se concretiza por meio de ações e programas desenvolvidos em parceria com a OMS e com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) relacionados a essa temática.

De acordo com o Primeiro Informe do Comitê da OMS, as condições físicas do ambiente estavam articuladas com a saúde e o bem-estar e, para que pudessem ser avaliadas e melhoradas por meio de políticas públicas nos países-membros, o Comitê estabeleceu critérios de salubridade que levassem em conta necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais aplicáveis a qualquer país, considerando, sempre que possível, as especificidades ambientais e culturais. A habitação poderia afetar a saúde física em face de sua possível relação com a transmissão de doenças, com a insatisfação de necessidades fisiológicas e com lesões traumáticas frequentes. Para que uma moradia fosse classificada como higiênica, havia a necessidade de temperatura, ventilação e iluminação adequadas, ar livre de impurezas e odores indesejados, grau de umidade saudável e possibilidades de exercício físico e lazer.

O Comitê propôs, então, os seguintes requisitos para a verificação de um “ambiente habitacional saudável”: disponibilidade de habitações bem construídas e conservadas, independentes, em quantidade suficiente para todas as famílias e com o atendimento às necessidades cotidianas adequadas às normas culturais de cada região. Acerca do espaço habitável, a conclusão a que se chegou foi de que a quantidade de cômodos e a área útil deveriam ser suficientes do ponto de vista da higiene e das necessidades do dia a dia conforme as mesmas normas culturais e sociais; cômodos distribuídos de modo a não haver confinamento nos dormitórios e nos ambientes de estar, a fim de poder desfrutar de privacidade; instalação de sistema de abastecimento de água potável a ser utilizada na limpeza doméstica e no asseio pessoal em cômodos destinados a essa finalidade; sistema de eliminação de águas residuais e outros dejetos; instalações adequadas para banho e cozinha; proteção térmica e sonora adequada; ventilação e iluminação natural e superficial suficientes e sistema construtivo capaz de garantir a segurança da edificação contra incêndios e acidentes naturais.

Sobre a quantidade de cômodos, a recomendação foi de que cada habitação contasse pelo menos com um cômodo para cada atividade doméstica. Em alguns países, ainda se praticava o compartilhamento da cozinha por mais de uma família, mas, no caso de projetos de novas unidades habitacionais, não se cogitava a adoção dessa solução. Além disso, por “razões de moral” e garantia de privacidade, os dormitórios deveriam ser separados para adolescentes ou adultos de sexos distintos, salvo no caso de casais. Vale lembrar que esses aspectos não estão presentes nos cortiços - pelo contrário, o compartilhamento da cozinha, a dinâmica de realização de várias atividades domésticas no mesmo ambiente e a ausência de divisão entre cômodos são características marcantes desses espaços.

O Comitê também inseriu a dimensão urbana à qualificação dos padrões saudáveis de habitabilidade, pois situou as moradias em áreas que seguissem normas de planejamento urbano como fator fundamental. O critério da localização foi inserido no mesmo patamar de importância das características físicas das construções para a garantia da salubridade, uma vez que se deu ênfase ao acesso da habitação às redes de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto e de resíduos sólidos e escoamento de águas pluviais; à existência de serviços públicos ligados às moradias por redes viárias adequadas aos pedestres e servidas de transporte coletivo; e à garantia de proteção contra perigos que pudessem ameaçar a saúde e o bem-estar da população.

No que concerne aos trabalhos da APHA, cujos parâmetros foram mencionados no documento do Comitê da OMS8 8 O Primeiro Informe do Comitê da OMS (1961) citou o trabalho American Public Health Association, Committee on Hygiene of Housing. Standards for healthful housing: planning the home for occupancy. Chicago: Public Administration Service-OMS, 1961, p. 21. , destaca-se o Basic Principles of Healthful Housing (APHA, 1938APHA. Associação Americana de Saúde Pública. Basic Principles of Healthful Housing. Washington, DC: APHA-Comitê de Higiene da Habitação, 1938. Disponível em: https://ajph.aphapublications.org/doi/epdf/10.2105/AJPH.28.3.351. Acesso em: 13 maio 2020.
https://ajph.aphapublications.org/doi/ep...
), que serviu de referencial para pesquisas acadêmicas e políticas públicas nos Estados Unidos em meados do século XX. A Associação sentiu necessidade de revisar os parâmetros desse estudo nos anos 1960 em razão de ter identificado novas definições de saúde pública e novas propostas dos programas de atendimento habitacional, que passaram a combinar avaliação, planejamento, projeto e execução com inspeção, educação, melhoria social e outras ações preventivas e corretivas.

Por meio do documento Basic Health Principles of Housing and its Environment (APHA, 1968APHA. Associação Americana de Saúde Pública. Basic Health Principles of Housing and its Environment. Washington, DC: APHA-Comitê de Habitação, 1968. Disponível em: https://ajph.aphapublications.org/doi/pdf/10.2105/AJPH.59.5.841. Acesso em: 13 maio 2020.
https://ajph.aphapublications.org/doi/pd...
), a Associação definiu habitação como unidade de morada da família indissociável do entorno imediato e dos serviços comunitários e, assim como fez o Comitê da OMS, reforçou a importância da dimensão urbana. Destacou, além disso, a necessidade de garantir iluminação, temperatura e ventilação adequadas em todos os cômodos; um sistema de água que alimente chuveiros, pias do banheiro e da cozinha e instalações para a lavagem de roupas; revestimentos impermeáveis nos cômodos sanitários e na cozinha; quantidade mínima de banheiros, tendo em vista a quantidade de moradores, entre outros elementos. Acrescenta-se a consideração de que “uma unidade habitacional em que residem duas ou mais pessoas deve conter, pelo menos, uma sala de estar, um quarto, uma cozinha ou quitinete e um banheiro” (APHA, 1968APHA. Associação Americana de Saúde Pública. Basic Health Principles of Housing and its Environment. Washington, DC: APHA-Comitê de Habitação, 1968. Disponível em: https://ajph.aphapublications.org/doi/pdf/10.2105/AJPH.59.5.841. Acesso em: 13 maio 2020.
https://ajph.aphapublications.org/doi/pd...
, p. 844). Essas exigências encontram consonância com as diretrizes da OMS, que também previram um cômodo para cada atividade doméstica.

A Associação definiu adicionalmente deficiências habitacionais básicas, como abastecimento de água contaminada; suprimento de água e instalação sanitária na área externa da edificação; banheiro de uso coletivo; ocupação média acima de 1,5 pessoa por cômodo habitável; superlotação de dormitórios; área menor que 3,6 m2 por pessoa para dormir; ausência ou carência de instalações elétricas e de janelas nos cômodos; mau estado de conservação da edificação, entre outros. Esses parâmetros foram adotados nos estudos sobre cortiços em São Paulo produzidos posteriormente e que deram suporte para que essas habitações fossem compreendidas como “subnormais”, na medida em que apresentavam uma série de deficiências habitacionais básicas.

3. Dos anos 1970 e 1980: habitação subnormal coletiva de aluguel

Antes de apresentar os estudos e a análise das terminologias adotadas na produção acadêmica e nos relatórios municipais, é importante assinalar que as categorias “cortiço” e “casa coletiva” eram empregadas no Cadastro do Setor de Rendas Imobiliárias da Secretaria Municipal de Finanças (SMF) de São Paulo. Isso significa que elas definiam a identificação dos cortiços nos relatórios municipais consultados, ou seja, serviam como ponto de partida para a realização desses trabalhos. O Cadastro era elaborado pela SMF, por intermédio do Departamento de Rendas Imobiliárias, para a aplicação do Imposto Territorial Predial, Conservação e Limpeza (TPCL). O código 12 indicava a categoria de uso “casa coletiva” e o “13”, a de “cortiço”.

Os Censos Demográficos de 1960, 1970 e 1980 (ALVES, 2005ALVES, J. E. D. Harmonização das variáveis de domicílios nos Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2005. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv28717.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
) também podem ter sido marcadores, já que reconheceram e contabilizaram no país as “casas de cômodos”, entre as quais os “cortiços” e as “cabeças de porco”, como domicílios particulares do tipo apartamento. Elas foram consideradas conjuntos de domicílios particulares em que se compartilhavam espaços comuns. Vale enfatizar que a distinção entre as terminologias apresentadas provavelmente é decorrente de diferenças regionais. O termo “cabeça de porco”, por exemplo, não era empregado nas categorias de uso da SMF em São Paulo, mas se acredita que seja utilizado comumente no Rio de Janeiro, assim como o termo “avenida”. Ademais, essa expressão deu nome a um famoso cortiço carioca em meados do século XIX9 9 Esse cortiço de grandes proporções localizava-se à rua Barão de São Félix, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Segundo Sidney Chaloub (2017), o local chegou a contar com milhares de moradores. Sua demolição, realizada em meados do século XIX, foi uma verdadeira operação de guerra e bastante noticiada pelos jornais à época. O fato também é mencionado por Lilian Vaz (1994). CHALHOUB, S. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. ; desde então, passou a fazer referência às habitações coletivas de aluguel na cidade do Rio de Janeiro.

É importante salientar que, a fim de complementar o panorama das palavras sobre os cortiços em São Paulo, o Quadro 1 foi elaborado com todos os termos mencionados, seus significados e as fontes em que se encontram.

Quadro 1
Síntese: termos, significados e fontes

O primeiro estudo realizado pela municipalidade nesse recorte temporal foi o “Diagnóstico sobre o fenômeno cortiço no município de São Paulo” (SÃO PAULO, 1975SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Diagnóstico sobre o fenômeno cortiço no município de São Paulo. Caderno especial da HABI, São Paulo, Sebes, n. 5, 1975.), elaborado pela Secretaria do Bem-Estar Social (Sebes)10 10 O estudo “Diagnóstico sobre o fenômeno cortiço no município de São Paulo” foi coordenado pela assistente social Maria Helena Marques e pela socióloga Maura Bicudo Véras e elaborado no âmbito da Diretoria de Departamento, Habitação e Trabalho da Sebes, na gestão do prefeito Miguel Colasuonno (1973-1975). . A socióloga Maura Véras, coordenadora do projeto, mencionou em entrevista realizada em 22 de julho de 2010, para a pesquisa de mestrado da autora, que o único estudo do qual se tinha conhecimento até então era o do frei Lagenest, de 1962LAGENEST, J. P. B. Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, p. 5-17, 1962., e ele já se encontrava desatualizado em função do intenso crescimento populacional da cidade naquele intervalo de tempo. Como integrante do Departamento de Habitação e Trabalho da Sebes, esse fato a motivou a elaborar um diagnóstico sobre os cortiços.

Nessa entrevista, Véras (2019VÉRAS, M. P. B. [Entrevista cedida a] Claudia Andreoli Muniz. São Paulo, 22 de julho de 2019., n.p.) revelou que a equipe enfrentou dificuldades para conceituar o cortiço diante da carência de fontes, dos conflitos com o termo “pensão” e da ciência de que se tratava de modalidade habitacional “com múltiplas caras” e “difícil mensuração e visibilidade”. O cortiço foi conceituado como moradia precária coletiva de aluguel que continha várias edificações no mesmo lote, subdivisão de cômodos na mesma edificação e cômodos sem instalações sanitárias privativas. Foi enquadrado, portanto, dentro da “subnormalidade habitacional”.

Por meio da relação de imóveis identificados como “cortiço” e “casa coletiva” no Cadastro do Setor de Rendas Imobiliárias de 1975, a equipe da Sebes procurou quantificar os imóveis e o total de moradores em nível municipal. Foram estimados cerca de 500 mil moradores, que representavam 9,3% do total da população de São Paulo à época. Em função da significativa quantidade de pessoas e de imóveis e das chances mínimas de que esse tipo de moradia fosse erradicado, optou-se por caracterizar esse problema habitacional como um “fenômeno”. Foi o primeiro relatório que o apresentou nesses termos.

Apesar de Véras (2019VÉRAS, M. P. B. [Entrevista cedida a] Claudia Andreoli Muniz. São Paulo, 22 de julho de 2019.) admitir que o estudo de frei Lagenest estava desatualizado, a equipe da Sebes adotou a mesma classificação e os cortiços foram divididos entre as tipologias de casarões, porões e meias-águas. Em relação às características físicas, havia superaproveitamento ou “aproveitamento multifamiliar” do lote e dos espaços internos, além de elevado grau de congestionamento e tipos mistos de construções, com uma casa principal acompanhada de várias edificações menores. O cômodo, por sua vez, foi entendido como um compartimento que abrigava funções e ambientes como dormitórios e salas de refeição, com exceção da cozinha e do banheiro, instalados nas áreas comuns. O fato de serem compartilhados entre todos os moradores gerava uma condição de precariedade.

Outros trabalhos realizados pela Sebes nos anos 1970, como o Estudo sobre as favelas da administração regional da Sé (1974SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Estudo sobre as favelas da Administração Regional da Sé. São Paulo: Sebes, 1974.), mostram a adoção do termo “habitação subnormal” para fazer referência também às favelas. Além disso, tanto esse estudo como o diagnóstico sobre os cortiços indicam a adoção dos critérios da OMS e da APHA na definição da “habitação normal” da seguinte forma:

A unidade habitacional subnormal é aquela que não oferece as condições mínimas de segurança, durabilidade, tamanho, salubridade e não permite aos seus moradores o atendimento das atividades como membros de grupos primários. Essas condições se referem tanto aos aspectos da construção quanto à carência e localização dos sanitários, ausência de água encanada, de ligação às redes de esgoto e de energia elétrica. (SÃO PAULO, 1975SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Diagnóstico sobre o fenômeno cortiço no município de São Paulo. Caderno especial da HABI, São Paulo, Sebes, n. 5, 1975., n.p.)

No início da década de 1980, a Cogep realizou um estudo sobre essa modalidade habitacional11 11 Fizeram parte desse estudo na Cogep, em 1981, a socióloga Maura Véras, que havia coordenado o diagnóstico da Sebes em 1975, a arquiteta Aida Pompeo Nogueira, o arquiteto Luiz Fernando de Moraes Vecchia e o estagiário Reinaldo Parisi Moreira (SÃO PAULO, 1981). , composto, na realidade, de vários relatórios parciais elaborados entre 1981 e 1982 dentro de um quadro maior intitulado “Legislação sobre o problema do cortiço no município de São Paulo: análise, crítica e proposições” (1981)12 12 Estavam entre as medidas de enfrentamento do problema dos cortiços a provisão de formas habitacionais alternativas, a elaboração de projetos experimentais e a assistência técnico-financeira à autoconstrução, de acordo com o Plano de Governo do então prefeito Reynaldo de Barros, cuja gestão se estendeu de 1979 a 1982. . Assim como no diagnóstico da Sebes, os cortiços foram inseridos no referencial da subnormalidade e identificados na relação do Cadastro do Setor de Rendas Imobiliárias13 13 A equipe seguiu os números de unidades de cortiço por categoria de uso do Cadastro do Setor de Rendas Imobiliárias, isto é, 12 para residência coletiva e 13 para cortiço. .

O relatório aponta que, embora fosse difícil conceituar o cortiço, era possível compreendê-lo como habitação subnormal de aluguel composta de várias edificações no mesmo lote e/ou como subdivisão de cômodos na mesma edificação, gerando coabitação involuntária. Havia diversas manifestações de cortiços, como edifícios de apartamentos encortiçados, pensões, hospedarias, hotéis, vilas, fundos de quintal - mais presentes nas periferias -, além dos “casarões das áreas mais antigas”. Entre todas as manifestações, estavam tanto os cortiços “concebidos” para habitação coletiva, identificados sobretudo nos bairros populares centrais, como os “adaptados”, existentes em áreas que passaram por transformações de uso (SÃO PAULO, 1981SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Legislação sobre o problema do cortiço no município de São Paulo: análise, crítica e proposições. Dossiê Cortiços. São Paulo: Cogep, 1981. ).

Nesse momento, os cortiços foram segmentados em sete tipologias: i) casarão subdividido em cubículos; ii) casarão ao qual são acopladas meias-águas; iii) casarão, sem a presença de meias-águas, mas com o uso também dos porões como moradia; iv) casarão, meias-águas e porões, numa mesma unidade, num mesmo lote; v) cortiço de quintal: várias unidades, horizontalizadas; vi) porões isolados, com habitação unifamiliar em cima; e, por fim, vii) apartamento de baixo nível encortiçado. Note-se a referência às tipologias da pesquisa do frei Lagenest e do diagnóstico da Sebes, com a inclusão de novas.

A verificação das diversas manifestações fez com que a equipe também defendesse os cortiços como um “fenômeno” em São Paulo, uma vez que deu indícios de que sua presença como opção de moradia para famílias de baixa renda continuava significativa e, do ponto de vista dos moradores, não era provisória - afinal, a média de residência das famílias girava em torno de oito anos e a maioria dos moradores era proveniente de outras cidades ou estados ou residia em São Paulo havia muito tempo

Quanto às características arquitetônicas, as edificações eram pouco conservadas e insalubres, divididas em cômodos superlotados, mal iluminados e ventilados, ocupados por famílias e pessoas que conviviam involuntariamente, de forma promíscua, obrigadas ao compartilhamento das áreas livres, bem como dos sanitários e da lavanderia. Caracterizava-se principalmente pelo supercongestionamento, presente tanto na unidade habitacional (o cortiço considerado em seu conjunto) como na unidade familiar (cômodo). Embora a maioria dos cortiços estivesse localizada em áreas servidas de infraestrutura urbana, as condições de moradia eram precárias em decorrência da insalubridade dos cômodos e das instalações sanitárias.

Ressalta-se o artigo de Clara Ant, Lúcio Kowarick e Maura Véras (1981ANT, C.; KOWARICK, L.; VÉRAS, M. O cortiço em São Paulo: sua história e atualidade. São Paulo: Cogep, 1981. (mimeografado)) produzido para a Cogep e inserido no quadro da legislação sobre os cortiços mencionado anteriormente. Os autores apresentam as principais causas e características do que denominam “padrão periférico de ocupação do espaço urbano” (1981, p. 13), que marcou o crescimento urbano de São Paulo. Apesar de o padrão marcar uma nova configuração socioespacial de extensão metropolitana, com bairros periféricos ocupados com favelas e loteamentos clandestinos, o cortiço continuava sendo procurado por parcela significativa dos trabalhadores urbanos. Os autores não chegam a elaborar uma definição do cortiço, mas concluem que ele equacionava “o drama da luta pela vida” e era uma das “estratégias mais eficazes de sobrevivência” na cidade (ANT; KOWARICK; VÉRAS, 1981ANT, C.; KOWARICK, L.; VÉRAS, M. O cortiço em São Paulo: sua história e atualidade. São Paulo: Cogep, 1981. (mimeografado), p. 26). Via de regra, essa modalidade de moradia era marcada pela convivência involuntária entre as famílias e pela promiscuidade, mas igualmente por laços de solidariedade entre os moradores.

Em 1985, a Secretaria de Planejamento (Sempla) produziu o estudo “Cortiços em São Paulo: frente e verso” (1986)14 14 Fizeram parte do estudo Aida Nogueira, Eloísa Ribeiro, Ester Kutner, Marcelo Bernardini e Mieko Ussami. Maura Véras, que havia coordenado o trabalho da Sebes em 1975, foi contratada como técnica especial. , cujos objetivos consistiram em identificar diferentes formas de manifestação dos cortiços e estabelecer relações entre transformações urbanas e processos de encortiçamento. Foram analisados 65 imóveis quanto aos aspectos físico-espaciais, de uso, ocupação, gestão e salubridade, de localização urbana e às condições socioeconômicas15 15 Dos 65 cortiços selecionados, 30 estavam no Anel Central, 27 no Anel Intermediário e 8 no Anel Periférico. A divisão do município em anéis consta no Plano Diretor do Município 1985-2000. A equipe adotou essa divisão em virtude de ter partido do pressuposto de que os anéis poderiam apresentar diferentes manifestações de cortiços. .

O estudo também mobilizou a categoria de “habitação subnormal” para os cortiços, caracterizada por uma ou mais edificações no mesmo lote, com índice de ocupação excessivo, deficiências de instalações hidráulicas e sanitárias; cômodos alugados e congestionados com uso comum do banheiro e várias funções exercidas no mesmo cômodo; coabitação involuntária; insalubridade e pouca privacidade.

Mais uma vez, para identificação dos imóveis, recorreu-se aos dados fornecidos pelo Cadastro do Setor de Rendas Imobiliárias da SMF. De 180 imóveis previamente selecionados, 65 deles cadastrados com o código 13 foram escolhidos para análise. Dessa vez, exemplares registrados com o código foram excluídos porque a equipe entendeu que a probabilidade de o imóvel ser, de fato, um cortiço era maior se estivesse identificado com o código 13.

Tal como a equipe da Cogep havia procedido anos antes, os cortiços foram divididos entre os “adaptados” para cortiços e os “concebidos” como cortiços. Nos primeiros, mais presentes no Anel Central da cidade, geralmente a circulação comum era definida pela edificação original, e, a partir dela, os cômodos acrescidos se distribuíam pelo espaço disponível no lote. Eram perceptíveis na paisagem somente quando fatores externos os evidenciavam, casos da conservação precária do imóvel, placas anunciando vagas, roupas nas janelas, entre outros, o que denotava certa invisibilidade e estigmatização social.

Os concebidos, por seu turno, costumavam ser vilas de cômodos, de uso residencial ou misto, voltados a uma circulação comum em corredor que atravessava o lote. A diferença entre ambas as categorias está em que, nos cortiços adaptados, foi mantido o uso original da edificação mais antiga. Na comparação com a pesquisa da Sebes, de 1975, esse estudo (1986) detectou uma nova tipologia, denominada “Q + C + WC”: cômodos com pontos internos de água para cozinha e banheiro.

O relatório gerou uma análise das características dos 65 imóveis levantados sob o ponto de vista do perfil socioeconômico dos moradores e das condições de habitabilidade, resultado da compreensão dos principais aspectos relativos à data de construção, à área de lote e à área total construída, à taxa de ocupação, ao índice de acréscimo, considerando a edificação original, a área encortiçada, a quantidade de cômodos, bacias sanitárias e chuveiro por imóvel, assim como ao uso, aos mecanismos de gestão e à salubridade.

Na segunda frente de compreensão dos cortiços, na qual se inserem as produções acadêmicas, destaca-se a pesquisa de Antônio Teixeira (1985TEIXEIRA, A. C. Cortiço: o pequeno espaço do povo. 1985. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985.), que objetivou compreender o “fenômeno cortiço” em São Paulo nos anos 1980. Percebe-se a defesa, da parte do autor, do termo “fenômeno” e dos relatórios municipais, que foram suas principais fontes. Teixeira define o cortiço como unidade de habitação de aluguel habitada por várias famílias que convivem involuntariamente e que desfrutam de pouca privacidade. Quanto aos aspectos físicos, incluem-se a má conservação das edificações, a insalubridade, a utilização coletiva de sanitários, cozinhas e tanques e a pequena dimensão dos cômodos, em geral mal iluminados e ventilados. Teixeira chama atenção para a dificuldade de se definirem tipologias para os cortiços por conta da adoção de critérios distintos pelas pesquisas existentes até aquele momento.

Por sua vez, Suzana Pasternak Taschner e Yvonne Mautner (1982TASCHNER, S. P.; MAUTNER, Y. Habitação da pobreza: alternativas de moradia popular em São Paulo. 1982. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982.) procuraram compreender os processos de produção e distribuição das alternativas habitacionais para a população de baixa renda em São Paulo, identificando a atuação dos grupos sociais, do Estado e da iniciativa privada nesse sentido. As autoras adotaram como referência o diagnóstico da Sebes, de 1975, e as tipologias apresentadas na pesquisa do frei Lagenest. Os cortiços são conceituados por elas como unidades habitacionais coletivas, formadas por um conjunto de edificações no mesmo lote urbano e que assumem três formas: i) casarão, ii) porões e iii) meias-águas, ou seja, as mesmas tipologias indicadas no estudo de Lagenest. Essas formas ocorrem em combinação ou isoladamente. Outras características são a subdivisão dos cômodos, alugados ou sublocados, a coabitação involuntária, o congestionamento e o uso comum das instalações sanitárias.

Insalubridade, superlotação e coabitação involuntária são características dos cortiços também apresentadas por Lúcio Kowarick (1979KOWARICK, L. A espoliação urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1979.). O autor afirma que essa modalidade habitacional havia proliferado naquele período, sobretudo em função do aumento vertiginoso do valor da terra em São Paulo e da crise econômica brasileira do início dos anos 1980. Ele destaca que a maioria da população de baixa renda residia em habitações precárias, dentre as quais estavam os cortiços. Mais um reforço para o argumento de que o cortiço podia ser encarado como um “fenômeno”, embora Kowarick não tenha adotado esse termo.

No artigo escrito em parceria com Clara Ant (1994KOWARICK, L.; ANT, C. Cem anos de promiscuidade: o cortiço na cidade de São Paulo. In: KOWARICK, L. (org.). As lutas sociais e a cidade: São Paulo, passado e presente. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1994. p. 73-93.), Kowarick defende que os cortiços não eram reminiscência do passado e continuavam sendo procurados por trabalhadores urbanos. Os autores apresentam categorias e tipologias distintas para esse tipo de moradia: os antigos casarões que eram seguidamente adaptados como cortiços; os cortiços da periferia, os quais, em sua maioria, eram cubículos enfileirados construídos nos fundos de casas; e, por fim, os edifícios de apartamentos nas áreas centrais, habitados por diversas famílias em uma condição de promiscuidade e coabitação involuntária.

Kowarick e Ant são, provavelmente, os primeiros autores desse quadro teórico que identificaram edifícios de apartamentos como cortiços e chamaram atenção para a necessidade de serem assim classificados pela municipalidade. Os cortiços da periferia já haviam sido detectados por outros estudos, como, por exemplo, o relatório da Sempla de 1986, aspecto que merece destaque, em razão de fornecer indícios de sua distribuição por toda a cidade nos anos 1980.

Os autores definem cortiço como uma habitação coletiva de aluguel em lote urbano onde coabita involuntariamente “grande contingente humano” que compartilha banheiros, torneiras, tanques e outras áreas de uso comum e se encontra em situação de “flagrante promiscuidade” (KOWARICK; ANT, 1994KOWARICK, L.; ANT, C. Cem anos de promiscuidade: o cortiço na cidade de São Paulo. In: KOWARICK, L. (org.). As lutas sociais e a cidade: São Paulo, passado e presente. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1994. p. 73-93., p. 86). Marcada por péssimas condições de habitabilidade no que se refere a seus aspectos físicos, é insalubre e não possui mínimas condições higiênicas.

Para Andrea Piccini (1999)PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. São Paulo: Annablume: Fapesp, 1999., os anos 1980 marcaram uma nova postura da municipalidade, que passou a reconhecer, ainda que lentamente, a gravidade da questão dos cortiços. Nesse contexto, a elaboração de relatórios se mostrou um caminho viável para sua compreensão, e os cortiços começaram a aparecer “legal e politicamente” como um “grave problema habitacional”, já que todos os estudos haviam convergido para a ideia de que a população encortiçada teria aumentado de maneira significativa desde meados da década anterior (PICCINI, 1999PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. São Paulo: Annablume: Fapesp, 1999., p. 22). Ademais, para a autora, foi fundamental para esse processo o fato de o Censo de 1980 ter incluído as casas de cômodos, também entendidas como cortiços, como parte da categoria de domicílio coletivo.

Piccini (1999)PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. São Paulo: Annablume: Fapesp, 1999. elaborou a seguinte definição de cortiço: habitação coletiva precária de aluguel que apresenta uma ou mais edificações em único lote urbano, subdividido em vários cômodos alugados, subalugados ou cedidos, à revelia da legislação que regula as relações entre proprietários e inquilinos. Várias funções do lar são exercidas no mesmo cômodo, com acesso e uso comum dos espaços não edificados e instalações elétricas e hidráulicas (banheiros, cozinhas e tanques) em péssimo estado. A reunião desses elementos precários torna os imóveis insalubres e perigosos e, do ponto de vista social, gera coabitação forçada, involuntária e sem privacidade.

Do ponto de vista da gestão dos cortiços, os estudos mencionados tentaram mapear os agentes envolvidos na oferta e na demanda dessa modalidade habitacional, entre os quais, via de regra, estavam os proprietários dos imóveis, residentes ou não neles; os sublocatários ou os intermediários, também denominados encarregados, gerentes ou zeladores, geralmente moradores do cortiço e responsáveis pelo seu funcionamento. Entre as funções desenvolvidas por eles estavam a cobrança dos aluguéis e taxas e a manutenção das áreas comuns. Por fim, havia os próprios moradores, que se submetiam a tais condições de moradia como consequência da impossibilidade de acesso ao mercado habitacional formal, uma vez que não lhes eram exigidas a comprovação de renda familiar nem a figura de um fiador para garantir o pagamento dos aluguéis, além da baixa remuneração e das dificuldades de inserção e estabilidade no mercado de trabalho.

Como resultado desse esforço acadêmico e de gestão pública para a compreensão dos cortiços e de suas manifestações em São Paulo nas décadas de 1970 e 1980, foi possível elaborar e aprovar, em 8 de janeiro de 1991, a lei ordinária municipal nº 10.928 (SÃO PAULO, 1991SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Lei municipal nº 10.928, de 8 de janeiro de 1991. Regulamenta o inciso II do artigo 148 combinado com o inciso V do artigo 149 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, dispõe sobre as condições de habitação dos cortiços e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo: São Paulo, 1991. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-10928-de-08-de-janeiro-de-1991. Acesso em: 7 jan. 2022.
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
). Sua ratificação pode ser considerada um marco no reconhecimento dos cortiços como modalidade habitacional e na obtenção de parâmetros para que a municipalidade pudesse estimar, fiscalizar e elaborar políticas públicas específicas para esse público.

Conhecida como Lei Moura (SÃO PAULO, 1991SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Lei municipal nº 10.928, de 8 de janeiro de 1991. Regulamenta o inciso II do artigo 148 combinado com o inciso V do artigo 149 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, dispõe sobre as condições de habitação dos cortiços e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo: São Paulo, 1991. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-10928-de-08-de-janeiro-de-1991. Acesso em: 7 jan. 2022.
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
), a Lei nº 10.928 teve origem em projeto de lei do vereador Luiz Carlos Moura16 16 Luiz Carlos Moura foi vereador pelo Partido Popular Socialista (PPS). Na Câmara, foi presidente da Comissão de Administração Pública durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1992). . Para ele, o poder público municipal não poderia mais se omitir perante a “disseminação” de cortiços em São Paulo. Era dever da Prefeitura tomar medidas punitivas em casos de exploração dos moradores e garantir condições de habitabilidade levando em conta a função social da propriedade, prevista na Constituição Federal de 1988. Nota-se a preocupação com as condições de moradia e de vulnerabilidade social da população residente e com a defesa de sua permanência nas áreas centrais da cidade.

Apesar de ser possível vislumbrar a lei como desdobramento desse esforço acadêmico e público, em seu texto a subnormalidade não aparece na definição de cortiço. O cortiço é definido como a unidade utilizada como moradia coletiva multifamiliar, constituída por uma ou mais edificações construídas em lote urbano, subdividida em vários cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qualquer título, nos quais é exercida mais de uma função doméstica. Há acesso e uso comum dos espaços não edificados e instalações sanitárias. A circulação e a infraestrutura são precárias. Outro traço é a superlotação de moradores, que pode se apresentar tanto no interior dos cômodos como no imóvel em si17 17 Além da promulgação da Lei Moura, foram produzidos na gestão da prefeita Luiza Erundina mais estudos sobre os cortiços. Como subsídio para a elaboração de um novo Plano Diretor para o município, técnicos da Sempla pesquisaram o tema e reuniram as informações em uma publicação denominada São Paulo: crise e mudança (1991). Os estudos foram coordenados por Raquel Rolnik, então diretora de Planejamento da secretaria, Lúcio Kowarick e Nadia Somekh. SÃO PAULO (Município). São Paulo: crise e mudança. São Paulo: Sempla, 1991. .

É importante salientar e questionar a ausência do referencial da subnormalidade ou da adoção do termo “habitação subnormal”, tendo em vista que a lei em questão pode ser vista como um desdobramento da construção dos olhares público e acadêmico para os cortiços como uma questão de habitação social e das lutas de movimentos sociais atuantes nessa agenda, em São Paulo, a partir dos anos 1980.

Considerações finais

Diante do exposto, pode-se afirmar que, durante as décadas de 1970 e 1980, o (re)conhecimento dos cortiços como forma de moradia foi se consolidando nos campos da habitação social e da arquitetura e urbanismo. Essa produção teve como base os critérios para habitações estabelecidos pela APHA e pela OMS nos anos 1960, elaborados por especialistas em saúde pública. As condições físicas do ambiente doméstico na sua relação com a saúde e o bem-estar foram consideradas no referencial de habitabilidade, enquanto o compartilhamento de instalações sanitárias, superlotação, mau estado de conservação da edificação e ausência ou carência de ventilação e iluminação adequadas foram identificados como elementos que contribuem para deficiências habitacionais básicas, ou seja, que caracterizam habitações subnormais.

Nos estudos realizados em São Paulo antes das décadas mencionadas, as denominações que fizeram referência aos cortiços parecem ter tido caráter menos estigmatizante do que as descrições das condições de moradia e da população residente contidas nas publicações. Os moradores foram adjetivados como “desajustados”, “sem função doméstica”, “desapegados da casa” por Urbina Telles (PAOLI; DUARTE, 2004PAOLI, M. C.; DUARTE, A. São Paulo no plural: espaço público e redes de sociabilidade. In: PICCINI, A. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. São Paulo: Annablume: Fapesp, 1999., p. 72 e 74), em sua série de conferências, e como “população pobre e mal-educada” na pesquisa liderada pelo padre Lebret (LEBRET apud ROLDAN, 2012ROLDAN, D. D. Um ideário urbano em desenvolvimento: a experiência de Louis-Joseph Lebret em São Paulo de 1947 a 1958. 2012. Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p.119-120). A promiscuidade, a superlotação, o adensamento, a insalubridade das edificações foram aspectos apresentados por todos esses estudos e seguiram presentes na produção elaborada no período subsequente.

Nos anos 1970 e 1980, os cortiços foram compreendidos pelos estudos acadêmicos e pela municipalidade como habitação subnormal, do mesmo modo que as favelas e as casas autoconstruídas em bairros periféricos. A revisão dessa produção ilustra terminologias similares para fazer referência aos cortiços, que tentaram exprimir o formato de aluguel, o referencial de subnormalidade e a precariedade: moradia precária coletiva de aluguel; habitação subnormal de aluguel; habitação subnormal ou inadequada coletiva; unidades de habitação coletiva; habitação coletiva de aluguel com coabitação involuntária. Além disso, os cortiços passaram a ser encarados como “fenômeno” em São Paulo, visto que sua presença foi reconhecida como significativa do ponto de vista da distribuição territorial e também da quantidade de imóveis e moradores e da diversidade de tipologias.

Em relação às tipologias dos cortiços, parte da produção replicou aquelas definidas no estudo coordenado pelo Frei Lagenest, em 1962LAGENEST, J. P. B. Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, p. 5-17, 1962., como foi o caso do diagnóstico elaborado pela Sebes, em 1975, da pesquisa de Taschner e Mautner, de 1982TASCHNER, S. P.; MAUTNER, Y. Habitação da pobreza: alternativas de moradia popular em São Paulo. 1982. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982., e do dossiê da Cogep, de 1981-82. O último também registrou manifestações novas, como os edifícios de apartamentos encortiçados, e adicionou mais cinco tipologias. Antônio Teixeira, por outro lado, mostrou a dificuldade na definição de tipologias, uma vez que as pesquisas existentes até aquele momento não haviam adotado critérios semelhantes para a definição dos cortiços.

Na frente representada pela municipalidade, o principal parâmetro para a identificação, o levantamento e a análise dos cortiços foi o código de uso dos imóveis contido no Cadastro de Rendas Imobiliárias, de autoria da Secretaria de Finanças da cidade de São Paulo. Ainda não foram encontradas pesquisas que verificassem os critérios e os métodos de definição e classificação dos cortiços por parte dessa secretaria e, por isso, defende-se aqui sua investigação, já que essa foi a principal fonte de identificação dos imóveis nos relatórios sobre cortiços no período analisado.

Percorrer e cruzar todas essas fontes ligou um sinal de alerta quanto à ausência de iconografia dos cortiços em São Paulo na produção acadêmica e nos relatórios municipais. Praticamente em nenhum deles havia fotografias e/ou desenhos que pudessem auxiliar na compreensão das tipologias, das características arquitetônicas e das condições de moradia. Mais apurado nesse quesito foi o relatório da Sempla (1986), com a adição de diversas fotografias e desenhos, inclusive plantas, de imóveis representativos de cada tipologia. Sabe-se que retratar o interior dos cômodos e das edificações, assim como os próprios moradores, poderia ser delicado e até invasivo, porém não se pode deixar de alertar sobre a escassez de iconografia nessas fontes.

Ademais, vale indagar se os estudos promovidos em São Paulo no período em foco serviram de referência para outras instâncias e trabalhos. Uma pista pode estar no Censo de 1991, no qual o termo “subnormal” aparece pela primeira vez em menção a aglomerados ou assentamentos informais (ALVES, 2005ALVES, J. E. D. Harmonização das variáveis de domicílios nos Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2005. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv28717.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021.
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, p. 18). A categoria “cômodo” aplica-se ao domicílio particular localizado em “casa de cômodos”, “cortiços” e “cabeças de porco”. Uma investigação mais apurada se faz necessária para verificar o rebatimento entre a adoção desse termo nesse Censo e a produção acadêmica e pública feita em São Paulo nas décadas anteriores, assim como a importância de estudos executados em outras localidades.

Por fim, defendem-se mais estudos sobre os cortiços em São Paulo. Entre os anos de 1990 e 2010, pesquisas acadêmicas e programas municipais foram executados, mas os cortiços seguem pouco investigados ante a complexidade, a quantidade de imóveis e moradores, a distribuição territorial e as condições de moradia precárias. Possivelmente, novas tipologias e agentes surgiram nesse período. Além disso, nota-se que o sentido depreciativo do termo “cortiço” segue presente no senso comum. Os moradores costumam utilizar outras denominações para fazer referência ao seu local de moradia - como “pensão”, por exemplo. Ainda não há muita clareza no tocante à diferença de significado entre os termos “cortiço” e “pensão”.

Um Censo de Cortiços está previsto no âmbito da Operação Urbana Centro, segundo a Lei municipal nº 12.349, de 6 de junho de 1997SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Lei municipal nº 12.349, de 6 de junho de 1997. Estabelece programa de melhorias para a área central da cidade, cria incentivos e formas para sua implantação, e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo: São Paulo, 1997. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-12349-de-06-de-junho-de-1997. Acesso em: 7 jan. 2022.
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, em São Paulo, mas o processo está paralisado. É urgente retomá-lo para que dados atualizados se tornem ferramentas importantes na compreensão da dinâmica atual dos cortiços e para que políticas públicas voltadas para esse público sejam formuladas com vistas a promover a melhoria das condições de habitabilidade e de vida de seus moradores.

Referências

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  • 1
    Na dissertação, a irmã Margonari esclarece que sua pesquisa foi realizada para atender a uma demanda da Comissão Arquidiocesana de Pastoral, que estava interessada em conhecer a realidade dos cortiços na região central de São Paulo para elaborar um plano de ação visando à formação de comunidades eclesiais de base (Cebs).
  • 2
    Donald Pierson (1900-1995) foi sociólogo, pesquisador da Universidade de Chicago e professor de Sociologia e Antropologia Social na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP).
  • 3
    Mais informações podem ser encontradas nas pesquisas de Michelly de Angelo (2010) e Dinalva Roldan (2012)ROLDAN, D. D. Um ideário urbano em desenvolvimento: a experiência de Louis-Joseph Lebret em São Paulo de 1947 a 1958. 2012. Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.. ANGELO, M. R. de. Les développeurs: Louis-Joseph Lebret e a SAGMACS na formação de um grupo de ação para o planejamento urbano no Brasil. 2010. Tese (Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, São Carlos, 2010.
  • 4
    Fizeram parte da equipe: Décio Tozzi, Mário Zocchio, João Manuel Conrado Ribeiro, Eduardo Carlos de Aregi Filipe, Bona de Vila, Mary Franklin, Teresa Stangherlin, Helena Belvenuzzi, Neusa Sanchez e Helena Cadebe (LAGENEST, 1962LAGENEST, J. P. B. Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, p. 5-17, 1962., p. 5).
  • 5
    O frei LagenestLAGENEST, J. P. B. Os cortiços de São Paulo. Revista Anhembi, n. 139, p. 5-17, 1962. chegou ao Brasil em 1946, um ano antes do padre Lebret. Com formação em filosofia, teologia, sociologia e psicanálise, ele atuou como professor na Escola de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Não foram encontradas mais publicações sobre os cortiços além da pesquisa publicada pela Revista Anhembi em 1962.
  • 6
    De acordo com a pesquisa, mais de 50% da população dos bairros Bela Vista, Liberdade, Consolação, Santa Cecília, Barra Funda, Bom Retiro, Santa Ifigênia, Brás, Mooca, Cambuci e Belenzinho residia em cortiços naquele momento.
  • 7
    Pedro Arantes (2009) traça um panorama acerca da produção desses intelectuais, que ensaiaram, nos anos 1970, formulações para uma teoria crítica da urbanização na periferia do capitalismo. Os pesquisadores estavam vinculados ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). ARANTES, P. F. Em busca do urbano: marxistas e a cidade de São Paulo nos anos 1970. Novos Estudos Cebrap, n. 83, p. 103-127, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/Q6C6w9vg93LQdtC5VK8crrm/?lang=pt. Acesso em: 20 março 2021
  • 8
    O Primeiro Informe do Comitê da OMS (1961)OMS. Organização Mundial da Saúde. Primeiro Informe. OMS: Comitê de Especialistas em Higiene da Habitação, 1961. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/37728/WHO_TRS_225_spa.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 13 maio 2020.
    https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
    citou o trabalho American Public Health Association, Committee on Hygiene of Housing. Standards for healthful housing: planning the home for occupancy. Chicago: Public Administration Service-OMS, 1961, p. 21.
  • 9
    Esse cortiço de grandes proporções localizava-se à rua Barão de São Félix, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Segundo Sidney Chaloub (2017), o local chegou a contar com milhares de moradores. Sua demolição, realizada em meados do século XIX, foi uma verdadeira operação de guerra e bastante noticiada pelos jornais à época. O fato também é mencionado por Lilian Vaz (1994). CHALHOUB, S. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
  • 10
    O estudo “Diagnóstico sobre o fenômeno cortiço no município de São Paulo” foi coordenado pela assistente social Maria Helena Marques e pela socióloga Maura Bicudo Véras e elaborado no âmbito da Diretoria de Departamento, Habitação e Trabalho da Sebes, na gestão do prefeito Miguel Colasuonno (1973-1975).
  • 11
    Fizeram parte desse estudo na Cogep, em 1981, a socióloga Maura Véras, que havia coordenado o diagnóstico da Sebes em 1975, a arquiteta Aida Pompeo Nogueira, o arquiteto Luiz Fernando de Moraes Vecchia e o estagiário Reinaldo Parisi Moreira (SÃO PAULO, 1981SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Legislação sobre o problema do cortiço no município de São Paulo: análise, crítica e proposições. Dossiê Cortiços. São Paulo: Cogep, 1981. ).
  • 12
    Estavam entre as medidas de enfrentamento do problema dos cortiços a provisão de formas habitacionais alternativas, a elaboração de projetos experimentais e a assistência técnico-financeira à autoconstrução, de acordo com o Plano de Governo do então prefeito Reynaldo de Barros, cuja gestão se estendeu de 1979 a 1982.
  • 13
    A equipe seguiu os números de unidades de cortiço por categoria de uso do Cadastro do Setor de Rendas Imobiliárias, isto é, 12 para residência coletiva e 13 para cortiço.
  • 14
    Fizeram parte do estudo Aida Nogueira, Eloísa Ribeiro, Ester Kutner, Marcelo Bernardini e Mieko Ussami. Maura Véras, que havia coordenado o trabalho da Sebes em 1975, foi contratada como técnica especial.
  • 15
    Dos 65 cortiços selecionados, 30 estavam no Anel Central, 27 no Anel Intermediário e 8 no Anel Periférico. A divisão do município em anéis consta no Plano Diretor do Município 1985-2000. A equipe adotou essa divisão em virtude de ter partido do pressuposto de que os anéis poderiam apresentar diferentes manifestações de cortiços.
  • 16
    Luiz Carlos Moura foi vereador pelo Partido Popular Socialista (PPS). Na Câmara, foi presidente da Comissão de Administração Pública durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1992).
  • 17
    Além da promulgação da Lei Moura, foram produzidos na gestão da prefeita Luiza Erundina mais estudos sobre os cortiços. Como subsídio para a elaboração de um novo Plano Diretor para o município, técnicos da Sempla pesquisaram o tema e reuniram as informações em uma publicação denominada São Paulo: crise e mudança (1991SÃO PAULO (Município). Secretaria de Bem-Estar Social. Lei municipal nº 10.928, de 8 de janeiro de 1991. Regulamenta o inciso II do artigo 148 combinado com o inciso V do artigo 149 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, dispõe sobre as condições de habitação dos cortiços e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo: São Paulo, 1991. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-10928-de-08-de-janeiro-de-1991. Acesso em: 7 jan. 2022.
    http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
    ). Os estudos foram coordenados por Raquel Rolnik, então diretora de Planejamento da secretaria, Lúcio Kowarick e Nadia Somekh. SÃO PAULO (Município). São Paulo: crise e mudança. São Paulo: Sempla, 1991.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2021
  • Aceito
    05 Nov 2021
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