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Geoprocessamento aplicado ao estudo da dinâmica imobiliária: um estudo de caso sobre vazios urbanos na Região Norte de Niterói/RJ1 1 Agradecemos à Fundação Euclides da Cunha (FEC), à Prefeitura Municipal de Niterói/RJ e à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj - Processo E-26/201.275/2022) o financiamento à pesquisa.

Geoprocessing applied to the analysis of property market dynamics: a study on urban voids in the Northern Area of Niterói, RJ

Resumo

Estudos recentes mostram aplicações promissoras das geotecnologias no estudo e na gestão da cidade, com subsídios especialmente importantes para a regulação do uso do solo. Neste artigo, tratamos da dinâmica imobiliária e sua relação com o uso do solo com base no estudo de vazios urbanos em áreas infra-estruturadas. Esse enfoque atende aos princípios do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), que, dentre outros objetivos, pretende incentivar o melhor aproveitamento do solo urbano no entorno dos sistemas de transportes coletivos. Para analisar o potencial aproveitamento dessas áreas, visando ao cumprimento da função social da propriedade e ao acesso mais justo a serviços e infraestruturas, foi definido um recorte no município de Niterói, no Rio de Janeiro, junto a um importante corredor viário da cidade. Apoiados em diferentes fontes de dados, buscamos identificar nessas áreas tanto os vazios formados por áreas livres como os imóveis edificados considerados ociosos ou subutilizados, no contexto em que se inserem.

Palavras-chave:
Vazios Urbanos; Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável; Dinâmica Imobiliária; Geoprocessamento; Políticas Públicas

Abstract

Recent studies have shown promising uses of geotechnologies in the study and management of cities, with important contributions to the regulation of land use. In this article, we address the real estate dynamics and its relation with land use through a study of urban voids in infrastructure-served areas. This approach meets the prescriptions of Transit-Oriented Development (TOD), which proposes, among other things, a better use of urban land in the proximity of mass transit infrastructure. To assess the reconvertion of land in these areas, with a view to better distributing land value and meeting the social function of land and property, we have defined our study in the northern section of Niterói/RJ, along one of the main roads in the city. We have used different public data to identify both vacant land and property that is vacant or underutilized in the context they are located.

Keywords:
Urban Voids; Transit-Oriented Development; Real Estate Dynamics; Geoprocessing; Public Policy

1. Introdução

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que se dedica ao estudo e ao mapeamento da dinâmica imobiliária em Niterói, no Rio de Janeiro, como subsídio para a formulação de políticas públicas de controle do uso do solo que permitam reduzir desigualdades socioespaciais na escala do município. Nesse estudo, em específico, abordaram-se a dinâmica imobiliária e sua relação com o uso e a ocupação do solo em função dos chamados vazios urbanos; estes, segundo Clichevsky (2002)CLICHEVSKY, N. El contexto de la tierra vacante en América Latina. In: CLICHEVSKY, N. (ed.). Tierra vacante en ciudades latinoamericanas. Cambridge, MA: Lincoln Institute of Land Policy, 2002., estão associados ao desperdício de áreas infra-estruturadas, à retenção especulativa do solo urbano e a outros problemas.

A abordagem aqui adotada visa suprir a necessidade de pensar e propor cidades mais sustentáveis e equitativas, sobretudo diante dos conflitos gerados por padrões de urbanização que são característicos de cidades brasileiras e latino-americanas, com vazios que serão valorizados no futuro, mas que causam desperdício de infraestrutura instalada e aumento de gastos públicos com a provisão de novas infraestruturas para atender à expansão e ao espraiamento das cidades (CLICHEVSKY, 2002CLICHEVSKY, N. El contexto de la tierra vacante en América Latina. In: CLICHEVSKY, N. (ed.). Tierra vacante en ciudades latinoamericanas. Cambridge, MA: Lincoln Institute of Land Policy, 2002.; LIMONAD, 2007LIMONAD, E. Urbanização dispersa mais uma forma de expressão urbana? Formação, v. 1, n. 14, 2007. [on-line]). Para fazer um contraponto a esse modelo, utilizamos as diretrizes do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), que propõe reflexões a respeito do aproveitamento do solo urbano em áreas centrais ou com boa oferta de infraestrutura e transportes. Entendemos que, nesse contexto, torna-se especialmente importante estudar e identificar áreas subutilizadas ou mal aproveitadas do ponto de vista do uso e ocupação do solo, como os chamados vazios urbanos.

Com vistas a alcançar esse objetivo, propomos empregar metodologias de mapeamento e análise de vazios urbanos que permitam avaliar também o potencial de renovação urbanística e edilícia das áreas em estudo. Para aplicar essas metodologias, elegemos como estudo de caso uma área na Região Norte de Niterói que, apesar de sua localização privilegiada e do acesso facilitado aos transportes coletivos, apresenta condições de uso e ocupação do solo que justificam uma análise mais detalhada para a identificação de vazios urbanos. Nosso olhar se volta, particularmente, para o entorno da Alameda São Boaventura, uma via importante na ligação com o Centro da cidade e o Rio de Janeiro, além de ser rota de acesso para os municípios vizinhos de Maricá e São Gonçalo. Essa via também abriga um importante corredor viário da cidade, com pistas exclusivas para ônibus, o que a torna campo de estudo privilegiado para a análise de vazios urbanos na perspectiva do DOTS.

Interessa-nos, ainda, contribuir para os debates sobre o uso e a aplicação das geotecnologias no estudo da cidade e no apoio à formulação de políticas públicas. Com a evolução da informática e dos meios de comunicação, as ferramentas de geoprocessamento se tornaram imprescindíveis meios de acesso e análise do grande volume de dados gerados sobre o fenômeno urbano. O setor público, em especial, vem se configurando como uma das principais fontes de dados para o estudo da cidade, e a espacialização de tais dados se revela uma ação valiosa no apoio aos estudos urbanos (SANFELICI; CARVALHO; SILVA, 2023SANFELICI, D.; CARVALHO, R. M. R.; SILVA, G. R. Estudos da dinâmica imobiliária para políticas urbanas: fontes, métodos e cartografias. Rio de Janeiro: Consequência, 2023.). Para este estudo, tivemos acesso a diferentes fontes de dados advindas do setor público e identificamos que as mais relevantes para o estudo de vazios urbanos e sua relação com a dinâmica imobiliária são os dados de uso do solo e os dados fiscais imobiliários, notadamente aqueles do IPTU 2 2 O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um tributo municipal que incide sobre a propriedade imobiliária urbana, independentemente do uso, com periodicidade anual. Os principais fatores que influenciam o cálculo do IPTU são o tamanho do terreno, a área construída e a localização do imóvel. e do ITBI3 3 O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tributo municipal que incide sobre as transações de imóveis e tem como base de cálculo o valor de mercado do imóvel. No caso de Niterói, a alíquota do tributo é fixa em 2% do valor do imóvel. , que permitem analisar estoque e fluxo imobiliário (SMOLKA, 1989SMOLKA, M. Dinâmica imobiliária e estruturação intraurbana: o caso do Rio de Janeiro. Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: Ippur; UFRJ, 1989.). Para cada uma dessas fontes, aplicamos diferentes métodos a fim de identificar e analisar os vazios urbanos, de modo a relacionar a sua incidência com a dinâmica imobiliária em curso e indicar as possíveis contribuições na perspectiva do DOTS.

O artigo está organizado em cinco seções, além desta introdução e das considerações finais. As seções 2 e 3 são dedicadas a definir, ainda que brevemente, os conceitos de DOTS e de vazios urbanos, centrais para a pesquisa ora apresentada. O recorte territorial e o contexto da pesquisa são explorados na seção 4, ao que se segue, na seção 5, uma descrição dos procedimentos metodológicos da pesquisa. Finalmente, a seção 6 e a conclusão são dedicadas à análise e à discussão dos resultados.

2. Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável

O conceito DOTS é derivado do termo em inglês TOD (Transit-Oriented Development), usado por Peter Calthorpe (1993)CALTHORPE, P. The Next American Metropolis: Ecology, Community, and the American Dream. New Jersey: Princeton Architectural Press, 1993. 175p. para definir um modelo de planejamento voltado à formação de comunidades sustentáveis agradáveis, baseadas em ambiências de uso misto e espaços públicos qualificados, com boa oferta de infraestrutura, serviços e transportes, onde as pessoas se sintam encorajadas a reduzir o uso e a dependência do automóvel particular. Seus princípios aderem ao ideal da “cidade compacta”, em que o adensamento é visto como uma alternativa de aproveitamento eficiente e equitativo do solo urbano, contribuindo para a redução dos impactos sociais, econômicos e ambientais da urbanização (LEITE, 2012LEITE, C. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável em um planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012.). As contribuições do modelo para as cidades do século XXI foram exploradas por Richard Rogers (2013)ROGERS, R. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona: Gustavo Gili, 2013. em Cidades para um pequeno planeta, livro em que o autor defende a cidade compacta como forma de combater o espraiamento urbano e suas pressões sobre as áreas rurais e de preservação ambiental. Para Rogers, o adensamento construtivo e populacional planejado possibilita o uso mais eficiente da infraestrutura urbana, resultando em menor custo de urbanização, melhor aproveitamento de recursos (como energia, água e alimentos), redução da poluição e diminuição dos deslocamentos e da dependência do automóvel particular.

Nos termos de Calthorpe (1993)CALTHORPE, P. The Next American Metropolis: Ecology, Community, and the American Dream. New Jersey: Princeton Architectural Press, 1993. 175p., o adensamento deve ser orientado em função do trânsito de pessoas e da oferta de transportes coletivos, de forma a aproximar as demandas de moradia e mobilidade na cidade. Para esse autor, isso pode ser alcançado com o melhor aproveitamento do solo urbano em áreas infraestruturadas e com acesso facilitado aos transportes coletivos, permitindo o encurtamento das viagens e a diminuição da pressão sobre os próprios sistemas de transportes. Adaptado ao contexto brasileiro, o conceito de trânsito do TOD foi incorporado à ideia de transporte sustentável do DOTS, que sugere maior ênfase aos transportes ativos e não poluentes e correlaciona o modelo de planejamento proposto à noção de cidade sustentável. Em geral, o DOTS mantém os princípios do conceito original, com a proposta de priorizar, junto à política urbana municipal e, fundamentalmente, nos Planos Diretores, a transformação urbana ao longo dos eixos de transporte coletivo, como meio de aumentar a oferta de moradias em áreas centrais e infraestruturadas e desestimular o espraiamento e a dispersão da ocupação para as periferias (WRI BRASIL, 2018WRI BRASIL. DOTS nos Planos Diretores: Guia para inclusão do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável no planejamento urbano. 2018. Disponível em: https://wribrasil.org.br/publicacoes/. Acesso em: 21 maio 2022.
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).

A implementação do DOTS na política brasileira, segundo o WRI Brasil (2018)WRI BRASIL. DOTS nos Planos Diretores: Guia para inclusão do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável no planejamento urbano. 2018. Disponível em: https://wribrasil.org.br/publicacoes/. Acesso em: 21 maio 2022.
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4 4 O World Resources Institute (WRI) é uma organização não governamental que desenvolve pesquisas e programas voltados às cidades, ao clima e ao ambiente (florestas), para os quais propõe soluções baseadas na sustentabilidade e na promoção do bem-estar. Sediado nos Estados Unidos, o instituto está presente em mais de cinquenta países e, no Brasil, atua por intermédio do WRI Brasil. , passa pela adequação das normas de zoneamento urbano, para permitir o adensamento dessas áreas e incentivar o uso misto, e pela elaboração de projetos de renovação urbanística no entorno de eixos e estações de transportes coletivos, como forma de qualificar a ambiência e favorecer o uso do transporte ativo em apoio ao transporte coletivo. Dentre as oito ações propostas pelo WRI Brasil (2018)WRI BRASIL. DOTS nos Planos Diretores: Guia para inclusão do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável no planejamento urbano. 2018. Disponível em: https://wribrasil.org.br/publicacoes/. Acesso em: 21 maio 2022.
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para o entorno de eixos e estações, duas sobressaem por sua relação com os vazios urbanos: (i) a proposta de intensificar a ocupação e o uso do solo nessas áreas; e (ii) a de combater a ociosidade do solo urbano. Para ambas, a identificação de vazios urbanos se faz necessária tanto no sentido de indicar áreas livres não edificadas como no de apontar imóveis edificados que não cumpram adequadamente a função urbana desejada para a localidade em que se inserem. Destaca-se, assim, importante contribuição do mapeamento e do estudo de vazios urbanos para o DOTS, abrindo possibilidades de assistir o adensamento planejado, de promover novos espaços públicos e de instalar novos equipamentos sociais, com foco na distribuição mais equitativa das oportunidades urbanas.

3. Vazios urbanos

Embora conceitualmente amplos, os vazios urbanos são frequentes e inerentes ao processo de produção do espaço nas cidades, isto é, eles resultam de práticas espaciais empreendidas por agentes públicos e privados no fazer e refazer a cidade (CORRÊA, 1995CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da geografia. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. (org.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995.). Ao longo do tempo, as cidades passam por reestruturações espaciais que interferem nas suas características de uso e ocupação. Áreas hoje degradadas ou de pouco interesse para a produção imobiliária podem ter sido prósperas no passado, assim como áreas restritas a determinado uso ou padrão de ocupação no presente podem tornar-se aptas a novas tipologias no futuro (D’ARCY; KEOGH, 1997D’ARCY, E.; KEOGH, G. Towards a property market paradigm of urban change. Environment and Planning A, v. 29, n. 4, p. 685-706, 1997.). Essas mudanças conduzem a processos não lineares e descontínuos de transformação do espaço urbano, dos quais resultam os chamados vazios urbanos (CENECORTA; SMOLKA, 2000CENECORTA, A. I.; SMOLKA, M. O paradoxo da regularização fundiária: acesso à terra servida e pobreza urbana no México. Cadernos do IPPUR, v. 14, n. 1, p. 87-117, 2000.).

Hwang e Lee (2020)HWANG, S. W.; LEE, S. J. Unused, underused, and misused: an examination of theories on urban void spaces. Urban Research & Practice, v. 13, n. 5, p. 540-556, 19 out. 2020. , ao analisar teorias sobre os vazios urbanos (urban void spaces), indicam tratar-se de um conceito inclusivo, que admite diversas terminologias, que vão desde as traduções mais frequentes, como vacant land, terrain vague ou urban voids, que sugerem áreas livres ou vazias de ocupação, até as especificidades menos comuns ou próprias de dada localidade, como brownfield, wasteland e wasted space, que sugerem noções voltadas para o mau uso ou o desperdício de terras. Em geral, concluem os autores, o que todos esses entendimentos têm em comum é a ideia de “vazio” associada à latência de uso ou ocupação, no sentido da subutilização do solo urbano. Para Borde (2006)BORDE, A. L. P. Vazios urbanos: perspectivas contemporâneas. 2006. 242 f. Tese (Doutorado Arquitetura e Urbanismo) -, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006., a definição de vazio urbano é conflituosa porque “vazio” não significa inexistência material, mas uma ausência que pode ser de conteúdo ou significado. Assim, prossegue a autora, o “vazio” é intrínseco à noção de “cheio” porque representa, em determinado tempo, as ausências ou descontinuidades do tecido e da função urbana. Isso permite, por exemplo, incluir como vazio urbano construções com porte e características variados, com usos indesejados para a localidade em que se inserem ou com ocupação inferior aos limites autorizados pela legislação vigente. Ressalta-se, assim, a efemeridade do conceito, uma vez que as condições de uso e ocupação são atribuídas pela política urbana, que podem, por isso, ser frequentemente alteradas de acordo com os interesses públicos e privados na produção do espaço urbano (para uma revisão mais extensa, ver Rossi (2020)ROSSI, A. L. P. Vazios urbanos em Campinas: legislação, planejamento e a mercantilização da cidade. 2020. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2020.).

Clichevsky (2000)CLICHEVSKY, N. Vazios urbanos nas cidades latino-americanas. SMU. Vazios e o Planejamento das Cidades. Caderno de Urbanismo, Rio de Janeiro, n. 2, 2000. também explora essa relação entre os vazios urbanos e os interesses do mercado, indicando que é a dinâmica capitalista da produção do espaço urbano que permite colocar não só os espaços vacantes como os edificados sob a ação do mercado de terras. Como o solo urbano é um bem escasso, o mercado traduz em preços os diferenciais de acesso e localização na cidade, produzindo gradientes de rendas do solo urbano em que os preços mais elevados correspondem, grosso modo, às áreas de maior acessibilidade (SINGER, 1982SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, E. A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.; SANFELICI, 2016SANFELICI, D. A centralidade das aglomerações metropolitanas na economia globalizada: fundamentos econômicos e possibilidades políticas. Cadernos Metrópole, v. 18, p. 623-646, 2016.). Assim, em áreas centrais ou com boa infraestrutura e condições de acesso, a pressão para a produção de espaço ocorre tanto sobre áreas livres ou não ocupadas - desde terrenos vazios oriundos do parcelamento original até áreas verdes protegidas ou de reserva ambiental - como sobre construções, desde que apresentem características de uso ou ocupação consideradas defasadas. Nesse contexto, notadamente em centros urbanos muito concorridos, observam-se até mesmo ações de demolição de prédios altos para a construção de novos, o que faz com que tanto os terrenos livres como as construções existentes funcionem como reserva de terras e garantia da ampliação do espaço de atuação para a reprodução do capital.

Conclui-se, então, que vazios urbanos sugerem obsolescências e descontinuidades que contradizem a função social da propriedade, que poderia ser recuperada ou reintegrada mediante a adoção de medidas ou ações que permitam disponibilizar esses espaços latentes, visando ao seu melhor aproveitamento, segundo as características da localidade em que se inserem. O déficit habitacional das cidades brasileiras justifica os esforços de análise do potencial aproveitamento desses espaços, com o objetivo de permitir maior acesso, em especial por parte dos setores menos favorecidos da sociedade, aos locais das cidades que apresentem mais infraestrutura (ROLNIK, 2016ROLNIK, R. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2016. ). Os estudos e os mapeamentos a seguir têm o intuito de fomentar o debate com base nessa reflexão.

4. Recorte territorial

Embora este estudo não tenha como finalidade analisar a fundo a evolução da ocupação urbana de Niterói, julgamos importante destacar a influência do mercado de terras e da geografia local na organização de seu espaço urbano. Niterói é um município de dimensões reduzidas, que se localiza na porção leste da baía de Guanabara, em posição oposta à do Rio de Janeiro. Atua como centralidade para o leste fluminense e como cidade-dormitório no contexto da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Sua área urbana está, em grande parte, condicionada por suas características físico-naturais, em que o relevo serve de barreira e as áreas de baixada e orla são preferenciais para a ocupação urbana. Tendo o Rio de Janeiro como espelho e modelo, Niterói cresceu em frentes estruturadas por essa ligação (AZEVEDO, 1997AZEVEDO, M. N. S. Niterói urbano: a construção do espaço da cidade. In: KNAUS, P.; MARTINS, I. L. (org.). Cidade múltipla: temas de história de Niterói. Niterói: Niterói Livros, 1997. p. 19-72.), tanto em função do transporte aquaviário, que opera na mencionada baía desde o século XIX, como do transporte rodoviário, que teve grande incremento com a inauguração da Ponte Rio-Niterói, em 1974. A conexão com a capital do estado favoreceu a formação de, pelo menos, dois vetores de expansão urbana no município: um junto à orla, que inclui as praias da baía e as praias oceânicas, e que se tornou mais atrativo para o setor imobiliário depois da produção de moradias para as classes média e alta; e outro para o norte, na direção dos municípios vizinhos de São Gonçalo e Maricá, onde há expressiva ocorrência de ocupação informal e de autoconstrução.

Essas diferenças socioespaciais resultam dos processos de estruturação urbana e de produção do espaço em Niterói e apresentam importantes representações na atual divisão administrativa niteroiense. O Plano Diretor Municipal de 1992 (Lei nº 1157; NITERÓI, 1992NITERÓI. Lei nº 1157, de 29 de dezembro de 1992. Plano Diretor de Niterói. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói, 1992. Disponível em: https://urbanismo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 10 maio 2022.
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) dividiu o território de Niterói em cinco regiões de planejamento - Região das Praias da Baía (RPB), Região Norte (RN), Região de Pendotiba (RP), Região Oceânica (RO) e Região Leste (RL) -, definidas segundo critérios de homogeneidade em relação à paisagem, tipologia, uso e ocupação do solo e aspectos socioespaciais gerais (NITERÓI, 1992NITERÓI. Lei nº 1157, de 29 de dezembro de 1992. Plano Diretor de Niterói. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói, 1992. Disponível em: https://urbanismo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 10 maio 2022.
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). De acordo com essa lei, para cada região deveria ser elaborado um Plano Urbanístico Regional (PUR) correspondente, estabelecendo regras de uso e ocupação do solo adequadas aos aspectos físicos e urbanísticos de cada localidade. O Plano Diretor de 2019 (Lei nº 3385; NITERÓI, 2019NITERÓI. Lei Municipal nº 3385, de 21 de janeiro de 2019. Plano Diretor de Niterói. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2019. Disponível em https://urbanismo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2022.
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) manteve a delimitação das regiões, conforme indicado no mapa da Figura 1, mas essa divisão teve sua importância diminuída no planejamento urbano, já que foram fixadas diretrizes de ordenamento territorial e de uso e ocupação do solo baseadas em um novo macrozoneamento, para o qual a paisagem (construída e natural) se configura como relevante critério de planejamento e ordenamento (NITERÓI, 2019NITERÓI. Lei Municipal nº 3385, de 21 de janeiro de 2019. Plano Diretor de Niterói. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2019. Disponível em https://urbanismo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2022.
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).

Figura 1
Estrutura urbana de Niterói/RJ

Ao analisar a ocupação urbana de Niterói em função dessa divisão regional, é possível observar que os núcleos urbanos mais antigos estão localizados nas regiões das Praias da Baía (RPB) e Norte (RN), que são também as mais densas e populosas, somando 75% dos domicílios (45% na RPB e 30% na RN) e 73% dos cerca de 485 mil habitantes (42% na RPB e 31% na RN), conforme dados do IBGE (2010)IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico: cidades e estados, 2010. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/. Acesso em: 10 jun. 2022.
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5 5 Recentemente, o IBGE divulgou uma prévia do censo de 2022 que indica para Niterói uma população de 481.758 pessoas. Esses dados preliminares sugerem decréscimo de população entre 2010 e 2022, o que contraria as próprias estimativas anteriores do Instituto, que indicavam para o município uma população maior do que 500 mil habitantes. . Na RPB, as duas maiores centralidades são os bairros do Centro e Icaraí: o primeiro consiste na localidade de maior concentração de empregos, em contraste com sua baixa densidade demográfica, e o segundo é o bairro mais verticalizado e de maior densidade demográfica; apresenta, ainda, grande diversidade de comércio e serviços e ocupação de médio e alto padrão construtivo. Na RN, por sua vez, a principal centralidade é o bairro do Fonseca, em que se verifica a maior densidade demográfica e construtiva da região. Em linhas gerais, a RN é caracterizada por uma ocupação de médio e baixo padrão construtivo, com baixa verticalização e alta densidade demográfica; comércio e serviços estão localizados principalmente junto aos eixos viários locais. Além disso, é marcada pela concentração de favelas, com cerca de 30% da área de favelas do município, o que a torna a maior nesse quesito, de acordo com as informações de uso do solo da Prefeitura de Niterói (NITERÓI, 2019NITERÓI. Lei Municipal nº 3385, de 21 de janeiro de 2019. Plano Diretor de Niterói. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2019. Disponível em https://urbanismo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2022.
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). Essas diferenças se refletem no ordenamento espacial de cada área da cidade e podem ser observadas na Figura 1, que, além da divisão administrativa niteroiense, traz a espacialização da área urbana, as áreas verdes, os eixos de estruturação urbana e a rede de centralidades.

A Figura 1 também demonstra que, apesar das diferenças socioespaciais, a RN desempenha função relevante na estruturação urbana e viária de Niterói, compreendendo vias estratégicas para a conexão com o Rio de Janeiro e os municípios vizinhos de São Gonçalo e Maricá. A ligação com São Gonçalo é de grande importância no desenvolvimento da RN, já que esse município é o segundo mais populoso do estado do Rio de Janeiro (IBGE, 2010) e destino de boa parte do fluxo de pessoas que acessa Niterói e circula por ela na direção da ponte e das barcas. Uma das vias mais relevantes para essa conexão é a Alameda São Boaventura, que provê ligação direta com a ponte e passa por três bairros da RN, além de apresentar significativa concentração e oferta de comércios, serviços e empregos para a região e a cidade. Isso pode ser observado na Figura 1 em face da rede de centralidades e da indicação de uma subcentralidade municipal e de três centralidades locais sobre a via.

Com extensão de 3,5 km em linha reta, a Alameda, como costuma ser identificada pelos moradores locais, foi projetada para ser o principal eixo viário da região. Seu projeto contemplava diversos aspectos, como a canalização do rio Vicência, a criação de uma via em dois sentidos com pistas separadas, a implantação de um paisagismo de alameda, isto é, de via ladeada por passeios arborizados, e uma urbanização qualificada, que dialogava com a arquitetura dos casarões e das chácaras que ocupavam o entorno na época. Com o tempo, tanto a via como o entorno passaram por mudanças. A principal foi a implantação de um corredor viário com pistas exclusivas para ônibus, no sistema BHLS (Bus with High Level Service)6 6 O BHLS é uma derivação do sistema BRT (Bus Rapid Transit) e corresponde a um sistema de transporte coletivo urbano com melhor ambiente operacional e maior desempenho, com percursos e paradas exclusivos, mas que, ao contrário do BRT, opera com ônibus comuns. , inaugurado em 2010. As obras para o corredor incluíram a construção das baias para as estações sobre o leito canalizado do rio Vicência, com capacidade para até seis ônibus ao mesmo tempo, e motivaram a remoção de alguns trechos da arborização original da Alameda. No diagnóstico do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável de Niterói - PMUS (NITERÓI, 2020NITERÓI. Relatório técnico. Plano de Mobilidade Urbana Sustentável 2020-2030. Niterói: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade: Prefeitura Municipal de Niterói, 2020. Disponível em: http://www.niteroi.rj.gov.br/pmus/. Acesso em: 15 maio 2022.
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), consta que a intervenção, que recebeu o nome de Corredor Metropolitano da Alameda São Boaventura, já havia sido idealizada em um antigo plano de mobilidade para a cidade, de 2005, que seguia as diretrizes do Plano Diretor de 1922 e previa a criação de uma rede de transportes estruturada para o transporte coletivo, com a criação e a ampliação de terminais e corredores viários, denominado Plano Diretor de Transportes e Trânsito - PDTT. A abertura do corredor viário veio a ocorrer de fato alguns anos após sua idealização, quando um novo plano de transportes elaborado pelo urbanista Jaime Lerner, em 2009, propôs a racionalização do sistema de transportes coletivos da cidade, com a adoção dos sistemas BRT (NITERÓI, 2020NITERÓI. Relatório técnico. Plano de Mobilidade Urbana Sustentável 2020-2030. Niterói: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade: Prefeitura Municipal de Niterói, 2020. Disponível em: http://www.niteroi.rj.gov.br/pmus/. Acesso em: 15 maio 2022.
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). A intervenção deu novo impulso às transformações que vinham ocorrendo no entorno da via, com alterações na tipologia construtiva e o surgimento de novos empreendimentos residenciais e de comércios e serviços.

As transformações no entorno da Alameda também foram motivadas por mudanças na normativa urbanística, resultante da aprovação do PUR da Região Norte (Lei nº 2.233/2005), que incentivou a construção de novos edifícios em maior altura, ao atribuir para algumas localidades7 7 Para a aplicação das regras de uso e ocupação do solo, a fim de preservar as características arquitetônicas homogêneas, os PURs de Niterói adotaram uma subdivisão da zona urbana indicada como “fração urbana”. Para cada fração urbana, poderiam ser definidos parâmetros construtivos específicos. Como referência, apenas na Região Norte existem cerca de 85 frações urbanas. um gabarito de seis a doze pavimentos, mais cobertura, com taxa de ocupação de 50% (NITERÓI, 2005NITERÓI. Lei nº 2233, de 19 de outubro de 2005. Plano Urbanístico da Região Norte. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2005. Disponível em http://pgm.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 15 maio 2022.
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). Recentemente, a Alameda e o seu entorno receberam nova atenção do poder público, com o anúncio de um projeto para a “Requalificação Urbana da Alameda São Boaventura”, indicado no PMUS como ação de baixa complexidade e de curto prazo (NITERÓI, 2020NITERÓI. Relatório técnico. Plano de Mobilidade Urbana Sustentável 2020-2030. Niterói: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade: Prefeitura Municipal de Niterói, 2020. Disponível em: http://www.niteroi.rj.gov.br/pmus/. Acesso em: 15 maio 2022.
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). Em síntese, a remodelação da Alameda incluirá a sua qualificação urbanística e paisagística, com a instalação de canteiros, nova arborização e a reforma dos passeios e das estações do corredor viário, com soluções também para a mobilidade ativa, sobretudo a bicicleta. Todas essas ações, em conjunto, sugerem grande interesse do setor público na renovação dessa área, o que destaca a importância das contribuições geradas no presente estudo, notadamente no que se refere à valorização dos objetivos e estratégias do DOTS e do melhor aproveitamento dos vazios urbanos em áreas com boa oferta de infraestruturas e transportes. Se bem aplicadas, as políticas públicas podem conduzir à renovação dessas áreas, coordenando os interesses do setor imobiliário com a redução da estratificação social urbana e com a garantia de acesso mais equitativo às oportunidades urbanas.

5. Metodologias

Como o conceito de vazios urbanos é amplo e aplicável a diferentes tipos de imóvel, o seu mapeamento deve permitir a representação dessas variações. Para tanto, propomos organizar a amostra em classes graduadas, que variam segundo a base de dados disponível e os tipos de vazios urbanos existentes. Enquadram-se nas classes de interesse os seguintes imóveis: áreas ou terrenos vazios de ocupação, com ou sem uso determinado; construções sem uso, ociosas ou subutilizadas; e construções em uso, que não empreguem todo o potencial construtivo a elas atribuído e que, por isso, possam ser avaliadas como de elevado interesse para renovação, se consideradas as diretrizes do DOTS.

Para a realização dos estudos, foram utilizadas informações da Prefeitura Municipal de Niterói, que incluem desde dados abertos ao público, notadamente os que estão disponíveis no Sistema de Gestão da Informação - SIGeo (NITERÓI, 2022NITERÓI. SIGeo - Sistema de Gestão da Geoinformação. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2022. Disponível em: https://www.sigeo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 15 maio 2022.
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), até dados restritos, como as bases de dados fiscais oficiais do IPTU (NITERÓI, 2021aNITERÓI. ITBI (Base de dados). Niterói: Secretaria Municipal de Fazenda; Prefeitura Municipal de Niterói, 2021b.) e do ITBI (NITERÓI, 2021bNITERÓI. SIGeo - Sistema de Gestão da Geoinformação. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2022. Disponível em: https://www.sigeo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 15 maio 2022.
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), disponibilizadas pela Secretaria Municipal de Fazenda para a pesquisa principal que subsidia o presente estudo.

Estabelecidas as fontes de pesquisa, passamos para a definição do recorte espacial, que levou em consideração os conceitos que embasam o estudo. Dessa maneira, definimos como área de interesse o entorno da Alameda São Boaventura; e para indicar com mais precisão a amostra, seguimos as determinações do DOTS para a delimitação de uma área de influência no entorno dos sistemas de transportes coletivos, da ordem de 500 m a 1.000 m a partir do eixo e das estações (WRI BRASIL, 2018WRI BRASIL. DOTS nos Planos Diretores: Guia para inclusão do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável no planejamento urbano. 2018. Disponível em: https://wribrasil.org.br/publicacoes/. Acesso em: 21 maio 2022.
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). Essa distância é considerada própria para que o transporte ativo atue de modo complementar ao transporte coletivo.

A aplicação da metodologia ao estudo de caso conduziu à definição de um buffer de 500 m a partir de cada uma das estações do corredor viário da Alameda. Como elas são desencontradas, de acordo com o sentido da via, aplicamos o buffer a cada um dos pontos de parada, em ambos os sentidos. Como resultado, definiu-se como área de estudo uma faixa contínua no entorno do sistema, conforme indicado na Figura 2.

Figura 2
Recorte espacial - Alameda São Boaventura

A unidade espacial escolhida para determinar a amostra foi o lote, por ser a categoria que mais se aproxima da proposta do estudo, já que estamos tratando do uso e ocupação das parcelas autônomas do espaço urbano. Para isso, utilizamos como referência a base espacial (shapefile) de lotes, disponibilizada pela Prefeitura de Niterói no SIGeo (2022NITERÓI. SIGeo - Sistema de Gestão da Geoinformação. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2022. Disponível em: https://www.sigeo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 15 maio 2022.
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). Contudo, como na área de estudo existem diversos tipos de imóvel, com diferentes formas e tamanhos de lotes, consideramos para a definição da amostra todos os imóveis contidos no buffer ou cujos lotes estivessem interseccionados por ele. Isso retornou um total de 4.775 imóveis, com distintos usos e ocupações, conforme apresentado na Figura 2.

O passo seguinte envolveu a identificação dos imóveis que deveriam ser retirados da amostra, em face da importância do seu uso para a cidade ou para a região. Consideramos, para esse grupo, áreas de parque e proteção ambiental, áreas de interesse social (como as Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS), bens protegidos em diferentes esferas (municipal, estadual e federal), além de serviços e usos especiais, como educação, saúde, transporte, institucional, áreas de lazer, áreas militares e infraestrutura pública, por entendermos que esses usos, ainda que estejam ligados a áreas livres ou ociosas, não se enquadram nos critérios de vazios urbanos. Para as áreas ambientais, de interesse social e os bens protegidos, utilizamos as bases próprias de cada tema, ao passo que, para os demais usos especiais, empregamos o mapeamento de uso do solo, todos disponíveis no SIGeo (NITERÓI, 2022NITERÓI. SIGeo - Sistema de Gestão da Geoinformação. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2022. Disponível em: https://www.sigeo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 15 maio 2022.
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). O resultado dessa análise é apresentado no mapa da Figura 3.

Figura 3
Influência dos usos especiais na definição da amostra

Estabelecidas as limitações da amostra, chegamos a um total de 4.125 imóveis, que formam a base do presente estudo de caso sobre vazios urbanos. Para a primeira análise, foram explorados os dados de uso do solo disponíveis no SIGeo (NITERÓI, 2022NITERÓI. SIGeo - Sistema de Gestão da Geoinformação. Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2022. Disponível em: https://www.sigeo.niteroi.rj.gov.br. Acesso em: 15 maio 2022.
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). O mapa do município referente a esse aspecto apresenta 26 categorias de uso e aparenta ter sido elaborado por meio de sensoriamento remoto e processamento digital, que utiliza imagens de satélite e a informação de pixels na delimitação das categorias. A técnica permite manter atualizadas as informações de uso do solo, favorecendo o acompanhamento e a gestão desse item no município. Para identificar os vazios urbanos com o apoio dessas informações, selecionamos, dentro da amostra, os imóveis que se enquadravam nas categorias de uso denominadas “não edificado” e “subutilizado”, que são as que mais se aproximam da noção de vazios empregada no estudo. O resultado dessa análise é apresentado na Figura 4.

A análise de vazios urbanos baseada nas informações de uso do solo resultou em um total de 174 imóveis na área de estudo, 123 deles “não edificados” e 51 “subutilizados”. Por não terem uso definido, os imóveis “não edificados” formam uma categoria de vazio urbano com elevado potencial de renovação, pois permitem atender de maneira mais imediata às demandas de transformação de uso sugeridas pelo DOTS. Os imóveis “subutilizados”, por sua vez, embora solicitem análises mais criteriosas de suas funções, também configuram uma categoria de vazio urbano com relevante interesse para a renovação urbana, uma vez que as noções de “sub” ou “mal” utilizado sugerem quebras de continuidade da forma ou da função urbana naquela localidade. Ambos os casos, portanto, abrem possibilidades para melhor aproveitamento do solo urbano nessas áreas, conforme a proposta do DOTS.

Figura 4
Vazios urbanos segundo o uso do solo

Para aprofundar o estudo de vazios urbanos, analisamos a base de dados fiscais do IPTU, disponibilizada para a pesquisa com campos de informação selecionados, em respeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD (BRASIL, 2018BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, 15 ago. 2018.). A base contém informações gerais sobre os imóveis formalmente inscritos na Secretaria Municipal de Fazenda de Niterói, tais como o tipo de imóvel (predial ou territorial), o uso (residencial, comercial, industrial, serviços, etc.) e o valor (venal) que serve de base para o cálculo do imposto. Com o intuito de analisar os vazios urbanos, portanto, voltamos nossa atenção para os imóveis classificados como “territoriais” segundo a base do IPTU, considerando, para tanto, o ano-base mais recente obtido, que é relativo ao IPTU de 2021. O resultado dessa análise é apresentado na Figura 5.

A análise de vazios urbanos pautada nos dados do IPTU retornou um total de 188 imóveis “territoriais” localizados na área de estudo, sendo provável haver coincidências com os vazios identificados na análise anterior, baseada, por seu turno, no uso do solo. A classificação “territorial” indica, em geral, terrenos livres e sem ocupação, para os quais o uso não está totalmente definido. A presença desse tipo de imóvel em áreas com urbanização consolidada, como no caso da Alameda São Boaventura, pode ser indicativo da existência de uma dinâmica imobiliária em curso para renovação do uso e da ocupação, uma vez que existem raros remanescentes do parcelamento original nessa localidade. Pode indicar também movimentos do mercado de terras para novos parcelamentos (por desmembramento) ou a formação de reserva de capital por antecipação espacial (CORRÊA, 1995CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da geografia. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. (org.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995.), além de ser característica de um modelo de urbanização comum no Brasil, descrito por Gottmann (1961)GOTTMANN, J. Megalopolis. The urbanized northestern seabord of the United States. New York: The Twentieth Century Fund, 1961. como do tipo leapfrog (“salto de rã” ou urbanização em saltos), que deixa vazios que serão valorizados no futuro, seja por novos vizinhos, seja pela provisão de serviços e infraestrutura, seja por decisões normativas que alteram o padrão de uso e ocupação dessas localidades.

Figura 5
Vazios urbanos segundo o IPTU

As duas análises até aqui apresentadas, em função do uso do solo e dos imóveis territoriais segundo o IPTU, retratam vazios urbanos ligados às ideias de vacante e subutilizado, no que diz respeito ao atendimento das funções urbanas. Entretanto, considerando as orientações do DOTS para maior adensamento em áreas com boa infraestrutura e acesso facilitado aos sistemas de transporte coletivo, com possibilidade de assistir a produção de moradias e promover o acesso mais equitativo às oportunidades urbanas, nosso interesse recai também sobre imóveis com uso e ocupação definidos, mas que possam ser caracterizados como vazios urbanos diante do mau aproveitamento do seu potencial construtivo. Corrobora essa proposta o perfil da área de estudo, em que se encontram muitas construções antigas, com poucos pavimentos e características construtivas abaixo do permitido pela legislação urbanística para o local.

Para entender o potencial de renovação da área de estudo em razão de um aproveitamento efetivo desse tipo de vazio urbano, utilizamos novamente a base de dados do IPTU. Como cada entrada na base identifica um imóvel formalmente inscrito nesse imposto, a análise levou em conta a quantidade de imóveis registrados para cada lote da amostra, como forma de estimar a concentração (densidade) de imóveis por lote. Para determinar a divisão das classes, consideramos que todos os lotes que apresentassem mais de três registros no IPTU deveriam ser classificados como menos propícios às ações de renovação, enquanto aqueles com até três registros deveriam ser indicados como aptos para a renovação, desde que ressaltada a necessidade de avaliar, para cada caso, as condições permitidas pela normativa urbanística vigente. Cabe ressaltar que, para a definição desse quantitativo, o estudo se manteve atento ao fato de que estão ocorrendo ao longo da via ações de demolição de construções de até três pavimentos para dar lugar a novos edifícios em maior altura.

A Figura 6 apresenta o resultado consolidado da análise de vazios urbanos fundamentada no IPTU em um único mapa temático graduado, que traz os imóveis territoriais como os vazios urbanos de maior potencial de renovação e os lotes menos adensados (com até três registros no IPTU) como possíveis vazios aptos à renovação.

Figura 6
Análise ampliada dos vazios urbanos segundo o IPTU

A análise ampliada dos vazios urbanos amparada no IPTU retornou um total de quase 2 mil imóveis, com alto e médio potencial de renovação na área de estudo. Adicionalmente, incluiu uma nova variável na análise, ao retirar da amostra os imóveis que podem ser considerados consolidados, de acordo com os critérios da pesquisa. A amostra resultante corresponde a um universo reduzido de imóveis que precisam ser avaliados em maior profundidade da perspectiva dos vazios urbanos e das possibilidades de reaproveitamento diante da baixa utilização do seu potencial construtivo. Ainda assim, a análise contribui significativamente para o debate sob a perspectiva do DOTS, ao identificar na área de estudo um quantitativo elevado de imóveis com potencial de renovação no entorno de um importante eixo viário e de transporte coletivo da cidade, para o qual se propõe adensamento construtivo e populacional, com vistas a reduzir o déficit habitacional e a promover o acesso mais justo e equitativo aos serviços, às infraestruturas e às demais oportunidades urbanas. Ademais, por estarem localizados em áreas com boa oferta de infraestrutura e transportes, esses imóveis tendem a ser mais valorizados no mercado imobiliário, em face da sua localização. Isso significa que o mapeamento de vazios urbanos também pode orientar a produção imobiliária para assistir as metas e objetivos do DOTS.

6. Resultados e discussão

Para consolidar as análises realizadas e aprofundar o estudo de vazios urbanos na perspectiva do potencial de renovação da área de estudo, elaboramos um mapa-síntese que agrega e sobrepõe as informações geradas nos mapas anteriores. Para esse propósito, reordenamos as classes de cada mapa com vistas a compor uma gradação de vazios com potencial de renovação, assim indicada: (i) de “alto potencial de renovação” os imóveis “não edificados” segundo o uso do solo e os imóveis “territoriais” segundo o IPTU; e (ii) de “médio potencial de renovação” os imóveis “subutilizados” de acordo com o uso do solo e os imóveis com até três registros no IPTU. O resultado dessa análise é apresentado na Figura 7.

Figura 7
Mapa-síntese de vazios urbanos e potencial de renovação

Para compor o mapa-síntese de vazios urbanos e de potencial de renovação da área de estudo, com a finalidade de evidenciar as sobreposições de dados oriundos de fontes diferentes, utilizamos como referência o método desenvolvido por Stevens (2015)STEVENS, J. Bivariate choropleth maps: a how-to guide. In: STEVENS, J. A visual communicator with a background in data science and cartography. 2015. Disponível em: https://www.joshuastevens.net/cartography/make-a-bivariate-choropleth-map/. Acesso em: 15 nov. 2022.
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para a elaboração de mapas coropléticos bivariados. Tais mapas temáticos empregam símbolos e variações cromáticas para representar as dimensões espaciais do fenômeno em estudo. Os mapas bivariados, revela o autor, seguem o mesmo conceito, mas permitem a incorporação de duas categorias de dados de uma única vez, de modo a destacar as relações de concordância e de discordância entre as suas variáveis. A aplicação do método ao estudo de caso desenvolvido neste artigo permitiu sobrepor as informações geradas com as análises anteriores, por meio de bases de dados distintas, em um único mapa, onde se destacam com cores mais escuras os imóveis com maior potencial de renovação. Como resultado, pode-se observar a existência de trechos mais consolidados e de outros mais propícios à renovação ao longo da Alameda São Boaventura, em relação aos quais se ressalta a necessidade de aprofundar o estudo da normativa urbanística, a fim de propiciar o entendimento do real aproveitamento do potencial construtivo de cada vazio urbano indicado.

Por fim, para captar a dinâmica imobiliária local e compreender melhor o interesse do mercado de terras na área de estudo, elaboramos um mapa com a distribuição dos preços médios dos imóveis na região, considerando apenas os residenciais (apartamentos e casas) e territoriais cujas transações de compra e venda realizadas no ano de 2021 foram formalmente registradas na base de dados fiscais oficial do ITBI, fornecida para a pesquisa pela Secretaria Municipal de Fazenda. O resultado é apresentado na Figura 8.

Figura 8
Distribuição espacial dos preços médios por tipo de imóvel segundo o ITBI

Com a finalidade de elaborar o mapa com a distribuição espacial dos preços médios, utilizamos como base o valor do imóvel que é aceito pela Prefeitura como referência para a geração da guia de pagamento do ITBI. Em razão de estarem mais próximos dos valores de mercado do que os valores venais8 8 O valor venal é uma estimativa de preço imobiliário realizada pelo poder público baseada na planta genérica de valores da cidade para embasar o cálculo do imposto. Por estar atrelado à planta de valores, esse valor é menos dinâmico, em geral atualizado pela inflação. O ITBI, por outro lado, utiliza os valores de mercado no cálculo do imposto e, por isso, consegue aproximar-se mais da realidade. constantes do IPTU, a base de dados do ITBI constitui fonte privilegiada para o estudo dos preços de imóveis e da dinâmica imobiliária. Para compor o mapa, consideramos a média dos preços registrados por transações de compra e venda de imóveis novos e usados em 2021 para cada lote. Como há lotes com mais de uma unidade (imóvel), a média dos preços retornou uma variável de tendência central.

Além de identificar os preços médios por lote, agrupamos todos os registros de compra e venda para os tipos apartamento, casa e terreno em 2021, de maneira a indicar os preços médios por tipo de imóvel na escala da cidade. Desse modo, definimos uma variação de três classes para cada tipo de imóvel, em que a primeira é delimitada pelo valor médio do tipo do imóvel na cidade no ano em análise, a segunda, pelo dobro desse valor e a terceira, que vem a ser a mais abrangente, identifica, notadamente, os imóveis mais caros comercializados naquele ano.

Observa-se na Figura 8 que a maior parte das transações ocorridas na área de estudo é referente a imóveis com valores abaixo ou um pouco acima da média da cidade. Em dois trechos específicos também é possível observar uma concentração de transações com valores um pouco acima da média de Niterói, especialmente para o tipo casa, o que pode significar um movimento do mercado para a transformação de uso, já que em áreas mais consolidadas é comum a substituição de antigas edificações por novos produtos imobiliários, com as casas comercializadas pelo valor do terreno. Quanto a isso, chama atenção a pouca ocorrência de transações para o tipo terreno na área de estudo, dado que se trata de uma área em estágio avançado de consolidação, ao mesmo tempo que se destaca um registro para o tipo na maior faixa de valor da cidade, sugerindo certo interesse do mercado por áreas livres na região.

Dessa maneira, as análises sugerem preferência por áreas vazias ou de baixa ocupação (casas e terrenos), que resultam em menor custo e maior rapidez nas ações de transformação de uso. Além disso, é possível constatar certa correspondência entre os trechos com maior número de registros de compra e venda de imóveis em 2021 e os trechos indicados pelo estudo de vazios urbanos como de médio a alto potencial de renovação. As duas análises corroboram o entendimento do peso da localização e da oferta de infraestrutura, de transporte e de serviço na composição dos preços imobiliários, por isso é comum que áreas mais estruturadas sejam as mais valorizadas. Isso se comprova na Figura 8: as transações que estão mais próximas da Alameda São Boaventura ou dos demais eixos viários apresentam maiores preços imobiliários.

Contudo, como o mercado (incluindo o imobiliário) está associado a relações que são territorial e socialmente enraizadas (REIS, 2009REIS, J. Ensaios de economia impura. Coimbra: Almedina, 2009.; THEURILLAT; RÉRAT; CREVOISIER, 2015 THEURILLAT, T.; RÉRAT, P.; CREVOISIER, O. The real estate markets: Players, institutions and territories. Urban Studies, v. 52, n. 8, p. 1414-1433, 2015.), outros aspectos, além da localização, influenciam os preços imobiliários, contribuindo para que determinada área se torne mais ou menos atrativa para o mercado. Dentre esses aspectos, estão as condições de uso e ocupação do solo, que são reguladas pelas normativas urbanísticas e determinam o potencial construtivo de cada lote. Portanto, eventuais alterações na legislação urbanística resultam em mudanças no valor do imóvel, que podem gerar valorização imobiliária, e isso poderá ser capturado pelo poder público, por meio de políticas e instrumentos específicos, para reinvestir na cidade. Essa estratégia, aliada aos objetivos do DOTS, pode permitir direcionar os interesses do mercado para a produção imobiliária em áreas estratégicas, atendendo, de forma específica, a suas demandas para o combate à ociosidade do uso do solo, como resultado do estudo de vazios urbanos.

7. Considerações finais

Como vimos no estudo, vazios urbanos são componentes espaciais inerentes aos processos de produção e reprodução do espaço urbano. Caracterizam pausas nas dinâmicas do fazer e refazer a cidade. Quando presentes em áreas centrais e com boa oferta de infraestrutura, favorecem o aumento dos preços imobiliários e a retenção especulativa de terras urbanas, o que normalmente contribui para a escassez de moradias nesses locais. Por outro lado, quando reaproveitados e reintegrados às funções urbanas, esses espaços podem ser geradores de novas centralidades, assistir o aumento da oferta de moradias e garantir o acesso mais equitativo às oportunidades urbanas. Por tudo isso, entendemos que a identificação de vazios urbanos constitui estratégia de ação fundamental para a política urbana, com subsídios importantes para a gestão e a regulação do uso do solo.

Nesse contexto, as geotecnologias cumprem um papel importante, ao permitir espacializar dados que facilitam o estudo dos vazios urbanos. Com o acesso cada vez mais amplo às bases de dados do setor público, torna-se essencial empregar métodos de análise espacial que resultem em informações de maior qualidade, em função da cartografia temática, assim como mapas coropléticos, bivariados e outros, que potencializam as interpretações do fenômeno urbano. Neste estudo, utilizamos as geotecnologias para experimentar metodologias de análise e identificação de vazios urbanos pautando-nos em diferentes bases de dados. Percebemos, assim, que, quanto mais ampla e completa a base de dados, mais representativa será a análise resultante, com contribuições mais efetivas para a compreensão do potencial de renovação de determinada área ou região. O estudo mostrou que, por se constituir em entorno de sistema de transporte coletivo, a área avaliada tem trechos com elevado potencial de renovação para adensamento e qualificação da ambiência urbana, caso sejam objetivos da política urbana. Observamos, ainda, que os mesmos trechos apresentam dinâmica imobiliária em curso, corroborando a percepção de uma área em renovação. Os dados gerados nessas análises, portanto, poderiam apoiar a definição de estratégias de ocupação voltadas à reintegração de vazios urbanos, capazes de proporcionar melhor uso do solo em áreas de entorno dos transportes coletivos, como proposto no DOTS.

Acreditamos que, para a formação de ambiências e comunidades sustentáveis agradáveis, é necessário induzir o crescimento das cidades para áreas com boa oferta de infraestrutura. No modelo do DOTS, esse direcionamento pode ser alcançado com a articulação entre as políticas de controle do uso do solo e de mobilidade urbana, possibilitando o adensamento planejado em áreas estratégicas da cidade e a convergência de interesses públicos e privados na produção do espaço urbano. Áreas com acesso facilitado aos transportes públicos, comércio e serviços, com espaços públicos qualificados para o transporte ativo, tornam-se lugares muito atrativos onde as pessoas possam residir, trabalhar, estudar e interagir (ITDP, 2017ITDP. Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento. Padrão de Qualidade DOTS. Rio de Janeiro: ITDP, 2017. Disponível em: https://itdpbrasil.org/dots-3-0/. Acesso em: 14 abr. 2022.
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), ao mesmo tempo que geram valorização imobiliária capaz de atrair o mercado de terras. Cabe, então, ao setor público capturar e coordenar esses interesses, com o propósito de promover a produção imobiliária desejada, com o melhor aproveitamento de vazios urbanos e a promoção de moradias em áreas centrais. É igualmente importante, ao criar incentivos para a renovação dessas áreas, atentar para as necessidades de habitação dos segmentos de renda mais baixa, cujas famílias têm mais a se beneficiar com a proximidade dos eixos de transporte e o acesso facilitado às centralidades urbanas. Esperamos, com este estudo, contribuir para o debate da função social da cidade e o direito a ela nas políticas públicas, incentivando reflexões para o melhor uso do solo urbano, especialmente em áreas próximas ao transporte coletivo, como forma de alcançar cidades mais justas e equitativas, com redução das desigualdades socioterritoriais na escala do município.

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  • REIS, J. Ensaios de economia impura Coimbra: Almedina, 2009.
  • ROGERS, R. Cidades para um pequeno planeta Barcelona: Gustavo Gili, 2013.
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  • 1
    Agradecemos à Fundação Euclides da Cunha (FEC), à Prefeitura Municipal de Niterói/RJ e à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj - Processo E-26/201.275/2022) o financiamento à pesquisa.
  • 2
    O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um tributo municipal que incide sobre a propriedade imobiliária urbana, independentemente do uso, com periodicidade anual. Os principais fatores que influenciam o cálculo do IPTU são o tamanho do terreno, a área construída e a localização do imóvel.
  • 3
    O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tributo municipal que incide sobre as transações de imóveis e tem como base de cálculo o valor de mercado do imóvel. No caso de Niterói, a alíquota do tributo é fixa em 2% do valor do imóvel.
  • 4
    O World Resources Institute (WRI) é uma organização não governamental que desenvolve pesquisas e programas voltados às cidades, ao clima e ao ambiente (florestas), para os quais propõe soluções baseadas na sustentabilidade e na promoção do bem-estar. Sediado nos Estados Unidos, o instituto está presente em mais de cinquenta países e, no Brasil, atua por intermédio do WRI Brasil.
  • 5
    Recentemente, o IBGE divulgou uma prévia do censo de 2022 que indica para Niterói uma população de 481.758 pessoas. Esses dados preliminares sugerem decréscimo de população entre 2010 e 2022, o que contraria as próprias estimativas anteriores do Instituto, que indicavam para o município uma população maior do que 500 mil habitantes.
  • 6
    O BHLS é uma derivação do sistema BRT (Bus Rapid Transit) e corresponde a um sistema de transporte coletivo urbano com melhor ambiente operacional e maior desempenho, com percursos e paradas exclusivos, mas que, ao contrário do BRT, opera com ônibus comuns.
  • 7
    Para a aplicação das regras de uso e ocupação do solo, a fim de preservar as características arquitetônicas homogêneas, os PURs de Niterói adotaram uma subdivisão da zona urbana indicada como “fração urbana”. Para cada fração urbana, poderiam ser definidos parâmetros construtivos específicos. Como referência, apenas na Região Norte existem cerca de 85 frações urbanas.
  • 8
    O valor venal é uma estimativa de preço imobiliário realizada pelo poder público baseada na planta genérica de valores da cidade para embasar o cálculo do imposto. Por estar atrelado à planta de valores, esse valor é menos dinâmico, em geral atualizado pela inflação. O ITBI, por outro lado, utiliza os valores de mercado no cálculo do imposto e, por isso, consegue aproximar-se mais da realidade.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico: cidades e estados, 2010. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/ Acesso em: 10 jun. 2022.

NITERÓI. IPTU (Base de dados) Niterói: Secretaria Municipal de Fazenda; Prefeitura Municipal de Niterói, 2021a.

NITERÓI. ITBI (Base de dados) Niterói: Secretaria Municipal de Fazenda; Prefeitura Municipal de Niterói, 2021b.

NITERÓI. SIGeo - Sistema de Gestão da Geoinformação Niterói: Prefeitura Municipal de Niterói , 2022. Disponível em: https://www.sigeo.niteroi.rj.gov.br Acesso em: 15 maio 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2022
  • Aceito
    06 Ago 2023
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