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O desenvolvimento lexical de crianças com deficiência auditiva e fatores associados

Resumos

OBJETIVO:

Estudar o desenvolvimento lexical de crianças com deficiência auditiva e analisar sua associação com aspectos assistenciais, características psicossociais da criança e socioeconômicas das famílias.

MÉTODOS:

Trata-se de um estudo transversal analítico, realizado em um Serviço de Atenção à Saúde Auditiva. Foram avaliadas 110 crianças com perda auditiva de grau leve a profundo, na idade de 6 a 10 anos de idade, usuárias de Aparelho de Amplificação Sonora Individual. Todas as crianças foram submetidas a testes de linguagem oral e escrita e de discriminação auditiva. Os responsáveis pelas crianças responderam a um questionário estruturado para levantamento dos dados da história pregressa e socioeconômicos, aos questionários sobre os recursos do ambiente familiar (RAF) e sobre capacidades e dificuldades dos comportamentos sociais (SDQ). Foi realizada análise multivariada pela técnica de regressão logística, sendo o modelo inicial composto pelas variáveis com valor p<0,20 na análise univariada. No modelo final, adotou-se nível de significância de 5%.

RESULTADOS:

O modelo final da análise multivariada mostrou associação entre o desempenho na prova de vocabulário e o resultado do teste de discriminação fonêmica (OR=0,81; IC95% 0,73-0,89).

CONCLUSÃO:

O resultado reforça a importância da estimulação do processamento auditivo, principalmente da habilidade de discriminação fonêmica, durante todo o processo de reabilitação da criança com deficiência auditiva. Essa estimulação poderá potencializar o desenvolvimento lexical e minimizar as dificuldades de metalinguagem e aprendizagem, frequentemente observadas nessas crianças.

Perda auditiva; Linguagem infantil; Auxiliares de audição; Percepção auditiva


PURPOSE:

This study aimed at analyzing the association between the lexical development of children with hearing impairment and their psychosocial and socioeconomic characteristics and medical history.

METHODS:

An analytic transversal study was conducted in an Auditive Health Attention Service. One hundred and ten children from 6 to 10 years old using hearing aids and presenting hearing loss that ranged from light to deep levels were evaluated. All children were subjected to oral, written language and auditory perception tests. Parents answered a structured questionnaire to collect data from their medical history and socioeconomic status, and questionnaires about the features of the family environment and psychosocial characteristics. Multivariate analysis was performed by logistic regression, being the initial model composed by variables with p<0,20 in the univariate analysis. In the final model, we adopted a significance level of 5%.

RESULTS:

The final model of the multivariate analysis showed an association between the performance on the vocabulary test and the results of phonemic discrimination test (OR=0.81; 95%CI 0.73-0.89).

CONCLUSION:

The results show the importance of stimulating the auditory processing, particularly the phonemic discrimination skill, throughout the rehabilitation process of children with hearing impairment. This stimulation can enhance lexical development and minimize the metalanguage and learning difficulties often observed in these children.

Hearing loss; Child language; Hearing aids; Auditory perception


INTRODUÇÃO

Um aspecto fundamental do desenvolvimento de linguagem é aprender as palavras e saber utilizá-las de forma correta. O acesso ao léxico mental possibilita ao indivíduo representar, por meio de palavras, um objeto, um sentimento ou uma ação( 11. Gândara JP, Befi-Lopes DM. Tendências da aquisição lexical em crianças em desenvolvimento normal e crianças com Alterações Específicas no Desenvolvimento da Linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):297-304. ).

A aquisição da linguagem e do vocabulário depende de condições biológicas inatas e sofre influências do ambiente no qual a criança está inserida, das relações sociais estabelecidas e de habilidades cognitivas e de memória. As habilidades de linguagem oral também dependem da integridade e maturação neuromuscular e, principalmente, da audição( 11. Gândara JP, Befi-Lopes DM. Tendências da aquisição lexical em crianças em desenvolvimento normal e crianças com Alterações Específicas no Desenvolvimento da Linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):297-304. , 22. Cachapuz RF, Halpern R. A influência das variáveis ambientais nodesenvolvimento da linguagem em uma amostra de crianças. Rev AMRIGS. 2006;50(4):292-301. ).

A audição, associada aos aspectos motores, de memória e de cognição, é determinante no desenvolvimento da linguagem oral. Para que ocorra o processamento da informação auditiva, o sinal acústico é recebido pelas estruturas periféricas e conduzido até o córtex auditivo. Ao longo da via auditiva, o som é processado e interpretado, o que se denomina processamento auditivo central. Para a interpretação desses padrões sonoros, é necessário o desenvolvimento das habilidades auditivas. No córtex auditivo, os padrões sonoros são interpretados e, consequentemente, ocorre a ativação de representações lexicais, análise gramatical e de contexto, estabelecendo a representação mental do estímulo linguístico e o armazenamento dessa representação na memória( 33. ASHA: American Speech-Language-Hearing Association [Internet] (Central) Auditory Processing Disorders. 2005 [cited 2013 Feb 15]. Available from: http://www.asha.org/docs/html/TR2005-00043.html
http://www.asha.org/docs/html/TR2005-000...
, 44. Pereira LD. Sistema auditivo e desenvolvimento de habilidades auditivas. In: Fernandes FDM, Mendes BC, Navas ALGP, organizadoras. Tratado de Fonoaudiologia. 2ª edição. São Paulo: Roca; 2010. p. 3-8. ).

A deficiência auditiva é uma doença de alta prevalência e a privação auditiva pode trazer prejuízos importantes para o desenvolvimento da linguagem oral. Assim, é necessário garantir às crianças com deficiência auditiva um diagnóstico precoce e uma intervenção fonoaudiológica eficaz para que os impactos dessa doença no desenvolvimento da criança sejam minimizados( 55. Fortunato CAU, Bevilacqua MC, Costa MPR. Análise comparativa da linguagem oral de crianças ouvintes e surdas usuárias de implante coclear. Rev CEFAC. 2009;11(4):662-72. ).

Nas crianças com deficiência auditiva, o desenvolvimento lexical pode apresentar atrasos ou alterações e apenas a intervenção fonoaudiológica, de forma isolada, não garante a efetividade da reabilitação. Muitas vezes, o sucesso esbarra na falta de estímulos e na ausência da participação dos pais no processo de reabilitação( 66. Mota JM, Tavares TF, Koji RT, Bento RF, Matas CG, Andrade CRF, et al. Efeito do programa de orientação a pais no desenvolvimento lexical de crianças usuárias de implante coclear. Arq Int Otorrinolaringol. 2011;15(1):54-8. , 77. Scopel RR, Souza VC, Lemos SMA. A influência do ambiente familiar e escolar na aquisição e no desenvolvimento da linguagem: revisão de literatura. Rev CEFAC. 2012;14(4):732-41. ).

Além do ambiente familiar, as características socioeconômicas e os riscos sociais podem exercer grande influência no desenvolvimento cognitivo e de linguagem( 88. Maria-Mengel MRS, Linhares MBM. Fatores de risco para problemas de desenvolvimento infantil. Rev Latino-am Enfermagem. 2007;15:837-42.

9. Costa MCM, Chiari BM. Verificação do desempenho de crianças deficientes auditivas oralizadas em teste de vocabulário. Pró-Fono. 2006;18(2):189-96.
- 1010. Ferreira MIO, Dornelas SA, Teófilo MMM, Alves LM. Avaliação do vocabulário expressivo em crianças surdas usuárias da língua brasileira de sinais. Rev CEFAC. 2012;14(1):9-17. ).

Na prática clínica, observa-se grande discrepância no desenvolvimento auditivo e de linguagem das crianças com deficiência auditiva, sendo essencial compreender as dificuldades enfrentadas por essas crianças e os fatores que influenciam seu desenvolvimento, tais como acompanhamento fonoaudiológico, fatores ambientais e socioeconômicos.

Dessa forma, este trabalho teve como objetivo estudar o desenvolvimento lexical de crianças com deficiência auditiva e analisar sua associação com aspectos assistenciais, características psicossociais da criança e socioeconômicas das famílias.

MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional analítico transversal com amostra não probabilística, realizado em um Serviço de Atenção à Saúde Auditiva (SASA) de Belo Horizonte, Minas Gerais, no período de setembro de 2011 a maio 2012.

Este estudo recebeu anuência da instituição onde o SASA está inserido e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob o parecer nº ETIC 0316.0.203.000-10. Todos os responsáveis pelas crianças que participaram do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

No estudo foram incluídas crianças com diagnóstico de perda auditiva, de grau leve a profundo, com idade de 6 a 10 anos e adaptadas com Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) nos anos de 2008 a 2010, sem afecções associadas e cujos pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O diagnostico da perda auditiva foi realizado por meio dos exames de imitanciometria e audiometria tonal e vocal.

Após levantamento realizado na base de dados do próprio serviço, 206 crianças foram identificadas. Considerando os critérios de exclusão (audição normal bilateralmente ou indicação de cirurgia otorrinolaringológica, presença de síndromes e alterações neurológicas associadas e óbito), a população elegível foi composta por 138 crianças. Destas, 110 pacientes puderam ser localizados e compareceram para avaliação.

Os responsáveis pelas crianças responderam a três questionários: o questionário estruturado desenvolvido pelas pesquisadoras, o inventário de recursos do ambiente familiar (RAF) e o questionário de dificuldades e capacidades do comportamento social (SDQ). A aplicação ocorreu em forma de entrevista sem a participação da criança.

O primeiro foi aplicado com objetivo de caracterizar a amostra, com os seguintes eixos temáticos: os indicadores de risco para perda auditiva ao nascimento, dados sobre diagnóstico auditivo, intervenção e acompanhamento fonoaudiológico, vida escolar e indicadores socioeconômicos.

Com o objetivo de avaliar o ambiente familiar, utilizou-se o questionário RAF - Inventário de Recursos do Ambiente Familiar( 1111. Marturano EM. O Inventário de Recursos do Ambiente Familiar. Psicol Reflex Crit. 2006;19(3):498-506. ), composto por dez questões semiestruturadas, que avaliam os recursos do ambiente familiar, divididas em três domínios: recursos que promovem os processos proximais; as atividades previsíveis que sinalizam algum grau de estabilidade na vida familiar e práticas parentais que promovem a ligação família-escola. Para análise do instrumento, utilizaram-se os critérios recomendados pela autora do RAF( 1111. Marturano EM. O Inventário de Recursos do Ambiente Familiar. Psicol Reflex Crit. 2006;19(3):498-506. ).

Para avaliação do comportamento social, utilizou-se o questionário SDQ( 1212. Fleitlich B, Cortazar PG, Goodman R. Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ). Infanto Rev Neuropsiquiatr Infanc Adolesc. 2000;8(1):44-50. ), composto por 25 perguntas semiestruturadas que avaliam o comportamento social, divididas em cinco subescalas: comportamento pró-social, hiperatividade, problemas emocionais, de conduta e de relacionamento. Para análise do instrumento, utilizaram-se os critérios recomendados pelos autores do teste( 1212. Fleitlich B, Cortazar PG, Goodman R. Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ). Infanto Rev Neuropsiquiatr Infanc Adolesc. 2000;8(1):44-50. ).

Para avaliação de linguagem, foi utilizado o protocolo Teste de Linguagem Infantil ABFW( 1313. Befi-Lopes D. Prova de Vocabulário (parte B). In: Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW: Teste de linguagem infantil nas áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática. São Paulo: Pró-Fono; 2000. p. 5-40. ), elaborado para crianças de três a 12 anos, composto por avaliações nas áreas da fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Nesta pesquisa, foram realizadas apenas as tarefas de fonologia e vocabulário. Este consiste na nomeação de 118 figuras, divididas em nove campos conceituais (vestuário, animais, alimentos, meios de transporte, móveis e utensílios profissionais, locais, formas e cores, brinquedos e instrumentos musicais). O registro das respostas das crianças foi realizado imediatamente após a nomeação, em folhas individuais, e, para análise, seguiu-se o critério estabelecido pela autora do teste( 1313. Befi-Lopes D. Prova de Vocabulário (parte B). In: Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW: Teste de linguagem infantil nas áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática. São Paulo: Pró-Fono; 2000. p. 5-40. ). A análise do desempenho global baseou-se na pontuação média de designações por vocábulos usuais (DVU) de todos os campos conceituais. Considerou-se como critério de normalidade valores acima de 71,5%, conforme sugerido pela literatura( 1414. Befi-Lopes DM. Prova de verificação do vocabulário: aspectos da efetividade como instrumento diagnóstico [Tese de Livre-Docência]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2002. ). Devido à heterogeneidade da amostra, esses testes foram aplicados apenas nas crianças cujos pais, no questionário estruturado, informaram que o filho se comunicava por meio de código linguístico oral.

Para avaliação da linguagem escrita, utilizou-se o Teste de Desempenho Escolar (TDE)( 1515. Stein LM. TDE - Teste de Desempenho Escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994. ), desenvolvido para avaliação de escolares de primeira a sexta série do ensino fundamental. É composto por três subtestes: escrita, aritmética e leitura. A classificação final do TDE e de cada subteste foi realizada conforme descrito pela autora do instrumento( 1515. Stein LM. TDE - Teste de Desempenho Escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994. ). Para a realização do TDE, foram considerados os critérios no subteste escrita: a criança conseguir escrever o próprio nome ou as cinco primeiras palavras da tarefa de ditado. E no subteste de leitura: a criança conseguir ler as cinco primeiras palavras apresentadas. Para análise do resultado do teste TDE, as categorias médio-inferior e médio-superior foram agrupadas na categoria médio.

O protocolo Teste de Figura para Discriminação Fonêmica (TFDF) foi utilizado para avaliação das habilidades auditivas( 1616. Carvalho BS. Teste de Figura para Discriminação Fonêmica [dissertação]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2007. ). O teste de figura para discriminação fonêmica é composto por 60 palavras, compondo 30 pares mínimos, que avalia a habilidade de discriminação fonêmica. O par mínimo foi apresentado por meio de figuras, devendo a criança identificar aquelas ditas pelo examinador. O score final foi classificado como adequado ou alterado, de acordo com a idade, conforme os critérios propostos pela literatura( 1616. Carvalho BS. Teste de Figura para Discriminação Fonêmica [dissertação]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2007. ). Considerou-se o score zero para aquelas crianças que não conseguiram realizar o teste.

O diagnóstico auditivo foi realizado segundo critérios estabelecidos pela literatura quanto ao grau e ao tipo( 1717. Loyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. Baltimore: University Park Press; 1978. ). Para análise da variável grau da perda auditiva, foi considerado o diagnóstico da melhor orelha e as crianças foram distribuídas em três grupos: grau leve a moderado; grau moderadamente severo a severo e grau profundo bilateral. Nos três grupos, havia crianças com perda auditiva dos tipos neurossensorial, misto e condutivo.

Apenas no caso das duas crianças que apresentaram normalidade em uma das orelhas, optou-se por incluí-las no grupo referente ao diagnóstico da pior orelha, uma vez que a perda auditiva unilateral pode influenciar no desenvolvimento de linguagem oral e escrita e das habilidades auditivas.

Os dados foram armazenados em formato eletrônico, com digitação dupla e verificação da consistência do banco de dados. Para processamento e análise dos dados, foi utilizado o pacote estatístico Epi Info 7.1.0.6.

Realizou-se análise descritiva da distribuição de frequência das variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis contínuas. Para verificar a associação entre o resultado da prova de vocabulário e os recursos do ambiente familiar, o comportamento social, os aspectos do acompanhamento fonoaudiológico, o diagnóstico auditivo e o desempenho nos testes auditivos, foram utilizados os testes de Kruskal-Wallis, ANOVA, χ2, e exato de Fisher. Foi realizada análise multivariada pela técnica de regressão logística, sendo o modelo inicial composto pelas variáveis com valor p<0,20 na análise univariada. As variáveis foram excluídas uma a uma de acordo com o maior valor de p em cada modelo (backward stepwise), até que todas as variáveis tivessem valor p<0,05 no modelo final.

RESULTADOS

As principais características das 110 crianças avaliadas neste estudo estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Características gerais das crianças avaliadas e suas famílias

Neste estudo, houve predominância do gênero masculino (61,8%) e a média de idade dos indivíduos avaliados foi de 8,5 anos. Entre as crianças avaliadas, 40% apresentavam indicadores de risco para perda auditiva em sua história pregressa.

Quanto ao diagnóstico auditivo, o tipo mais comum foi o neurossensorial (94,5%) para ambas as orelhas e foi encontrada uma maior ocorrência do grau moderadamente severo/severo (43,7%). Apesar de as frequências relativas ao tipo de perda na orelha direita coincidirem com os valores obtidos para a orelha esquerda, deve-se ressaltar que foram encontradas as mais diversas combinações dos tipos de perdas e que as duas crianças que apresentaram normalidade em uma das orelhas tinham perdas importantes na orelha oposta e, por isso, foram mantidas no estudo.

A maior parte das crianças avaliadas frequentava escola regular (83,6%), ingressou na escola até os seis anos de idade (90,9%), não estava cursando o ano escolar adequado para sua idade (62,7%) e grande parte das crianças (93,6%) apresentou resultado inferior no teste TDE.

A renda per capita mensal de até um salário mínimo foi relatada por 86,3% das famílias e 41,1% das mães completaram o ensino fundamental.

Na Tabela 2, serão apresentados aspectos assistenciais.

Tabela 2
Descrição dos aspectos assistenciais

No Serviço de Saúde Auditiva onde as crianças avaliadas neste estudo são acompanhadas, a idade de diagnóstico da perda auditiva apresentou uma mediana de 4,6 anos. Já a mediana da idade de adaptação do aparelho auditivo e idade de início da fonoterapia foram, respectivamente, de 5,8 e 4 anos.

Entre as crianças avaliadas neste estudo, 87,3% estavam em acompanhamento fonoaudiológico. Para a maior parte delas (77,7%), a fonoterapia era realizada menos de duas vezes por semana.

A Tabela 3 apresenta a descrição dos resultados encontrados na prova de vocabulário do teste ABFW. Essa prova foi realizada apenas nas crianças oralizadas (n=80).

Tabela 3
Aspectos descritivos dos resultados da prova de vocabulário

Observou-se grande variação nos resultados da prova de vocabulário, sendo que a mediana de DVU consideradas adequadas foi de 65,2%. A mediana de omissões de palavras (dez por criança) foi maior que a de substituições (oito por criança). Os processos de substituição mais frequentemente observados foram o co-hipônimo proximal (43,1%) e o hipônimo (22%), embora vários outros tipos tenham sido utilizados por várias crianças.

A Tabela 4 apresenta a análise da associação entre o resultado na prova de vocabulário e as variáveis relacionadas ao acompanhamento fonoaudiológico, às questões socioeconômicas, aos aspectos do comportamento social e do ambiente familiar. As variáveis incluídas no modelo inicial da análise multivariada estão destacadas na coluna valor p da Tabela 4.

Tabela 4
Análise da associação entre o resultado da prova de vocabulário e as variáveis de acompanhamento fonoaudiológico, questões socioeconômicas, aspectos do comportamento social e do ambiente familiar

Considerando o tipo de perda auditiva, o grupo que apresentou o maior número de crianças com resultado adequado na prova do vocabulário foi o de perda leve a moderada, embora apenas metade das crianças desse grupo tenha alcançado esse resultado.

Observou-se maior frequência de crianças com desempenho adequado na prova de vocabulário entre as que não apresentavam indicador de risco para perda auditiva, que estavam em acompanhamento fonoaudiológico e que frequentavam escola regular. Contudo, um melhor desempenho na prova de vocabulário foi observado nas crianças que tiveram resultado do SDQ alterado, renda per capita inferior a um salário mínimo e que frequentavam fonoterapia uma vez por semana ou menos.

As crianças cujo resultado na prova de vocabulário foi considerado adequado eram mais velhas, apresentaram maior pontuação no TFDF e no RAF e suas mães eram mais velhas do que as demais.

Na Tabela 5, está descrito o modelo final da análise multivariada.

Tabela 5
Modelo final da análise multivariada

O resultado do TFDF apresentou associação independente com o desempenho na prova de vocabulário. Para cada ponto a mais no TFDF, a chance de a criança ter resultado alterado na prova de vocabulário diminuiu em 20%.

DISCUSSÃO

Este estudo foi realizado em um Serviço de Saúde Auditiva, referência em alta complexidade, de uma instituição pública que atende à população da macrorregião centro do Estado de Minas Gerais. As crianças avaliadas tinham em média de 8,5 anos de idade, a maioria delas frequentava escola regular e ingressou na escola antes dos 6 anos de idade. A presença de indicadores de risco para perda auditiva na história pregressa foi observada em um grande número de crianças avaliadas neste estudo. O tipo de perda auditiva mais frequente foi o neurossensorial e o grupo de perda auditiva de grau moderadamente severo/severo foi o que apresentou maior número de crianças.

Em relação aos aspectos assistenciais, observa-se que a idade de diagnóstico da perda auditiva, a idade de adaptação do AASI e o acompanhamento em fonoterapia não contemplaram as recomendações da literatura( 1818. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em saúde auditiva: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:121-8. , 1919. Joint Committee of Infant Hearing. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921. ). O diagnóstico da perda auditiva deve ser realizado até o terceiro mês de vida e a intervenção fonoaudiológica deve ser iniciada antes do sexto mês de vida( 1818. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em saúde auditiva: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:121-8. , 1919. Joint Committee of Infant Hearing. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921. ). Melhores resultados poderiam ter sido encontrados, caso as crianças avaliadas tivessem sido submetidas ao diagnóstico precoce por meio do Programa de Triagem Auditiva Neonatal (TAN). Em Minas Gerais, a lei estadual que recomenda a realização da TAN foi instituída em 2007( 2020. Minas Gerais. Secretaria de Estado da Saúde [Internet]. Resolução 1.321, de 18 de outubro de 2007 [cited 2013 Feb 03]. Available from: http://www.saude.mg.gov.br/atos_normativos/legislacao-sanitaria/estabelecimentos-de-saude/saude-auditiva/Resolucao%20SES-MG%20no%201321,%20de%2018-10-2007.pdf
http://www.saude.mg.gov.br/atos_normativ...
), data posterior ao nascimento desses pacientes.

Segundo a literatura, o diagnóstico precoce, juntamente com o uso sistemático do AASI e o acompanhamento fonoaudiológico adequado, otimiza o desenvolvimento linguístico das crianças com deficiência auditiva( 55. Fortunato CAU, Bevilacqua MC, Costa MPR. Análise comparativa da linguagem oral de crianças ouvintes e surdas usuárias de implante coclear. Rev CEFAC. 2009;11(4):662-72. ). O tempo de privação auditiva, os aspectos psicossociais, socioeconômicos e ambientais também podem influenciar o desenvolvimento lexical dessas crianças( 2121. Angelo TCS, Bevilacqua MC, Moret ALM. Percepção da fala em deficientes auditivos pré-linguais usuários de implante coclear. Pró-Fono. 2010;22(3):275-80. , 2222. Yehudai N, Tzach N, Shpak T, Most T, Luntz M. Demographic factors influencing educational placement of the hearing-impaired child with a cochlear implant. Otol Neurotol. 2011;32(6):943-7. ).

O desenvolvimento lexical das crianças com deficiência auditiva avaliadas neste estudo mostrou-se aquém do esperado. Observou-se uma grande variação no número de DVU entre as crianças avaliadas. É importante ressaltar que a amostra foi composta por crianças com deficiência auditiva de grau leve a profundo. Conforme descrito na literatura, alteração no desenvolvimento da linguagem oral decorrente da dificuldade na percepção auditiva está diretamente relacionada ao grau da deficiência auditiva. À medida que o grau da deficiência auditiva aumenta, a dificuldade na percepção de fala também aumenta e, consequentemente, as alterações em sua produção oral serão maiores e mais significativas. O resíduo auditivo e o ganho funcional do aparelho de amplificação sonora individual também são de fundamental importância no desenvolvimento da linguagem oral de crianças com deficiência auditiva( 2323. Pereira KL, Garcia VL. Análise da produção fonética em crianças deficientes auditivas. Rev CEFAC. 2005;7(4):473-82. ).

O maior número de omissões de palavras em relação ao número de processos de substituição de palavras não é corroborado pela literatura, que relata que é mais comum a criança substituir uma palavra do que não nomeá-la( 2424. Brazorotto JS. Crianças usuárias de implante coclear: desempenho acadêmico, expectativas dos pais e professores [Tese]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2008. ). Contudo, nas crianças com deficiência auditiva, a dificuldade de reconhecimento auditivo e de compreensão auditiva, ou seja, na linguagem receptiva, pode gerar grande impacto na linguagem expressiva( 1010. Ferreira MIO, Dornelas SA, Teófilo MMM, Alves LM. Avaliação do vocabulário expressivo em crianças surdas usuárias da língua brasileira de sinais. Rev CEFAC. 2012;14(1):9-17. ).

A maior ocorrência de substituições do tipo co-hipônimo proximal e hipônimos revela uma substituição de palavras por outras com atributos semânticos próximos, indicando um conhecimento prévio a respeito do objeto a ser nomeado, porém ressalta um atraso no desenvolvimento lexical( 2525. Brancalioni AR, Marini C, Cavalheiro LG, Keske-Soares M. Desempenho em prova de vocabulário de crianças com desvio fonológico e com desenvolvimento fonológico normal. Rev CEFAC. 2011;13(3):428-36. , 2626. Chilosi AM, Comparini A, Scusa MF, Orazini L, Forli F, Cipriani P, et al. A longitudinal study of lexical and grammar development in deaf Italian children provided with early cochlear implantation. Ear Hear. 2013;34(3):28-37. ). Pode-se inferir que a criança aproxima-se da classe semântica, mas falha no acesso lexical para a faixa etária.

A idade é outro fator que pode influenciar o desenvolvimento de linguagem das crianças. As mais velhas apresentam um repertório maior de palavras em relação às mais novas( 2727. Befi-Lopes DM, Gândara JP, Felisbino FS. Categorização semântica e aquisição lexical: desempenho de crianças com alteração do desenvolvimento de linguagem. Rev CEFAC. 2006;8(2):155-61. ). Um estudo nacional que avaliou o vocabulário expressivo de 21 crianças com deficiência auditiva oralizadas observou que as crianças mais velhas mostravam maior conhecimento de vocábulos na maioria dos campos avaliados por meio do teste ABFW( 99. Costa MCM, Chiari BM. Verificação do desempenho de crianças deficientes auditivas oralizadas em teste de vocabulário. Pró-Fono. 2006;18(2):189-96. ). Resultados semelhantes foram encontrados no presente estudo, embora não tenha sido demonstrada associação independente entre a idade das crianças e o resultado no teste de vocabulário.

O tipo de escola frequentada pela criança com deficiência auditiva também pode influenciar o seu desempenho lexical. Neste estudo, a maioria das crianças estudava em escola regular e um melhor desempenho na prova de vocabulário foi observado para esse grupo. A experiência sociointeracional das crianças com deficiência auditiva que convivem com alunos ouvintes pode favorecer o seu desenvolvimento lexical, influenciando de forma positiva a linguagem oral dessas crianças( 77. Scopel RR, Souza VC, Lemos SMA. A influência do ambiente familiar e escolar na aquisição e no desenvolvimento da linguagem: revisão de literatura. Rev CEFAC. 2012;14(4):732-41. , 1010. Ferreira MIO, Dornelas SA, Teófilo MMM, Alves LM. Avaliação do vocabulário expressivo em crianças surdas usuárias da língua brasileira de sinais. Rev CEFAC. 2012;14(1):9-17. ). Essa análise, no entanto, não foi realizada no presente estudo.

A maior parte dos pais incluídos neste estudo já havia sido convocada pela escola devido a problemas na aprendizagem de seus filhos. A falta de acuidade auditiva, associada às alterações de linguagem encontradas nas crianças com deficiência auditiva, é um fator que pode interferir no processo de aprendizagem. Além disso, o desconhecimento sobre a perda auditiva e o despreparo dos professores das escolas regulares para o ensino e para a avaliação das crianças com deficiência auditiva podem agravar as dificuldades no processo de leitura e escrita desses alunos( 2424. Brazorotto JS. Crianças usuárias de implante coclear: desempenho acadêmico, expectativas dos pais e professores [Tese]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2008. , 2828. Silva DRC, Santos LM, Lemos SMA, Carvalho SAS, Perin RM. Conhecimentos e práticas de professores de educação infantil sobre crianças com alterações auditivas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):197-205. , 2929. Luccas MRZ, Chiari BM, Goulart BNG. Compreensão de leitura de alunos surdos na rede regular de ensino. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(4):342-7. ).

Essa dificuldade no desenvolvimento da leitura e escrita é constatada no grande número de crianças com desempenho inferior no teste TDE. Esse baixo desempenho pode ser justificado pela dificuldade apresentada pelas crianças com deficiência auditiva nas tarefas de linguagem oral e também na habilidade de discriminação auditiva avaliada no teste TFDF. O processo de aprendizagem é complexo e a privação auditiva pode trazer prejuízos importantes, principalmente no domínio das capacidades de simbolização, generalização, manipulação dos sons e consciência fonológica, que são fundamentais na aprendizagem e são pouco desenvolvidas nessas crianças( 3030. Schirmer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. J Pediatr (Rio J). 2004;80(2):S95-S103. ). O déficit sensorial, incluindo a perda auditiva unilateral, associado às alterações lexicais e fonológicas, pode acarretar dificuldades na leitura e na escrita, sendo necessária uma maior quantidade de recursos concretos e visuais para minimizar as dificuldades de aprendizagem( 2424. Brazorotto JS. Crianças usuárias de implante coclear: desempenho acadêmico, expectativas dos pais e professores [Tese]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2008. , 3131. Nishihata R, Vieira MR, Pereira LD, Chiari BM. Processamento temporal, localização e fechamento auditivo em portadores de perda auditiva unilateral. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):266-73. ).

A literatura relata que o desenvolvimento lexical pode ser influenciado pela renda familiar e pelo número de anos de estudo dos pais( 88. Maria-Mengel MRS, Linhares MBM. Fatores de risco para problemas de desenvolvimento infantil. Rev Latino-am Enfermagem. 2007;15:837-42. , 2222. Yehudai N, Tzach N, Shpak T, Most T, Luntz M. Demographic factors influencing educational placement of the hearing-impaired child with a cochlear implant. Otol Neurotol. 2011;32(6):943-7. ). Neste estudo, não foi encontrada associação entre essas variáveis. Contudo, sabe-se que modelos verbais, fornecidos pelo meio, podem influeciar no desenvolvimento da linguagem pela sua quantidade, qualidade e por suas relações com a situação vivida pela criança( 2222. Yehudai N, Tzach N, Shpak T, Most T, Luntz M. Demographic factors influencing educational placement of the hearing-impaired child with a cochlear implant. Otol Neurotol. 2011;32(6):943-7. ). Estudo realizado no Brasil demonstra que famílias com renda per capita alta e com mais anos de estudos, incluindo curso superior, tendem a produzir sentenças completas, utilizando maior variação sintática e melhor complexidade gramatical, o que influencia positivamente o desenvolvimento da linguagem oral( 88. Maria-Mengel MRS, Linhares MBM. Fatores de risco para problemas de desenvolvimento infantil. Rev Latino-am Enfermagem. 2007;15:837-42. ). A associação independente dos fatores socioeconômicos e demográficos com o desenvolvimento lexical das crianças não pôde ser confirmada no presente estudo.

Quanto ao comportamento social, a criança com queixa emocional, problemas de conduta, de relacionamento ou hiperatividade pode apresentar dificuldade nas interações sociais, na manutenção da atenção e no desenvolvimento das habilidades comunicativas( 3232. Stivanin L, Scheuer CI, Assumpção-Junior FB. SDQ (Strengths and Difficulties Questionnaire): identificação de características comportamentais de crianças leitoras. Psicol Reflex Crit. 2008;24(4):407-13. ). É por meio da experiência e do contexto que a criança é capaz de aprender o significado de uma nova palavra. A criança com deficiência auditiva pode ter menos oportunidades de interação social devido à sua dificuldade de linguagem( 3232. Stivanin L, Scheuer CI, Assumpção-Junior FB. SDQ (Strengths and Difficulties Questionnaire): identificação de características comportamentais de crianças leitoras. Psicol Reflex Crit. 2008;24(4):407-13. ). No entanto, neste estudo, não foi observada associação entre o desempenho na prova de vocabulário e o resultado do teste SDQ.

O ambiente familiar estimulador é descrito na literatura como fundamental no processo de desenvolvimento da linguagem da criança com deficiência auditiva. A família é um agente modificador da realidade da criança, tanto positiva como negativamente. Um ambiente com qualidade de estimulação pode constituir um fator de proteção para alterações no desenvolvimento de linguagem( 2222. Yehudai N, Tzach N, Shpak T, Most T, Luntz M. Demographic factors influencing educational placement of the hearing-impaired child with a cochlear implant. Otol Neurotol. 2011;32(6):943-7. ). Por outro lado, um ambiente familiar com poucos recursos, com dificuldades nas relações interpessoais e financeiras pode trazer consequências para a aquisição de linguagem, assim como problemas de caráter físico, emocional e psíquico para a criança( 88. Maria-Mengel MRS, Linhares MBM. Fatores de risco para problemas de desenvolvimento infantil. Rev Latino-am Enfermagem. 2007;15:837-42. ). Contudo, neste estudo, não foi demonstrada associação entre o desenvolvimento lexical e os recursos do ambiente familiar.

Apesar de diversos fatores estudados poderem influenciar o desenvolvimento lexical das crianças com deficiência auditiva, apenas o resultado do teste auditivo TFDF mostrou-se associado, independentemente, ao resultado da prova de vocabulário. Foi demonstrada uma relação inversa entre essas variáveis, isto é, quanto melhor a pontuação no TFDF, menor a chance de a criança apresentar alteração na prova do vocabulário, confirmando que a presença da habilidade de discriminação fonêmica favorece o desenvolvimento lexical( 3333. Lee Y, Yim D, Sim H. Phonological processing skills and its relevance to receptive vocabulary development in children with early cochlear implantation. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76(12):1755-60. ). A aquisição lexical requer o estabelecimento de uma correspondência entre a forma fonológica de uma palavra e sua representação semântica. Esses aspectos são fortemente influenciados pelo desenvolvimento das habilidades auditivas, que, na maioria das vezes, nesse grupo de crianças, estão prejudicadas( 3131. Nishihata R, Vieira MR, Pereira LD, Chiari BM. Processamento temporal, localização e fechamento auditivo em portadores de perda auditiva unilateral. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):266-73. , 3333. Lee Y, Yim D, Sim H. Phonological processing skills and its relevance to receptive vocabulary development in children with early cochlear implantation. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76(12):1755-60. ).

Esse resultado reforça a importância do processamento auditivo no desenvolvimento auditivo e de linguagem da criança com deficiência auditiva. Independentemente do grau da perda auditiva, um bom desempenho na habilidade de discriminação fonêmica permite ao indivíduo um desenvolvimento lexical adequado. É necessário que mecanismos fisiológicos, tais como a discriminação da fonte sonora e de sons em sequência, o processamento temporal, o reconhecimento de sons fisicamente distorcidos, o reconhecimento de sons verbais e não verbais em escuta monótica ou dicótica, atuem para que a compreensão auditiva ocorra de forma satisfatória( 44. Pereira LD. Sistema auditivo e desenvolvimento de habilidades auditivas. In: Fernandes FDM, Mendes BC, Navas ALGP, organizadoras. Tratado de Fonoaudiologia. 2ª edição. São Paulo: Roca; 2010. p. 3-8. ).

Na criança com deficiência auditiva, além da alteração no sistema periférico, uma dificuldade funcional do sistema auditivo central também pode estar presente. Sendo assim, todo o processamento do sinal acústico pode estar comprometido, prejudicando a percepção e a compreensão da fala. É comum haver prejuízos no desenvolvimento lexical dessas crianças e, consequentemente, comprometimento do desenvolvimento fonológico, de metalinguagem e de aprendizagem( 33. ASHA: American Speech-Language-Hearing Association [Internet] (Central) Auditory Processing Disorders. 2005 [cited 2013 Feb 15]. Available from: http://www.asha.org/docs/html/TR2005-00043.html
http://www.asha.org/docs/html/TR2005-000...
). A literatura também reforça a importância da consciência fonológica no desenvolvimento lexical das crianças com deficiência auditiva( 3333. Lee Y, Yim D, Sim H. Phonological processing skills and its relevance to receptive vocabulary development in children with early cochlear implantation. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76(12):1755-60. ).

O uso do dispositivo eletrônico associado ao acompanhamento fonoaudiológico com ênfase em estimulação auditiva pode favorecer a plasticidade neural e possibilitar uma melhor qualidade de processamento das informações nas crianças com deficiência auditiva( 3434. Zalcman TE, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em indivíduos com o transtorno de processamento auditivo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):310-4. ). Os primeiros anos de vida são considerados críticos para o desenvolvimento auditivo e de linguagem da criança, pois é na infância que ocorre o ápice do processo de maturação do sistema auditivo central( 2121. Angelo TCS, Bevilacqua MC, Moret ALM. Percepção da fala em deficientes auditivos pré-linguais usuários de implante coclear. Pró-Fono. 2010;22(3):275-80. ). Uma intervenção fonoaudiológica tardia pode trazer prejuízos irreversíveis para a criança( 2424. Brazorotto JS. Crianças usuárias de implante coclear: desempenho acadêmico, expectativas dos pais e professores [Tese]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2008. ).

No presente estudo, o único fator associado às alterações de vocabulário foi o resultado do TFDF. Porém, tanto na prática clínica quanto na literatura, observa-se que os fatores assistenciais, socioeconômicos, ambientais e o comportamento social também podem interferir no desenvolvimento lexical. As discrepâncias entre os resultados apresentados neste estudo e nos demais podem ser justificadas pelas diferentes abordagens estatísticas( 55. Fortunato CAU, Bevilacqua MC, Costa MPR. Análise comparativa da linguagem oral de crianças ouvintes e surdas usuárias de implante coclear. Rev CEFAC. 2009;11(4):662-72. , 88. Maria-Mengel MRS, Linhares MBM. Fatores de risco para problemas de desenvolvimento infantil. Rev Latino-am Enfermagem. 2007;15:837-42. , 99. Costa MCM, Chiari BM. Verificação do desempenho de crianças deficientes auditivas oralizadas em teste de vocabulário. Pró-Fono. 2006;18(2):189-96. ). Devido à relevância do tema e para uma melhor compreensão do processo de desenvolvimento da linguagem de crianças com deficiência auditiva, é importante a realização de estudos longitudinais, com padronização de métodos e técnicas de abordagens específicas para esse grupo de crianças.

Chama atenção a falta de testes padronizados com valores de referência para crianças com deficiência auditiva na literatura nacional, o que dificultou a comparação dos resultados encontrados com os de outros estudos já publicados.

CONCLUSÃO

O resultado do teste auditivo TFDF mostrou associação com o resultado da prova de vocabulário, indicando que a presença da habilidade de discriminação fonêmica favorece o desenvolvimento lexical. Não foi observada associação entre o desempenho no teste de vocabulário e as variáveis socioeconômicas, ambientais e de comportamento social estudadas.

Esse resultado ressalta a importância da estimulação das habilidades de discriminação fonêmica e do processamento auditivo nas crianças com deficiência auditiva, durante todo o processo de reabilitação fonoaudiológica. Essa estimulação auditiva pode trazer benefícios para o desenvolvimento lexical, assim como para o desenvolvimento fonológico, habilidades metalinguísticas e de aprendizagem, frequentemente prejudicadas nesses indivíduos.

AGRADECIMENTO

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio financeiro.

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  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.
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    LMP foi responsável pelo projeto, coleta, tabulação dos dados e redação do manuscrito; SMAL supervisionou a coleta e orientação da etapa de elaboração e redação do manuscrito; CRLA foi responsável pelo delineamento do estudo e supervisão geral das etapas de execução, análise de dados e elaboração e redação do manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2013
  • Aceito
    17 Mar 2014
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