Acessibilidade / Reportar erro

Perfil da fluência: comparação entre falantes do Português Brasileiro e do Português Europeu

Resumos

O objetivo do estudo foi comparar a fluência de fala de falantes do Português Brasileiro com a de falantes do Português Europeu. Participaram deste estudo 76 indivíduos, sem distinção de raça e cor, com idades entre 18 e 29 anos, sendo 38 residentes no Brasil e 38 em Portugal. Foram obtidas amostras de fala de todos os participantes e analisadas segundo as variáveis de tipologia e frequência das disfluências e velocidade de fala. Foi realizada análise estatística descritiva e inferencial para verificar a associação entre as variáveis do perfil da fluência e da variante linguística. Foi observado que a velocidade de fala dos falantes do Português Europeu em palavras por minuto (p=0,004) é maior que a dos falantes do Português Brasileiro. A distribuição qualitativa das tipologias das disfluências comuns (p<0,001) também diferencia as variantes linguísticas. Enquanto não há um perfil de fluência de fala dos falantes do Português Europeu, para se estabelecer um diagnóstico de gagueira, os fonoaudiólogos podem utilizar em Portugal a mesma avaliação de fluência de fala utilizada no Brasil, principalmente no que se refere às disfluências comuns e gagas, tendo cuidado apenas no que se refere à velocidade de fala.


The purpose of the study was to compare the speech fluency of Brazilian Portuguese speakers with that of European Portuguese speakers. The study participants were 76 individuals of any ethnicity or skin color aged 18-29 years. Of the participants, 38 lived in Brazil and 38 in Portugal. Speech samples from all participants were obtained and analyzed according to the variables of typology and frequency of speech disruptions and speech rate. Descriptive and inferential statistical analyses were performed to assess the association between the fluency profile and linguistic variant variables. We found that the speech rate of European Portuguese speakers was higher than the speech rate of Brazilian Portuguese speakers in words per minute (p=0.004). The qualitative distribution of the typology of common dysfluencies (p<0.001) also discriminated between the linguistic variants. While a speech fluency profile of European Portuguese speakers is not available, speech therapists in Portugal can use the same speech fluency assessment as has been used in Brazil to establish a diagnosis of stuttering, especially in regard to typical and stuttering dysfluencies, with care taken when evaluating the speech rate.


INTRODUÇÃO

Estudos mostram que a língua portuguesa falada no Brasil e em Portugal apresenta algumas diferenças em vários níveis linguísticos( 11. Silva AS. Integrando a variação social e métodos quantitativos na investigação sobre linguagem e cognição: para uma sociolinguística cognitiva do português europeu e brasileiro. Rev Est Ling. 2008;16(1):49-81. ), sejam esses semânticos, morfossintáticos, fonéticos/fonológicos, dentre outros. As distinções entre o Português Brasileiro (PB) e o Português Europeu (PE) vão além do nível segmental, alcançando também o prosódico( 22. Frota S, Vigário M. Aspectos de prosódia comparada: ritmo e entoação no PE e no PB. In: Actas do XV Encontro da Associação Portuguesa de Linguística; 2000 Set 29-Out 01; Braga. Braga: APL; 2000; 533-55. , 33. Cruz M. Gaguez: em busca de um padrão prosódico e entoacional dissertação. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; 2009. ). Questiona-se, então, se os padrões de fluência da fala, foco deste estudo, também apresentariam suas particularidades no PE e no PB.

Os parâmetros comumente encontrados para avaliar objetivamente a fluência de fala são as disfluências comuns, disfluências gagas, porcentagem de descontinuidade de fala ou taxa total de rupturas, porcentagem de sílabas gaguejadas e velocidade de fala( 44. Andrade CRF, Martins VO. Influencia del sexo y el nivel educativo en la fluidez del habla en personas adultas. Revista de Logopedia Foniatría y Audiología. 2011;31(2):74-81. ), a última também denominada taxa de elocução e/ou taxa de articulação( 55. Celeste LC, Reis C. Expressão de certeza e duvida na gagueira: estudo dos aspectos temporais da fala. Rev CEFAC. 2013;15(6):1609-20. , 66. Oliveira CMC, Broglio G, Bernardes APL, Capellini SA. Relação entre taxa de elocução e descontinuidade da fala na taquifemia. CoDAS. 2013;25(1):59-63. ).

Tais parâmetros têm sido pesquisados no Brasil, traçando perfil normativo em falantes fluentes( 44. Andrade CRF, Martins VO. Influencia del sexo y el nivel educativo en la fluidez del habla en personas adultas. Revista de Logopedia Foniatría y Audiología. 2011;31(2):74-81. , 77. Martins VO. Variação da fluência da fala em falantes do Português Brasileiro: quatro estudos [tese]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; 2007. , 88. Delfino A, Magalhães JO. Estudo prosódico das disfluências de reparo. ReVEL. 2010;8(15):181-207. ) e caracterizando diferentes distúrbios da comunicação( 55. Celeste LC, Reis C. Expressão de certeza e duvida na gagueira: estudo dos aspectos temporais da fala. Rev CEFAC. 2013;15(6):1609-20. , 99. Ganthous G, Rossi NF, Giacheti CM. Aspectos da fluência na narrativa oral de indivíduos com Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal. Audiol Commun Res. 2013;18(1):37-42.

10. Oliveira CMC, Bernardes APL, Broglio GAF, Capellini SA. Perfil da fluência de indivíduos com taquifemia. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(4):445-50.
- 1111. Oliveira CMC, Fiorin M, Nogueira PR, laroza CP. Perfil da fluência: análise comparativa entre gagueira desenvolvimental persistente familial e isolada. Rev CEFAC. 2013;15(6):1627-34. ). Entretanto, há carência de estudos que descrevam o perfil de fluência da fala do PE( 33. Cruz M. Gaguez: em busca de um padrão prosódico e entoacional dissertação. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; 2009. ).

A avaliação da fluência é de extrema relevância para fornecer parâmetros sobre a efetividade da linguagem, e não somente para o diagnóstico da gagueira( 1212. Souza R, Andrade CRF. O perfil da fluência de fala e linguagem de crianças nascidas pré-termo. Pediatria. 2002;26(2):90-6. ) e de outros distúrbios da comunicação. Neste sentido, estudos que proporcionem valores de referência para falantes fluentes, considerando as particularidades de cada língua, são importantes para aumentar a precisão diagnóstica( 77. Martins VO. Variação da fluência da fala em falantes do Português Brasileiro: quatro estudos [tese]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; 2007. ).

O objetivo do presente trabalho é comparar parâmetros da fluência de adultos falantes nativos do PB e do PE.

MÉTODOS

A presente pesquisa foi apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob protocolo CAAE 01460612.4.0000.5149, com autorização da área Departamental do Curso de Terapia da Fala da Universidade do Algarve (Portugal). Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participaram deste estudo 76 sujeitos de ambos os gêneros, sem distinção de raça e cor, sendo 38 residentes na região metropolitana de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, Brasil, e 38 residentes na cidade de Faro, capital do Distrito de Faro, da região do Algarve, Portugal. Todos os sujeitos tinham entre 18 e 29 anos de idade.

Como critério de exclusão, os participantes não poderiam apresentar queixa pessoal e/ou familiar de gagueira e/ou déficits de comunicação ou de saúde que comprometessem a produção de fala.

A metodologia utilizada para coleta e análise das amostras de fala leva em conta os seguintes parâmetros de fluência: tipologia das rupturas (disfluências comuns - hesitação, interjeição, revisão, repetição de palavras e/ou segmento e/ou frase, palavra não terminada -, e disfluências gagas - repetição de sílabas e/ou sons, prolongamento, bloqueio, pausa, intrusão de som e/ou segmento); velocidade de fala, em palavras e sílabas por minuto; e frequência de rupturas (porcentagem de descontinuidade de fala e de disfluências gagas)( 1313. Andrade CRF. Protocolo para avaliação da fluência da fala. Pró-Fono. 2000;12(2):131-4. ).

Foi realizada análise descritiva dos dados, sendo calculados valores como a mediana, média e o desvio-padrão. Para analisar a independência entre os grupos em estudo foi utilizado o Teste do χ2. Já para a comparação de medianas, foi usado o Teste não paramétrico de Mann-Whitney. Considerou-se nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Com relação à tipologia das disfluências, a Tabela 1 apresenta os valores encontrados para PB e PE, bem como a sua distribuição qualitativa.

Tabela 1.
Comparação da distribuição das disfluências comuns e gagas entre os falantes da variante mineira do Português Brasileiro e da variante algárvia do Português Europeu

Os dois grupos de falantes foram comparados para cada tipologia das disfluências. A variável "hesitação" apresentou diferença significativa (p=0,006), com maior mediana para os falantes do PE (9,0 versus 7,0). As variáveis "repetição de segmento" e "repetição de sons" também apresentaram diferença significativa (p=0,005 e p=0,048, respectivamente). Apesar das medianas serem iguais (menores que zero), elas não se distribuem igualmente entre os países, com valores maiores para o PB.

Os resultados e a comparação dos parâmetros do perfil de fluência estão dispostos na Tabela 2.

Tabela 2.
Comparação entre o perfil da fluência da fala de adultos falantes da variante mineira do Português Brasileiro e da variante algárvia do Português Europeu

DISCUSSÃO

Neste estudo foi levantado o perfil da fluência de fala de um grupo de jovens adultos falantes da variante mineira do PB e um grupo de jovens adultos falantes da variante algárvia do PE.

Quanto ao número total de disfluências comuns e gagas, tanto PB quanto PE apresentam resultados próximos ao descrito na literatura( 44. Andrade CRF, Martins VO. Influencia del sexo y el nivel educativo en la fluidez del habla en personas adultas. Revista de Logopedia Foniatría y Audiología. 2011;31(2):74-81. , 1414. Martins VO, Andrade CRF. Perfil evolutivo da fluência da fala de falantes do português brasileiro. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(1):7-12. ). Apesar de não se diferenciarem quantitativamente, foi verificada divergência qualitativa na tipologia das disfluências: no PB encontrou-se com maior frequência a revisão, palavra não terminada e repetição de segmento, enquanto os falantes do PE utilizam mais hesitações e repetição de palavras.

Devido ao número reduzido de informantes desta pesquisa, que surge como uma tentativa inicial de levantar questões acerca da variabilidade entre PB e PE, sugere-se que um estudo mais aprofundado sobre a tipologia das disfluência seja conduzido a fim de esclarecer melhor essa particularidade. Entretanto, enquanto não for estabelecido o perfil da fluência de adultos do PE, os valores de normalidade dos seis parâmetros da fluência poderão ser utilizados na avaliação destes indivíduos.

No que diz respeito à velocidade de fala, os falantes do PE apresentam taxa mais elevada que a dos falantes do PB somente para palavras por minuto, sem diferença estatística quanto às sílabas por minuto. Uma das possíveis explicações para essa diferença é a distribuição qualitativa das disfluências: no PB observam-se mais disfluências do tipo revisão. Em um estudo sobre as disfluências de revisão, os autores concluíram que há diminuição da velocidade de fala no momento da pronúncia dessa disfluência( 88. Delfino A, Magalhães JO. Estudo prosódico das disfluências de reparo. ReVEL. 2010;8(15):181-207. ), o que poderia, na relação dos níveis segmental e suprassegmental, influenciar nesse parâmetro. Outra explicação seria o alto valor de desvio-padrão, fato encontrado em diversos estudos que envolvem a velocidade de fala( 55. Celeste LC, Reis C. Expressão de certeza e duvida na gagueira: estudo dos aspectos temporais da fala. Rev CEFAC. 2013;15(6):1609-20. , 77. Martins VO. Variação da fluência da fala em falantes do Português Brasileiro: quatro estudos [tese]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; 2007. , 99. Ganthous G, Rossi NF, Giacheti CM. Aspectos da fluência na narrativa oral de indivíduos com Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal. Audiol Commun Res. 2013;18(1):37-42. ).

Apesar de os estudos que consideram a medida sílaba por minuto apresentarem resultados com alguma variação, no PB considera-se que esses valores podem variar entre 202,9 e os 247,6( 44. Andrade CRF, Martins VO. Influencia del sexo y el nivel educativo en la fluidez del habla en personas adultas. Revista de Logopedia Foniatría y Audiología. 2011;31(2):74-81. , 55. Celeste LC, Reis C. Expressão de certeza e duvida na gagueira: estudo dos aspectos temporais da fala. Rev CEFAC. 2013;15(6):1609-20. , 1010. Oliveira CMC, Bernardes APL, Broglio GAF, Capellini SA. Perfil da fluência de indivíduos com taquifemia. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(4):445-50. , 1414. Martins VO, Andrade CRF. Perfil evolutivo da fluência da fala de falantes do português brasileiro. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(1):7-12. ). Eles são concordantes com os encontrados neste estudo tanto para o PB quanto para o PE.

CONCLUSÃO

Os parâmetros analisados neste estudo sobre o perfil de fluência apontaram tendência de similaridade entre o PB e o PE. No entanto, observou-se que a velocidade de fala dos falantes do PE é maior que a dos falantes do PB em palavras por minuto. Apesar de a quantidade de disfluências comuns ser semelhante, a sua distribuição qualitativa diferencia uma língua da outra. No PB foram encontradas com maior frequência a revisão, palavra não terminada e repetição de segmento, enquanto os falantes do PE utilizam-se mais das hesitações e da repetição de palavras.

REFERENCES

  • 1
    Silva AS. Integrando a variação social e métodos quantitativos na investigação sobre linguagem e cognição: para uma sociolinguística cognitiva do português europeu e brasileiro. Rev Est Ling. 2008;16(1):49-81.
  • 2
    Frota S, Vigário M. Aspectos de prosódia comparada: ritmo e entoação no PE e no PB. In: Actas do XV Encontro da Associação Portuguesa de Linguística; 2000 Set 29-Out 01; Braga. Braga: APL; 2000; 533-55.
  • 3
    Cruz M. Gaguez: em busca de um padrão prosódico e entoacional dissertação. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; 2009.
  • 4
    Andrade CRF, Martins VO. Influencia del sexo y el nivel educativo en la fluidez del habla en personas adultas. Revista de Logopedia Foniatría y Audiología. 2011;31(2):74-81.
  • 5
    Celeste LC, Reis C. Expressão de certeza e duvida na gagueira: estudo dos aspectos temporais da fala. Rev CEFAC. 2013;15(6):1609-20.
  • 6
    Oliveira CMC, Broglio G, Bernardes APL, Capellini SA. Relação entre taxa de elocução e descontinuidade da fala na taquifemia. CoDAS. 2013;25(1):59-63.
  • 7
    Martins VO. Variação da fluência da fala em falantes do Português Brasileiro: quatro estudos [tese]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; 2007.
  • 8
    Delfino A, Magalhães JO. Estudo prosódico das disfluências de reparo. ReVEL. 2010;8(15):181-207.
  • 9
    Ganthous G, Rossi NF, Giacheti CM. Aspectos da fluência na narrativa oral de indivíduos com Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal. Audiol Commun Res. 2013;18(1):37-42.
  • 10
    Oliveira CMC, Bernardes APL, Broglio GAF, Capellini SA. Perfil da fluência de indivíduos com taquifemia. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(4):445-50.
  • 11
    Oliveira CMC, Fiorin M, Nogueira PR, laroza CP. Perfil da fluência: análise comparativa entre gagueira desenvolvimental persistente familial e isolada. Rev CEFAC. 2013;15(6):1627-34.
  • 12
    Souza R, Andrade CRF. O perfil da fluência de fala e linguagem de crianças nascidas pré-termo. Pediatria. 2002;26(2):90-6.
  • 13
    Andrade CRF. Protocolo para avaliação da fluência da fala. Pró-Fono. 2000;12(2):131-4.
  • 14
    Martins VO, Andrade CRF. Perfil evolutivo da fluência da fala de falantes do português brasileiro. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(1):7-12.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (CDS - APQ - 02141-11).
  • *BSAC foi responsável pela coleta e tabulação dos dados e elaboração do manuscrito; ACB supervisionou a coleta de dados e a elaboração do manuscrito; LCC e VOMR foram responsáveis pelo projeto e delineamento do estudo e orientação geral das etapas de execução e elaboração do manuscrito. Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil; Escola Superior de Saúde da Universidade do Algarve - UAlg - Algarve, Portugal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2014
  • Aceito
    28 Out 2014
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br