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Interação entre diabetes mellitus e hipertensão arterial sobre a audição de idosos

RESUMO

Introdução:

Doenças crônicas e alterações metabólicas podem atuar como fator de aceleração na degeneração do sistema auditivo decorrente da idade. No entanto, estudos envolvendo a associação entre a perda auditiva com a diabetes mellitus (DM) e com a hipertensão arterial (AH) em idosos mostraram conclusões controversas. Sendo assim, novos estudos sobre essa temática são necessários, a fim de elucidarmos o efeito dessas doenças crônicas sobre o sistema auditivo.

Objetivo:

Comparar os limiares auditivos de idosos portadores de DM, de HA e de DM+AH com um grupo controle (GC).

Métodos:

Estudo retrospectivo realizado por meio de levantamento de prontuários de 80 idosos com avaliação audiológica completa, entre 2008 e 2012. Os idosos foram distribuídos em quatro grupos: portadores de DM, portadores de AH, portadores de DM+AH e sem doenças crônicas conhecidas (GC). Foram utilizados os testes estatísticos ANOVA, Tukey e Mauchly, com nível de significância de 0,05.

Resultados:

Não houve diferença estatisticamente significante entre as orelhas, sendo esses resultados agrupados. As comparações entre as médias dos limiares auditivos dos grupos GC e DM ou AH não mostraram diferenças estatisticamente significantes, entretanto houve diferença estatisticamente significante na comparação entre esses três grupos e o grupo DM+AH para várias das frequências da audiometria avaliadas.

Conclusão:

Verificou-se que idosos com DM e AH associados apresentaram maior comprometimento auditivo com relação aos outros grupos, sugerindo um efeito sinérgico das duas doenças crônicas sobre a audição.

Descritores:
Audição; Diabetes Mellitus; Hipertensão Arterial; Perda Auditiva; Idoso

ABSTRACT

Introduction:

Chronic diseases and metabolic changes may act as accelerating factor in the degeneration of the auditory system due to age. However, studies involving an association between hearing loss and diabetes mellitus (DM) and hypertension (HA) in the elderly have shown controversial conclusions. Thus, further studies on this topic are needed in order to elucidate the effect of these chronic diseases on the auditory system.

Aim:

To compare the hearing thresholds of elderly patients with DM, HA and DM + HA with a control group (CG).

Methods:

Retrospective study was conducted through survey charts of 80 elderly people with full hearing assessment, between 2008 and 2012. Subjects were divided into four groups: DM, HA, DM + HA and without chronic diseases known (CG). The ANOVA, Tukey and Mauchly tests, with a significance level of 0.05, were used.

Results:

There was no statistically significant difference between the ears, which are grouped. Comparisons between the means of hearing thresholds of CG and DM or HA showed no statistically significant differences. However, a statistically significant difference in the comparison between these three groups and DM + HA group for several of the frequencies evaluated was observed.

Conclusion:

It was found that older adults with DM and hypertension associated showed greater hearing impairment in comparison with the other groups, suggesting a synergistic effect of the two chronic diseases on hearing.

Keywords:
Hearing; Diabetes Mellitus; Hypertension; Hearing Loss; Elderly

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é hoje um acontecimento global, determinando maior crescimento da população idosa com relação aos demais grupos etários11. Paskulin LMG, Valer DB, Vianna LAC. Utilização e acesso de idosos a serviços de atenção básica em Porto Alegre (RS, Brasil). Ciênc saúde coletiva. 2011;16(6):2935-44.. O envelhecimento está relacionado ao processo de degeneração progressivo e morte celular, o que leva à diminuição da capacidade funcional do organismo22. Teixeira INDO, Guariento ME. Biologia do envelhecimento: teorias, mecanismos e perspectivas.Ciênc saúde coletiva. 2010;15(6):2845-57..

A perda auditiva decorrente do envelhecimento é conhecida como presbiacusia, caracterizada por diminuição da acuidade auditiva bilateralmente, de maneira geral para os sons de alta frequência, devido a mudanças degenerativas e fisiológicas no sistema auditivo surgidas com o aumento da idade. Esse é o comprometimento sensorial mais frequente entre idosos, com prevalência que varia entre 20 e 40%, e determina uma variedade de implicações, tais como diminuição na percepção da fala, distúrbios psicológicos e isolamento social, refletindo negativamente na qualidade de vida do indivíduo33. Sousa CS, Castro Junior N, Larsson EJ, Ching TH. Estudo de fatores de risco para presbiacusia em indivíduos de classe sócio-econômica média. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(4):530-6. .

Estudos demonstram que doenças crônicas que acometem o idoso podem ter relação com alterações auditivas44. Marchiori LLM, R. Filho EA, Matsuo T. Hipertensão como fator associado à perda auditiva. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(4):533-40. 55. Ferreira JM, Sampaio FMO, Coelho JMS, Almeida NMGS. Perfil audiológico de pacientes com diabetes mellitus tipo II. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):292-7. 66. Bainbridge KE, Hoffman HJ, Cowie CC. Diabetes and hearing impairment in the United States: audiometric evidence from the National Health and Nutrition Examination Surveys, 1999 to 2004. Ann Intern Med. 2008;149:1-10.. Dentre essas doenças, as de maior ocorrência são a diabetes mellitus e a hipertensão arterial.

A diabetes mellitus (DM) é uma disfunção metabólica caracterizada pela presença da hiperglicemia e pode ser resultado de defeitos, tanto na ação quanto na secreção da insulina, assim como em ambos. Estudos indicam que a prevalência da DM varia de 7 a 14% na população acima de 30 a 69 anos77. Lyra R, Silva RS, Montenegro Jr. RM, Matos MVC, Cézar NJB, Maurício-da-Silva L. Prevalência de diabetes melito e fatores associados em população urbana adulta de baixa escolaridade e renda do sertão nordestino brasileiro. Arq Bras Endocrinol Metab. 2010;54(6):560-6. .

A perda auditiva em indivíduos com DM pode estar relacionada com a angiopatia diabética, que interfere no suprimento de nutrientes e oxigênio para a cóclea, conduzindo à morte das células e tecidos66. Bainbridge KE, Hoffman HJ, Cowie CC. Diabetes and hearing impairment in the United States: audiometric evidence from the National Health and Nutrition Examination Surveys, 1999 to 2004. Ann Intern Med. 2008;149:1-10. 88. Botelho CT, Carvalho SA, Silva IN. Increased prevalence of early cochlear damage in young patients with type 1 diabetes detected by distortion product otoacoustic emissions. Int J Audiol. 2014;53(6):402-8. . Além das alterações cocleares, acredita-se que a DM pode causar degeneração secundária do oitavo nervo craniano, provocando perdas auditivas neurais66. Bainbridge KE, Hoffman HJ, Cowie CC. Diabetes and hearing impairment in the United States: audiometric evidence from the National Health and Nutrition Examination Surveys, 1999 to 2004. Ann Intern Med. 2008;149:1-10..

Já a hipertensão arterial sistêmica (HA) é uma condição clínica multifatorial, conceituada como síndrome e caracterizada pela presença de níveis tensionais elevados, associados a alterações metabólicas e hormonais e a fenômenos tróficos (hipertrofias cardíaca e vascular)99. Sociedade Brasileira de Cardiologia / Sociedade Brasileira de Hipertensão / Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 supl.1):1-51..

A HA pode contribuir para o surgimento de outras enfermidades, tais como insuficiência renal, aneurisma, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral ou infarto do miocárdio. Essas alterações vasculares comprometem a irrigação normal do organismo e, consequentemente, a sua integridade funcional, levando ao comprometimento dos órgãos, incluindo o sistema auditivo1010. Weschenfelder Magrini D, Gue Martini J. Hipertensão arterial: principais fatores de risco modificáveis na estratégia saúde da família. Enferm glob. 2012;11(26):344-53..

No Brasil, estima-se que aproximadamente 25% da população tenha HA1111. Muraro AP, Santos DF, Rodrigues PRM, Braga JU. Fatores associados à Hipertensão Arterial Sistêmica autorreferida segundo VIGITEL nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal em 2008. Ciênc saúde coletiva. 2013;18(5):1387-98.. Embora existam estudos investigando a associação entre a perda auditiva com a DM ou com a HA em idosos, as conclusões são controversas e esta associação ainda não está firmemente estabelecida, sendo necessários estudos complementares sobre o assunto. A hipótese deste estudo é de que doenças crônicas, como a DM e a HA, sejam fatores agravantes da presbiacusia.

Dessa maneira, o objetivo deste trabalho foi comparar os limiares auditivos de idosos portadores de DM ou de HA, e de DM associado à HA, com um grupo controle (sem as duas alterações).

MÉTODOS

Este trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo sob o nº 883/09.

O estudo foi desenvolvido no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária em Audiologia e no serviço de Audiologia do Hospital Universitário (HU) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Esta pesquisa foi de cunho retrospectivo, por meio de levantamento de dados de prontuários de indivíduos que realizaram avaliação audiológica no HU entre os anos de 2008 e 2012.

Como critérios de inclusão para participação no estudo foram estabelecidos: ter 60 anos ou mais e possuir avaliação audiológica completa (anamnese, audiometria tonal, audiometria vocal e imitanciometria). Além disso, era necessário apresentar: diabetes mellitus para inclusão no grupo DM; hipertensão arterial sistêmica para inclusão no grupo HA; e DM associada à HA para inclusão no grupo DM+HA.

Dessa maneira, foram selecionados 80 prontuários: 20 idosos sem alterações metabólicas, constituindo o grupo de controle (GC); 20 idosos portadores de DM; 20 idosos portadores de HA; e 20 idosos portadores de DM+HA.

Para a análise estatística, além das medidas descritivas, foram utilizados os testes de hipótese ANOVA com medidas repetidas e de Tukey. Para verificar a suposição de circularidade da matriz de variâncias e covariâncias, foi aplicado o teste de Mauchly. Para os testes de hipótese, foi fixado nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Na Tabela 1 foram apresentados os valores referentes à média de idade dos participantes de cada grupo. Embora as médias de idade de cada grupo não sejam iguais, observou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,080).

Tabela 1:
Média de idade (em anos) para os grupos CG, DM, HA e DM+HA.

Na comparação das médias dos limiares auditivos entre as duas orelhas foi obtido um valor de p=0,07. Essa conclusão foi independente do grupo (p=0,976) ou da frequência (p=0,504). Como não houve diferença significante entre as orelhas, estas foram agrupadas para as comparações seguintes.

Em seguida, foi realizada uma análise comparativa entre as médias dos limiares auditivos para cada frequência entre GC, DM, HA e DM+HA.

Cabe ressaltar que todos os participantes, de todos os grupos, apresentaram perda auditiva neurossensorial em pelo menos uma das frequências avaliadas, sendo o audiograma de configuração descendente.

Na Tabela 2, estão descritas as análises em que foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos para todas as frequências avaliadas. O teste de Tukey, representado na última coluna da tabela, indicou quais comparações apresentaram diferenças estatisticamente significantes.

Tabela 2:
Comparação das médias dos limiares auditivos (em dB NA) das frequências de 250 a 8.000 Hz entre os grupos

A Figura 1 representa os limiares auditivos dos grupos para as orelhas agrupadas, auxiliando na visualização dos dados indicados na Tabela 2. Nota-se que o GC apresenta limiares auditivos melhores para algumas frequências (250 a 2.000 Hz). Para outras frequências, observa-se que o grupo HA e DM apresentam limiares auditivos piores, quando comparados aos limiares dos outros dois grupos. Isto é, o grupo HA apresentou piores limiares auditivos em 250, 500, 6.000 e 8.000 Hz, quando comparado ao GC e ao DM; e o grupo DM apresentou limiares auditivos piores em 1.000 a 4.000 Hz, quando comparado ao GC e ao HA. Já para o grupo DM+HA, verificamos limiares auditivos significantemente piores para todas as frequências, quando comparado com os outros três grupos.

Figura 1:
Médias dos limiares auditivos (em dBNA) para as frequências de 250 a 8.000 Hz por grupo.

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi comparar os limiares auditivos de idosos portadores de DM, de HA e de DM associado à HA, com um grupo controle, a fim de verificar a existência de comorbidade entre perda auditiva e DM e/ou HA.

Em relação à idade dos indivíduos, não houve diferença estatisticamente significante com relação às médias das idades entre os grupos estudados. Sendo assim, podemos sugerir que a idade foi semelhante entre os quatro grupos e não interferiu, sobremaneira, em um grupo mais do que em outro.

Já que não houve diferenças significantes entre as orelhas, estas foram agrupadas. Essa ausência de diferença entre as orelhas direita e esquerda já era esperada, uma vez que tanto a presbiacusia quanto as alterações sistêmicas afetam o organismo como um todo, produzindo perdas auditivas simétricas em ambas as orelhas33. Sousa CS, Castro Junior N, Larsson EJ, Ching TH. Estudo de fatores de risco para presbiacusia em indivíduos de classe sócio-econômica média. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(4):530-6. .

É profícuo mencionar que todos os participantes, de todos os grupos, apresentaram perda auditiva neurossensorial em pelo menos uma das frequências avaliadas.

Esses achados indicam que mesmo os indivíduos que não apresentam alterações associadas (DM e/ou HA) possuíam algum grau de comprometimento no sistema auditivo, causado, possivelmente, pelo envelhecimento, evidenciando a presbiacusia, comum nessa faixa etária. Já foi descrito na literatura que a perda auditiva na população idosa apresenta um aumento em idades mais avançadas. A prevalência de deficiência auditiva aumenta 40% entre 70 e 74 anos e 50% na faixa etária acima de 75 anos em relação às idades de referência (65-69 anos)1212. Cruz MS, Lima MCP, Santos JLF, Duarte YAO, Lebrão ML, Ramos-Cerqueira ATA. Deficiência auditiva referida por idosos no Município de São Paulo, Brasil: prevalência e fatores associados (Estudo SABE, 2006). Cad Saúde Pública. 2012; 28(8):1479-92..

No que se refere à configuração do audiograma, observou-se curva descendente, com limiares auditivos piores nas frequências mais altas, fato este já descrito e esperado na presbiacusia1313. Guerra TM, Estevanovic LP, Cavalcante MAM, Silva RCL, Miranda ICC, Quintas VG. Perfil dos limiares audiométricos e curvas timpanométricas de idosos. Braz J Otorhinolaryngol. 2010; 76(5):663-6. 1414. Mazelova J, Popelar J, Syka J. Auditory function in presbycusis: peripheral vs. central changes. Exp Gerontol. 2003;38:87-94..

Além disso, há relatos na literatura de que idosos com perda auditiva e DM associadas comumente apresentam perda auditiva neurossensorial com predomínio nas altas frequências66. Bainbridge KE, Hoffman HJ, Cowie CC. Diabetes and hearing impairment in the United States: audiometric evidence from the National Health and Nutrition Examination Surveys, 1999 to 2004. Ann Intern Med. 2008;149:1-10. 1515. Goldsher M, Pratt H, Hassan A, Shenhav R, Eliachar I, Kanter Y. Auditory brainstem evoked potentials in insulin-dependent diabetes with and without peripheral neuropathy. Acta Otolaryngol. 1986;102(3-4):204-8. 1616. Huang YM, Pan CY, Gu R, Cai XH, Yu LM, Qiu CY. Hearing impairment in diabetics. Chin Med J Engl 1992;105(1):44-8. 1717. Kakarlapudi K, Sawyer R, Staecker H. The Effect of Diabetes on Sensorineural Hearing Loss. Otol Neurotol. 2003;24:382-6.. Já para a HA, alguns estudos relataram perdas auditivas de configuração plana, com comprometimento de frequências baixas, médias e altas1818. Rosenhall U, Sundh V. Age-related hearing loss and blood pressure. Noise Health. 2006;8(31):88-94..

Quando foram comparadas as médias dos limiares auditivos entre os grupos, observou-se que o GC apresentou limiares auditivos melhores para algumas frequências (250 a 2.000 Hz), porém sem diferença estatisticamente significante na comparação com os grupos HA e DM.

Para outras frequências, verificou-se que os grupos HA e DM apresentaram limiares auditivos piores, quando comparados aos limiares dos outros dois grupos, isto é, o grupo HA apresentou piores limiares auditivos em 250, 500, 6.000 e 8.000 Hz, quando comparado ao GC e ao DM; e o grupo DM apresentou limiares auditivos piores entre 1.000 e 4. 000 Hz, quando comparado ao GC e ao HA, porém sem diferença estatisticamente significante.

Em relação aos grupos DM e HA, nos quais foram encontrados limiares auditivos piores do que no GC, os resultados estiveram de acordo com alguns estudos da literatura, os quais serão mencionados a seguir.

No que se refere à DM, diversos autores encontraram associação entre a presença da diabetes e comprometimento auditivo, descrevendo graus variados de perdas auditivas neurossensoriais bilaterais, principalmente nas frequências altas55. Ferreira JM, Sampaio FMO, Coelho JMS, Almeida NMGS. Perfil audiológico de pacientes com diabetes mellitus tipo II. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):292-7. 66. Bainbridge KE, Hoffman HJ, Cowie CC. Diabetes and hearing impairment in the United States: audiometric evidence from the National Health and Nutrition Examination Surveys, 1999 to 2004. Ann Intern Med. 2008;149:1-10. 1515. Goldsher M, Pratt H, Hassan A, Shenhav R, Eliachar I, Kanter Y. Auditory brainstem evoked potentials in insulin-dependent diabetes with and without peripheral neuropathy. Acta Otolaryngol. 1986;102(3-4):204-8. 1616. Huang YM, Pan CY, Gu R, Cai XH, Yu LM, Qiu CY. Hearing impairment in diabetics. Chin Med J Engl 1992;105(1):44-8. 1717. Kakarlapudi K, Sawyer R, Staecker H. The Effect of Diabetes on Sensorineural Hearing Loss. Otol Neurotol. 2003;24:382-6..

Acredita-se que uma das causas da perda auditiva em indivíduos com DM é a angiopatia diabética, que é o espessamento difuso das membranas basais e do endotélio vascular. A angiopatia pode interferir no suprimento de nutrientes e oxigênio da cóclea de maneira direta, por conta da redução do transporte causada pelo espessamento das paredes dos capilares, e de maneira indireta, pela redução do fluxo devido ao estreitamento vascular, conduzindo à morte das células e tecidos biológicos. Assim, tecidos que são muito sensíveis a níveis de oxigênio desenvolvem a microangiopatia66. Bainbridge KE, Hoffman HJ, Cowie CC. Diabetes and hearing impairment in the United States: audiometric evidence from the National Health and Nutrition Examination Surveys, 1999 to 2004. Ann Intern Med. 2008;149:1-10. 88. Botelho CT, Carvalho SA, Silva IN. Increased prevalence of early cochlear damage in young patients with type 1 diabetes detected by distortion product otoacoustic emissions. Int J Audiol. 2014;53(6):402-8. .

Além das alterações cocleares, acredita-se que a DM pode causar degeneração secundária do oitavo nervo craniano, provocando perdas auditivas neurais. A perda auditiva também pode ser causada pela neuropatia diabética, que acomete 60% a 70% dos indivíduos diabéticos, caracterizando-se como uma lesão do nervo auditivo, em virtude da glicemia elevada66. Bainbridge KE, Hoffman HJ, Cowie CC. Diabetes and hearing impairment in the United States: audiometric evidence from the National Health and Nutrition Examination Surveys, 1999 to 2004. Ann Intern Med. 2008;149:1-10..

Com relação à HA, alguns estudos também encontraram associação positiva com a perda auditiva44. Marchiori LLM, R. Filho EA, Matsuo T. Hipertensão como fator associado à perda auditiva. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(4):533-40. 1919. Marková M. The cocheovestibular syndrome in hypertension. Cesk Otolaryngol. 1990;39(2):89-97. 2020. Mosnier I, Teixeira M, Loiseau A, Fernandes I, Sterkers O, Amiel C, et al. Effects of acute and chronic hypertension on the labyrinthine barriers in rat. Hear Res. 2001;151:227-36. 2121. Friedland DR, Cederberg C, Tarima S. Audiometric pattern as a predictor of cardiovascular status: development of a model for assessment of risk. Laryngoscope. 2009;119:473-86.. Além disso, foi sugerido que a HA agiria como fator de aceleração da degeneração, proveniente da idade, do aparelho auditivo44. Marchiori LLM, R. Filho EA, Matsuo T. Hipertensão como fator associado à perda auditiva. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(4):533-40..

A HA é uma doença que compromete o fornecimento adequado de oxigênio e nutrientes para as células. Tal fornecimento depende da integridade funcional e estrutural do coração e dos vasos sanguíneos1919. Marková M. The cocheovestibular syndrome in hypertension. Cesk Otolaryngol. 1990;39(2):89-97.. Assim sendo, a HA pode comprometer os mecanismos fisiológicos da orelha interna por meio do aumento da viscosidade sanguínea, acarretando em diminuição do fluxo sanguíneo capilar e do transporte de oxigênio2222. Bachor E, Selig YK, Jahnke K, Rettinger G, Karmody CS. Vascular variations of the inner ear. Acta Otolaryngol 2001,121(1):35-41..

Em relação ao grupo DM+HA, verificamos limiares auditivos significantemente piores para todas as frequências avaliadas, quando comparado com os outros três grupos (GC, HA e DM). Esse fato sugere que a associação entre as duas patologias pode ter um efeito sinérgico sobre a audição de idosos, ou seja, há uma ação cooperativa das doenças sobre o organismo de tal maneira que seu efeito é maior que a soma dos efeitos de cada uma das doenças isoladamente2323. Chávez-Delgado ME, Vázquez-Granados I, Rosales-Cortés M, Velasco-Rodríguez V. Disfuncion cócleo-vestibular en pacientes con diabetes mellitus, hipertensión arterial sistémica y dislipidemia. Acta Otorrinolaringol Esp. 2012;63:93-101..

Esses achados corroboram com o estudo de Duck et al.2424. Duck SW, Prazma M, Bennett P, Scott M, Pillsbury HC. Interaction between Hypertension and Diabetes Mellitus in the Pathogenesis of Sensorineural Hearing Loss. Laryngoscope 107(12):1596-605.{s.d.}, que verificaram em estudo clínico e em estudo animal, no que se refere à hipertensão associada à diabetes, respectivamente, perda auditiva neurossensorial nas frequências altas (mesmo utilizando fatores de correção de idade) e efeito adverso na cóclea, resultando na perda de células ciliadas.

Diante dos resultados encontrados na presente pesquisa, fica evidente a necessidade de se averiguar e monitorar a audição de pacientes com DM, HA e principalmente em indivíduos com ambas as doenças, uma vez que estes constituem uma população de maior risco para alterações auditivas. Além disso, é importante salientar que maiores serão as chances de reabilitação auditiva do indivíduo, quanto mais cedo tais alterações forem detectadas.

Limitações do estudo

Neste estudo, a comparação entre os limiares auditivos dos grupos GC, HA e DM sem diferença estatisticamente significante não denota que idosos com HA ou DM não possam apresentar um maior comprometimento auditivo quando comparados com idosos sem estas alterações. A amostra dos três grupos é pequena e, talvez, se essa comparação fosse feita com grupos maiores, as diferenças entre os limiares auditivos seriam mais evidentes.

Além disso, é importante considerar o tempo de surgimento da doença, uma vez que se espera que indivíduos com maior tempo de doença tenham maior comprometimento auditivo, decorrente dos mecanismos fisiopatológicos da DM e da HA. Assim, sugerimos que estudos futuros considerem esta variável nas comparações.

A medicação utilizada pelos indivíduos, bem como o controle de cada uma das doenças, são outras variáveis que devem ser investigadas, já que podem influenciar no prejuízo auditivo.

CONCLUSÃO

De forma geral, os idosos do GC apresentaram limiares auditivos melhores que os outros grupos. No entanto, foram verificadas diferenças estatisticamente significantes apenas para a comparação dos grupos GC, DM e HA com o grupo DM+HA, evidenciando que idosos com DM e HA associados apresentaram maior comprometimento auditivo com relação aos outros grupos, sugerindo que essas duas alterações podem ter um efeito sinérgico sobre a audição.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos o apoio financeiro da Fapesp (Processo nº 2010/19803-8).

REFERÊNCIAS

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    Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2014
  • Aceito
    24 Ago 2014
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