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Alerta à comunidade fonoaudiológica brasileira sobre a importância da atuação científica e clínica na afasia progressiva primária

RESUMO

Este artigo tem como objetivo alertar a comunidade científica fonoaudiológica brasileira sobre a importância e necessidade da atuação científica e clínica a respeito da Afasia Progressiva Primária. Esse alerta é fundamentado em um levantamento bibliográfico sistemático da produção científica brasileira sobre Afasia Progressiva Primária, a partir do qual foram encontrados nove artigos brasileiros. Percebe-se que há uma evidente escassez de estudos sobre o tema, pois todos os artigos encontrados foram publicados em periódicos da área médica e boa parte deles foi composta por amostras pequenas, sendo que dois descreveram a efetividade da reabilitação fonoaudiológica de pacientes com Afasia Progressiva Primária. São discutidas perspectivas futuras na área, bem como características da terapia fonoaudiológica para Afasia Progressiva Primária. Concluiu-se que é evidente a necessidade de uma maior atuação da fonoaudiologia nas Afasias Progressivas Primárias.

Descritores:
Afasia Progressiva Primária; Demência; Linguagem; Fonoaudiologia; Cognição

ABSTRACT

This article aims to warn the Brazilian Speech-Language Pathology and Audiology scientific community about the importance and necessity of scientific and clinical activities regarding Primary Progressive Aphasia. This warning is based on a systematic literature review of the scientific production on Primary Progressive Aphasia, from which nine Brazilian articles were selected. It was observed that there is an obvious lack of studies on the subject, as all the retrieved articles were published in medical journals and much of it consisted of small samples; only two articles described the effectiveness of speech-language therapy in patients with Primary Progressive Aphasia. A perspective for the future in the area and characteristics of Speech-Language Therapy for Primary Progressive Aphasia are discussed. As a conclusion, it is evident the need for greater action by Speech-Language Pathology and Audiology on Primary Progressive Aphasia.

Keywords:
Primary Progressive Aphasia; Dementia; Language; Speech-Language Pathology; Cognition

INTRODUÇÃO

A Afasia Progressiva Primária (APP) é uma síndrome demencial caracterizada por deterioração progressiva da linguagem decorrente de processos neurodegenerativos predominantes no hemisfério esquerdo. A doença tem início na vida adulta e o comprometimento da linguagem causa prejuízo funcional significativo11. Mesulam MM. Primary progressive aphasia. Ann Neurol. 2001;49(4):425-32. 22. Senaha MLH, Caramelli P, Brucki S, Smid J, Takada L, Porto C, et al. Primary progressive aphasia: classification of variants in 100 consecutive Brazilian cases. Dement Neuropsychol. 2013;7(1):110-21.. Pacientes com APP passam por dificuldades que vão desde a demora em receber o diagnóstico correto33. Beber BC, Chaves MLF. Evaluation of patients with behavioral and cognitive complaints: Misdiagnosis in frontotemporal dementia and Alzheimer's disease. Dement E Neuropsychol. 2013;7(1):60-5., até a ausência de tratamentos farmacológicos efetivos, sendo estes apenas sintomáticos44. Tsai RM, Boxer AL. Treatment of frontotemporal dementia. Curr Treat Options Neurol. 2014;16(11):319.. A terapia fonoaudiológica costuma ser indicada44. Tsai RM, Boxer AL. Treatment of frontotemporal dementia. Curr Treat Options Neurol. 2014;16(11):319., porém há poucas estratégias terapêuticas descritas especificamente para a APP e os poucos estudos abrangem apenas relatos de casos55. Henry ML, Rising K, DeMarco AT, Miller BL, Gorno-Tempini ML, Beeson PM. Examining the value of lexical retrieval treatment in primary progressive aphasia: two positive cases. Brain Lang. 2013;127(2):145-56. 66. Henry ML, Meese MV, Truong S, Babiak MC, Miller BL, Gorno-Tempini ML. Treatment for apraxia of speech in nonfluent variant primary progressive aphasia. Behav Neurol. 2013;26(1-2):77-88. 77. Tsapkini K, Hillis AE. Spelling intervention in post-stroke aphasia and primary progressive aphasia. Behav Neurol 2013;26(1-2):55-66..

Acredita-se que haverá um aumento das taxas de prevalência e incidência de doenças relacionadas ao envelhecimento, como por exemplo, da APP, em decorrência do crescimento da população idosa que vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos. Desse modo, há uma preocupação em preparar os sistemas de saúde para o reconhecimento e manejo adequado de tais doenças.

Este artigo tem como objetivo alertar a comunidade científica fonoaudiológica brasileira a respeito da importância e necessidade da atuação científica e clínica a respeito da APP. Este alerta é fundamentado em um levantamento bibliográfico sistemático da produção científica brasileira sobre APP.

MÉTODOS

Foi realizada uma busca sistemática por artigos científicos nas bases de dados Pubmed, Scielo e Lilacs, respectivamente nessa ordem de pesquisa. Foram incluídos todos os artigos científicos produzidos por grupos de pesquisa brasileiros, desenvolvidos em instituições brasileiras e cujo objetivo foi estudar a APP. Foram excluídos os estudos não publicados no formato de artigo científico, as revisões bibliográficas e os estudos realizados em outros grupos clínicos que não na APP. Os artigos repetidos foram incluídos no primeiro momento em que apareceram e excluídos nas buscas seguintes. Além disso, foi realizada uma busca aberta no Google Scholar para verificar possíveis estudos que não foram obtidos pela busca sistemática.

Para as bases de dados Scielo e Lilacs foi utilizada a expressão Primary Progressive Aphasia , para uma busca em todos os campos. Já na base de dados Pubmed, a expressão Primary Progressive Aphasia foi pesquisada em conjunto com as expressões Brazil OR "Brasil" OR Brazilian em todos os campos, a fim de refinar a busca devido o grande número de publicações sobre o tema nessa base de dados.

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta um fluxograma de busca dos artigos e a Tabela 1 sumariza os nove estudos brasileiros sobre APP incluídos na revisão.

Figura 1:
Fluxograma da busca sistemática de artigos científicos

Tabela 1:
Artigos incluídos na revisão sistemática de literatura

DISCUSSÃO

Sabe-se que o estudo da linguagem como domínio da comunicação é um dos principais campos de atuação da fonoaudiologia. Considerando que na APP a linguagem é o principal domínio afetado, tal entidade clínica deveria ser extensamente explorada pela fonoaudiologia. No entanto, ainda há uma escassa produção de conhecimento científico a respeito da APP e uma participação tímida da fonoaudiologia nesse campo. Tais fatos ficam evidentes pelos resultados obtidos no levantamento bibliográfico aqui realizado.

A presente revisão sistemática a respeito do estudo da APP no Brasil torna possíveis as seguintes constatações: há uma evidente escassez de estudos sobre o tema; todos os artigos encontrados foram publicados em periódicos da área médica; com exceção de um estudo, todos os demais foram compostos por amostras pequenas; dois artigos descreveram a efetividade da reabilitação fonoaudiológica de pacientes com APP.

Os achados demonstram que o estudo em questão ainda é pouco explorado no Brasil e que, quando o é, parece ter uma participação restrita da fonoaudiologia, bem como ter o seu alcance limitado por não haver publicações nos periódicos da área.

A APP é menos prevalente que outras doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer e a doença de Parkinson. Isso pode se refletir no tamanho das amostras empregadas nas pesquisas. No entanto, o tamanho amostral dos estudos, assim como a sua escassez, podem ser reflexo da dificuldade de captação de pacientes hábeis para participação em pesquisas. Pacientes com APP costumam passar por dificuldades de diagnóstico, fazendo com que frequentem diferentes especialidades médicas, sofram erros diagnósticos nas fases inicias da doença e, consequentemente, demorem a receber um diagnóstico adequado33. Beber BC, Chaves MLF. Evaluation of patients with behavioral and cognitive complaints: Misdiagnosis in frontotemporal dementia and Alzheimer's disease. Dement E Neuropsychol. 2013;7(1):60-5.. Muitos dos casos, quando são encaminhados aos centros de referência especializados e recebem o diagnóstico correto, já se encontram em fases avançadas da doença, dificultando sua participação em pesquisas e também a intervenção terapêutica.

Dois estudos encontrados no levantamento bibliográfico apresentaram casos em que a terapia fonoaudiológica promoveu resultados positivos aos pacientes88. Machado TH, Campanha AC, Caramelli P, Carthery-Goulart MT. Brief intervention for agrammatism in Primary Progressive Nonfluent Aphasia: a case report. Dement neuropsychol. 2014;8(3):291-6. 99. Senaha MLH, Brucki SMD, Nitrini R. Rehabilitation in semantic dementia Study of the effectiveness of lexical reacquisition in three patients. Dement Neuropsychol 2010;4(4):306-12., o que também já foi descrito na literatura internacional. A tendência internacional refere-se às abordagens léxico-semânticas, que fazem uso de múltiplas pistas (fonológicas, semânticas e ortográficas) e abordagens que focalizam o treinamento da leitura oral para beneficiar a fluência55. Henry ML, Rising K, DeMarco AT, Miller BL, Gorno-Tempini ML, Beeson PM. Examining the value of lexical retrieval treatment in primary progressive aphasia: two positive cases. Brain Lang. 2013;127(2):145-56. 66. Henry ML, Meese MV, Truong S, Babiak MC, Miller BL, Gorno-Tempini ML. Treatment for apraxia of speech in nonfluent variant primary progressive aphasia. Behav Neurol. 2013;26(1-2):77-88. 77. Tsapkini K, Hillis AE. Spelling intervention in post-stroke aphasia and primary progressive aphasia. Behav Neurol 2013;26(1-2):55-66.. Ainda não há tratamentos farmacológicos eficazes para a APP e a terapia fonoaudiológica se mostra como importante opção, uma vez que tem se mostrado efetiva, apesar de não impedir a progressão da doença. Além disso, a preservação de outros domínios cognitivos e a possibilidade de ativações compensatórias do hemisfério direito também sugerem que a terapia fonoaudiológica pode ser útil, especialmente nas fases iniciais11. Mesulam MM. Primary progressive aphasia. Ann Neurol. 2001;49(4):425-32..

No entanto, ainda são poucas as descrições de estratégias terapêuticas para APP, assim como de sua efetividade. Sabe-se que a neurofisiopatologia de afasias decorrentes de doenças neurodegenerativas, como é o caso da APP, é diferente das afasias decorrentes de doenças não degenerativas, como aquelas decorrentes de Acidente Vascular Cerebral, por exemplo77. Tsapkini K, Hillis AE. Spelling intervention in post-stroke aphasia and primary progressive aphasia. Behav Neurol 2013;26(1-2):55-66.. Assim, acredita-se que sejam necessárias estratégias terapêuticas diferenciadas para esses dois tipos de afasias.

Frente a essas evidências, este artigo pretende alertar a comunidade científica da área da fonoaudiologia sobre a necessidade da atuação clínica e da construção de conhecimento científico neste campo. São sugeridas as seguintes ações para aprimorar a atuação da fonoaudiologia nesse campo:

  • • maior enfoque do ensino acadêmico na APP;

  • • trabalhos educacionais junto a outros profissionais de saúde, com o objetivo de orientar sobre o reconhecimento da APP, priorizando os profissionais da saúde que atuam nas fases iniciais do processo de reconhecimento da doença;

  • • inserção do fonoaudiólogo em equipes multi ou interdisciplinares para atuar na avaliação neuropsicológica da linguagem e participar no processo diagnóstico;

  • • inserção do fonoaudiólogo em grupos de pesquisa multi ou interdisciplinares para realização de estudos sobre linguagem na APP e para o desenvolvimento de técnicas terapêuticas baseadas em evidências;

  • • atuação do fonoaudiólogo no tratamento terapêutico dos pacientes com APP em instituições públicas e privadas.

CONCLUSÃO

A produção científica a respeito da APP no Brasil ainda é escassa. É evidente a necessidade de uma maior atuação da Fonoaudiologia nesse campo para contribuir com o conhecimento científico e para aprimorar o reconhecimento, diagnóstico e tratamento terapêutico desses pacientes.

REFERÊNCIAS

  • 1. Mesulam MM. Primary progressive aphasia. Ann Neurol. 2001;49(4):425-32.
  • 2. Senaha MLH, Caramelli P, Brucki S, Smid J, Takada L, Porto C, et al. Primary progressive aphasia: classification of variants in 100 consecutive Brazilian cases. Dement Neuropsychol. 2013;7(1):110-21.
  • 3. Beber BC, Chaves MLF. Evaluation of patients with behavioral and cognitive complaints: Misdiagnosis in frontotemporal dementia and Alzheimer's disease. Dement E Neuropsychol. 2013;7(1):60-5.
  • 4. Tsai RM, Boxer AL. Treatment of frontotemporal dementia. Curr Treat Options Neurol. 2014;16(11):319.
  • 5. Henry ML, Rising K, DeMarco AT, Miller BL, Gorno-Tempini ML, Beeson PM. Examining the value of lexical retrieval treatment in primary progressive aphasia: two positive cases. Brain Lang. 2013;127(2):145-56.
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  • 7. Tsapkini K, Hillis AE. Spelling intervention in post-stroke aphasia and primary progressive aphasia. Behav Neurol 2013;26(1-2):55-66.
  • 8. Machado TH, Campanha AC, Caramelli P, Carthery-Goulart MT. Brief intervention for agrammatism in Primary Progressive Nonfluent Aphasia: a case report. Dement neuropsychol. 2014;8(3):291-6.
  • 9. Senaha MLH, Brucki SMD, Nitrini R. Rehabilitation in semantic dementia Study of the effectiveness of lexical reacquisition in three patients. Dement Neuropsychol 2010;4(4):306-12.
  • 10. Radanovic M, Senaha ML, Mansur LL, Nitrini R, Bahia VS, Carthery MT, et al. Primary progressive aphasia: analisys of 16 cases. Arq Neuropsiquiatr. 2001;59(3-A):512-20.
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  • 15. Beber BC, Kochhann R, Silva BM, Chaves MLF. Logopenic aphasia or Alzheimer's disease. Dement Neuropsychol 2014;8(3):302-7.
  • 1
    Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRS - Porto Alegre (RS), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2015
  • Aceito
    28 Abr 2015
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