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Autoavaliação e prontidão para mudança em pacientes disfônicos

RESUMO

Objetivo

Analisar se existe associação entre a autoavaliação vocal e a prontidão para mudança em pacientes disfônicos.

Método

Participaram 151 pacientes com queixa vocal e diagnóstico de disfonia, entre 18 e 65 anos de idade, 47 homens e 104 mulheres, atendidos no ambulatório de voz de uma instituição pública. Foram aplicados quatro instrumentos de autoavaliação, incluindo o Questionário de Qualidade de Vida em Voz (QVV), o Índice de Desvantagem Vocal (IDV) e a Escala de Sintomas Vocais (ESV), além da utilização do instrumento URICA-VOZ, para verificação do estágio de prontidão para mudança dos pacientes. Todos os instrumentos foram aplicados imediatamente antes do início da terapia vocal. As variáveis foram correlacionadas e comparadas por meio de estatística inferencial.

Resultados

A maioria dos pacientes encontrava-se no estágio de contemplação (76,2%, n = 115), 22 (14,6%), no estágio de pré-contemplação e 14 (9,3%), no estágio de ação. Houve correlação negativa entre o escore no URICA-VOZ e o domínio socioemocional e escore total do QVV. Ocorreu correlação positiva entre o escore do URICA-VOZ e os domínios total, emocional e funcional do IDV, assim como entre o escore do URICA-VOZ e os domínios total, de limitação e emocional da ESV. Apenas os valores do domínio socioemocional do QVV e emocional no ESV apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre os estágios motivacionais.

Conclusões

Existe associação entre a autoavaliação vocal e a prontidão para mudança em pacientes disfônicos. Pacientes com maior impacto na qualidade de vida em voz no QVV e maior frequência de sintomas vocais referida na ESV apresentam maior prontidão para mudança.

Descritores:
Voz; Distúrbios da Voz; Qualidade de Vida; Cooperação do Paciente; Treinamento da Voz

ABSTRACT

Purpose

To examine whether there is an association between vocal self-assessment and readiness for change in dysphonic patients.

Methods

151 patients with vocal complaints and diagnosis of dysphonia, between 18 and 65 years of age, 47 men and 104 women treated at the voice clinic of a public institution participated in the study. Four self-assessment instruments were applied, including the Voice-Related Quality of Life (V-RQOL), the Voice Handicap Index (VHI) and the Voice Symptom Scale (VoiSS), and the use of URICA-VOICE instrument to verify the patients stage of readiness for change. All instruments were applied immediately before the start of vocal therapy. The variables were correlated and compared using inferential statistics.

Results

Most patients were in the contemplation stage (76.2%, n = 115), 22 (14.6%) were in the pre-contemplation stage and 14 (9.3%) in the action stage. There was a negative correlation between the score in URICA-VOICE and the socio-emotional domain and total score V-RQOL. There was a positive correlation between the score URICA-VOICE and full social, emotional and functional VHI, as well as between the score URICA-VOICE and full fields, limitation and emotional VoiSS. Only the social-emotional domain V-RQOL and emotional in VoiSS values showed statistically significant differences between the motivational stages.

Conclusion

There is association between vocal self-assessment and readiness for change in dysphonic patients. Patients with major impact on quality of life in voice in V-RQOL and higher frequency of vocal symptoms mentioned in the VoiSS show greater readiness for change.

Keywords:
Voice; Voice Disorders; Quality of Life; Patient Compliance; Voice Training

INTRODUÇÃO

O distúrbio de voz é multidimensional e inclui para o seu diagnóstico o exame laríngeo, a análise perceptivo-auditiva, a avaliação acústica e a autoavaliação do paciente em relação à frequência de sintomas e influência do distúrbio na vida diária dele(11 Webb AL, Carding PN, Deary IJ, Mackenzie K, Steen IN, Wilson JA. Optimising outcome assessment of voice interventions, I: reliability and validity of three self-reported scales. J Laryngol Otol. 2007;121(8):763-7. http://dx.doi.org/10.1017/S0022215107007177. PMid:17391574.
http://dx.doi.org/10.1017/S0022215107007...
). Ele pode causar estresse psicoemocional, depressão e frustração, afetando negativamente o funcionamento social e causando impacto significante na qualidade de vida do indivíduo(22 Krischke S, Weigelt S, Hoppe U, Köllner V, Klotz M, Eysholdt U, et al. Quality of life in dysphonic patients. J Voice. 2005;19(1):132-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2004.01.007. PMid:15766858.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2004....
).

Em termos gerais, os distúrbios da voz podem ser ocasionados por fatores comportamentais ou orgânicos, ou mesmo pela combinação deles(33 Ramig L, Verdolini K. Treatment efficacy: voice disorders. J Speech Lang Hear Res. 1998;41(1):101-6. http://dx.doi.org/10.1044/jslhr.4101.s101. PMid:9493749.
http://dx.doi.org/10.1044/jslhr.4101.s10...
). No entanto, independentemente do fator etiológico, a terapia vocal envolve modificações nos ajustes musculares respiratórios, fonatórios e ressonantais, assim como mudanças nos comportamentos vocais ineficientes aprendidos ao longo da vida. Sendo assim, o sucesso da terapia vocal depende, em grande parte, da adesão do paciente às orientações e procedimentos indicados pelo fonoaudiólogo e/ou médico, e da prontidão para modificar determinados comportamentos que contribuíram para a gênese e/ou manutenção da disfonia(44 van Leer EV, Connor NP. Patient perceptions of voice therapy adherence. J Voice. 2008;24(4):458-69. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2008.12.009. PMid:19775866.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2008....
,55 Hapner E, Portone-Maira C, Johns MM 3rd. A study of voice therapy dropout. J Voice. 2007;23(3):337-40. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.009. PMid:18674882.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....
).

Embora seja um dos aspectos mais importantes da reabilitação vocal, e determinante para o seu sucesso, existem poucos estudos abordando a adesão à terapia vocal e os fatores a ela relacionados(44 van Leer EV, Connor NP. Patient perceptions of voice therapy adherence. J Voice. 2008;24(4):458-69. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2008.12.009. PMid:19775866.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2008....

5 Hapner E, Portone-Maira C, Johns MM 3rd. A study of voice therapy dropout. J Voice. 2007;23(3):337-40. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.009. PMid:18674882.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....

6 Portone C, Johns MM 3rd, Hapner ER. A review of patient adherence to the recommendation for voice therapy. J Voice. 2008;22(2):192-6. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006.09.009. PMid:17572065.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006....

7 Almeida LD, Santos LR, Bassi IB, Teixeira LC, Gama ACC. Relationship between adherence to speech therapy in patients with dysphonia and quality of life. J Voice. 2013;27(5):617-21. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2013.02.003. PMid:23587597.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2013....
-88 Gama ACC, Bicalho VS, Valentim AF, Bassi IB, Teixeira LC, Assunção AA. Adesão a orientações fonoaudiológicas após a alta do tratamento vocal em docentes: Estudo prospectivo. Rev. CEFAC. 2012;14(4):714-20. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000105.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011...
).

Na área de saúde, de modo geral, existem modelos teóricos que dão suporte ao estudo dos aspectos multifatoriais que estão relacionados à adesão do paciente à terapia, entre eles a Teoria de Ação Racional (Theory of Reasoned Action)(99 Montaño DE, Kasprzyk D. Theory of reasoned action, theory of planned behavior, and the integrated behavioral model. In: Glanz K, Lewis FM, Rimer BK. Health behavior and health education: theory, research, and practice. San Francisco: Jossey-Bass; 1990. p. 67-92.), o Modelo de Crenças em Saúde (Health Belief Model)(1010 Bandura A. Social foundations of thought and action: a social cognitive theory. Englewood Cliffs: Prentice Hall; 1986.), a Teoria Social Cognitiva (Health Applications of Social Cognitive Theory)(1111 Rosenstock IM, Strecher VJ, Becker MH. Social learning theory and the health belief model. Health Educ Behav. 1988;15(2):175-83. http://dx.doi.org/10.1177/109019818801500203. PMid:3378902.
http://dx.doi.org/10.1177/10901981880150...
) e o Modelo Transteórico (MTT)(1212 Prochaska JO, DiClemente CC. Stages and processes of self-change of smoking: toward an integrative model of change. J Consult Clin Psychol. 1983;51(3):390-5. http://dx.doi.org/10.1037/0022-006X.51.3.390. PMid:6863699.
http://dx.doi.org/10.1037/0022-006X.51.3...
).

O MTT investiga a prontidão para mudança a partir de estágios motivacionais(1313 van Leer EV, Hapner ER, Connor NP. Transtheoretical model of health behavior change applied to voice therapy. J Voice. 2008;22(6):688-98. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.01.011. PMid:18082367.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....
). O conceito prontidão para mudança refere-se à integração entre a conscientização do indivíduo quanto ao seu problema e a confiança em suas habilidades para mudar. Dessa forma, a prontidão está associada aos eventos que ocorrem em cada estágio, funcionando como indicadores para os profissionais de saúde, estimulando a implementação de novas estratégias de intervenção, conforme as características apresentadas pelo paciente(1414 Rossi SR, Greene GW, Rossi JS, Plummer BA, Benisovich SV, Keller S, et al. Validation of decisional balance and situational temptations measures for dietary fat reduction in a large school-based population of adolescents. Eat Behav. 2001;2(1):1-18. http://dx.doi.org/10.1016/S1471-0153(00)00019-2. PMid:15001046.
http://dx.doi.org/10.1016/S1471-0153(00)...
,1515 DiClemente CC, Schlundt D, Gemmell L. Readiness and stages of change in addiction treatment. Am J Addict. 2004;13(2):103-19. http://dx.doi.org/10.1080/10550490490435777. PMid:15204662.
http://dx.doi.org/10.1080/10550490490435...
).

No MTT identificam-se cinco estágios de prontidão para mudança de comportamento e/ou estágios motivacionais: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. No primeiro estágio, a pré-contemplação, os indivíduos não mostram evidências da intenção de mudar o comportamento problema, dificilmente procurando ajuda nesse estágio ou, quando o fazem, são impelidos por motivações externas. No segundo estágio, a contemplação, o indivíduo começa a considerar a possibilidade de mudança, iniciando a reflexão sobre as implicações do seu comportamento sobre si e sobre os que estão à sua volta, embora ainda não tenha estabelecido um prazo para iniciar a mudança. No terceiro, a decisão ou preparação, pretende-se implementar a alteração do comportamento em um futuro próximo. No quarto, a ação, o indivíduo de fato inicia a mudança do comportamento alvo, aplicando seus esforços nessa mudança. No último estágio, a manutenção, o indivíduo modificou e estabilizou o seu comportamento alvo, evitando-se a recaída. O indivíduo não passa, necessariamente, por esses estágios de forma linear, podendo progredir ou regredir durante suas mudanças de estágio(1616 Prochaska JO, Norcross JC, DiClemente CG. Changing for good: a revolutionary six-stage program for overcoming bad habits and moving your life positively forward. New York: William Morrow Books; 2007.).

A avaliação da prontidão para mudança é considerada um aspecto importante para a seleção da intervenção mais adequada para o paciente, independentemente do tratamento utilizado(1616 Prochaska JO, Norcross JC, DiClemente CG. Changing for good: a revolutionary six-stage program for overcoming bad habits and moving your life positively forward. New York: William Morrow Books; 2007.). A utilização da melhor estratégia facilita a mobilização do paciente para a mudança de comportamento, avançando em relação aos estágios de prontidão(1717 Calheiros PR, Oliveira MS, Andretta I. Descrição do modelo transteórico. In: Werlang B, Oliveira MS. Temas em psicologia clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2005. p. 83-102.).

Um dos instrumentos utilizados para a mensuração dos estágios de prontidão para mudança é o University of Rhode Island Change Assessment (URICA)(1818 McConnaughy EA, Prochaska JO, Velicer WF. Stages of change in psychotherapy: measurement and sample profiles. Psychotherapy: Theory Research and Pratice. 1983;20(3):368-75.). A escala URICA é baseada nos estágios de mudança do MTT, tratando-se de uma medida escalar e de autorrelato. Inicialmente, essa escala foi criada para analisar os estágios de prontidão para mudança de tabagistas, embora, na atualidade, seu emprego tenha se estendido a várias outras condições que envolvem mudança de um comportamento problema.

No Brasil, a escala URICA foi adaptada para verificação dos estágios de prontidão para mudança de pacientes com distúrbios de voz submetidos à terapia vocal, sendo denominado URICA-VOZ(1919 Teixeira LC, Rodrigues ALV, Silva AFG, Azevedo R, Gama ACC, Behlau M. Escala URICA-VOZ para identificação de estágios de adesão ao tratamento de voz. CoDAS. 2013;25(1):8-15. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000100003. PMid:24408164.
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013...
). Ele possui 4 dos 5 estágios do instrumento URICA original, suprimindo-se o estágio de decisão.

Nessa pesquisa, parte-se da hipótese de que a prontidão para mudança comportamental do paciente disfônico é influenciada pela sua percepção quanto ao impacto do problema de voz(66 Portone C, Johns MM 3rd, Hapner ER. A review of patient adherence to the recommendation for voice therapy. J Voice. 2008;22(2):192-6. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006.09.009. PMid:17572065.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006....
), o que pode ser analisado a partir dos diferentes instrumentos de autoavaliação. Esses instrumentos possibilitam avaliar a magnitude do distúrbio de voz a partir das experiências do paciente com o uso da voz em suas atividades diárias, estimando-se o impacto sobre a qualidade de vida, a desvantagem vocal vivenciada ou a frequência de sintomas vocais relatados(2020 Gasparini G, Behlau M. Quality of life: validation of the Brazilian version of the voice-related quality of life (V-RQOL) measure. J Voice. 2009;23(1):76-81. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.04.005. PMid:17628396.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....

21 Santos LM, Gasparini G, Behlau M. Validação do protocolo do Índice de Desvantagem Vocal (IDV) no Brasil [monografia]. São Paulo: Centro de Estudos da Voz; 2007.

22 Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Equivalência cultural da versão brasileira da Voice Symptom Scale: VoiSS. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):398-400. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000400018. PMid:22231064.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011...
-2323 Menezes LN, Behlau M, Gama ACC, Teixeira LC. Atendimento em voz no Ambulatório de Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Cien Saude Colet. 2011;16(7):3119-29. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000800012. PMid:21808900.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011...
).

Desse modo, considerando-se que a magnitude do problema de voz, do ponto de vista do paciente, pode ser um dos principais fatores responsáveis pela prontidão para mudança e, consequentemente, para a adesão à terapia vocal(66 Portone C, Johns MM 3rd, Hapner ER. A review of patient adherence to the recommendation for voice therapy. J Voice. 2008;22(2):192-6. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006.09.009. PMid:17572065.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006....
,77 Almeida LD, Santos LR, Bassi IB, Teixeira LC, Gama ACC. Relationship between adherence to speech therapy in patients with dysphonia and quality of life. J Voice. 2013;27(5):617-21. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2013.02.003. PMid:23587597.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2013....
), o objetivo deste estudo foi investigar se existe associação entre a autoavaliação vocal e o estágio de prontidão para mudança de pacientes com distúrbios da voz.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva, observacional e transversal. Tal estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPB, sob parecer n. 52492/12. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a utilização dos dados para fins de pesquisa.

Participaram desta pesquisa 151 voluntários, sendo 95 mulheres e 56 homens, com média de idade de 40,19 ± 16,56 anos, população de pacientes com queixa vocal que submeteu-se à triagem no Laboratório Integrado de Estudos da Voz (LIEV) do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB no período agosto de 2012 a março de 2013, tendo como critérios de inclusão: possuir diagnóstico de distúrbio da voz, com presença de queixa vocal e laudo laringológico, e ter idade entre 18 e 65 anos. Foram considerados como critérios de exclusão: presença de queixa auditiva e problemas neurológicos ou cognitivos que impedissem a aplicação dos protocolos de autoavaliação.

O grupo de pacientes incluiu 41 (27,1%) indivíduos com condição laríngea normal, 32 (21,2%) indivíduos com nódulos nas pregas vocais, 14 (9,3%) indivíduos com fenda glótica triangular médio-posterior (disfonia por tensão muscular primária), 13 (8,6%) indivíduos com pólipo vocal, 13 (8,6%) com imobilidade unilateral de prega vocal, 12 (7,9%) com cisto vocal, 12 (7,9%) com distúrbio de voz secundário a refluxo gastroesofágico (hiperemia de pregas vocais e da região retrocricóidea), 11 (7,3%) com sulco vocal e 3 (2,0%) com edema de Reinke.

Todos os pacientes tinham laudo otorrinolaringológico baseado na imagem laríngea, apresentado no momento da triagem vocal.

Para investigar dados referentes à autoavaliação vocal aplicou-se o protocolo de Qualidade de Vida em Voz (QVV), o Índice de Desvantagem Vocal (IDV) e a Escala de Sinais e Sintomas Vocais (ESV). Para a identificação do estágio de prontidão para mudança, aplicou-se o instrumento University of Rhode Island Change Assessment (URICA) adaptado para a área de voz (URICA-VOZ). A sessão de coleta foi realizada no momento da avaliação inicial do paciente, antes da realização de qualquer procedimento de intervenção propriamente dito.

A versão adaptada do URICA-VOZ apresenta 32 itens, com perguntas referentes aos estágios de pré-contemplação (PC), contemplação (C), ação (A) e manutenção (M)(1919 Teixeira LC, Rodrigues ALV, Silva AFG, Azevedo R, Gama ACC, Behlau M. Escala URICA-VOZ para identificação de estágios de adesão ao tratamento de voz. CoDAS. 2013;25(1):8-15. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000100003. PMid:24408164.
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013...
). Em cada item, os pacientes têm a possibilidade de marcar em uma escala de Likert de cinco pontos entre “discordo” e “concordo totalmente”. Os escores relativos à prontidão para mudança são obtidos a partir da seguinte fórmula: (Média de C + Média de A + Média de M) - Média de PC. Para categorização dos pacientes nos estágios de prontidão para mudança utilizaram-se as seguintes pontuações: ≤ 8, pré-contemplação; entre 8,1 e 11, contemplação; de 11,1 a 14, ação; e ≥ 14,1, estágio de manutenção.

O QVV(2020 Gasparini G, Behlau M. Quality of life: validation of the Brazilian version of the voice-related quality of life (V-RQOL) measure. J Voice. 2009;23(1):76-81. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.04.005. PMid:17628396.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....
) foi desenvolvido especificamente para avaliar o impacto do problema de voz na qualidade de vida. Possui 10 itens, com um escore total e dois domínios: socioemocional e de funcionamento físico.

O IDV(2121 Santos LM, Gasparini G, Behlau M. Validação do protocolo do Índice de Desvantagem Vocal (IDV) no Brasil [monografia]. São Paulo: Centro de Estudos da Voz; 2007.), questionário também validado para o português, tem como objetivo analisar a desvantagem percebida pelo paciente em decorrência da alteração vocal. Contém 30 questões, com um escore total e três domínios: emocional, funcional e orgânico.

A ESV(2222 Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Equivalência cultural da versão brasileira da Voice Symptom Scale: VoiSS. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):398-400. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000400018. PMid:22231064.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011...
) é considerada o instrumento mais rigoroso e psicometricamente robusto para a autoavaliação vocal, especificando informações de funcionalidade, impacto emocional e sintomas físicos que um problema de voz pode acarretar na vida de um indivíduo. É dividido em três subescalas: da limitação, emocional e física.

Todos os dados utilizados nesta pesquisa, incluindo as informações sociodemográficas (sexo e idade), os protocolos de autoavaliação, o URICA-VOZ e o diagnóstico laríngeo foram coletados a partir dos prontuários dos pacientes, arquivados no laboratório onde foi realizada a triagem vocal.

Realizou-se a análise estatística descritiva para todas as variáveis analisadas, utilizando-se os valores de média e desvio padrão. Foi utilizada análise estatística inferencial, estudando-se a correlação entre o escore do URICA-VOZ e os escores de ESV, QVV e IDV, por meio do teste de correlação de Spearman. Também realizou-se a análise de variância (ANOVA) para se comparar os escores de ESV, QVV e IDV em função dos estágios de prontidão para mudança dos pacientes obtidos por meio do URICA-VOZ. Quando havia diferença estatisticamente significante entre os grupos, realizou-se análise post-hoc, utilizando-se o teste de Tukey.

Nesta pesquisa, para classificação dos coeficientes de correlação entre as variáveis, adotou-se que valores de 0,1 a 0,3 representariam correlação fraca; entre 0,4 e 0,6, correlação moderada; e, acima de 0,7, correlação forte.

Todas as análises foram realizadas utilizando-se o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. O nível de significância adotado foi 5%.

RESULTADOS

Inicialmente, os pacientes foram categorizados quanto ao estágio de prontidão para mudança em que se encontravam no momento da triagem vocal, observando-se que a maioria dos pacientes se encontrava no estágio de contemplação (Tabela 1).

Tabela 1
Frequência nos estágios de pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção do URICA-VOZ

Posteriormente, foi realizado o teste de correlação de Spearman entre os escores do URICA-VOZ e os escores dos instrumentos de autoavaliação (QVV, IDV e ESV), observando-se correlação fraca entre esses escores (Tabela 2).

Tabela 2
Correlação entre o escore do URICA-VOZ e os escores no QVV, IDV e ESV em cada um dos seus domínios

Na comparação das médias dos instrumentos de autoavaliação em função dos estágios motivacionais, apenas o escore do domínio socioemocional do QVV e do domínio emocional do ESV apresentaram diferenças entre os grupos (Tabela 3). A análise post hoc demonstrou que pacientes no estágio de contemplação possuem menor escore no domínio emocional do protocolo de qualidade de vida em voz (p = 0,034) e maior escore no domínio emocional da ESV (p = 0,040) que pacientes no estágio de pré-contemplação.

Tabela 3
Comparação das médias dos escores em cada um dos domínios de QVV, IDV e ESV em relação ao estágio de prontidão para mudança no URICA-VOZ

DISCUSSÃO

A terapia vocal exige adesão do paciente para os procedimentos e orientações indicados e prontidão para a modificação dos comportamentos vocais associados ao distúrbio de voz. Alguns estudos(55 Hapner E, Portone-Maira C, Johns MM 3rd. A study of voice therapy dropout. J Voice. 2007;23(3):337-40. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.009. PMid:18674882.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....
,66 Portone C, Johns MM 3rd, Hapner ER. A review of patient adherence to the recommendation for voice therapy. J Voice. 2008;22(2):192-6. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006.09.009. PMid:17572065.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006....
,2323 Menezes LN, Behlau M, Gama ACC, Teixeira LC. Atendimento em voz no Ambulatório de Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Cien Saude Colet. 2011;16(7):3119-29. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000800012. PMid:21808900.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011...
) revelaram que há um alto número de abandono da terapia vocal por dificuldades de adesão.

Considerando que a prontidão para mudança é um dos principais fatores determinantes da adesão ao tratamento, a presente pesquisa, que se propôs analisar se existia associação entre a autoavaliação vocal e a prontidão para mudança em pacientes disfônicos, observou que a maioria dos pacientes se encontrava no estágio de contemplação (76,2%), seguidos pelos no estágio de pré-contemplação (14,6%) e de ação (9,3%), destacando-se que nenhum deles se encontrava no estágio de manutenção (Tabela 1).

A ausência de pacientes em estágio de manutenção constatada no presente estudo pode se justificar pela característica transversal da pesquisa e pelo fato de os pacientes serem abordados na seção de triagem vocal, antes da realização de qualquer procedimento terapêutico propriamente dito. Considerando-se que, no estágio de manutenção, os pacientes já têm modificado e estabilizado o comportamento vocal gerador ou mantenedor do distúrbio vocal(1616 Prochaska JO, Norcross JC, DiClemente CG. Changing for good: a revolutionary six-stage program for overcoming bad habits and moving your life positively forward. New York: William Morrow Books; 2007.), previa-se a ausência de pacientes nesse estágio pelo delineamento de coleta da pesquisa, que abordou pacientes no momento de triagem.

Um estudo recente, com 68 sujeitos, apontou que a maioria (38%) dos pacientes em terapia vocal participantes da pesquisa também se encontrava no estágio de contemplação(1919 Teixeira LC, Rodrigues ALV, Silva AFG, Azevedo R, Gama ACC, Behlau M. Escala URICA-VOZ para identificação de estágios de adesão ao tratamento de voz. CoDAS. 2013;25(1):8-15. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000100003. PMid:24408164.
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013...
). Possivelmente, os pacientes chegaram à clínica nesse estágio de motivação por ainda não perceberem a necessidade de mudança de seu comportamento relacionado à voz. Como a indicação para a terapia vocal é recomendada, muitas vezes, pelo médico, o paciente apenas atende às suas recomendações, ou seja, é movido por motivações externas, sem, necessariamente, entender o processo que causou sua alteração vocal e sem a compreensão desse processo, não reconhecendo, também, a necessidade de mudança.

No estágio de contemplação, o indivíduo possui um certo conhecimento acerca do seu problema, considera a possibilidade de mudança, refletindo sobre as implicações do seu comportamento na origem e manutenção do problema, o que gera uma situação interna ambivalente entre os ganhos advindos da mudança e o esforço e disciplina empregados nela(1515 DiClemente CC, Schlundt D, Gemmell L. Readiness and stages of change in addiction treatment. Am J Addict. 2004;13(2):103-19. http://dx.doi.org/10.1080/10550490490435777. PMid:15204662.
http://dx.doi.org/10.1080/10550490490435...
,1616 Prochaska JO, Norcross JC, DiClemente CG. Changing for good: a revolutionary six-stage program for overcoming bad habits and moving your life positively forward. New York: William Morrow Books; 2007.). De modo geral, esse é o estágio em que os pacientes passam mais tempo, seja de forma linear ou por regressão de etapas(1616 Prochaska JO, Norcross JC, DiClemente CG. Changing for good: a revolutionary six-stage program for overcoming bad habits and moving your life positively forward. New York: William Morrow Books; 2007.). Por isso é comum encontrar a maioria dos indivíduos nesse estágio em pesquisas transversais(1616 Prochaska JO, Norcross JC, DiClemente CG. Changing for good: a revolutionary six-stage program for overcoming bad habits and moving your life positively forward. New York: William Morrow Books; 2007.).

Dessa forma, no estágio de contemplação, o terapeuta deve estar pronto para ajudar o paciente a resolver a ambivalência entre os fatores comportamentais que contribuíram para a gênese e manutenção do distúrbio de voz e a necessidade de adesão às orientações e à execução dos exercícios fora do ambiente terapêutico, conduzindo a reflexão sobre as justificativas para a não realização das condutas solicitadas, inclusive a reflexão acerca do esforço empregado e dos ganhos no uso da voz em suas diferentes finalidades.

O conhecimento do estágio de prontidão para mudança do paciente no início da terapia pode ajudar o terapeuta no direcionamento das abordagens, procedimentos e estratégias a serem tomados, de acordo com a necessidade de cada paciente. Muitos tratamentos podem falhar por serem desenhados para pacientes que estão em estágio de ação, o que não é a realidade da maioria dos pacientes nos momentos iniciais do tratamento(1212 Prochaska JO, DiClemente CC. Stages and processes of self-change of smoking: toward an integrative model of change. J Consult Clin Psychol. 1983;51(3):390-5. http://dx.doi.org/10.1037/0022-006X.51.3.390. PMid:6863699.
http://dx.doi.org/10.1037/0022-006X.51.3...
).

Os dados da avaliação vocal, incluindo informações sobre as características e o prognóstico da condição laríngea, a intensidade e o tipo do desvio de qualidade vocal, assim como a percepção do paciente quanto às desvantagens decorrentes do distúrbio de voz e quanto ao seu impacto na qualidade de vida podem ser utilizados para sensibilizá-lo quanto à necessidade de sua participação efetiva no processo terapêutico, para a modificação dos hábitos relacionados ao uso da voz e execução dos exercícios em ambiente externo ao contexto clínico.

De modo especial, estudar a associação entre a autoavaliação vocal e os estágios de prontidão para mudança em pacientes com distúrbios da voz pode contribuir para compreender a relação entre a percepção que o paciente tem do seu problema e a sua adesão à terapia vocal(11 Webb AL, Carding PN, Deary IJ, Mackenzie K, Steen IN, Wilson JA. Optimising outcome assessment of voice interventions, I: reliability and validity of three self-reported scales. J Laryngol Otol. 2007;121(8):763-7. http://dx.doi.org/10.1017/S0022215107007177. PMid:17391574.
http://dx.doi.org/10.1017/S0022215107007...
).

Os instrumentos de autoavaliação vocal podem ser utilizados para quantificar o impacto do distúrbio de voz na vida do paciente, contribuindo para a decisão clínica e para o monitoramento da evolução do paciente ao longo do tratamento(2121 Santos LM, Gasparini G, Behlau M. Validação do protocolo do Índice de Desvantagem Vocal (IDV) no Brasil [monografia]. São Paulo: Centro de Estudos da Voz; 2007.). Considerando-se que a percepção da intensidade da doença é apontada como a principal causa de abandono da terapia(66 Portone C, Johns MM 3rd, Hapner ER. A review of patient adherence to the recommendation for voice therapy. J Voice. 2008;22(2):192-6. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006.09.009. PMid:17572065.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006....
), a hipótese levantada no presente estudo é que os dados da autoavaliação podem ser considerados fortes preditores da motivação do paciente para a terapia vocal.

Nesta pesquisa, observou-se que há uma correlação fraca entre os dados dos instrumentos de autoavaliação (QVV, IDV e ESV) e o escore do URICA-VOZ (Tabela 2). No entanto, quando se realizou a comparação das médias dos escores dos instrumentos de autoavaliação em pacientes alocados em diferentes estágios motivacionais, observou-se que pacientes no estágio de contemplação possuem pior qualidade de vida em voz no domínio socioemocional e maior número de sintomas vocais no domínio emocional em relação aos pacientes no estágio de pré-contemplação (Tabela 3).

Outros estudos(55 Hapner E, Portone-Maira C, Johns MM 3rd. A study of voice therapy dropout. J Voice. 2007;23(3):337-40. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007.10.009. PMid:18674882.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2007....
,66 Portone C, Johns MM 3rd, Hapner ER. A review of patient adherence to the recommendation for voice therapy. J Voice. 2008;22(2):192-6. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006.09.009. PMid:17572065.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2006....
,2424 Smith BE, Kempster GB, Sims HS. Patient factors related to voice therapy attendance and outcomes. J Voice. 2010;24(6):694-701. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2009.03.004. PMid:20381305.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2009....
) investigaram a relação entre os escores do IDV e a adesão à terapia vocal, observando que a pontuação média no IDV não foi preditiva da adesão do paciente. No entanto, tais estudos não utilizaram nenhum tipo de instrumento para investigar o estágio de prontidão para mudança, mas analisaram o abandono da terapia e as causas desse abandono, inferindo a adesão do paciente a partir dessas informações.

No presente estudo encontrou-se uma correlação fraca entre os escores do IDV e a prontidão para mudança (Tabela 2), não havendo diferenças das médias desses escores em pacientes situados em diferentes estágios de prontidão (Tabela 3).

Um estudo com professoras(77 Almeida LD, Santos LR, Bassi IB, Teixeira LC, Gama ACC. Relationship between adherence to speech therapy in patients with dysphonia and quality of life. J Voice. 2013;27(5):617-21. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2013.02.003. PMid:23587597.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2013....
) mostrou resultado inverso, observando que quanto pior o escore de qualidade de vida, menos aderente à terapia vocal se encontrava o paciente. Pode-se destacar que a qualidade de vida envolve múltiplos fatores, inclusive o tipo de trabalho e a vida social do indivíduo(2323 Menezes LN, Behlau M, Gama ACC, Teixeira LC. Atendimento em voz no Ambulatório de Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Cien Saude Colet. 2011;16(7):3119-29. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000800012. PMid:21808900.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011...
). Desse modo, a relação encontrada entre autoavaliação e adesão à terapia entre professores perpassa aspectos diretamente relacionados às outras condições que afetam a qualidade de vida desses profissionais, inclusive fatores organizacionais e condições de trabalho.

Na presente pesquisa, a variável “uso profissional da voz” não foi considerada para análise, visto que o foco do trabalho era a associação entre a autoavaliação vocal e a prontidão para mudança em pacientes disfônicos. No entanto, no trabalho original de validação do URICA-VOZ no Brasil(1919 Teixeira LC, Rodrigues ALV, Silva AFG, Azevedo R, Gama ACC, Behlau M. Escala URICA-VOZ para identificação de estágios de adesão ao tratamento de voz. CoDAS. 2013;25(1):8-15. http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000100003. PMid:24408164.
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013...
), os autores encontraram associação entre a variável profissão e os estágios de prontidão, com a maioria dos pacientes usuários profissionais da voz nos estágios de pré-contemplação e contemplação. Tais autores destacam que esse achado deve ser avaliado com prudência, visto que, para o profissional da voz, o problema de voz pode produzir impacto diferenciado e influenciar na sua prontidão para mudança.

Desse modo, sugere-se a realização de novos estudos comparando a relação entre autoavaliação vocal e estágio de prontidão para mudança de pacientes que fazem uso profissional da voz à daqueles que não o fazem, verificando a existência ou não de diferenças nessa relação entre os dois grupos.

Quanto à relação entre a ESV e o estágio de prontidão para mudança (Tabela 2), deve-se partir do princípio de que a queixa do paciente é que guia para todo o processo terapêutico. De forma geral, a queixa do paciente se manifesta pela presença de sintomas vocais, sejam eles sensoriais e/ou de alteração da emissão vocal. Na maioria das vezes é a percepção desse problema que leva o paciente a buscar atendimento especializado.

O domínio emocional dos instrumentos de autoavaliação refere-se à presença de sentimentos negativos associados à produção vocal, relacionando-se a condições como depressão, estresse, constrangimento, incompetência, entre outros, vivenciados pelo paciente em função do seu problema de voz(2525 Deary IJ, Wilson JA, Carding PN, MacKenzie K, Voi SS. A patient-derived Voice Symptom Scale. J Psychosom Res. 2003;54(5):483-9. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-3999(02)00469-5. PMid:12726906.
http://dx.doi.org/10.1016/S0022-3999(02)...
). Dessa forma, a partir dos achados do presente estudo, tanto no âmbito da ESV quanto do QVV (Tabelas 2 e 3), pode-se inferir que os pacientes com distúrbio de voz que autorreferem maior impacto do problema vocal na esfera emocional apresentam maior prontidão para mudança em relação àqueles que vivenciam menor impacto emocional do problema de voz.

O escore emocional dos protocolos de autoavaliação evidencia as respostas afetivas do paciente em relação ao seu problema de voz, partindo do pressuposto de que desse podem advir consequências físicas, funcionais e emocionais para o indivíduo(11 Webb AL, Carding PN, Deary IJ, Mackenzie K, Steen IN, Wilson JA. Optimising outcome assessment of voice interventions, I: reliability and validity of three self-reported scales. J Laryngol Otol. 2007;121(8):763-7. http://dx.doi.org/10.1017/S0022215107007177. PMid:17391574.
http://dx.doi.org/10.1017/S0022215107007...
,22 Krischke S, Weigelt S, Hoppe U, Köllner V, Klotz M, Eysholdt U, et al. Quality of life in dysphonic patients. J Voice. 2005;19(1):132-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2004.01.007. PMid:15766858.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2004....
,2525 Deary IJ, Wilson JA, Carding PN, MacKenzie K, Voi SS. A patient-derived Voice Symptom Scale. J Psychosom Res. 2003;54(5):483-9. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-3999(02)00469-5. PMid:12726906.
http://dx.doi.org/10.1016/S0022-3999(02)...
). Sendo assim, neste estudo observa-se que a maior referência de sentimentos negativos associados à produção da voz em pacientes disfônicos parece ser um dos principais fatores associados à prontidão para mudança na terapia vocal.

Uma pesquisa(2626 Seifert E, Kollbrunner J. Stress and distress in non-organic voice disorders. Swiss Med Wkly. 2005;135(27-28):387-97. PMid:16220409.) encontrou que transtornos emocionais podem causar distúrbios vocais, como voz mais aguda ou com quebras na frequência, além de uma respiração superficial, aumento da tensão muscular, restrição do vocabulário, disfluência, desconforto físico e tremores. Por sua vez, problemas vocais podem ser tanto fatores desencadeantes quanto mantenedores de transtornos emocionais.

As medidas de autoavaliação que analisam o impacto do distúrbio de voz na vida do paciente são utilizadas, muitas vezes, para determinar o tipo e a efetividade do tratamento oferecido, uma vez que são mais úteis que as medidas objetivas e que a análise perceptivo-auditiva para caracterizar a intensidade da alteração vocal do ponto de vista do paciente(11 Webb AL, Carding PN, Deary IJ, Mackenzie K, Steen IN, Wilson JA. Optimising outcome assessment of voice interventions, I: reliability and validity of three self-reported scales. J Laryngol Otol. 2007;121(8):763-7. http://dx.doi.org/10.1017/S0022215107007177. PMid:17391574.
http://dx.doi.org/10.1017/S0022215107007...
). Com os dados do presente estudo, embora tenha sido encontrada uma relação fraca entre os escores dos instrumentos de autoavaliação e a prontidão para mudança, foi evidenciado que a autopercepção do impacto de um problema de voz influencia na prontidão para mudança. Deve-se estimular a realização de estudos que investiguem essa associação de forma longitudinal pré e pós-intervenção, ampliando a compreensão dessa relação em ambas as situações.

A autopercepção do impacto do distúrbio vocal parece independer de fatores como a percepção auditiva do desvio vocal identificada pelo fonoaudiólogo e o diagnóstico laríngeo realizado pelo médico. Por sua vez, a autopercepção parece refletir mais fidedignamente a condição do paciente(2727 Behrman A, Sulica L, He T. Factors predicting patient perception of dysphonia caused by benign vocal fold lesions. Laryngoscope. 2004;114(10):1693-700. http://dx.doi.org/10.1097/00005537-200410000-00004. PMid:15454756.
http://dx.doi.org/10.1097/00005537-20041...
), o que justifica a associação entre a forma como o paciente avalia o impacto da alteração vocal e a sua disposição para realizar o tratamento.

Dessa forma, os instrumentos de autoavaliação, como o IDV, QVV e ESV, podem ser utilizados na terapia vocal para conduzir a reflexão do paciente sobre o impacto do distúrbio de voz sobre a sua comunicação cotidiana, focada nos aspectos socioemocionais, e sobre os possíveis benefícios da terapia vocal para a minimização desse impacto. O uso dessas informações pode contribuir para uma melhor adesão do paciente às recomendações realizadas na terapia vocal, principalmente para aqueles que se encontram nos estágios de pré-contemplação e contemplação, dando-lhes a possibilidade de resolver as ambivalências quanto ao comportamento vocal e facilitando a sua passagem para os estágios de ação e manutenção.

Inclusive, uma das premissas do Modelo Transteórico, teoria em que se baseia o URICA-VOZ, para gerar a motivação e a adesão do paciente é fazer com que ele mesmo argumente a favor dos benefícios da sua mudança, uma vez que os indivíduos têm maior comprometimento com ações que eles mesmo defendem(1212 Prochaska JO, DiClemente CC. Stages and processes of self-change of smoking: toward an integrative model of change. J Consult Clin Psychol. 1983;51(3):390-5. http://dx.doi.org/10.1037/0022-006X.51.3.390. PMid:6863699.
http://dx.doi.org/10.1037/0022-006X.51.3...
). Sendo assim, as informações referidas pelos pacientes nos instrumentos de autoavaliação, seja em termos de impacto na qualidade de vida, desvantagem e/ou frequência de sintomas vocais, podem ser utilizadas para gerar reflexões acerca dos possíveis ganhos do paciente com a adesão ao tratamento, o que inclui seguir as orientações e a execução de exercícios.

Dessa forma, além da importância do IDV, QVV e ESV no processo de tomada de decisão e de monitoramento do paciente ao longo do tratamento, eles podem ser utilizados enquanto estratégia terapêutica, sensibilizando e mobilizando o paciente para a mudança de comportamento vocal. Essa estratégia pode tornar o paciente mais ativo no processo de reabilitação vocal ao estabelecer uma relação entre o distúrbio de voz, os benefícios do tratamento e as consequências do cumprimento das recomendações do clínico e a vida diária.

Os dados do presente estudo apontam para uma relação entre a autoavaliação vocal e a prontidão para mudança. No entanto, sugere-se a realização de estudos longitudinais para a compreensão das relações entre o impacto do distúrbio de voz e os estágios de prontidão ao longo da terapia vocal.

CONCLUSÃO

Houve associação entre a autoavaliação vocal e o estágio de prontidão para mudança dos pacientes disfônicos. Os pacientes que apresentam pior qualidade de vida em voz no domínio socioemocional e maior frequência de sintomas vocais no escore emocional apresentam maior prontidão para mudança na terapia vocal.

  • Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal da Paraíba – UFPB - João Pessoa (PB), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    4 Jul 2016
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2015
  • Aceito
    18 Jul 2015
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