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Impacto do distúrbio específico de linguagem e do tipo de escola nos diferentes subsistemas da linguagem

RESUMO

Objetivo

Este estudo teve o objetivo de explorar os efeitos do tipo de escola e do distúrbio específico de linguagem (DEL) sobre diferentes habilidades de linguagem, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo.

Método

204 crianças brasileiras de 4 a 6 anos participaram da pesquisa. As crianças foram recrutadas para formar três grupos: 1) 63 crianças em desenvolvimento típico de linguagem, estudantes de escola particular (DTPar); 2) 102 crianças em desenvolvimento típico de linguagem, estudantes de escola pública (DTPub); e 39 crianças com diagnóstico de DEL, estudantes de escola pública (DELPub). Todas as crianças foram avaliadas em provas de vocabulário expressivo, morfologia de número e compreensão morfossintática.

Resultados

Todos os subsistemas da linguagem foram susceptíveis tanto a questões ambientais (efeito tipo de escola) quanto orgânicas (efeito DEL). As relações entre as medidas de linguagem foram exatamente as mesmas para todos os grupos, indicando que o aumento do vocabulário ocorreu em função da idade, e se mostrou associado ao desenvolvimento das habilidades morfológicas e de compreensão morfossintática. As crianças com DEL apresentaram erros atípicos na prova de compreensão aos 4 anos, mas passaram a apresentar um padrão de erros semelhante ao do desenvolvimento típico com o aumento da idade.

Conclusão

O efeito tipo de escola foi marcado por diferenças quantitativas, enquanto o efeito DEL foi marcado por diferenças predominantemente quantitativas, mas também qualitativas.

Descritores:
Fatores Socioeconômicos; Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem; Testes de Linguagem; Vocabulário; Compreensão

ABSTRACT

Purpose

This study aimed to explore quantitative and qualitative effects of type of school and specific language impairment (SLI) on different language abilities.

Methods

204 Brazilian children aged from 4 to 6 years old participated in the study. Children were selected to form three groups: 1) 63 typically developing children studying in private schools (TDPri); 2) 102 typically developing children studying in state schools (TDSta); and 39 children with SLI studying in state schools (SLISta). All individuals were assessed regarding expressive vocabulary, number morphology and morphosyntactic comprehension.

Results

All language subsystems were vulnerable to both environmental (type of school) and biological (SLI) effects. The relationship between the three language measures was exactly the same to all groups: vocabulary growth correlated with age and with the development of morphological abilities and morphosyntactic comprehension. Children with SLI showed atypical errors in the comprehension test at the age of 4, but presented a pattern of errors that gradually resembled typical development.

Conclusion

The effect of type of school was marked by quantitative differences, while the effect of SLI was characterised by both quantitative and qualitative differences.

Keywords:
Socioeconomic Factors; Language Development Disorders; Language Tests; Vocabulary; Comprehension

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da linguagem depende tanto de fatores ambientais quanto genéticos(11 Prathanee B, Thinkhamrop B, Dechongkit S. Factors associated with specific language impairment and later language development during early life: a literature review. Clin Pediatr. 2007;46(1):22-9. http://dx.doi.org/10.1177/0009922806297153. PMid:17164505.
http://dx.doi.org/10.1177/00099228062971...
). Alguns domínios da linguagem sofrem grande influência da quantidade e qualidade dos estímulos aos quais a criança está exposta(22 Noble KG, Houston SM, Brito NH, Bartsch H, Kan E, Kuperman JM, et al. Family income, parental education and brain structure in children and adolescents. Nat Neurosci. 2015;18(5):773-80. http://dx.doi.org/10.1038/nn.3983. PMid:25821911.
http://dx.doi.org/10.1038/nn.3983...
), enquanto outros dependem mais das características genéticas do indivíduo(33 Newbury DF, Bishop DVM, Monaco AP. Genetic influences on language impairment and phonological short-term memory. Trends Cogn Sci. 2005;9(11):528-34. http://dx.doi.org/10.1016/j.tics.2005.09.002. PMid:16188486.
http://dx.doi.org/10.1016/j.tics.2005.09...
,44 Peter B, Raskind W, Matsushita M, Lisowski M, Vu T, Berninger V, et al. Replication of CNTNAP2 association with nonword repetition and support for FOXP2 association with timed reading and motor activities in a dyslexia family sample. J Neurodev Disord. 2011;3(1):39-49. http://dx.doi.org/10.1007/s11689-010-9065-0. PMid:21484596.
http://dx.doi.org/10.1007/s11689-010-906...
). Ainda que haja influências independentes de cada um destes aspectos, a linguagem é uma função mental complexa que se desenvolve principalmente a partir da interação entre os fatores ambientais e genéticos(55 Rice ML. Language growth and genetics of specific language impairment. Int J Speech-Language Pathol. 2013;15(3):223-33. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2013.783113. PMid:23614332.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2013....
,66 Bishop DVM. The interface between genetics and psychology: lessons from developmental dyslexia. Proc Biol Sci. 2015;282(1806):1-8. http://dx.doi.org/10.1098/rspb.2014.3139. PMid:25854887.
http://dx.doi.org/10.1098/rspb.2014.3139...
).

A influência de aspectos ambientais, como o nível socioeconômico (NSE), começou a ser explorada de forma mais sistemática na década de 1990. Hart e Risley foram os primeiros a identificar que a linguagem utilizada por pais de crianças de alto NSE era quantitativa e qualitativamente mais complexa do que a de pais de baixo NSE. Estas diferenças se refletiram diretamente no vocabulário utilizado pelas crianças. Aos 3 anos de idade, aquelas de alto NSE chegaram a produzir aproximadamente 12 milhões de palavras, enquanto as de baixo NSE utilizaram apenas 3 milhões(77 Hart B, Risley TR. American parenting of language-learning children: persisting differences in family-child interactions observed in natural home environments. Dev Psychol. 1992;28(6):1096-105. http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.28.6.1096.
http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.28.6...
).

Desde então, e principalmente na última década, descobriu-se que o ambiente em que a criança vive pode influenciar até mesmo seu desenvolvimento cerebral, afetando diferentes componentes cognitivos e de linguagem(22 Noble KG, Houston SM, Brito NH, Bartsch H, Kan E, Kuperman JM, et al. Family income, parental education and brain structure in children and adolescents. Nat Neurosci. 2015;18(5):773-80. http://dx.doi.org/10.1038/nn.3983. PMid:25821911.
http://dx.doi.org/10.1038/nn.3983...
). Os aspectos da linguagem mais afetados pelo NSE parecem ser aqueles relacionados a habilidades mais globais, como a aquisição do vocabulário(88 Dickinson D. Teachers’ language practices and academic outcomes of preschool children. Science. 2011;333(6045):964-7. http://dx.doi.org/10.1126/science.1204526. PMid:21852487.
http://dx.doi.org/10.1126/science.120452...

9 Spencer EJ, Schuele CM. An examination of fast mapping skills in preschool children from families with low socioeconomic status. Clin Linguist Phon. 2012;26(10):845-62. http://dx.doi.org/10.3109/02699206.2012.705215. PMid:22954365.
http://dx.doi.org/10.3109/02699206.2012....
-1010 Calvo A, Bialystok E. Independent effects of bilingualism and socioeconomic status on language ability and executive functioning. Cognition. 2014;130(3):278-88. http://dx.doi.org/10.1016/j.cognition.2013.11.015. PMid:24374020.
http://dx.doi.org/10.1016/j.cognition.20...
) e a compreensão(1111 Soares ECS, Ortiz KZ. Influence of schooling on language abilities of adults without linguistic disorders. Sao Paulo Med J. 2009;127(3):134-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802009000300005. PMid:19820873.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802009...
,1212 Bornstein MH, Hendricks C. Basic language comprehension and production in >100,000 young children from sixteen developing nations. J Child Lang. 2012;39(4):899-918. http://dx.doi.org/10.1017/S0305000911000407. PMid:22129486.
http://dx.doi.org/10.1017/S0305000911000...
). Estes efeitos são muitas vezes mediados pelo ambiente escolar(1313 Scopel RR, Souza VC, Lemos SMA. A influência do ambiente familiar e escolar na aquisição e no desenvolvimento da linguagem: revisão de literatura. Rev CEFAC. 2012;14(4):732-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000139.
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) (escolas públicas ou particulares), e sabe-se que o ingresso precoce em pré-escolas de qualidade pode inclusive contribuir para reduzir as diferenças entre os grupos(1414 Becker B. Social disparities in children’s vocabulary in early childhood. Does pre-school education help to close the gap? Br J Sociol. 2011;62(1):69-88. http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-4446.2010.01345.x. PMid:21361902.
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). No Brasil, particularmente, o NSE também está relacionado a um menor uso do morfema nominal de número (plural), possivelmente por questões sociolinguísticas. Estudos realizados com crianças de 3 a 6 anos, moradoras em regiões de baixo NSE de São Paulo, indicaram que a aquisição do morfema de número foi a mais difícil(1515 Takiuchi N, Navas ALGP. Comparação entre compreensão e produção de morfemas flexionais de plural em crianças pré-escolares. In: 13º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 2005 Set; Santos. Anais. Santos: Mendes Convention Center, 2005. p. OCL1477.) e tanto sua compreensão quanto seu uso só foram realmente produtivos a partir dos 5 anos(1616 Befi-Lopes DM, Rodrigues A, Puglisi ML. Number morpheme acquisition in children within normal language development. Pro Fono. 2009;21(2):171-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872009000200015. PMid:19629330.
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).

Em paralelo aos estudos socioeconômicos, muitas pesquisas foram realizadas desde os anos 1980 para compreender casos em que a linguagem não se desenvolve normalmente em virtude de um funcionamento cerebral atípico, como ocorre no Distúrbio Específico de Linguagem (DEL). Estas alterações funcionais (não estruturais) no cérebro sofrem influência genética(1717 Newbury DF, Monaco AP. Genetic advances in the study of speech and language disorders. Neuron. 2010;68(2-13):309-20. http://dx.doi.org/10.1016/j.neuron.2010.10.001.
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) e levam a importantes alterações da linguagem sem que haja comprometimento de outras áreas do desenvolvimento(1818 Bishop DVM. Uncommon understanding: development and disorders of language comprehension in children. Hove: Psychology Press, 1997.).

As crianças com DEL apresentam, em maior ou menor grau, dificuldades relacionadas a todos os subsistemas da linguagem: fonologia, léxico, gramática e pragmática(1818 Bishop DVM. Uncommon understanding: development and disorders of language comprehension in children. Hove: Psychology Press, 1997.). A despeito da grande heterogeneidade do grupo, há evidências de que as dificuldades morfológicas constituem uma das mais importantes marcas clínicas do DEL. Estas crianças tendem a utilizar as formas não conjugadas – ou conjugadas da maneira mais frequente em sua língua – por um período maior do que as crianças em desenvolvimento normal(1919 Leonard LB, Fey ME, Deevy P, Bredin-Oja SL. Input sources of third person singular –s inconsistency in children with and without specific language impairment. J Child Lang. 2015;42(4):786-820. http://dx.doi.org/10.1017/S0305000914000397. PMid:25076070.
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). A quantidade de palavras e morfemas utilizados em suas frases costuma ser equivalente à de crianças até dois anos mais novas(2020 Rice M. Language growth and genetics of specific language impairment. Int J Speech-Language Pathol. 2013;15(3):223-33. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2013.783113. PMid:23614332.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2013....
). Dependendo das características da língua falada pela criança, estas manifestações podem ser mais evidentes na morfologia verbal(1919 Leonard LB, Fey ME, Deevy P, Bredin-Oja SL. Input sources of third person singular –s inconsistency in children with and without specific language impairment. J Child Lang. 2015;42(4):786-820. http://dx.doi.org/10.1017/S0305000914000397. PMid:25076070.
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,2121 Rice ML, Blossom M. What do children with specific language impairment do with multiple forms of DO? J Speech Lang Hear Res. 2013;56(1):222-35. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2012/11-0107). PMid:22744136.
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), nominal(2222 Conti-Ramsden G. Processing and linguistic markers in young children with specific language impairment (SLI). J Speech Lang Hear Res. 2003;46(5):1029-37. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2003/082). PMid:14575341.
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,2323 Corrêa LMS. Questões de concordância: uma abordagem integrada para processamento, aquisição e o Déficit Específico da Linguagem. Lingüística. 2005;1(1):111-45.) ou em ambas(2424 Moyle MJ, Karasinski C, Weismer SE, Gorman BK. Grammatical morphology in school-age children with and without language impairment: a discriminant function analysis. Lang Speech Hear Serv Sch. 2011;42(4):550-60. http://dx.doi.org/10.1044/0161-1461(2011/10-0029). PMid:21969530.
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). As dificuldades gramaticais de crianças com DEL não se restringem apenas à morfologia, mas também se referem à sintaxe. Diversos estudos demonstraram que esta patologia é marcada por dificuldades na atribuição de papéis temáticos, especialmente quando a complexidade sintática é aumentada(2525 Fortunato-Tavares T, Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Hestvik A, Epstein B. Syntactic structural assignment in brazilian portuguese-speaking children with specific language impairment. J Speech Lang Hear Res. 2012;55(4):1097-111. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2011/10-0215). PMid:22232402.
http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2011...
,2626 Royle P, Stine I. The French noun phrase in preschool children with SLI: morphosyntactic and error analyses. J Child Lang. 2013;40(5):945-70. http://dx.doi.org/10.1017/S0305000912000414. PMid:22975344.
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).

Há atualmente muitos estudos na literatura que buscaram traçar o perfil de linguagem destes diferentes grupos de crianças. Entretanto, nenhum até o momento explorou a influência dos dois tipos de efeito (ambientais e orgânicos), simultaneamente. Este estudo pretende preencher esta lacuna ao comparar o desempenho de crianças em desenvolvimento típico de linguagem de diferentes ambientes escolares (pública e particular), com o de crianças que foram diagnosticadas com DEL.

Para explorar os efeitos do tipo de escola, foram realizadas comparações entre o desempenho de estudantes de escolas Públicas e Particulares, ambos em desenvolvimento típico de linguagem. Para identificar o impacto do DEL, foram realizadas comparações entre o desempenho de crianças em desenvolvimento típico de linguagem e com DEL, ambas estudantes de escolas Públicas.

Para cada análise, o intuito foi não apenas explorar diferenças quantitativas, mas também as relações entre as diferentes áreas e o padrão de respostas de cada grupo.

MÉTODO

Esta Pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética da Instituição, sob o n° 226/05. Todos os participantes deste estudo tiveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por seus pais ou responsáveis.

Participantes

A amostra deste estudo foi constituída por 204 crianças brasileiras de 4 a 6 anos. As crianças foram recrutadas para formar três grupos: 1) 63 crianças em desenvolvimento típico de linguagem, estudantes de escola particular (DTPar); 2) 102 crianças em desenvolvimento típico de linguagem, estudantes de escola pública (DTPub); e 39 crianças com diagnóstico de DEL, estudantes de escola pública (DELPub). Os sujeitos foram pareados por idade em cada grupo.

Os critérios de inclusão para as crianças em desenvolvimento típico (DTPar e DTPub) consistiram em ausência de tratamento fonoaudiológico, psicológico, neurológico e/ou psiquiátrico prévios; ausência de queixas dos pais ou professores acerca do desenvolvimento de linguagem; e desempenho dentro dos valores de referência para a idade na prova de Vocabulário Expressivo – ABFW(2727 Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF, organizadores. ABFW Teste de Linguagem Infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2. ed. Barueri: Pró-Fono, 2004. p. 33-50.). As crianças do grupo DTPar eram estudantes de escolas particulares na região sul de São Paulo, especificamente em bairros nos quais a maioria da população (48% a 64%) recebe mais de dez salários mínimos per capita(2828 SEADE: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados [Internet]. Distribuição dos domicílios, por faixas de renda per capita, segundo Distritos Município de São Paulo. São Paulo: SEADE, 2000. [citado em 2016 Ago 11]. Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos/msp/index.php?tip=met4&opt=t&subtema=null&tema=ren
http://produtos.seade.gov.br/produtos/ms...
). As crianças do grupo DTPub foram selecionadas de uma Escola Municipal de Ensino (EMEI) da região oeste de São Paulo. De acordo com os dados do SEADE(2828 SEADE: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados [Internet]. Distribuição dos domicílios, por faixas de renda per capita, segundo Distritos Município de São Paulo. São Paulo: SEADE, 2000. [citado em 2016 Ago 11]. Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos/msp/index.php?tip=met4&opt=t&subtema=null&tema=ren
http://produtos.seade.gov.br/produtos/ms...
), existe uma grande variação da distribuição de renda nessa região, mas a maior concentração da população (25%) recebe de um e meio a três salários mínimos per capita. Portanto, o tipo de escola (particular ou pública) está fortemente associado a diferenças socioeconômicas (respectivamente médio-alto e médio-baixo níveis socioeconômicos).

O grupo DEL foi constituído por crianças em atendimento no serviço de Fonoaudiologia da Universidade de São Paulo. Este serviço situa-se na mesma região da cidade de São Paulo em que as crianças do grupo DTPub foram recrutadas. Todas as crianças do grupo DELPub apresentaram desempenho abaixo do esperado para a idade em ao menos duas das provas que constituem a bateria de avaliação de linguagem: vocabulário expressivo, vocabulário receptivo, fonologia, produção de verbos, compreensão de adjetivos, compreensão e produção de preposições; e extensão média de enunciado. Todas as crianças tiveram desempenho adequado (M = 82,7) no Primary Test of Nonverbal Intelligence (PTONI), um teste que avalia a inteligência não verbal. Nenhum sujeito deste grupo tinha diagnóstico de alterações auditivas, psiquiátricas e/ou emocionais severas. Para maiores informações sobre o critério de seleção dos sujeitos, ver Puglisi(2929 Puglisi ML. Compreensão de sentenças em crianças com desenvolvimento normal de linguagem e com distúrbio específico de linguagem [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2010. 180 p.).

Material

As crianças foram avaliadas em três medidas de linguagem que avaliam o léxico, a morfologia de número e a compreensão morfossintática. O léxico foi avaliado por meio da prova de Vocabulário Expressivo do teste ABFW(2727 Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF, organizadores. ABFW Teste de Linguagem Infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2. ed. Barueri: Pró-Fono, 2004. p. 33-50.) (a pontuação pode variar de 0 a 118). As demais provas foram criadas para os propósitos deste estudo. A morfologia de número foi avaliada a partir de uma prova que envolvia o reconhecimento do singular e do plural. A atividade consistia em apontar para a figura correta mediante frases como: “cadê o palhaço?”; “cadê as bailarinas?” (a pontuação pode variar de 0 a 20). As crianças que acertaram simultaneamente ao menos 70% dos itens no singular e 70% dos itens no plural foram classificadas como tendo domínio do morfema de número. A compreensão morfossintática foi avaliada a partir de uma prova que exigia a compreensão simultânea de informações relativas à morfologia de número e ordem das palavras. A atividade consistia em apontar para a figura correta mediante frases como: “os patos bicam a galinha preta”; “os meninos que põem o casaco abraçam a moça”. Todas as sentenças eram reversíveis e a prova continha sentenças de diferentes complexidades sintáticas (a pontuação pode variar de 0 a 40). Os desenhos em cada prancha foram criados de forma a permitir uma análise mais aprofundada sobre o tipo de erro apresentado pelas crianças. Para cada sentença da prova, havia um desenho correto e três incorretos, representando erros morfológicos (morfema de número), sintáticos (ordem das palavras) ou morfossintáticos (morfema de número e ordem das palavras). Para maiores informações sobre as provas utilizadas, ver Puglisi(2929 Puglisi ML. Compreensão de sentenças em crianças com desenvolvimento normal de linguagem e com distúrbio específico de linguagem [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2010. 180 p.).

Procedimentos

As crianças em desenvolvimento típico foram avaliadas individualmente em uma sala silenciosa da escola. As crianças com DEL foram avaliadas individualmente em suas próprias salas de terapia no serviço de Fonoaudiologia da clínica da escola. Todas as crianças realizaram a prova de vocabulário seguida da de compreensão morfossintática e por último a de morfologia de número.

Análise dos dados

Os dados foram analisados por meio do software SPSS Statistics 20.0.

Para testar a existência de diferenças quantitativas entre os grupos para cada prova de linguagem, foram realizadas análises univariadas de variância (ANOVAs). As variáveis dependentes foram as provas de linguagem e a variável independente foi a de grupo.

Para explorar as relações entre as habilidades de linguagem para cada grupo, foram utilizadas diferentes técnicas que buscam testar a correlação ou associação entre variáveis. Inicialmente foram implementadas correlações de Pearson bivariadas e parciais usando as provas de vocabulário, morfologia de número e compreensão morfossintática, além da idade. Para as medidas de interesse a partir do resultado das correlações, foi ainda realizada a curva ROC seguida do teste do Quiquadrado. Finalmente, para analisar o tipo de erro na prova de compreensão de sentenças, foram utilizadas novas correlações de Pearson com as variáveis erros morfológicos, erros sintáticos, erros morfossintáticos e idade.

RESULTADOS

Os resultados descritivos são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Estatística descritiva. Desempenho das crianças em cada prova de linguagem em função do grupo e idade

Inicialmente serão apresentados os resultados das análises quantitativas e, em seguida, os achados referentes às correlações e padrões de respostas de cada grupo.

Diferenças quantitativas entre os grupos nas provas de linguagem

A Tabela 2 mostra que houve diferença entre os grupos para todas as provas de linguagem. As análises posthoc (Bonferroni) indicaram que o padrão foi sempre o mesmo para todas as habilidades avaliadas: as crianças do grupo DELPub tiveram um desempenho pior do que as do DTPub (p<0,001), que, por sua vez, tiveram desempenho pior do que as crianças do DTPar (p<0,001).

Tabela 2
Estatística inferencial. Diferenças quantitativas entre os grupos em cada prova de linguagem

Correlações entre as habilidades lexicais, morfológicas e morfossintáticas

Houve correlações positivas moderadas entre as três provas de linguagem (vocabulário, morfologia de número e compreensão morfossintática), para todos os grupos. Como o padrão de correlações foi exatamente o mesmo para os grupos, optamos por apresentar as correlações para a amostra total, a fim de aumentar o poder estatístico e a confiabilidade das análises (Tabela 3).

Tabela 3
Correlações entre as provas de linguagem e idade para a amostra total

Considerando que todas as medidas de linguagem apresentaram moderada correlação com a idade, buscamos explorar se eventualmente as correlações significantes poderiam ser espúrias, ou seja, fruto de relações indiretas (e não diretas) entre as variáveis. Para isso, realizamos correlações parciais entre as três provas de linguagem, controlando pelo efeito da idade. Os resultados indicam que todas as correlações permaneceram significantes (p < 0,001) e com força moderada (vocabulário e morfologia: r = 0,478; vocabulário e compreensão: r = 0,595; morfologia e compreensão: r = 0,571). Já o contrário (correlações entre cada medida de linguagem e a idade, controlando pelas demais provas de linguagem) foi verdadeiro apenas para o vocabulário. Quando as correlações entre idade e vocabulário foram controladas pelo desempenho nas demais provas, os resultados permaneceram significantes a p < 0,001 (r = 0,275). Mas, quando as correlações entre idade e morfologia e idade e compreensão foram controladas pelo desempenho nas outras provas de linguagem, os resultados se tornaram marginalmente significantes ou não significantes (respectivamente, idade e morfologia: r = 0,168; idade e compreensão: r = 0,079). A combinação destes resultados indica que 1) houve correlação direta e positiva entre vocabulário, morfologia e compreensão morfossintática, e 2) a idade apresentou correlação direta apenas com o vocabulário. Ou seja, para morfologia e compreensão morfossintática, houve maior correlação com o vocabulário do que com a idade.

Considerando estes resultados, buscamos compreender se poderia haver um vocabulário mínimo necessário para que a criança passasse a dominar o morfema de número, independentemente de sua idade ou grupo. Para isso, realizamos uma curva ROC tendo vocabulário expressivo como a variável contínua e o domínio do morfema de número como a variável binária. A curva ROC demonstrou índices satisfatórios (área = 0,839, erro padrão = 0,028, p < 0,001). Observamos que, para esta amostra, o ponto de corte de 83,5 no vocabulário indicou sensibilidade e especificidade de 77,1% e 76,3%, respectivamente. Utilizamos então este ponto de corte para classificar o vocabulário das crianças em “suficiente” e “insuficiente”, e implementamos uma análise do Quiquadrado para testar a associação entre vocabulário e morfologia, a partir deste critério. Conforme esperado, houve associação estatisticamente significante entre o domínio do vocabulário e o domínio do morfema de número (χ2=57,63, gl=1, p<0,001), o que pode ser ilustrado pelo Figura 1.

Figura 1
Domínio do morfema de número em função do vocabulário e idade, usando o critério gerado pela curva ROC

Correlações entre os tipos de erros na prova de compreensão morfossintática e a idade, para cada grupo

Diferentemente das análises anteriores, observamos neste caso diferenças entre os padrões de respostas dos grupos, o que justifica a apresentação separada dos resultados (Tabela 4). O padrão comum demonstrado pelas correlações de Pearson indica que quanto maior a idade, menor a quantidade de erros sintáticos e morfossintáticos, para todos os grupos (correlações negativas moderadas). Entretanto, para os erros morfológicos – que demonstram uma falha na identificação do singular e do plural durante a compreensão de sentenças – houve uma tendência diferente para cada grupo. Não houve correlação significante entre estes erros e a idade para o grupo DTPub, e houve um padrão inverso para as crianças do grupo DELPub (um aumento da quantidade de erros morfológicos em função da idade).

Tabela 4
Correlações entre os erros na prova de compreensão e a idade, para cada grupo

DISCUSSÃO

Este estudo teve o objetivo de explorar os efeitos do tipo de escola e do DEL sobre diferentes habilidades de linguagem, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo.

O primeiro achado deste estudo indicou que as crianças de escola pública tiveram um pior desempenho do que as crianças de escola particular para todas as medidas analisadas, e as crianças com DEL foram piores do que os dois grupos em desenvolvimento típico. Este achado reforça a presença tanto do efeito de tipo de escola(1313 Scopel RR, Souza VC, Lemos SMA. A influência do ambiente familiar e escolar na aquisição e no desenvolvimento da linguagem: revisão de literatura. Rev CEFAC. 2012;14(4):732-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000139.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011...
) quanto do DEL(1818 Bishop DVM. Uncommon understanding: development and disorders of language comprehension in children. Hove: Psychology Press, 1997.) para todos os subsistemas da linguagem.

Este é um achado interessante pois indica que todos os subsistemas da linguagem foram susceptíveis tanto a questões ambientais (efeito tipo de escola) quanto orgânicas (efeito DEL). É importante pontuar, entretanto, que analisamos neste estudo apenas a morfologia nominal de número, e não outros morfemas nominais e verbais. No Brasil, existe uma grande variação linguística particularmente relacionada ao uso do plural em diferentes grupos socioecômicos e culturais(1515 Takiuchi N, Navas ALGP. Comparação entre compreensão e produção de morfemas flexionais de plural em crianças pré-escolares. In: 13º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 2005 Set; Santos. Anais. Santos: Mendes Convention Center, 2005. p. OCL1477.,1616 Befi-Lopes DM, Rodrigues A, Puglisi ML. Number morpheme acquisition in children within normal language development. Pro Fono. 2009;21(2):171-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872009000200015. PMid:19629330.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872009...
). Se tivéssemos utilizado outras variações morfológicas menos relacionadas a aspectos sociolinguísticos, é possível que os efeitos do tipo de escola (DTPub < DTPar) tivessem sido menores para a prova de morfologia. Isso porque as dificuldades morfológicas costumam ser consideradas uma marca clínica do DEL(1919 Leonard LB, Fey ME, Deevy P, Bredin-Oja SL. Input sources of third person singular –s inconsistency in children with and without specific language impairment. J Child Lang. 2015;42(4):786-820. http://dx.doi.org/10.1017/S0305000914000397. PMid:25076070.
http://dx.doi.org/10.1017/S0305000914000...
,2020 Rice M. Language growth and genetics of specific language impairment. Int J Speech-Language Pathol. 2013;15(3):223-33. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2013.783113. PMid:23614332.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2013....
) e não deveriam sofrer tanto a influência do ambiente escolar. As dificuldades lexicais e de compreensão, ao contrário, são encontradas amplamente tanto nas crianças com DEL(2525 Fortunato-Tavares T, Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Hestvik A, Epstein B. Syntactic structural assignment in brazilian portuguese-speaking children with specific language impairment. J Speech Lang Hear Res. 2012;55(4):1097-111. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2011/10-0215). PMid:22232402.
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,2626 Royle P, Stine I. The French noun phrase in preschool children with SLI: morphosyntactic and error analyses. J Child Lang. 2013;40(5):945-70. http://dx.doi.org/10.1017/S0305000912000414. PMid:22975344.
http://dx.doi.org/10.1017/S0305000912000...
) quanto em crianças provenientes de baixo nível socioeconômico(1111 Soares ECS, Ortiz KZ. Influence of schooling on language abilities of adults without linguistic disorders. Sao Paulo Med J. 2009;127(3):134-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802009000300005. PMid:19820873.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802009...
,1212 Bornstein MH, Hendricks C. Basic language comprehension and production in >100,000 young children from sixteen developing nations. J Child Lang. 2012;39(4):899-918. http://dx.doi.org/10.1017/S0305000911000407. PMid:22129486.
http://dx.doi.org/10.1017/S0305000911000...
). Desta forma, futuros estudos são necessários para investigar se crianças de escolas públicas apresentam de fato dificuldades para identificar outros morfemas nominais e verbais, além do morfema de número.

Quanto às relações entre as diferentes habilidades de linguagem para cada grupo, identificamos que todos os grupos apresentaram o mesmo padrão. Houve correlação positiva moderada entre as três medidas de linguagem (vocabulário, morfologia de número e compreensão morfossintática), mesmo quando a influência da idade foi controlada. A idade foi apenas correlacionada de forma significativa ao vocabulário, após o controle das outras variáveis. A combinação destes achados sugere duas interpretações complementares. Em primeiro lugar, quanto maior a idade da criança, maior seu vocabulário. Isso está de acordo com uma série de estudos sobre o desenvolvimento de linguagem que demonstram um aumento do vocabulário em função da idade para todos os grupos estudados, ainda que possa haver diferenças entre a velocidade de aquisição lexical(11 Prathanee B, Thinkhamrop B, Dechongkit S. Factors associated with specific language impairment and later language development during early life: a literature review. Clin Pediatr. 2007;46(1):22-9. http://dx.doi.org/10.1177/0009922806297153. PMid:17164505.
http://dx.doi.org/10.1177/00099228062971...
,55 Rice ML. Language growth and genetics of specific language impairment. Int J Speech-Language Pathol. 2013;15(3):223-33. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2013.783113. PMid:23614332.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2013....
,77 Hart B, Risley TR. American parenting of language-learning children: persisting differences in family-child interactions observed in natural home environments. Dev Psychol. 1992;28(6):1096-105. http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.28.6.1096.
http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.28.6...
,1010 Calvo A, Bialystok E. Independent effects of bilingualism and socioeconomic status on language ability and executive functioning. Cognition. 2014;130(3):278-88. http://dx.doi.org/10.1016/j.cognition.2013.11.015. PMid:24374020.
http://dx.doi.org/10.1016/j.cognition.20...
). Em segundo lugar, as habilidades morfológicas e morfossintáticas dependem mais do crescimento do vocabulário do que da idade. Mais do que isso, identificamos que foi necessário um vocabulário mínimo, em torno de 83 acertos na prova do ABFW, para que as crianças conseguissem dominar o morfema de número consistentemente. Estes achados são consistentes com a visão de que o desenvolvimento morfológico depende de um vocabulário suficiente para que a criança comece a analisar os subcomponentes das palavras(1818 Bishop DVM. Uncommon understanding: development and disorders of language comprehension in children. Hove: Psychology Press, 1997.). Estas relações foram as mesmas tanto para as crianças em desenvolvimento típico, de escolas públicas e particulares, quanto para as crianças com DEL.

Já a análise dos erros na prova de compreensão morfossintática evidenciou um padrão parcialmente distinto entre os grupos, mais especificamente para os erros morfológicos. Esperava-se que a quantidade de todos os erros na prova de compreensão diminuísse em função da idade. Embora isso tenha se aplicado aos erros sintáticos e morfossintáticos, houve um aumento dos erros morfológicos no grupo DELPub com o aumento da idade. Este achado é inicialmente incompreensível considerando que as crianças mais velhas tinham melhores habilidades morfológicas do que as crianças mais novas da amostra. No entanto, a análise mais detalhada demonstra que este aumento da quantidade dos erros morfológicos no grupo DEL foi reflexo de uma melhora qualitativa das respostas. Aos 4 anos, as crianças do grupo DELPub apresentaram todos os tipos de erros em quantidades parecidas, enquanto as crianças em desenvolvimento típico já cometiam principalmente erros morfológicos. A diferença que se nota com a idade para os grupos em desenvolvimento típico é apenas quantitativa: os erros continuam prioritariamente morfológicos, mas diminuem em ocorrência. Já para o grupo DELPub, a grande mudança é qualitativa: eles passam de um padrão praticamente aleatório de respostas, com ocorrência de todos os tipos de erros, para um padrão mais sistemático semelhante ao encontrado no desenvolvimento típico (maior número de erros morfológicos).

Este padrão desviante de respostas é compatível com a noção de que o desenvolvimento de linguagem das crianças com DEL não é apenas atrasado, mas muitas vezes idiossincrático, refletindo padrões atípicos de especialização cerebral(1818 Bishop DVM. Uncommon understanding: development and disorders of language comprehension in children. Hove: Psychology Press, 1997.,3030 Brown TT, Erhart M, Avesar D, Dale AM, Halgren E, Evans JL. Atypical right hemisphere specialization for object representations in an adolescent with specific language impairment. Front Hum Neurosci. 2014;8(82):1-11. http://dx.doi.org/10.3389/fnhum.2014.00082. PMid:24592231.
http://dx.doi.org/10.3389/fnhum.2014.000...
). Os padrões desviantes no DEL ocorrem principalmente em tarefas com grandes demandas de processamento linguístico(1818 Bishop DVM. Uncommon understanding: development and disorders of language comprehension in children. Hove: Psychology Press, 1997.), como é o caso da prova de compreensão morfossintática. Com o aumento da idade e a melhora das habilidades de linguagem das crianças desta amostra, estas demandas linguísticas possivelmente diminuíram, e as crianças com DEL passaram a apresentar um padrão de respostas semelhante ao encontrado no desenvolvimento típico – embora ainda quantitativamente distinto.

Os resultados deste estudo contribuem para o entendimento dos efeitos do tipo de escola sobre determinados aspectos do desenvolvimento de linguagem e ajudam a entender em que extensão estes efeitos se diferem do DEL. Mais estudos na área são necessários para cobrir uma faixa etária mais extensa (incluindo a primeira infância) e explorar estes efeitos sobre outras medidas de linguagem.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstrou que todos os subsistemas da linguagem foram susceptíveis tanto a questões ambientais (efeito tipo de escola) quanto orgânicas (efeito DEL), sendo as dificuldades das crianças com DEL sempre mais acentuadas do que as dos demais grupos. As relações entre as medidas de linguagem foram exatamente as mesmas para todos os grupos, indicando que o aumento do vocabulário ocorreu em função da idade e se mostrou associado ao desenvolvimento das habilidades morfológicas e de compreensão morfossintática. As crianças com DEL apresentaram erros atípicos na prova de compreensão aos 4 anos, mas passaram a apresentar um padrão de erros semelhante ao do desenvolvimento típico com o aumento da idade.

  • Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, na modalidade bolsa de Doutorado Direto (Processo 06/50660-3).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2015
  • Aceito
    14 Dez 2015
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