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Adaptação cultural do Test of Narrative Language (TNL) para o Português Brasileiro

RESUMO

Objetivo

Realizar a tradução e a adaptação cultural do Test of Narrative Language (TNL) para o Português Brasileiro.

Métodos

O TNL é um instrumento formal que avalia a compreensão e a narração oral de crianças entre cinco e 11 anos e 11 meses. O processo de tradução e adaptação do TNL teve as seguintes etapas: (1) tradução para a língua-alvo; (2) síntese das versões traduzidas; (3) retrotradução; (4) verificação do processo de equivalência conceitual, semântica e cultural; e (5) estudo-piloto (56 crianças, mesma faixa etária do teste e de ambos os gêneros).

Resultados

A versão adaptada manteve a mesma estrutura da versão original: número de tarefas (três de compreensão narrativa e três de narração oral), formatos de narrativa (sem apoio de figura, figuras em sequência e figura única) e sistema de pontuação. Não foram realizadas adaptações nas figuras do teste. A história “McDonald’s Story” foi substituída pela história “História da Lanchonete”, para atender à equivalência semântica e experiencial da população-alvo. Nas demais histórias, foram realizadas adaptações semânticas e gramaticais. Diferenças estatisticamente significantes foram encontradas nas comparações entre os escores brutos (compreensão, narração e total) dos grupos etários, a partir da versão adaptada.

Conclusão

Adaptações foram necessárias para atender à equivalência semântica e experiencial da população-alvo, considerando o contexto sociolinguístico-cultural do Brasil. A versão adaptada apresentou equivalência conceitual de itens, semântica e operacional em relação à versão original. A equivalência de mensuração para fins de validação e normatização do TNL está em andamento e poderá complementar os resultados deste estudo.

Descritores:
Testes de Linguagem; Tradução; Adaptação; Narração; Linguagem Infantil

ABSTRACT

Purpose

To accomplish the translation and cultural adaptation of the Test of Narrative Language (TNL) into Brazilian Portuguese.

Methods

The TNL is a formal instrument which assesses narrative comprehension and oral narration of children between the ages of 5-0 and 11-11 (years-months). The TNL translation and adaptation process had the following steps: (1) translation into the target language; (2) summary of the translated versions; (3) back-translation; (4) checking of the conceptual, semantics and cultural equivalence process and (5) pilot study (56 children within the test age range and from both genders).

Results

The adapted version maintained the same structure as the original version: number of tasks (both, three comprehension and oral narration), narrative formats (no picture, sequenced pictures and single picture) and scoring system. There were no adjustments to the pictures. The “McDonald's Story” was replaced by the “Snack Bar History” to meet the semantic and experiential equivalence of the target population. The other stories had semantic and grammatical adjustments. Statistically significant difference was found when comparing the raw score (comprehension, narration and total) of age groups from the adapted version.

Conclusion

Adjustments were required to meet the equivalence between the original and the translated versions. The adapted version showed it has the potential to identify differences in oral narratives of children in the age range provided by the test. Measurement equivalence for validation and test standardization are in progress and will be able to supplement the study outcomes.

Keywords:
Language Tests; Translation; Adaptation; Narration; Child Language

INTRODUÇÃO

Nos primeiros anos de vida, as situações de interação comunicativa vivenciadas pela criança são fortemente marcadas pelo uso da linguagem falada. Por sua vez, a conversação, a narrativa oral de scripts e, posteriormente, a narrativa de história constituem os primeiros modelos de esquema narrativo com que a criança tem contato(11 Hughes DL, McGillivray L, Schmidek M. Guide to narrative language: procedures for assessment. Eau Claire: Thinking Publications; 1997.).

Esse esquema é construído de forma gradual ao longo do desenvolvimento, à medida que a criança é exposta socialmente aos diferentes modelos de representação organizacional da linguagem por meio de interações que são estabelecidas principalmente no ambiente com a família e na escola(22 Spinillo AG. A produção de histórias por crianças: a textualidade em foco. In: Correa J, Spinillo A, Leitão S. Desenvolvimento da linguagem: escrita e textualidade. Rio de Janeiro: NAU Editora; 2001. p. 73-116.) em consonância com o desenvolvimento de uma arquitetura neurofuncional, constituída por uma rede neural complexa que envolve diferentes áreas cerebrais, de ambos os hemisférios(33 Mar RA. The neuropsychology of narrative: story comprehension, story production and their interrelation. Neuropsychologia. 2004;42(10):1414-34. http://dx.doi.org/10.1016/j.neuropsychologia.2003.12.016. PMid:15193948.
http://dx.doi.org/10.1016/j.neuropsychol...
,44 AbdulSabur NY, Xu Y, Liu S, Chow HM, Baxter M, Carson J, et al. Neural correlates and network connectivity underlying narrative production and comprehension: a combined fMRI and PET study. Cortex. 2014;57:107-27. http://dx.doi.org/10.1016/j.cortex.2014.01.017. PMid:24845161.
http://dx.doi.org/10.1016/j.cortex.2014....
).

Ao longo dos anos, pesquisadores têm mostrado que o desempenho de crianças na narrativa oral, em idade pré-escolar, pode predizer problemas futuros na alfabetização(55 Catts HW, Herrera S, Nielsen DC, Bridges MS. Early prediction of reading comprehension within the simple view framework. Read Writ. 2015;28(9):1407-25. http://dx.doi.org/10.1007/s11145-015-9576-x.
http://dx.doi.org/10.1007/s11145-015-957...
), bem como predizer a competência textual na idade escolar(66 Pinto G, Tarchi C, Bigozzi L. Development in narrative competences from oral to written stories in five-to seven-year-old children. Early Child Res Q. 2016;36:1-10. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecresq.2015.12.001.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ecresq.2015....
). Deste modo, o uso de métodos quantitativos e qualitativos para investigação da narrativa oral tem sido valorizado dentre os procedimentos formais e informais para avaliação da linguagem(77 Justice LM, Bowles R, Pence K, Gosse C. A scalable tool for assessing children’s language abilities within a narrative context: the NAP (Narrative Assessment Protocol). Early Child Res Q. 2010;25(2):218-34. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecresq.2009.11.002.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ecresq.2009....

8 Acosta V, Moreno A, Axpe Á. Análisis de las dificultades en el discurso narrativo en alumnado con Trastorno Específico del Lenguaje. Rev Logop Fon Audiol. 2013;33(4):165-71. http://dx.doi.org/10.1016/j.rlfa.2013.07.004.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rlfa.2013.07...

9 Dockrell JE, Marshall CR. Measurement Issues: assessing language skills in young children. Child Adolesc Ment Health. 2015;20(2):116-25. http://dx.doi.org/10.1111/camh.12072.
http://dx.doi.org/10.1111/camh.12072...

10 Allende NC, Costa BG, Leighton AF. La medición por criterio de la narrativa en niños con trastorno específico del lenguaje. Rev Logop Fon Audiol. 2015;35(3):114-22. http://dx.doi.org/10.1016/j.rlfa.2014.12.003.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rlfa.2014.12...
-1111 Petersen DB, Gillam SL, Gillam RB. Emerging procedures in narrative assessment: The Index of Narrative Complexity. Top Lang Disord. 2008;28(2):115-30. http://dx.doi.org/10.1097/01.TLD.0000318933.46925.86.
http://dx.doi.org/10.1097/01.TLD.0000318...
).

Dentre os instrumentos formais para investigação da narrativa oral, podemos citar o “Test of Narrative Language” (TNL)(1212 Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language: examine’s manual. Rio de Janeiro: Pro-ed; 2004.). Esse instrumento tem como proposta investigar o desempenho de crianças com idade entre cinco anos e 11 anos e 11 meses em tarefas de compreensão narrativa e de narração oral de histórias (reais e ficcionais), a partir de três diferentes formatos de tarefa: sem apoio de figura, com apoio de figuras em sequência e com apoio de figura única.

No contexto internacional, o TNL tem sido utilizado: (a) como medida para correlacionar o desempenho narrativo ao desempenho em habilidades de leitura, para discutir o papel preditivo da narrativa oral no processo de aprendizagem acadêmica(55 Catts HW, Herrera S, Nielsen DC, Bridges MS. Early prediction of reading comprehension within the simple view framework. Read Writ. 2015;28(9):1407-25. http://dx.doi.org/10.1007/s11145-015-9576-x.
http://dx.doi.org/10.1007/s11145-015-957...
); (b) em situação de pré e pós-intervenção narrativa para monitoramento das mudanças nos aspectos macro e microestruturais da narrativa oral(1313 Petersen DB, Gillam SL, Spencer T, Gillam RB. The effects of literate narrative intervention on children with neurologically based language impairments: an early stage study. J Speech Lang Hear Resear R. 2010;53(4):961-81. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2009/09-0001). PMid:20605940.
http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2009...
); e (c) na investigação de aspectos específicos da narrativa oral de crianças com atraso de desenvolvimento da linguagem(1414 Domsch C, Richels C, Saldana M, Coleman C, Wimberly C, Maxwell L. Narrative skill and syntactic complexity in school‐age children with and without late language emergence. Int J Lang Commun Disord. 2012;47(2):197-207. http://dx.doi.org/10.1111/j.1460-6984.2011.00095.x. PMid:22369060.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1460-6984.20...
).

Até onde se tem conhecimento, não há no momento um instrumento formal para fins de investigação da narrativa oral que tenha sido construído ou adaptado para a nossa cultura linguística. Nota-se, dentre os estudos de revisão que se detiveram no levantamento de instrumentos formais de linguagem que foram adaptados e validados ou que se encontram em fase de adaptação no Brasil(1515 Giusti E, Befi-Lopes DM. Tradução e adaptação transcultural de instrumentos estrangeiros para o Português Brasileiro (PB). Pro Fono. 2008;20(3):207-10. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008000300012. PMid:18852970.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008...

16 Gurgel LG, Plentz RDM, Joly MCRA, Reppold CT. Instrumentos de avaliação da compreensão de linguagem oral em crianças e adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Rev Neuropsicol Latinoam. 2010;2(1):1-10.
-1717 Lindau TA, Lucchesi FDM, Rossi NF, Giacheti CM. Instrumentos sistemáticos e formais de avaliação da linguagem de pré-escolares no Brasil: uma revisão de literatura. Rev. CEFAC. 2015;17(2):656-62. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151114.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151...
), que não há referência a qualquer instrumento formal que proponha investigar a narrativa oral.

Para tanto, o objetivo do presente estudo foi realizar a tradução e a adaptação cultural do Test of Narrative Language (TNL) para o Português Brasileiro.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (no1016/2014). Todos os sujeitos tiveram sua participação consentida com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e apresentação do Termo de Assentimento, elaborados para fins específicos desta pesquisa, segundo resolução do Conselho Nacional de Saúde – CNS 466/12 sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos.

Descrição do instrumento

O Test of Narrative Language (TNL)(1212 Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language: examine’s manual. Rio de Janeiro: Pro-ed; 2004.) é um instrumento formal com norma referência para a população norte-americana e que foi desenvolvido para avaliar o desempenho de crianças com idade entre cinco anos e 11 anos e 11 meses em tarefas de compreensão narrativa e de narração oral de histórias (reais e ficcionais). O teste é composto por seis tarefas organizadas em dois subtestes (compreensão narrativa e narração oral), a partir de três diferentes formatos: sem apoio de figura, com apoio de figuras em sequência e com apoio de figura única.

  1. a

    Subteste de compreensão narrativa

A compreensão narrativa é avaliada por meio de perguntas realizadas após a apresentação oral da história: sem apoio de figura (Tarefa 1), com apoio de figuras em sequência (Tarefa 3) e com apoio de figura única (Tarefa 5).

As perguntas são de caráter literal inferencial e visam obter informações sobre a capacidade de a criança ouvir e compreender palavras e sentenças, bem como realizar relações entre ideias centrais ao tema da narrativa. As crianças são indagadas sobre informações específicas apresentadas em cada uma das histórias (e.g., nome dos personagens, cenário, eventos e problema central), atribuindo-se um ponto para cada resposta correta, julgada segundo orientações do manual do examinador.

Uma particularidade da tarefa 1 é que, ao final da apresentação oral da história, pelo avaliador, a criança é solicitada a propor uma resolução para a complicação apresentada (“O que você acha que eles deveriam fazer?”). Essa pergunta visa obter informações sobre a capacidade de a criança propor uma resolução coerente e estreitamente relacionada com o problema da história.

  1. b

    Subteste de narração oral

A narração oral é avaliada por meio de: (a) recontagem sem apoio de figura (Tarefa 2); (b) produção com apoio de figuras em sequência (Tarefa 4); e (c) produção com apoio de figura única (Tarefa 6).

A tarefa de recontagem (Tarefa 2) exige por parte da criança a reprodução fidedigna da história apresentada na Tarefa 1. O desempenho da criança é medido pela presença das principais informações da história na recontagem (e.g., referência a tempo, nome dos personagens, informações específicas sobre o cenário, verbos e suas inflexões), atribuindo-se um ponto para cada informação apresentada.

Nas tarefas 4 e 6, o desempenho é medido a partir das informações veiculadas nas histórias construídas pela criança. Essas informações atendem tanto ao conteúdo da história (representado nas figuras) como às dimensões macroestrutural (cenário; personagens; elementos de história, incluindo complicação, ação e eventos; relação temporal; relação causal; consequência; desfecho; coerência global da história e criatividade) e microestrutural da narrativa (vocabulário e gramática, incluindo a descrição de objetos; referenciação, relacionada com o uso de pronomes, tempo verbal; estruturação gramatical das frases ao longo da narração e o uso de elementos coesivos). As informações provenientes da narração oral das histórias devem ser identificadas e classificadas num sistema de escore que varia de zero a dois pontos (e.g., 0=três ou mais erros gramaticais; 1=um ou dois erros gramaticais; ou 2=nenhum erro gramatical).

  1. c

    Escores fornecidos pelo instrumento

As medidas fornecidas pelo TNL permitem estabelecer valores que representam, separadamente, o desempenho no subteste de compreensão narrativa e de narração oral. Essas medidas são representadas pelo escore bruto, idade equivalente, percentil e escore padrão. O teste também prevê uma medida global, representada pelo Índice de Habilidade de Linguagem Narrativa (IHLN), classificação do percentil e a classificação descritiva do desempenho da criança (muito superior, superior, acima da média, média, abaixo da média, pobre e muito pobre).

Processo de tradução e adaptação do instrumento

O processo de tradução e adaptação do TNL para o Português Brasileiro (TNL-PB) teve autorização formal da editora PRO-ED, Inc., responsável pela comercialização do instrumento. Esse processo foi realizado seguindo cinco etapas (Figura 1) consideradas fundamentais para adaptação de instrumentos entre culturas(1818 Gjersing L, Caplehorn JR, Clausen T. Cross-cultural adaptation of research instruments: language, setting, time and statistical considerations. BMC Med Res Methodol. 2010;10(1):13. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2288-10-13. PMid:20144247.
http://dx.doi.org/10.1186/1471-2288-10-1...
,1919 Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Cross-cultural adaptation and validation of psychological instruments: some considerations. Paidéia (Ribeirão Preto). 2012;22(53):423-32. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-863X2012000300014.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-863X2012...
), a saber:

Figura 1
Representação esquemática das etapas do processo de tradução e adaptação cultural para o Português Brasileiro do Test of Narrative Language
  • Etapa 1. Tradução da versão original (Inglês) para a língua-alvo (Português Brasileiro), realizada de modo independente por dois tradutores bilíngues e juramentados, gerando duas versões traduzidas (TNL-PB1 e TNL-PB2).

  • Etapa 2. Comparação entre as duas versões traduzidas para identificar a existência de possíveis discrepâncias entre as versões; adaptação de itens para avaliação da equivalência semântica e cultural e discussão com comitê de especialistas (três fonoaudiólogos brasileiros) para ajustes finais e proposição da versão síntese do TNL-PB.

  • Etapa 3. Retrotradução da versão síntese do TNL-PB para a língua original, realizada por um terceiro tradutor bilíngue e juramentado, não conhecedor do teste original e do objetivo da pesquisa.

  • Etapa 4. Comparação entre a versão retrotraduzida e a versão original do teste para avaliação da equivalência conceitual, semântica e cultural entre as versões, realizada pelo comitê de especialistas (três fonoaudiólogos brasileiros e o primeiro autor do teste original) para proposição da versão adaptada pré-final do TNL-PB. Um quarto especialista (linguista brasileiro) foi consultado para situações em que houve maior dificuldade encontrada na transposição de conceitos entre a língua de origem do instrumento e a língua- alvo.

  • Etapa 5. Estudo-piloto com a aplicação da versão adaptada pré-final do TNL-PB na população-alvo para verificar e avaliar a equivalência operacional do teste quanto à sua compreensibilidade, forma de aplicação e de pontuação (sistema de escore) e critérios de interpretação para gerar a versão final adaptada.

  • Etapa 5a. Participantes do estudo-piloto. O estudo-piloto foi composto por 56 crianças com idade entre cinco anos e 11 anos e 11 meses de ambos os gêneros que frequentavam de 1a a 6a série do ensino fundamental público do interior do Estado de São Paulo. O nível socioeconômico das crianças variou entre B2 e D-E, segundo Critério de Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa(2020 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [Internet]. Critério de Classificação Econômica Brasil. São Paulo: ABEP; 2014 [citado em 2015 Oct 11]. Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil
    http://www.abep.org/criterio-brasil...
    ). As informações sociodemográficas dos participantes estão apresentadas na Tabela 1.
    Tabela 1
    Distribuição dos participantes do estudo-piloto por idade, gênero, ano escolar e classificação socioeconômica

Os critérios de inclusão foram: (a) aceite dos pais e das crianças, formalizado, respectivamente, pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e do Termo de Assentimento; (b) histórico negativo de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, de prejuízo na acuidade auditiva e/ou acuidade visual, informado pelos pais; e (c) desempenho acadêmico classificado na média em relação aos demais alunos da sala, segundo informado pelo professor.

As informações referentes ao desenvolvimento da criança foram obtidas por meio de entrevista com os pais, que responderam às seguintes informações sobre os seus filhos: (a) identificação: data de nascimento, idade e série escolar atual, peso e tamanho ao nascimento; (b) história pregressa: histórico de tratamento fonoaudiológico, psicológico e pedagógico prévio ou atual; idade em que andou e falou as primeiras palavras; queixa de perda auditiva ou dificuldade visual; queixa de dificuldade de memória e/ou atenção; relato de alguma doença genética ou neurológica existente.

  • Etapa 5b. Análise do desempenho dos participantes na versão adaptada pré-final do TNL-PB. As crianças foram filmadas durante toda a aplicação do teste, seguindo as recomendações do manual do examinador. As narrações foram integralmente transcritas e a atribuição de pontos nas tarefas foi realizada com o apoio do material transcrito e do vídeo.

A pontuação das tarefas do TNL foi realizada conforme os critérios estabelecidos no manual do examinador para estabelecer os seguintes escores: (a) escore bruto de compreensão narrativa, obtido pela soma do número de acertos nas tarefas 1, 3 e 5; e (b) escore bruto de narração oral, pela soma do número de acertos nas tarefas 2, 4 e 6; (c) escore bruto total, pela soma dos escores brutos dos dois subtestes (compreensão e narração); e, por fim, (d) o Índice de Habilidade de Linguagem Narrativa (IHLN), pela soma dos escores padrão de compreensão e narração.

Os escores padrão de compreensão narrativa e de narração oral foram estabelecidos a partir das tabelas de conversão disponibilizadas no manual do examinador. A partir do IHLN, foi possível estabelecer a classificação descritiva dos participantes (muito superior, superior, acima da média, média, abaixo da média, pobre e muito pobre). As medidas obtidas a partir do escore padrão, incluindo o IHLN, bem como a classificação descritiva, foram utilizadas neste estudo apenas para explorar se os escores obtidos pelas crianças do estudo-piloto representavam o escore considerado esperado para a idade cronológica, segundo dados normativos da população norte-americana.

Para análise dos dados, foi utilizada análise estatística descritiva e aplicação do teste estatístico não paramétrico de Kruskal-Wallis para a comparação dos grupos etários a partir nos escores brutos (compreensão narrativa, narração oral e total).

RESULTADOS

Etapas 1 e 2. Tradução e comparação entre as versões traduzidas

As duas versões traduzidas do TNL para o Português Brasileiro (TNL-PB1 e TNL-PB2, Etapa 1) não apresentaram discrepâncias significativas (semântica e idiomática) (Etapa 2). As discrepâncias encontradas foram prioritariamente marcadas por situações pontuais de sinonímia semântica (e.g., “caminhou e andou”, “escolher e decidir”) e por frases com significado semelhante, mas que foram escritas de formas diferentes (e.g., “ouça cuidadosamente e ouça com muita atenção).

Na ocasião da compilação das versões TNL-PB1 e TNL-PB2, para gerar a versão síntese (Etapa 2), foram realizadas adaptações consideradas relevantes pelos pesquisadores para atender à equivalência semântica e cultural entre a versão original e a versão síntese. Foram realizadas adequações de elementos não representativos da cultura local (e.g., nome de personagens) ou cuja tradução adotou a língua culta do Português Brasileiro, substituída pela língua coloquial (Tabela 2).

Tabela 2
Adaptações realizadas nas tarefas do Test of Narrative Language, em relação à versão original

Na versão síntese do TNL-PB, duas das três histórias que constituem parte das tarefas de compreensão narrativa (Tarefas 3 e 5), foram mantidas como na versão original, realizando-se adaptações de natureza semântica e sintática para atender à equivalência idiomática e conceitual (Tabela 2). A história que serve de base para as tarefas 1 (compreensão narrativa) e 2 (narração oral por recontagem) do TNL, “McDonald’s Story”, foi substituída pela história “A História da Lanchonete”.

Não foram realizadas adaptações nas figuras que compõem parte do material de elicitação da narrativa. Quanto à estrutura do instrumento, não foram realizadas adaptações no número de itens que compõem o teste, assim como no sistema de pontuação do teste (itens a serem pontuados e pontuação máxima por tarefa), em relação à versão original (Figura 2).

Figura 2
Representação da estrutura do Test of Narrative Language (versão original e adaptada), incluindo a pontuação máxima para cada tarefa

Etapas 3 e 4. Retrotradução e avaliação da equivalência conceitual, semântica e cultural entre as versões (original e traduzida)

A retrotradução da versão síntese do TNL-PB para a língua original (Etapa 3) foi comparada com a versão original do teste e avaliada pelo comitê de especialistas, composto por fonoaudiólogos com experiência na área da linguagem (três fonoaudiólogos brasileiros e um norte-americano, primeiro autor do teste) (Etapa 4). O comitê concluiu que a versão adaptada atendia às equivalências necessárias (semântica, conceitual e cultural) em relação à versão original do teste.

Etapa 5. Estudo-piloto

No estudo-piloto, verificou-se que as crianças não apresentaram dificuldades para compreender as instruções das tarefas, bem como para responder às tarefas, tanto de compreensão narrativa quanto de narração oral.

Para certificar-se sobre a adaptação realizada em relação ao tema da história das tarefas 1 e 2 (“McDonald’s Story” adaptada para “A História da Lanchonete”), a pergunta de sondagem que antecede a apresentação oral da história foi apresentada nas duas versões: traduzida (“Have you ever eaten at McDonald’s?” traduzida para “Você alguma vez já comeu no McDonald’s?”) e adaptada (“Você alguma vez já comeu numa Lanchonete?”). Verificou-se que 30 das 56 crianças (53,5%) responderam “não” para a pergunta do McDonald’s e apenas 12 crianças (21,42%) responderam “não” para a pergunta da Lanchonete, de modo que a maioria das crianças do estudo-piloto informaram já terem realizado ao menos uma refeição numa lanchonete.

Durante a aplicação da versão pré-final do TNL-PB, verificou-se a necessidade de ajustes finais. As adaptações realizadas ao longo do processo estão compiladas na Tabela 2.

O teste estatístico Kruskal-Wallis mostrou que houve diferença estatisticamente significante entre os grupos etários para os escores brutos de compreensão, de narração e o escore total (Tabela 3). Nota-se que os escores tendem a ser crescentes em função da idade dos participantes. Em relação à classificação do Índice de Habilidade de Linguagem Narrativa (IHLN) dos sujeitos, verificou-se que das 56 crianças avaliadas, 40 (71,43%) apresentaram classificação média, 11 (19,64%) acima da média e cinco crianças (8,93%) apresentaram classificação superior.

Tabela 3
Escore bruto (compreensão, narração e total) das crianças do estudo-piloto, segundo grupo etário do Test of Narrative Language

DISCUSSÃO

Neste estudo, apresentamos os resultados do processo de tradução e de adaptação cultural do Test of Narrative Language (TNL)(1212 Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language: examine’s manual. Rio de Janeiro: Pro-ed; 2004.) para o Português Brasileiro.

A escolha pelo TNL para ser traduzido e adaptado culturalmente para o Português Brasileiro deve-se ao fato de este instrumento incluir na sua estrutura alguns dos principais itens considerados fundamentais no sentido de propor uma investigação da narrativa oral de crianças, seja no contexto de desenvolvimento típico ou atípico de linguagem, os quais serão discutidos a seguir.

O primeiro item a ser destacado é o fato de o constructo do teste permitir o acesso a ambas as informações, compreensão narrativa e narração oral de histórias. A vantagem de um instrumento que mede habilidades receptivas e expressivas e que informa um escore individual para tais habilidades, como no caso do TNL, é o fato de informar ao profissional a existência de possíveis discrepâncias entre essas dimensões da linguagem. Sabe-se que alguns quadros clínicos são caracterizados pela discrepância entre habilidades receptivas e expressivas, a exemplo do Transtorno Específico de Linguagem, de modo que o olhar individualizado poderá fornecer subsídios complementares para o diagnóstico e a intervenção, embora esse olhar deva ser ponderado em conjunto com outros instrumentos formais e informais de avaliação da linguagem para uma análise mais completa do caso(1212 Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language: examine’s manual. Rio de Janeiro: Pro-ed; 2004.).

O segundo item a ser mencionado sobre a escolha do TNL refere-se à possiblidade de acesso a informações que recaem sobre as habilidades cognitivas e linguísticas e que atendem, respectivamente, às dimensões macro e microestrutural da narrativa conferindo, assim, suporte ao constructo teórico do teste.

O teste inclui o acesso a informações a partir dos principais elementos típicos da Gramática de História(2121 Stein NL, Glenn CG. An analysis of story comprehension in elementary school children: a test of a schema. In: Freedle R, editor. Multidisciplinary approaches to discourse processing. Norwood: Ablex; 1979.) (e.g., personagens, cenário, complicação, resolução e o desfecho da história) e que também subsidiam outras propostas quantitativas, no entanto informais, para fins de investigação da narrativa oral(88 Acosta V, Moreno A, Axpe Á. Análisis de las dificultades en el discurso narrativo en alumnado con Trastorno Específico del Lenguaje. Rev Logop Fon Audiol. 2013;33(4):165-71. http://dx.doi.org/10.1016/j.rlfa.2013.07.004.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rlfa.2013.07...
,1111 Petersen DB, Gillam SL, Gillam RB. Emerging procedures in narrative assessment: The Index of Narrative Complexity. Top Lang Disord. 2008;28(2):115-30. http://dx.doi.org/10.1097/01.TLD.0000318933.46925.86.
http://dx.doi.org/10.1097/01.TLD.0000318...
,2222 Heilmann JJ, Miller JF, Nockerts A. Using language sample databases. Lang Speech Hear Serv Sch. 2010;41(1):84-95. http://dx.doi.org/10.1044/0161-1461(2009/08-0075). PMid:20051580.
http://dx.doi.org/10.1044/0161-1461(2009...
,2323 Channell MM, McDuffie AS, Bullard LM, Abbeduto L. Narrative language competence in children and adolescents with Down syndrome. Front Behav Neurosci. 2015;9:283. http://dx.doi.org/10.3389/fnbeh.2015.00283. PMid:26578913.
http://dx.doi.org/10.3389/fnbeh.2015.002...
). A organização mais geral da narrativa no nível macroestrutural emerge de habilidades cognitivas mais gerais, de natureza executiva(2424 Wassenburg SI, Beker K, van den Broek P, van der Schoot M. Children’s comprehension monitoring of multiple situational dimensions of a narrative. Read Writ. 2015;28(2):1203-32. http://dx.doi.org/10.1007/s11145-015-9568-x. PMid:26321793.
http://dx.doi.org/10.1007/s11145-015-956...
), incluindo informações relacionadas à coerência e à relação lógica e causal entre eventos e ações desenvolvidas pelos personagens, as quais são contempladas no sistema de pontuação proposto pelo TNL.

Já as informações que atendem à dimensão microestrutural da narrativa no TNL estão focadas nos aspectos linguísticos internos da narrativa, principalmente sintáticos e semânticos, com informações relacionadas com a estrutura gramatical dos enunciados, o vocabulário e os elementos coesivos utilizados pela criança na narração. Tais elementos são citados por pesquisadores da área(88 Acosta V, Moreno A, Axpe Á. Análisis de las dificultades en el discurso narrativo en alumnado con Trastorno Específico del Lenguaje. Rev Logop Fon Audiol. 2013;33(4):165-71. http://dx.doi.org/10.1016/j.rlfa.2013.07.004.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rlfa.2013.07...
,99 Dockrell JE, Marshall CR. Measurement Issues: assessing language skills in young children. Child Adolesc Ment Health. 2015;20(2):116-25. http://dx.doi.org/10.1111/camh.12072.
http://dx.doi.org/10.1111/camh.12072...
,2222 Heilmann JJ, Miller JF, Nockerts A. Using language sample databases. Lang Speech Hear Serv Sch. 2010;41(1):84-95. http://dx.doi.org/10.1044/0161-1461(2009/08-0075). PMid:20051580.
http://dx.doi.org/10.1044/0161-1461(2009...
,2525 Justice LM, Bowles RP, Kaderavek JN, Ukrainetz TA, Eisenberg SL, Gillam RB. The index of narrative microstructure: a clinical tool for analyzing school-age children’s narrative performances. Am J Speech Lang Pathol. 2006;15(2):177-91. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2006/017). PMid:16782689.
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) como parte fundamental dos critérios de análise de amostras de linguagem voltados aos aspectos linguísticos da narrativa.

Embora para fins investigativos seja possível – e é válido – estabelecer recortes específicos sobre uma dessas dimensões (macroestrutura ou microestrutura), ou ainda sobre um dos aspectos que essas dimensões abarcam (e.g., diversidade lexical na dimensão microestrutural), as perspectivas sobre a avaliação da narrativa oral de história aportadas pelo modelo cognitivo de representação do esquema narrativo sugerem que sejam analisados tanto os aspectos macro quanto os microestruturais, partindo-se da premissa de que, juntos, esses parâmetros são importantes para informar sobre a competência narrativa do indivíduo(33 Mar RA. The neuropsychology of narrative: story comprehension, story production and their interrelation. Neuropsychologia. 2004;42(10):1414-34. http://dx.doi.org/10.1016/j.neuropsychologia.2003.12.016. PMid:15193948.
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,2525 Justice LM, Bowles RP, Kaderavek JN, Ukrainetz TA, Eisenberg SL, Gillam RB. The index of narrative microstructure: a clinical tool for analyzing school-age children’s narrative performances. Am J Speech Lang Pathol. 2006;15(2):177-91. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2006/017). PMid:16782689.
http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2006...
).

Como terceiro item, podemos ressaltar o fato de o TNL incluir amostras de narrativa do tipo script e ficção, contemplando os pressupostos preconizados pelo modelo hierárquico de coleta de amostras de narrativa oral proposto por Hughes e colaboradores(11 Hughes DL, McGillivray L, Schmidek M. Guide to narrative language: procedures for assessment. Eau Claire: Thinking Publications; 1997.), exceto por não incluir amostras de narrativa espontânea. Conforme mencionado, o teste também inclui a variação do formato da narrativa com a presença e a ausência do apoio de figura e, ainda, a variação do uso de figura em sequência e de figura única. De modo geral, as narrações com figuras tendem a apresentar estruturas menos complexas, com enunciados menos extensos, quando comparadas com as narrações sem apoio de figuras, sugerindo, assim, a necessidade de incluir diferentes contextos de elicitação como parte dos procedimentos para investigação do desempenho narrativo(2626 Mills MT. The effects of visual stimuli on the spoken narrative performance of school-age African American children. Lang Speech Hear Serv Sch. 2015;46(4):337-51. http://dx.doi.org/10.1044/2015_LSHSS-14-0070. PMid:26079836.
http://dx.doi.org/10.1044/2015_LSHSS-14-...
).

Por fim, como quarto e último item sobre as considerações a respeito da escolha do TNL, podemos destacar a faixa etária do teste (cinco a 11 anos e 11 meses), que abrange as idades em que se observam mudanças significativas no processo de aquisição do esquema narrativo de história.

Dentro de uma perspectiva desenvolvimentista, estudos mostraram que, ao final dos 5 anos, as crianças são capazes de dominar grande parte da estrutura de uma narrativa do tipo história e, aos 6 anos, já são capazes de compreender e narrar histórias bem estruturadas e completas(2727 Brandão ACP, Spinillo AG. Produção e compreensão de textos em uma perspectiva de desenvolvimento. Estud Psicol. 2001;6(1):51-62. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2001000100006.
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). No entanto, esse desenvolvimento segue ainda de maneira expressiva até os 12 anos de idade(1212 Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language: examine’s manual. Rio de Janeiro: Pro-ed; 2004.), em consonância com a aquisição de habilidades cognitivas e linguísticas mais complexas, com expressivo desenvolvimento de funções executivas, do domínio léxico-sintático e das relações lógico-semânticas(2828 Richland LE, Burchinal MR. Early executive function predicts reasoning development. Psychol Sci. 2013;24(1):87-92. http://dx.doi.org/10.1177/0956797612450883. PMid:23184588.
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).

A respeito do processo de tradução e adaptação do TNL para o Português Brasileiro, pode-se dizer que o TNL é um instrumento cujo conteúdo favoreceu esse processo, uma vez que não faz uso de muitas expressões idiomáticas e os temas abordados nas tarefas são extensivos à nossa realidade cultural, com exceção do tema de uma das histórias, a história “McDonalds”. Na versão original do TNL, a história “McDonald’s” subsidia as tarefas 1 e 2 do TNL, respectivamente “McDonald’s Story” e “McDonald’s Retell”. A cadeia de restaurantes “McDonald’s” tem representação em diversos países, inclusive no Brasil. No entanto, num país com tamanha extensão geográfica como o Brasil e que enfrenta sérios problemas sociais, o acesso cotidiano a esse tipo de restaurante é limitado a uma faixa específica da população. Assim, para garantir a equivalência experiencial entre as versões, na versão adaptada para o Português Brasileiro optou-se por substituir a história “McDonald’s Story” pela “História da Lanchonete”, cujo tema central é semelhante ao proposto na versão original, permitindo manter a equivalência semântica dos elementos de análise, só que adaptados para a nossa cultura (e.g., nome dos personagens, nome dos lanches e das bebidas) para que a história adaptada representasse o contexto de lanchonetes comuns ao contexto cultural local.

No estudo-piloto, a verificação dessa informação com a população-alvo do teste – o que é recomendado como parte da avaliação da equivalência experiencial(1919 Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Cross-cultural adaptation and validation of psychological instruments: some considerations. Paidéia (Ribeirão Preto). 2012;22(53):423-32. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-863X2012000300014.
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) – mostrou que a lanchonete McDonald’s não era parte do cotidiano da maioria das crianças que participaram do estudo, embora muitas crianças referiram conhecer o nome dessa cadeia de restaurantes fast food. Em contrapartida, a maioria delas (78,58%) informou já ter ido alguma vez comer numa lanchonete não especificada.

Apesar de algumas crianças também terem informado que nunca haviam realizado uma refeição numa lanchonete, esse tema em si mostrou ser mais adequado ao contexto cultural dessas crianças, uma vez que, quando indagadas pelo avaliador, elas foram capazes de mencionar algum membro da família que já havia estado numa lanchonete ou em alguma lanchonete próxima à sua residência, com menção há alguns dos tipos de comida e bebida comercializados neste local (e.g., “Eu não. Meu primo Guilherme sempre vai. Ele gosta de cachorro-quente” ou “De sábado meu pai vai buscar lanche pra nóis come lá em casa”). Por outro lado, apesar de algumas crianças também terem mencionado conhecer a lanchonete “McDonald’s”, embora nunca tenham estado numa antes, não foram observadas referenciações muito específicas sobre o nome de lanches comercializados nesse local, exceto o nome de refrigerantes e sucos mais comuns e que são popularmente conhecidos.

É válido lembrar que o estudo-piloto foi realizado com alunos de escola pública, sendo que a maioria deles pertencia à classificação econômica C1 (n=27; 48,21%) e C2 (n=17; 30,35%), segundo Critério de Classificação Econômica Brasil(2020 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [Internet]. Critério de Classificação Econômica Brasil. São Paulo: ABEP; 2014 [citado em 2015 Oct 11]. Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil
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) (Tabela 1). Segundo dados divulgados em 2015, as classes C1, C2 e D-E representam, respectivamente, 22,9%, 24,6% e 26,6% da população no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa(2929 Kidd E. The role of verbal working memory in children’s sentence comprehension: a critical review. Top Lang Disord. 2013;33(3):208-23. http://dx.doi.org/10.1097/TLD.0b013e31829d623e.
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), o que juntas representam 74,1% da população brasileira.

Sabe-se que o conhecimento de mundo da criança exerce uma importante influência no desempenho narrativo, de modo que um determinado tema a ser abordado pode favorecer, ou não, seu desempenho numa tarefa de narrativa de história(1212 Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language: examine’s manual. Rio de Janeiro: Pro-ed; 2004.). Também é bem estabelecido na literatura que a frequência e a familiaridade com representações semânticas favorecem o acesso ao significado pelo sistema de compreensão da linguagem, que, por sua vez, é mediado pela memória de longa duração, responsável pelo armazenamento da palavra a ser acessada à posteriori(2929 Kidd E. The role of verbal working memory in children’s sentence comprehension: a critical review. Top Lang Disord. 2013;33(3):208-23. http://dx.doi.org/10.1097/TLD.0b013e31829d623e.
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); o que, neste caso, poderia conferir certa vantagem às crianças com acesso frequente a um tipo de lanchonete específica, uma vez que o sistema de pontuação das tarefas 1 e 2 leva em consideração a evocação de informações específicas veiculadas na história, como o nome da lanchonete e os tipos de lanches e bebidas solicitados pelos personagens.

O cuidado com o uso da norma culta da língua foi outro fator determinante na adaptação do TNL para o Português Brasileiro. A opção pelo uso de estruturas frasais que atendem à forma coloquial da língua teve também o objetivo de favorecer a compreensão por crianças mais jovens e de diferentes contextos sociais, bem como tornar a linguagem do teste, tanto na instrução quanto do conteúdo das histórias, mais próxima do estilo linguístico utilizado na linguagem falada cotidiana, uma vez que o instrumento em questão é de narrativa oral.

Em relação às questões operacionais do teste, verificou-se no estudo-piloto que o teste foi de fácil aplicação e que os itens adaptados (instruções e tarefas) foram compreendidos pelas crianças. Conforme mencionado nos resultados, após a aplicação da versão adaptada pré-final do TNL-PB, foram realizados ajustes finais no teste. Esses ajustes foram necessários para refinar as adaptações que foram realizadas, visando à equivalência semântica (vocabulário e gramatical), ponderando-se também informações trazidas a partir do desempenho da população-alvo do teste.

As diferenças estatisticamente significantes encontradas na comparação entre os grupos etários (escore bruto de compreensão, narração e total) e a distribuição desses escores em função da idade (Tabela 3) mostraram que as crianças mais velhas apresentaram mais acertos do que as crianças mais jovens. No entanto, essa análise ainda será aprofundada nos estudos subsequentes que estão em andamento com a versão adaptada do TNL-PB para identificar se essas diferenças estão ocorrendo entre todos os grupos etários, o que é desejável, uma vez que tais diferenças representam as diferentes fases do desenvolvimento da linguagem narrativa em que as crianças de diferentes idades se encontram no momento de aplicação do teste, o que sugere estar acontecendo para a amostra do estudo-piloto.

As classificações descritivas apresentadas pelas crianças deste estudo foram próximas às classificações esperadas para a população norte-americana. Esse achado fornece indícios de que o desempenho das crianças avaliadas a partir da versão adaptada do TNL-PB e dos critérios de análise estabelecidos pelo teste original foi semelhante ao das crianças pertencentes à cultura norte-americana. Esses dados, no entanto, devem ser interpretados com cautela, uma vez que tais comparações foram utilizadas neste estudo apenas para fins exploratórios das equivalências de mensuração entre as versões, não configurando dados normativos da população do Brasil. A equivalência de mensuração, com base nos estudos psicométricos da versão adaptada para o Português Brasileiro, poderá mostrar se haverá ou não a necessidade da adaptação desses escores para a amostra brasileira.

CONCLUSÃO

Foi realizada a tradução e a adaptação do TNL para o Português Brasileiro. Adaptações foram necessárias para atender à equivalência semântica e experiencial da população-alvo, considerando o contexto sociolinguístico-cultural do Brasil. A versão final adaptada apresentou equivalência conceitual, semântica e operacional em relação à versão original do TNL. Os resultados aqui reportados atendem às etapas iniciais consideradas fundamentais para a adaptação cultural de instrumentos formais, que foram realizadas até a fase de estudo-piloto. As etapas subsequentes, que atendem à equivalência de mensuração para fins de validação e normatização do teste, estão em andamento e poderão complementar os resultados deste estudo.

  • Trabalho realizado no Laboratório de Estudos, Avaliação e Diagnóstico Fonoaudiológico – LEAD, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista – UNESP - Marília (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2016
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2016
  • Aceito
    05 Mar 2016
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