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Habilidades auditivas de figura-fundo e fechamento em controladores de tráfego aéreo

RESUMO

Objetivo

Investigar o perfil das habilidades auditivas de fechamento e figura-fundo e fatores relacionados à atenção, comunicação e saúde de controladores de tráfego aéreo (CTA) de aproximação de aeronaves e comparar com os de outros profissionais civis e militares.

Método

Participaram 60 adultos com limiares audiométricos normais reunidos em dois grupos, pareados por idade e gênero: o grupo estudo formado por 30 profissionais do Controle de Aproximação de aeronaves e o controle, por 30 outros servidores civis e militares. Todos foram submetidos a perguntas relacionadas à atenção, comunicação e saúde e ao Teste de Fala com Ruído e de Identificação de Sentenças Sintéticas em escuta monótica (SSI) para avaliar fechamento e figura-fundo, respectivamente. Foram usados testes estatísticos não paramétricos e análise de regressão logística.

Resultados

O CTA autorreferiu maior cansaço/esgotamento e estresse e obteve melhor desempenho do que o grupo controle em figura-fundo e semelhante em fechamento. Foi observado que ocorreu uma probabilidade de ser CTA para o estresse em 5,59 vezes e para identificação de sentenças em escuta monótica à orelha direita de 1,24.

Conclusão

Fechamento e autorrelato de dificuldades de saúde, comunicação e atenção na maioria das questões foram similares em ambos os grupos. Figura-fundo foi significativamente melhor em CTA. Autorreferência de estresse e desempenho à orelha direita no SSI foram preditores significantes do indivíduo ser do CTA.

Descritores
Audição; Percepção Auditiva; Testes Auditivos; Esgotamento Profissional; Controladores de Tráfego Aéreo

ABSTRACT

Purpose

To investigate the auditory skills of closure and figure-ground and factors associated with health, communication, and attention in air traffic controllers, and compare these variables with those of other civil and military servants.

Methods

Study participants were sixty adults with normal audiometric thresholds divided into two groups matched for age and gender: study group (SG), comprising 30 air traffic controllers and control group (CG), composed of 30 other military and civil servants. All participants were asked a number of questions regarding their health, communication, and attention, and underwent the Speech-in-Noise Test (SIN) to assess their closure skills and the Synthetic Sentence Identification Test - Ipsilateral Competitive Message (SSI-ICM) in monotic listening to evaluate their figure-ground abilities. Data were compared using nonparametric statistical tests and logistic regression analysis.

Results

More individuals in the SG reported fatigue and/or burnout and work-related stress and showed better performance than that of individuals in the CG for the figure-ground ability. Both groups performed similarly and satisfactorily in the other hearing tests. The odds ratio for participants belonging in the SG was 5.59 and 1.24 times regarding work-related stress and SSI-ICM (right ear), respectively.

Conclusion

Results for the variables auditory closure, self-reported health, attention, and communication were similar in both groups. The SG presented significantly better performance in auditory figure-ground compared with that of the CG. Self-reported stress and right-ear SSI-ICM were significant predictors of individuals belonging to the SG.

Keywords
Hearing; Auditory Perception; Hearing Tests; Burnout Professional; Air Traffic Controllers

INTRODUÇÃO

Tanto na origem do voo quanto na chegada ao destino, uma aeronave é controlada em sua trajetória por vários profissionais Controladores de Tráfego Aéreo (CTA) de diferentes órgãos operacionais. Um grupo de CTA se responsabiliza pelo avião até que perca contato visual com ele. Estes profissionais estão situados no órgão chamado de Torre (Tower em inglês e abreviado TWR). Outro grupo de CTA, situado no órgão denominado Controle de Aproximação (Approach Control, sigla APP), é responsável pelo direcionamento do avião no ar em sua trajetória intermediária, relativa a subidas e descidas. Por fim, o grupo situado no Centro de Controle de Área (Area Control Center, abreviado ACC) é responsável pelo direcionamento do avião no ar na maior parte do tempo de voo(11 Villar ACNWB, Korn GP, Azevedo RR. Perceptual-auditory and acoustic analysis of air traffic controllers’ voices pre- and postshift. J Voice. 2016;30(6):768.e11-5. PMid:26778327. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2015.10.021.
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).

Segundo Villar et al.(11 Villar ACNWB, Korn GP, Azevedo RR. Perceptual-auditory and acoustic analysis of air traffic controllers’ voices pre- and postshift. J Voice. 2016;30(6):768.e11-5. PMid:26778327. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2015.10.021.
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), os controladores do APP garantem uma distância mínima entre os aviões que estão próximo aos aeroportos sob seu comando, para isso indicam pela radiofrequência as coordenadas (proas), velocidades e altitudes que o piloto deve adotar para voar com o máximo de segurança, a fim de evitar colisões. Essa é uma atividade muito ágil e requer especial atenção desses profissionais, pois, além de fazer a organização final para o pouso, os CTA devem separar as aeronaves que estão em aproximação para o pouso das que estão decolando. Desta forma, suas ações determinam o sucesso e a segurança do deslocamento dos voos(11 Villar ACNWB, Korn GP, Azevedo RR. Perceptual-auditory and acoustic analysis of air traffic controllers’ voices pre- and postshift. J Voice. 2016;30(6):768.e11-5. PMid:26778327. http://dx.doi.org/10.1016/j.jvoice.2015.10.021.
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).

O ambiente de trabalho dos CTA é cercado por ruídos, tanto na comunicação com os pilotos (chiado na radiofrequência e/ou interferência de rádios pirata) quanto na comunicação com outros CTA durante o serviço, uma vez que os setores de trabalho estão dispostos lado a lado. Trata-se, então, de um trabalhador que precisa fazer uso de estratégias compensatórias(22 Motter AA, Gontijo LA. A influência das comunicações na carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo. Divers@. 2010;3(1):48-59.) por meio de habilidades auditivas, como figura-fundo e fechamento, para o andamento de um voo com segurança para a tripulação.

Estas habilidades auditivas fazem parte de um mecanismo fisiológico do processamento auditivo denominado de Atenção Seletiva. Em 1997, Pereira(33 Pereira LD. Processamento auditivo central: abordagem passo a passo. In: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 49-59.) definiu Processamento Auditivo como uma série de processos que se sucedem no tempo, que permitem que um indivíduo realize uma análise metacognitiva dos eventos sonoros. Dentre esses se destacam: detecção, discriminação, localização sonora, memória para sons em sequência e atenção seletiva.

Vários estudos(22 Motter AA, Gontijo LA. A influência das comunicações na carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo. Divers@. 2010;3(1):48-59.,44 Paulich C, Assis M, Ribeiro S. Atividade física e saúde dos trabalhadores: o caso dos controladores de tráfego aéreo. Corpus et Scientia. 2005;1(1):17-29.

5 Lima AMJ, Soares CMV, Souza AOS. Efeito da inversão dos turnos de trabalho sobre capacidade aeróbia e respostas cardiovasculares ao esforço máximo. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(3):201-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922008000300008.
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6 Itani A. Saúde e gestão na aviação: a experiência de pilotos e controladores de tráfego aéreo. Psicol Soc. 2009;21(2):203-12. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009000200007.
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-77 Motter AA, Cruz RM, Gontijo LA. O significado do trabalho para os controladores de tráfego aéreo de Curitiba. Psicol. Argum. 2011;29(64):23-30.) foram encontrados na literatura especializada mostrando o efeito do estresse no profissional que se dedica ao Controle de Tráfego Aéreo. Sabe-se que o estresse diz respeito ao produto da interação ambiente-indivíduo, e que há uma associação entre distúrbios do processamento auditivo e estresse(88 Lemos, SMA. Processamento auditivo e estressores familiares em indivíduos com dificuldades escolares [tese]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 2007.).

A atividade de Controle de Tráfego Aéreo, considerada complexa, reflete uma percepção particularizada e construída no dia a dia e exige agilidade intelectual, velocidade de raciocínio e resistência ao estresse(77 Motter AA, Cruz RM, Gontijo LA. O significado do trabalho para os controladores de tráfego aéreo de Curitiba. Psicol. Argum. 2011;29(64):23-30.), uma vez que errar pode significar uma catástrofe. Desta forma, conhecer as habilidades auditivas desse profissional e comparar com as de outros profissionais civis e militares pode mostrar um desempenho diferenciado, além de auxiliar o treinamento de habilidades auditivas de pessoas com alteração do Processamento Auditivo.

Este trabalho tem por objetivo investigar o perfil das habilidades auditivas de fechamento e figura-fundo e fatores relacionados à atenção, comunicação e saúde de controladores de tráfego aéreo de aproximação de aeronaves e comparar com os de outros profissionais civis e militares.

MÉTODO

Esta pesquisa teve sua realização aprovada pelo Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de São Paulo – DTCEA-SP, e pelo Comitê de Ética em Pesquisa Institucional conforme parecer 1.031.282, de 22 de abril de 2015.

Todos os indivíduos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As amostras foram coletadas de maio a julho, ainda em 2015.

A casuística foi constituída por 60 voluntários adultos com faixa etária entre 21 e 44 anos. Uma vez que os grupos foram pareados por gênero, cada um foi formado por 16 homens (53,3%), e pareados por idade, cujo valor da média foi 26,87 anos.

Esses indivíduos foram reunidos em dois grupos de 30 indivíduos cada. O primeiro grupo a ser formado foi o grupo estudo, constituído por profissionais militares do Controle de Aproximação de aeronaves de São Paulo (APP-SP), responsáveis por guiar o piloto no direcionamento do avião em sua trajetória no ar, bem como em subidas e descidas. Esses fazem parte dos profissionais com formação em Controladores de Tráfego Aéreo. Neste estudo, os controladores de tráfego aéreo de aproximação de aeronaves foram denominados abreviadamente CTA.

O outro grupo, denominado grupo controle, foi constituído por indivíduos pareados por faixa etária e gênero ao grupo estudo e composto por profissionais civis ou militares sem formação em Controle de Tráfego Aéreo. Esse grupo foi formado por profissionais de outras áreas, sendo: dois administradores, dois professores, dois advogados, três fonoaudiólogos, três mecânicos de aeronaves, dez técnicos em administração, cinco técnicos em eletrônica e três técnicos em comunicação.

Os critérios de exclusão de ambos os grupos foram: - apresentar limiares de audibilidade fora dos critérios de normalidade, isto é, superiores a 25 dBNA(99 Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual o basic audiometry. Baltimore: University Park Press; 1978. p. 16.); - estar afastado do serviço por motivos de saúde e/ou de férias. Vale destacar que o uso de medicamentos e a presença de inabilidades auditivas na avaliação comportamental do processamento auditivo não foram critérios de exclusão.

Os participantes, de ambos os grupos, apresentavam no mínimo 12 anos de escolaridade, isto é, ensino médio completo. Participaram, do total da amostra, 17 indivíduos (28,33%) com graduação completa e/ou pós-graduação. O nível socioeconômico, segundo a classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas – ABEP(1010 ABEP: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de Classificação Econômica Brasil [Internet]. São Paulo: ABEP; 2014 [citado em 2017 Jan 7]. Disponível em: http://www.abep.org
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), foi de no mínimo C1, que representa renda média domiciliar estimada de R$2.705,00 em 10 indivíduos (16,66%), e no máximo de B1, que representa renda média domiciliar estimada de R$9.254,00 em 11 ou 18,33% da amostra total.

Os participantes foram submetidos à meatoscopia, à audiometria tonal liminar e ao índice porcentual de reconhecimento de fala (IPRF) com gravação(33 Pereira LD. Processamento auditivo central: abordagem passo a passo. In: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 49-59.,1111 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011. 82 p), que são procedimentos da rotina clínica utilizados para excluir perda auditiva.

Foi aplicado em ambos os grupos um questionário desenvolvido pelas pesquisadoras contendo perguntas referentes à história de vida, dificuldade de ouvir e/ou de compreender a fala, uso de medicamentos, além de mais 10 questões relacionadas à atenção, comunicação e saúde (Quadro 1). Tais questões buscavam verificar a existência de cansaço e/ou esgotamento (questão 1), a ocorrência de dificuldades para dormir (questão 2), inquietação (questão 3), dificuldade de concentração (questão 4), presença de estresse provocado pelo trabalho (questão 5), ocorrência de tonturas (questão 6), problemas visuais (questão 7) e respiratórios (questão 8), consumo de cafeína (questão 9) e uso de fones de ouvido (questão 10). No grupo CTA, foram acrescentadas questões sobre presença ou não de dificuldade no aprendizado de sua atividade profissional como CTA, tempo de serviço e se exercia outra atividade profissional concomitantemente.

Quadro 1
Questões elaboradas para este estudo

Para avaliar o processamento auditivo, foram aplicados os testes comportamentais(33 Pereira LD. Processamento auditivo central: abordagem passo a passo. In: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 49-59.,1111 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011. 82 p) que envolveram os mecanismos fisiológicos de reconhecimento de fala de baixa redundância, isto é, Teste de Fala com Ruído; e reconhecimento de fala em escuta monótica, isto é, teste de Identificação de Sentenças Sintéticas com Mensagem Competitiva Ipsilateral, abreviado SSI – MCI. Todos estes testes apresentam valores de referência para normalidades disponíveis junto com as gravações dos estímulos dos testes(1111 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011. 82 p).

Como forma de padronização, os testes de fala com ruído e o SSI com mensagem competitiva ipsilateral foram iniciados pela orelha direita.

O Teste de Fala com Ruído(33 Pereira LD. Processamento auditivo central: abordagem passo a passo. In: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 49-59.,1111 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011. 82 p,1212 Schochat E, Pereira LD. Testes especiais: fala com ruído. In: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 99-102.) consistiu na apresentação de uma lista de 25 palavras na presença de um ruído branco competitivo ipsilateral, numa relação de [+5] entre os níveis sonoros em decibel nível de pressão sonora. Solicitou-se que o voluntário repetisse verbalmente a palavra ouvida. Foram analisadas as porcentagens de acertos por orelha. A habilidade avaliada denomina-se fechamento.

O Teste SSI (Synthetic Sentence Identification)(33 Pereira LD. Processamento auditivo central: abordagem passo a passo. In: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 49-59.,1111 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011. 82 p,1313 Kalil DM, Ziliotto KN, Almeida CIR. Testes especiais: SSI em português. In: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 129-137.) consistiu na apresentação de 10 sentenças inseridas em uma mensagem competitiva ipsilateralmente, numa relação entre os níveis sonoros de [0] para dar a instrução por demonstração, e de [-15] para o estudo. A tarefa do voluntário foi identificar a sentença ouvida num quadro em que se viam as sentenças escritas e ignorar a história da mensagem competitiva. Foram analisadas as porcentagens de acertos por orelha. A habilidade avaliada denominou-se figura-fundo em escuta monótica.

Tomou-se o cuidado para que a realização dos procedimentos fosse feita no início da atividade de CTA ou no máximo após 2 horas deste serviço, evitando a avaliação no final do turno de serviço devido à maior presença de estresse nesses profissionais CTA conforme demonstrou Lima et al.(55 Lima AMJ, Soares CMV, Souza AOS. Efeito da inversão dos turnos de trabalho sobre capacidade aeróbia e respostas cardiovasculares ao esforço máximo. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(3):201-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922008000300008.
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).

A meatoscopia foi realizada com otoscópio da marca Heine modelo Mini 3000. Os testes de audiometria tonal liminar e IPRF foram realizados por meio do audiômetro portátil AS-70 (Auditec - monocanal). Os testes de avaliação do processamento auditivo foram realizados no audiômetro portátil PAC-200 (Auditec – dois canais), utilizando-se os estímulos gravados(1111 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011. 82 p) e apresentados por meio de fones de ouvido TDH39.

A coleta dos dados foi feita em uma sala com pouco ruído no Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo (SRPV-SP), unidade do Comando da Aeronáutica, onde fica o Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP), órgão de Controle de Tráfego Aéreo de maior fluxo de aeronaves do Brasil(1414 INFRAERO: Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária. Movimento nos aeroportos: estatística [Internet]. Brasília: INFRAERO; 2015 [citado em 2017 Jan 7]. Disponível em: http://www.infraero.gov.br
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), local de trabalho dos CTA e de outros militares voluntários.

Optou-se por utilizar testes não paramétricos para a análise estatística. Para comparar o desempenho nos testes auditivos considerando a variável grupo, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney. Na comparação do desempenho nos testes auditivos segundo a variável orelha, utilizou-se o teste de postos sinalizados de Wilcoxon para amostras pareadas. Para comparar os grupos, considerando as respostas dadas nas dez perguntas do questionário, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. E, a fim de verificar a existência de correlação entre o tempo de serviço como CTA e o desempenho nos testes de processamento auditivo, utilizou-se o teste de correlação de Spearman. Para a análise da consistência interna e confiabilidade do questionário, foi aplicado o teste Alpha de Cronbach(1515 Cronbach LJ. Coefficient alpha and the internal structure of tests. Psychometrika. 1951;16(3):297-334. http://dx.doi.org/10.1007/BF02310555.
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). Utilizou-se o software IBM SPSS Statistics, versão 22.0.

Para entender as diferenças individuais e odds ratio, isto é, a probabilidade de um indivíduo pertencer a um determinado grupo, foi realizada também uma análise de regressão logística tendo o grupo como variável dependente, as questões com significância estatística (passo 1) e as medidas dos testes auditivos que avaliaram o processamento auditivo (passo 2) como variável controle. Usou-se o software SPSS versão 20 para essa medida.

O nível de significância estatística adotado foi igual a 5% (p ≤ 0,05). Os valores estatisticamente significantes foram grafados com asterisco.

RESULTADOS

Em relação ao uso de medicamento, observou-se que 13,33% dos voluntários CTA usam medicamento controlado, enquanto no grupo controle, os voluntários fazem uso de medicação contínua para hipertensão, hipotireoidismo e diabetes como causas mais frequentes (13,33%). No grupo CTA, 3,33% da amostra relatou dificuldade para ouvir, enquanto no grupo controle, 6,66% dos participantes tiveram a mesma queixa. Dificuldade para compreender a fala no ruído foi relatada por 20% dos indivíduos, tanto no grupo CTA quanto no grupo controle. Já a dificuldade para compreender a fala em conversas em grupo foi relatada em 20% no grupo CTA e em 23,33% no grupo controle.

O teste α de Cronbach evidenciou índice de consistência interna de 0,722 no questionário criado para o presente estudo, o que é considerado satisfatório(1616 Field, A. Discovering statistics using IBM SPSS statistics. 4th ed. California: Sage; 2013. 952 p.). Vale destacar duas questões que diferenciaram os grupos (Tabela 1). Uma delas diz respeito à presença de cansaço e/ou esgotamento (questão 1 ou Q1). No grupo CTA foi verificado um total de 86,7% de respostas positivas, enquanto no Grupo controle, houve 60% dessas respostas, com diferença estatisticamente significante (p-valor de 0,004). A outra questão que chamou a atenção foi referente à opinião positiva para a presença de estresse provocado pelo trabalho (questão 5 ou Q5). No Grupo CTA, foi observada a ocorrência de 93,4% dessas respostas, enquanto no grupo controle, verificou-se a ocorrência de 53,3%, com diferença estatisticamente significante (p-valor < 0,001). As questões que buscavam verificar a ocorrência de dificuldades para dormir, inquietação, dificuldade de concentração, ocorrência de tonturas, problemas visuais e respiratórios, consumo de cafeína e uso de fones de ouvido não apresentaram diferenças significativas entre os grupos do presente estudo.

Tabela 1
Análise descritiva das perguntas do questionário com suas variáveis separadas por grupo e p-valor para comparação

A análise de regressão logística indicou que o questionário foi um bom preditor do grupo de indivíduos (χ2(6) = 3,391, p= 0,758, R2= 0,446), mas apenas a questão 5 (opinião positiva para presença de estresse provocado pelo trabalho) foi considerada um preditor significante (Odds= 5,59; IC= 2,26-13,86; p-valor < 0,001) (Passo 1).

A análise comparativa no mesmo grupo e no mesmo teste entre as orelhas mostrou diferença de desempenho no teste IPRF para ambos os grupos (p-valores de 0,023 no CTA e 0,001 no controle) (Tabela 2). Assim, a análise entre os grupos foi feita separadamente por orelha (Tabela 3).

Tabela 2
Resultados da comparação entre as orelhas testadas por teste entre os grupos do estudo
Tabela 3
Estatística descritiva dos testes auditivos por desempenho separado por orelha e p-valor de comparação entre grupos (n= 60)

Na comparação do desempenho por teste separadamente por orelha entre os grupos (Tabela 3 e Figura 1), verificou-se diferença estatisticamente significante no teste SSI, tanto à orelha direita (p-valor < 0,001) quanto à orelha esquerda (p-valor de 0,001). Nos testes IPRF e TFRB, o desempenho não teve diferença significante quando comparados entre os grupos (Tabela 3). Nesta tabela, verificaram-se valores mínimos abaixo do critério de referência de normalidade para o SSI. Isso ocorreu uma vez que, no grupo controle, três indivíduos (10%) mostraram desempenho insatisfatório no teste SSI. Um indivíduo teve alteração à orelha esquerda e dois outros, à orelha direita.

Figura 1
Box-plot da porcentagem de acertos dos grupos controle e CTA no teste SSI (n=60)

A combinação das questões 1 e 5 com o desempenho em tarefas do processamento auditivo foram ainda melhores preditores do grupo dos indivíduos (χ2(8) = 4,818, p= 0,777, R2= 0,647). A questão 5 continuou sendo um preditor significante do grupo (Odds= 13,54; IC= 1,75-104,43) e o desempenho na orelha direita do SSI foi a única medida de Processamento Auditivo significante para predizer os grupos (Odds= 1,24; IC= 1,01-1,5; p-valor < 0,001) (Passo 2).

A fim de verificar os resultados da amostra sem os 3 indivíduos que tiveram inabilidade auditiva, foram feitos cálculos estatísticos usando como base a amostra de 57 indivíduos divididos em 2 grupos: grupo controle reduzido, com 27 indivíduos, e grupo Controlador de Tráfego Aéreo (CTA), com 30 indivíduos (Tabela 4 e Figura 2). Verificou-se diferença estatisticamente significante entre os grupos para SSI às orelhas direita e esquerda.

Tabela 4
Estatística descritiva dos testes auditivos por desempenho separado por orelha e p-valor de comparação entre grupos CTA e controle reduzido (n=57)
Figura 2
Box-plot da porcentagem de acertos no SSI por orelha, por grupo CTA e grupo controle reduzido (n=57)

No grupo CTA, 40% dos voluntários relataram dificuldade para aprender sua atividade profissional devido à distorção na fala dos pilotos causada pela radiofrequência e para direcionar a atenção em meio aos ruídos do ambiente de trabalho. Dez por cento desses profissionais exercem outra atividade profissional, todos são professores, para complementar a renda familiar. O tempo de serviço como CTA variou de seis meses a 23 anos com valor médio de seis anos. Não houve correlação estatisticamente significante entre o tempo de serviço como CTA e o desempenho em qualquer um dos testes auditivos.

DISCUSSÃO

Vale destacar o cuidado na formação do grupo controle de se parear a amostra por gênero e idade àquela obtida no grupo estudo. Neste estudo, poderia ocorrer a presença de inabilidades auditivas na constituição da amostra estudada, uma vez que se procurou identificar as diferenças individuais no desempenho dos procedimentos selecionados.

A ocupação de CTA não é regulamentada no Brasil(1717 Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações [Internet]. Brasília: MTECBO; 2017 [citado em 2017 Jan 7]. Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br
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), fato que pode gerar certa desatenção governamental com essa classe tão essencial para a aviação. Observou-se dificuldade em encontrar estudos com a mesma população de Controladores de Tráfego Aéreo, que atuem em Controles de Aproximação (APP) e mensuração do processamento auditivo.

O fato de 40% dos indivíduos do grupo CTA terem referido a ocorrência no início de carreira de presença de “dificuldade de entender a fala de pilotos devido aos ruídos presentes na transmissão da comunicação por meio da radiofrequência”, bem como “dificuldade em direcionar a atenção a apenas um locutor”, que melhorou após algum tempo de exercício profissional como CTA, motivou a realização deste estudo. Assim, levantou-se a hipótese de que havia um ajuste na comunicação auditivo-verbal, sugerindo aprimoramento das habilidades auditivas. Em seu ambiente de trabalho, os profissionais CTA fazem uso de suas habilidades auditivas constantemente para a comunicação verbal com os pilotos das aeronaves por meio da radiofrequência e com outros CTA em seu local de trabalho, por vezes, simultaneamente.

O grupo CTA deste estudo, com média de 26,87 anos de idade, representa a nova população de Controladores de Tráfego Aéreo que se encontra cada vez mais jovem. Este fato está relacionado à grande evasão de profissionais desta categoria(1818 Ned GC. Fadiga nos controladores de tráfego aéreo: uma realidade. Revista Conexão Sipaer. 2016;7(1):35-43.).

Foi observado que 10% do grupo CTA exercem outra atividade profissional. Outras pesquisas(22 Motter AA, Gontijo LA. A influência das comunicações na carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo. Divers@. 2010;3(1):48-59.,44 Paulich C, Assis M, Ribeiro S. Atividade física e saúde dos trabalhadores: o caso dos controladores de tráfego aéreo. Corpus et Scientia. 2005;1(1):17-29.) também evidenciaram a presença dessa dupla jornada usada para tentar driblar o baixo salário da classe. Todavia, este fato pode trazer consequências ruins, como potencializar o desgaste desses profissionais(22 Motter AA, Gontijo LA. A influência das comunicações na carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo. Divers@. 2010;3(1):48-59.). Ainda em busca de outras atividades, 83,33% dos CTA que participaram do presente estudo possuem nível superior completo ou estão cursando, valor semelhante ao encontrado por Motter et al.(77 Motter AA, Cruz RM, Gontijo LA. O significado do trabalho para os controladores de tráfego aéreo de Curitiba. Psicol. Argum. 2011;29(64):23-30.). Excesso de cansaço, esgotamento e estresse podem influenciar negativamente a capacidade de atenção do indivíduo(55 Lima AMJ, Soares CMV, Souza AOS. Efeito da inversão dos turnos de trabalho sobre capacidade aeróbia e respostas cardiovasculares ao esforço máximo. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(3):201-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922008000300008.
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).

A união de fatores, como sobrecarga de trabalho, horários e rotinas de trabalho, baixa remuneração e falta de valorização, reconhecimento do trabalho e plano de carreira, contribui para esse alto índice de evasão(1818 Ned GC. Fadiga nos controladores de tráfego aéreo: uma realidade. Revista Conexão Sipaer. 2016;7(1):35-43.). Passado um ano da coleta dos dados do presente estudo, 10% do grupo CTA não exercia mais essa atividade profissional.

Em relação ao autorrelato de cansaço e/ou esgotamento (Q1) e ao estresse (Q5) provocado pelo trabalho, os grupos diferem significantemente, sendo o grupo CTA formado por maior número de profissionais afetados por esses fatores (p-valores de 0,004 e < 0,001, respectivamente para Q1 e Q5) (Quadro 1 e Tabela 1).

Na análise da regressão logística que levou em conta essas duas questões, foi verificado que ambas são preditoras de o indivíduo pertencer ao grupo CTA, no entanto apenas a questão 5 foi significante estatisticamente. Assim, o autorrelato de presença de estresse provocado pelo trabalho aumenta em 5,59 vezes a chance de pertencer ao grupo CTA.

Vários estudos também correlacionam esse profissional a altos níveis de estresse(22 Motter AA, Gontijo LA. A influência das comunicações na carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo. Divers@. 2010;3(1):48-59.,44 Paulich C, Assis M, Ribeiro S. Atividade física e saúde dos trabalhadores: o caso dos controladores de tráfego aéreo. Corpus et Scientia. 2005;1(1):17-29.

5 Lima AMJ, Soares CMV, Souza AOS. Efeito da inversão dos turnos de trabalho sobre capacidade aeróbia e respostas cardiovasculares ao esforço máximo. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(3):201-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922008000300008.
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922008...

6 Itani A. Saúde e gestão na aviação: a experiência de pilotos e controladores de tráfego aéreo. Psicol Soc. 2009;21(2):203-12. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009...
-77 Motter AA, Cruz RM, Gontijo LA. O significado do trabalho para os controladores de tráfego aéreo de Curitiba. Psicol. Argum. 2011;29(64):23-30.). Martinussen e Richardsen(1919 Martinussen M, Richardsen AM. Air traffic controller burnout: survey responses regarding job demands, job resources, and health. Aviat Space Environ Med. 2006;77(4):422-8. PMid:16676654.) não evidenciaram este fato. Entretanto, vale ressaltar que essa variação de resultados pode ser explicada pela diferença de população, pois, mesmo fazendo parte do grupo profissional de CTA, a carga de trabalho pode ser muito variada e está diretamente ligada ao nível de controle efetuado (TWR, APP ou ACC) e ao fluxo de aeronaves do local de trabalho.

Uma vez que o IPRF mostrou diferença entre o desempenho por orelha, tanto no CTA como no controle (Tabela 2), o estudo comparativo entre os grupos foi realizado separadamente por orelha (Tabela 3). No grupo CTA, o desempenho nos testes IPRF foi melhor para a OE (mediana de 96% de acertos) do que para a OD (mediana de 92% de acertos) com variação de 88% a 100%, valores considerados normais(1111 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011. 82 p), indicando boa capacidade de acompanhar a conversação em ambiente acústico ideal, isto é, silencioso e não reverberante. Nos demais testes auditivos, não ocorreram diferenças estatisticamente significantes para a variável orelha no grupo CTA (Tabela 2).

No grupo Controle, apenas em um teste auditivo ocorreu diferença estatisticamente entre o desempenho por orelha, o teste IPRF (Tabela 2). Neste, o desempenho da OE variou de 88% a 100% de acertos, melhor do que o da OD, que foi de 84% a 100% de acertos. Acredita-se que o melhor desempenho observado à OE tenha ocorrido por um possível efeito de desatenção, pois os limiares audiométricos de ambas as orelhas foram considerados dentro da normalidade(99 Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual o basic audiometry. Baltimore: University Park Press; 1978. p. 16.).

Na comparação entre grupos, o teste SSI destacou-se dentre os demais selecionados (IPRF e TFRB) (Tabelas 3 e 4). Esse teste, segundo a literatura especializada(2020 Jerger J, Jerger S. Auditory findings in brain stem disorders. Arch Otolaryngol. 1974;99(5):342-50. PMid:4832615. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1974.00780030354006.
http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1974....
,2121 Jerger S, Jerger J. Extra- and intra-axial brain stem auditory disorders. Audiology. 1975;14(2):93-117. PMid:1131124. http://dx.doi.org/10.3109/00206097509071727.
http://dx.doi.org/10.3109/00206097509071...
) indica sensibilidade da tarefa para funções infratentoriais. Além disso, é conhecida a relação entre os resultados do SSI- etapa monótica e o funcionamento do cerebelo(2222 Sens PM, Almeida CIR, Souza MMN, Gonçalves JBA, Carmo LC. The role of the cerebellum in auditory processing using the SSI test. Rev Bras Otorrinolaringol. 2011;77(5):584-8. PMid:22030965.). Este funcionamento mostrou-se alterado em idosos que relatam ouvir bem(2323 Sanchez ML, Nunes FB, Barros F, Ganança MM, Caovilla HH. Auditory processing assessment in older people with no report of hearing disability. Ver Bras Otorrinolaringol. 2008;74(6):896-902. PMid:19582347. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72992008000600013.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72992008...
) e adultos com alteração do processamento auditivo(2424 Cruz ACA, Andrade NA, Gil D. A eficácia do treinamento auditivo formal em adultos com distúrbio do Processamento Auditivo (Central). Rev. CEFAC. 2013;15(6):1427-34. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013000600004.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013...
).

Chamou a atenção que o desempenho no teste SSI tenha sido menor do que nos demais testes e com maior variabilidade em ambos os grupos. O grupo CTA apresentou o melhor resultado - cerca de 10% a mais de acertos - e a menor variabilidade quando comparado ao grupo Controle, que apresentou três indivíduos com presença de inabilidade auditiva (Tabela 3). A grande maioria dos achados na amostra está compatível com os critérios de referência de normalidade(1111 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono; 2011. 82 p). Vale destacar que, mesmo após a exclusão destes indivíduos com valores abaixo da normalidade no SSI, os grupos CTA e controle reduzido diferem estatisticamente em ambas as orelhas testadas (Tabela 4).

Nos testes comportamentais, a análise de regressão logística indicou o desempenho na OD do SSI como única medida de processamento auditivo significante, pois o aumento de uma unidade nesse teste aumenta em 1,24 vezes a chance de pertencer ao grupo CTA. Esse tipo de análise estatística auxilia a perceber a probabilidade de um evento ocorrer em função de outros fatores.

Outros estudos serão necessários para esclarecer essas ocorrências em relação à percepção auditiva de fala em escuta monótica nessa população de profissionais CTA.

A plasticidade do córtex auditivo ocorre pela reorganização funcional de células nervosas a partir de um estímulo ambiental(2525 Musiek FE, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Semin Hear. 2002;23(4):263-76. http://dx.doi.org/10.1055/s-2002-35862.
http://dx.doi.org/10.1055/s-2002-35862...
), neste caso, sua atividade profissional. O resultado desse treinamento auditivo indireto em profissionais CTA está de acordo com os resultados de estudos recentes(2626 Zaballos MT, Plasencia DP, González ML, de Miguel AR, Macías AR. Air traffic controllers’ long-term speech-in-noise training effects: a control group study. Noise Health. 2016;18(85):376-81. PMid:27991470.,2727 Zaballos MTP, Miguel AR, Plasencia DP, González MLZ, Macías AR. Effects of long-term speech-in-noise training in air traffic controllers and high frequency suppression. a control group study. J Int Adv Otol. 2015;11(3):212-7. PMid:26915152. http://dx.doi.org/10.5152/iao.2015.1745.
http://dx.doi.org/10.5152/iao.2015.1745...
).

Sabe-se que a variação de turnos, isto é, o fato de não existir regularidade do período de trabalho e nem do período de sono, pode interferir na capacidade de atenção e alerta dos profissionais CTA, conforme afirmaram outros estudos(66 Itani A. Saúde e gestão na aviação: a experiência de pilotos e controladores de tráfego aéreo. Psicol Soc. 2009;21(2):203-12. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009...
,77 Motter AA, Cruz RM, Gontijo LA. O significado do trabalho para os controladores de tráfego aéreo de Curitiba. Psicol. Argum. 2011;29(64):23-30.). No entanto, o desempenho destes trabalhadores na avaliação do processamento auditivo não demonstrou perturbação da atenção (foco). Isso ocorreu, provavelmente, porque se teve o cuidado de realizar a avaliação do processamento auditivo no início da jornada de trabalho dos CTA.

Além dessa irregularidade do horário de trabalho, a atividade de controle de tráfego aéreo é dinâmica e requer um grande nível de atenção dos CTA, sendo, assim, considerada por muitos como estressante(22 Motter AA, Gontijo LA. A influência das comunicações na carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo. Divers@. 2010;3(1):48-59.,44 Paulich C, Assis M, Ribeiro S. Atividade física e saúde dos trabalhadores: o caso dos controladores de tráfego aéreo. Corpus et Scientia. 2005;1(1):17-29.

5 Lima AMJ, Soares CMV, Souza AOS. Efeito da inversão dos turnos de trabalho sobre capacidade aeróbia e respostas cardiovasculares ao esforço máximo. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(3):201-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922008000300008.
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922008...

6 Itani A. Saúde e gestão na aviação: a experiência de pilotos e controladores de tráfego aéreo. Psicol Soc. 2009;21(2):203-12. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009000200007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009...
-77 Motter AA, Cruz RM, Gontijo LA. O significado do trabalho para os controladores de tráfego aéreo de Curitiba. Psicol. Argum. 2011;29(64):23-30.). Apesar de haver uma associação entre distúrbios do processamento auditivo e estresse(88 Lemos, SMA. Processamento auditivo e estressores familiares em indivíduos com dificuldades escolares [tese]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 2007.), esta questão não foi evidenciada nesta pesquisa. Acredita-se que o desempenho dos CTA nos testes aplicados não foi afetado pelo estresse devido a um esforço cognitivo compensatório(2828 Mandrick K, Peysakhovich V, Rémy F, Lepron E, Causse M. Neural and psychophysiological correlates of human performance under stress and high mental workload. Biol Psychol. 2016;121(Pt A):62-73. PMid:27725244. http://dx.doi.org/10.1016/j.biopsycho.2016.10.002.
http://dx.doi.org/10.1016/j.biopsycho.20...
,2929 Arbula S, Capizzi M, Lombardo N, Vallesi A. How life experience shapes cognitive control strategies: the case of air traffic control training. PLoS One. 2016;11(6):e0157731. PMid:27311017. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0157731.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
). Assim, o treinamento profissional os torna menos vulneráveis a perturbações da atenção(2929 Arbula S, Capizzi M, Lombardo N, Vallesi A. How life experience shapes cognitive control strategies: the case of air traffic control training. PLoS One. 2016;11(6):e0157731. PMid:27311017. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0157731.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
), graças às demandas profissionais que os tornam mais hábeis em lidar com adversidades no ambiente acústico por seu esforço cognitivo(2626 Zaballos MT, Plasencia DP, González ML, de Miguel AR, Macías AR. Air traffic controllers’ long-term speech-in-noise training effects: a control group study. Noise Health. 2016;18(85):376-81. PMid:27991470.

27 Zaballos MTP, Miguel AR, Plasencia DP, González MLZ, Macías AR. Effects of long-term speech-in-noise training in air traffic controllers and high frequency suppression. a control group study. J Int Adv Otol. 2015;11(3):212-7. PMid:26915152. http://dx.doi.org/10.5152/iao.2015.1745.
http://dx.doi.org/10.5152/iao.2015.1745...

28 Mandrick K, Peysakhovich V, Rémy F, Lepron E, Causse M. Neural and psychophysiological correlates of human performance under stress and high mental workload. Biol Psychol. 2016;121(Pt A):62-73. PMid:27725244. http://dx.doi.org/10.1016/j.biopsycho.2016.10.002.
http://dx.doi.org/10.1016/j.biopsycho.20...
-2929 Arbula S, Capizzi M, Lombardo N, Vallesi A. How life experience shapes cognitive control strategies: the case of air traffic control training. PLoS One. 2016;11(6):e0157731. PMid:27311017. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0157731.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
).

Na literatura especializada, esse aspecto foi verificado em um estudo recente(2929 Arbula S, Capizzi M, Lombardo N, Vallesi A. How life experience shapes cognitive control strategies: the case of air traffic control training. PLoS One. 2016;11(6):e0157731. PMid:27311017. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0157731.
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) cujos autores atribuem essa melhora por necessidade profissional dos CTA ao uso de estratégias cognitivas como planejar estratégias de controle rápidas e precisas, além de adaptar-se para lidar com situações inesperadas.

Considera-se relevante a realização de outros estudos que avaliem o Processamento Auditivo Central após o último turno de trabalho do dia em Controle de Tráfego Aéreo e que se comparem os resultados com os do início da jornada de trabalho.

CONCLUSÃO

Fechamento e autorrelato de dificuldades de saúde, comunicação e atenção na maioria das questões foram similares em ambos os grupos. Figura-fundo foi significativamente melhor em CTA. Autorreferência de estresse e desempenho à orelha direita no SSI foram preditores significantes do indivíduo ser do CTA.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos amigos do Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP) e demais voluntários que participaram desta pesquisa.

  • Trabalho realizado durante Especialização em Audiologia, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2016
  • Aceito
    03 Jul 2017
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