INTRODUÇÃO
Os professores representam cerca de 1,65% do total de trabalhadores no Brasil e, assim como em outros países, a profissão é considerada de alto risco para o desenvolvimento de alterações vocais(1). Fatores extrínsecos como longas jornadas de trabalho, ambientes ruidosos e número elevado de alunos por sala são descritos na literatura como aspectos que favorecem a sobrecarga vocal. Entretanto, a influência de fatores intrínsecos inerentes ao próprio sujeito como traços de personalidade, aspectos psicossociais e estratégias de enfrentamento em relação ao desempenho vocal, ainda é pouco conhecida nesta população(2,3).
Embora os primeiros estudos que relacionam distúrbios de voz e personalidade sejam antigos, recentemente o interesse nessa área aumentou com trabalhos de maior complexidade metodológica. Estudos envolvendo a personalidade vêm ganhando cada vez mais importância na área científica. Os traços de personalidade distinguem os indivíduos entre si; entretanto, esses traços são estáveis em cada pessoa e podem resumir, prever e explicar a forma de agir de cada um(4,5). Os indivíduos com disfonia funcional são descritos como introvertidos, ansiosos e podem apresentar tensão laríngea. Por outro lado, indivíduos com nódulos vocais apresentam traços de extroversão e impulsividade, e parecem ser mais comunicativos(6).
A timidez é um conceito distinto das dimensões da introversão(7). Timidez é uma preocupação ansiosa do self, em resposta à interação social real ou imaginária do sujeito, e está associada à sua elevada capacidade de autoavaliação sobre si mesmo. Já a introversão é definida como um traço de personalidade inato, que independe de estar exposto a uma situação de comunicação. O introvertido pode parecer tímido, pois sua interação social é baixa. No entanto, não sente preocupação com o que os outros pensam ou acham sobre ele mesmo(8). O sujeito tímido, por outro lado, apresenta sentimentos desconfortáveis, principalmente em ambientes sociais, com maior propensão à depressão, ansiedade e fobia social. Alguns estudos defendem que o amadurecimento do lobo pré-frontal ocorre mais tardiamente entre as crianças com timidez, levando-as a dificuldades emocionais, comportamentais, e de autorregulação(9,10). A timidez reflete uma dificuldade de comunicação, associada a um sentimento de baixa performance e um julgamento social negativo de fala. Com certa frequência, os tímidos têm dificuldades de serem ouvidos e entendidos, apresentam dificuldades em iniciar e estruturar uma conversa, falam menos, são pouco relaxados e menos competentes na comunicação(11).
Um estudo realizado com 755 estudantes de Pedagogia mostrou que sujeitos com inibição social e emoções negativas apresentaram índices elevados para o questionário VHI (Voice Handicap Index) quando comparados a sujeitos não tímidos. Achados semelhantes também foram encontrados na população geral e em indivíduos sem queixa de voz, e a presença da timidez aumentou a percepção da desvantagem vocal(12,13).
Alguns sinais de timidez, como baixa intensidade de voz, fala disfluente, monótona e o fato de o indivíduo ser pouco falante, são descritos no comportamento vocal de alguns professores(14,15). Contudo, professores extrovertidos utilizam-se mais da comunicação verbal e não verbal do que os professores introvertidos. Isso promove uma comunicação mais rica e uma interação mais produtiva com seus alunos. Os professores extrovertidos falam mais e com maior velocidade, em loudness forte e repetem mais vezes as instruções verbais. Além disso, procuram maior contato físico e visual, sorriem e gesticulam mais, o que resulta em um ambiente mais positivo ao aprendizado(16-18).
O trabalho desenvolvido pelos professores apresenta diferentes desafios, demandas e recompensas, dependendo de variáveis como tipo de escola, nível de ensino e faixa etária dos alunos(19-21). O professor da Educação Infantil, que atende crianças de dois a cinco anos de idade, e o de Ensino Fundamental I, que atende crianças de seis a dez anos de idade, apresentam demandas vocais diferentes em função de suas distintas atribuições. Na Educação Infantil, as atividades são variadas, como contar histórias, teatro de fantoches, músicas e conversas em roda, nas quais o falar é o meio de comunicação mais usado. O professor do Ensino Fundamental, por exemplo, necessita abrir espaços para diálogos e reflexões. O uso da argumentação por parte do professor e dos alunos é intenso, podendo levar a um abuso de voz e, consequentemente, a um desgaste vocal e emocional(22).
Os dados apresentados pela literatura retratam a presença de tensão muscular e dificuldades de comunicação vivenciadas pelo sujeito tímido. Levando-se em consideração que a fala é o meio de comunicação mais utilizado por este profissional, torna-se imprescindível investigar se há relação entre a timidez e a presença da desvantagem vocal do professor. Tais dados fornecerão evidências científicas que permitirão compreender melhor o perfil vocal dessa população, não apenas no que diz respeito ao uso profissional da voz, como também ao seu bem-estar físico, mental e social. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi verificar a relação entre a timidez autorreferida e a desvantagem vocal percebida em professores da Educação Infantil e Fundamental I e II.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal, observacional e quantitativo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade São Leopoldo Mandic Campinas/SP sob parecer número 1.963.878.
O recrutamento foi realizado online via plataforma Survey Monkey ou pessoalmente em escolas públicas e particulares das cidades de Campinas e São Paulo, Estado de São Paulo e os participantes consentiram na utilização de seus dados, aceitando o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) no próprio questionário de resposta.
Foram incluídos professores de ambos os gêneros, faixa etária entre 20 e 60 anos de idade, sem queixa vocal, da Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II, de escolas públicas e particulares das cidades de Campinas e São Paulo, Estado de São Paulo.
Os sujeitos responderam a uma ficha de identificação composta por 11 questões, elaborada pelo Programa de Saúde Vocal do SinproSP. O questionário foi entregue em papel impresso para preenchimento no local de trabalho, ou ainda enviado em link para preenchimento online via plataforma Survey Monkey, conforme a preferência da escola.
Na ficha de identificação, foram investigados os seguintes dados: gênero, idade, nível de ensino que leciona (Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II), tempo de magistério em anos, número de alunos por sala de aula, carga horária diária de trabalho, presença de ruído no ambiente de trabalho, consulta médica e/ou fonoaudiológica prévia devido a problemas de voz, uso vocal em outra atividade fora do momento de trabalho, tabagismo, etilismo, presença de infecção em vias aéreas, dificuldades na audição e antecedentes familiares. Os dados foram utilizados também para caracterizar o perfil do professor na etapa de análise de dados. Os questionários foram entregues apenas a sujeitos sem queixa vocal, sendo os sujeitos com queixa não contabilizados neste estudo.
Participaram do presente estudo 200 professores, 194 mulheres e seis homens, média de idade de 41,8 anos, sem queixa vocal, da Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II.
A amostra caracterizou-se por ser predominantemente do gênero feminino (97%), com idade média de 41,8 anos. A atuação mais frequentemente encontrada foi no Ensino Fundamental (57%), o tempo de formação foi em média de 22 anos, carga horária de trabalho mais frequente de um período e média de 17 alunos por sala. Aspectos relacionados à voz mostraram que 61% não têm nenhum cuidado específico com a voz, 62% referiram algum tipo de afecção das vias aéreas superiores e 78% desta população nunca realizou fonoterapia durante sua vida profissional.
Os dados de identificação pessoal e caracterização do trabalho encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1 Distribuição numérica e percentual dos dados de identificação pessoal e caracterização do trabalho em professores
Variáveis e categorias | n | % | p-valor |
---|---|---|---|
Gênero | |||
Feminino | 194 | 97,00 | <0,001* |
Masculino | 6 | 3,00 | |
Faixa etária | |||
20-30 | 23 | 11,50 | 0,031* |
30-40 | 60 | 30,00 | 0,527 |
40-50 | 71 | 35,50 | Ref. |
50-60 | 46 | 23,00 | 0,170 |
Nível que leciona | |||
Infantil | 63 | 31,50 | 0,001* |
Fundamental | 115 | 57,50 | Ref. |
Infantil e Fundamental | 22 | 11,00 | <0,001* |
Tempo de formado | |||
01-10 | 54 | 27,00 | 0,479 |
10-20 | 58 | 29,00 | 0,675 |
20-30 | 65 | 32,50 | Ref. |
30-40 | 23 | 11,50 | 0,051 |
Carga horária | |||
01 período | 114 | 57,00 | Ref. |
02 períodos | 84 | 42,00 | 0,485 |
03 períodos | 2 | 1,00 | 0,116 |
Alunos por sala | |||
01-10 | 9 | 4,50 | 0,018* |
10-20 | 56 | 29,50 | 0,055 |
20-30 | 91 | 45,50 | Ref. |
30-40 | 39 | 19,50 | 0,005* |
40-50 | 2 | 1,00 | 0,209 |
Presença de ruído na sala | |||
Sim | 85 | 42,50 | 0,037* |
Não | 115 | 57,50 | |
Cuidados com a voz | |||
Sim | 78 | 39,00 | 0,002* |
Não | 122 | 61,00 | |
Uso da voz fora do ambiente de trabalho | |||
Sim | 109 | 54,00 | 0,259 |
Não | 92 | 46,00 | |
Afecção de vias aéreas superiores | |||
Sim | 124 | 62,00 | 0,001* |
Não | 76 | 38,00 | |
Realizou fonoterapia | |||
Sim | 43 | 21,50 | <0,001* |
Não | 157 | 78,50 |
*p<0,05 – Teste de Duas Proporções
Legenda: n=número de sujeitos; %=porcentagem de sujeitos
Os participantes foram convidados a responder os demais instrumentos da pesquisa: Escala de Timidez(23) e o protocolo Índice de Desvantagem Vocal - IDV-10(24).
O protocolo da Escala de Timidez é uma escala mundialmente utilizada, traduzida para o Português por Vasconcellos (2005) e não há validação para a nossa língua. Apresenta 13 itens sobre sentimentos e comportamentos comunicativos relacionados ao cotidiano organizacional. Para a categorização dos resultados, há uma classificação que varia de um a cinco pontos, em que um equivale a discordo totalmente e cinco a concordo totalmente(23). Para os sujeitos tímidos, a somatória de pontos deve ser maior que 34 pontos e a análise foi realizada por somatória simples.
O IDV-10 é um instrumento de autoavaliação traduzido e validado para o português brasileiro, composto por dez questões, que investiga a autopercepção do impacto de um problema vocal. Cada questão deve ser respondida por meio de uma escala numérica de cinco pontos, sendo que zero corresponde a nunca e quatro, sempre. O escore total é calculado por somatória simples das respostas e varia de zero a 40 pontos, sendo que zero indica nenhuma desvantagem e 40, desvantagem máxima(24). A nota de corte é de 7,5 pontos, quando o instrumento é utilizado para fins de triagem vocal. Isso significa que indivíduos que pontuam acima de 7 pontos devem ser encaminhados para avaliação vocal completa.
Os dados foram tabulados e submetidos à análise estatística. Para tanto, foram realizadas análises de contingência das categorias pesquisadas através de testes de Qui-quadrado e de Duas Proporções. Adotou-se um nível de significância de 5% (p<0,05) para todas as análises estatísticas inferenciais. O software utilizado foi o JMP/SAS 13.1.
RESULTADOS
A Tabela 2 mostra que houve um maior número de indivíduos tímidos com faixa etária entre 20 e 30 anos (p=0,003) que lecionam no ensino infantil (p=0,002), com tempo de formados entre 1 e 10 anos (p=0,001) e que referem a presença de ruído em sala de aula (p<0,001). A presença de professores tímidos e jovens destacou-se nesses resultados.
Tabela 2 Distribuição numérica e percentual dos dados de identificação pessoal e caracterização do trabalho dos professores de acordo com a timidez
Variáveis e categorias | Sem Timidez | Com Timidez | p-valor | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Gênero | |||||
Masculino | 4 | 66,67 | 2 | 33,33 | 0,465 |
Feminino | 100 | 51,55 | 94 | 48,45 | |
Faixa etária | |||||
20-30 | 4 | 17,39 | 19 | 82,61 | 0,003* |
30-40 | 31 | 51,67 | 29 | 48,33 | |
40-50 | 41 | 57,75 | 30 | 42,25 | |
50-60 | 28 | 60,87 | 18 | 39,13 | |
Nível que leciona | |||||
Infantil | 23 | 36,51 | 40 | 63,49 | 0,002* |
Fundamental | 68 | 59,13 | 47 | 40,87 | |
Infantil e Fundamental | 13 | 59,09 | 9 | 40,91 | |
Alunos por sala | |||||
1-10 | 4 | 44,44 | 5 | 55,56 | 0,177 |
10-20 | 20 | 33,90 | 39 | 66,10 | |
20-30 | 56 | 61,54 | 35 | 38,46 | |
30-40 | 23 | 58,97 | 16 | 41,03 | |
40-50 | 1 | 50,00 | 1 | 50,00 | |
Tempo de formado | |||||
1-10 | 18 | 33,33 | 36 | 66,67 | 0,001* |
10-20 | 31 | 53,45 | 27 | 46,55 | |
20-30 | 42 | 64,62 | 23 | 35,38 | |
30-40 | 13 | 56,52 | 10 | 43,48 | |
Presença de ruído na sala | |||||
Sim | 25 | 29,41 | 60 | 70,59 | <0,001* |
Não | 79 | 68,70 | 36 | 31,30 | |
Fonoterapia | |||||
Sim | 20 | 46,51 | 23 | 53,49 | 0,416 |
Não | 84 | 53,50 | 73 | 46,50 | |
Cuidados com a voz | |||||
Sim | 44 | 56,41 | 34 | 43,59 | 0,318 |
Não | 60 | 49,18 | 62 | 50,82 | |
Uso da voz | |||||
Sim | 59 | 54,63 | 49 | 45,37 | 0,419 |
Não | 45 | 48,91 | 47 | 51,09 | |
Infecção de vias áreas superiores | |||||
Sim | 65 | 52,42 | 59 | 47,58 | 0,879 |
Não | 39 | 51,32 | 37 | 48,68 | |
Carga horária | |||||
01 período | 55 | 48,25 | 59 | 51,75 | 0,221 |
02 períodos | 47 | 55,95 | 37 | 44,05 | |
03 períodos | 2 | 100,00 | 0 | 0,00 |
*p<0,05 – Teste Qui-quadrado
Legenda: n=número de sujeitos; %=porcentagem de sujeitos
Dos 58 (29%) professores que apresentaram desvantagem vocal, houve um maior número de indivíduos tímidos (64%, n=37) do que não tímidos (26%, n=21; p=0,042). Dos 142 sujeitos (71%) que não apresentaram desvantagem vocal, 42% (n=59) eram tímidos e 58% (n=83), não tímidos (p=0,047). Tais dados podem ser observados na Figura 1. Nesses achados, vale ressaltar a maior proporção de professores tímidos no grupo com desvantagem vocal.

*p<0,05 – Teste de Duas Proporções
Legenda: n=número de sujeitos; %=porcentagem de sujeitos
Figura 1 Ilustração da distribuição numérica e percentual dos sujeitos de acordo com a ocorrência de desvantagem vocal e timidez
Observa-se na Tabela 3 a desvantagem vocal em professores tímidos, de acordo com os dados de identificação pessoal e caracterização do trabalho. Houve maior frequência de professores tímidos e sem desvantagem vocal que possuíam afecções de vias aéreas superiores (p=0,006). Nessa tabela, as características de trabalho do professor tímido não têm associação significativa com a presença da desvantagem vocal.
Tabela 3 Desvantagem vocal de acordo com os dados de identificação pessoal e caracterização do trabalho em professores tímidos
Variáveis e categorias | Com Desvantagem | Sem Desvantagem | p-valor | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Gênero | |||||
Masculino | 0 | 0,00% | 2 | 5,41% | 0,071 |
Feminino | 59 | 100,00% | 35 | 94,59% | |
Faixa etária | |||||
20-30 | 11 | 18,64% | 8 | 21,62% | 0,768 |
30-40 | 16 | 27,12% | 13 | 35,14% | |
40-50 | 20 | 33,90% | 10 | 27,03% | |
50-60 | 12 | 20,34% | 6 | 16,22% | |
Nível que leciona | |||||
Infantil | 20 | 33,90% | 20 | 54,05% | 0,146 |
Fundamental | 33 | 55,93% | 14 | 37,84% | |
Infantil e Fundamental | 6 | 10,17% | 3 | 8,11% | |
Alunos por sala | |||||
1-10 | 4 | 6,78% | 1 | 2,70% | 0,242 |
10-20 | 27 | 45,76% | 12 | 32,43% | |
20-30 | 21 | 35,59% | 14 | 37,84% | |
30-40 | 7 | 11,86% | 9 | 24,32% | |
40-50 | 0 | 0,00% | 1 | 2,70% | |
Tempo de formado | |||||
1-10 | 19 | 32,20% | 17 | 45,95% | 0,266 |
10-20 | 16 | 27,12% | 11 | 29,73% | |
20-30 | 18 | 30,51% | 5 | 13,51% | |
30-40 | 6 | 10,17% | 4 | 10,81% | |
Presença de ruído na sala | |||||
Sim | 38 | 64,41% | 22 | 59,46% | 0,626 |
Não | 21 | 35,59% | 15 | 40,54% | |
Fonoterapia | |||||
Sim | 13 | 22,03% | 10 | 27,03% | 0,576 |
Não | 46 | 77,97% | 27 | 72,97% | |
Cuidados com a voz | |||||
Sim | 23 | 38,98% | 11 | 29,73% | 0,356 |
Não | 36 | 61,02% | 26 | 70,27% | |
Uso da voz | |||||
Sim | 31 | 52,54% | 18 | 48,65% | 0,710 |
Não | 28 | 47,46% | 19 | 51,35% | |
Afecção de vias áreas superiores | |||||
Sim | 30 | 50,85% | 29 | 78,38% | 0,006* |
Não | 29 | 49,15% | 8 | 21,62% | |
Carga horária | |||||
01 período | 39 | 66,10% | 20 | 54,05% | 0,237 |
02 períodos | 20 | 33,90% | 17 | 45,95% | |
03 períodos | 0 | 0,00% | 0 | 0,00% |
*p<0,05 – Teste Qui-quadrado
Legenda: n=número de sujeitos; %=porcentagem de sujeitos
DISCUSSÃO
Os professores, em geral, são profissionais que fazem parte de uma categoria de risco para o desenvolvimento de alterações vocais, por possuírem fatores extrínsecos ocupacionais que geram elevada demanda e sobrecarga vocal(2,25). Tais fatores são consenso na literatura, porém fatores intrínsecos inerentes à personalidade do sujeito, como a timidez, ainda são pouco conhecidos nesta população(2,3,26).
Professores geralmente percebem os sinais e sintomas vocais quando se tornam relevantes e frequentes, nem sempre associam ao uso vocal profissional e, muitas vezes, consideram a presença do desvio vocal como parte integrante de suas atribuições. A autopercepção de problemas vocais pode ser uma importante ferramenta a ser desenvolvida pelos professores com o objetivo de promover maior busca de informações sobre a voz e um melhor autocuidado(2,3,27).
O ruído do ambiente não foi significativo para o total de sujeitos, porém foi significativo para o grupo de professores tímidos. Indivíduos com maior predisposição a sentir emoções negativas, ansiedade e vulnerabilidade ao stress percebem o ruído como algo incômodo, mostrando maior sensibilidade e intolerância(28).
Na Educação Infantil, houve maior proporção de tímidos entre professores de 20 e 30 anos de idade e tempo de formados de até 10 anos (Tabela 2). Para este grupo exclusivo de professores jovens, a desvantagem vocal não foi significativa, apesar de o presente estudo mostrar que entre os professores com desvantagem vocal predominaram os tímidos (Tabela 3 e Figura 1). Não encontramos na literatura estudos que relacionem a desvantagem vocal com a timidez em professores jovens. No entanto, estudos distintos descrevem que, nos primeiros 4 anos de atuação do professor, há uma maior ocorrência de queixas vocais quando comparados a anos posteriores de profissão(29), e que a inibição social é destacada e descrita entre os professores jovens(15). Comportamentos característicos do professor tímido como baixa intensidade vocal, comunicação não verbal pouco expressiva, voz monótona, associados a um ambiente ruidoso podem gerar desconforto para este grupo exigindo deste maior flexibilidade e competência comunicativa(17). Por essa razão, há a necessidade de se preparar melhor esses professores, com destaque para os jovens, para as demandas vocais da profissão, levando-se em consideração as características pessoais e emocionais de cada um(15).
Estabelecer algum tipo de relação entre a desvantagem vocal e a timidez do professor nem sempre se mostra uma tarefa fácil(6). Dentre os motivos citados pela literatura na tentativa de explicar a relação entre a presença da timidez e a desvantagem vocal, é a de que a timidez está associada a um estado emocional negativo(26). Dessa forma, ela pode gerar um aumento da tensão muscular, especialmente sobre as estruturas laríngeas e perilaríngeas, e causar fadiga e desconforto vocal(16).
Para os professores tímidos, a queixa de afecções de vias aéreas superiores foi significativamente maior entre os sujeitos sem desvantagem vocal, não sendo a desvantagem vocal um fator contribuinte (Tabela 3). A literatura relata que, do ponto de vista sistêmico, a timidez representa não só uma hiper-reatividade comportamental ao meio ambiente, como também uma hiper-reatividade somática, mediadas pelo sistema nervoso autônomo e imunológico. A resposta exacerbada do sistema nervoso límbico presente em sujeitos tímidos, acentuam as respostas imunes a tecidos-alvo alérgicos, o que poderia justificar em parte a presença dessas afecções em professores tímidos, independentemente do uso vocal(30).
Estudos longitudinais com esta população de professores tímidos são primordiais para clarear tais achados ainda incipientes. O estudo mostrou que há relação entre a timidez e a desvantagem vocal em professores. A não validação da Escala de Timidez para o Português Brasileiro pode ser uma limitação do estudo. Contudo, a relação entre os maiores desvios nos protocolos de desvantagem vocal e maiores escores da escala de timidez deixam clara essa relação. Dados de identificação pessoal e caracterização do trabalho obtiveram maior associação com a presença da timidez do que propriamente com a desvantagem vocal. Portanto, estudos longitudinais com um número maior de sujeitos poderão talvez revelar como essa relação entre a timidez e a desvantagem vocal se entrelaçam. Será que a timidez poderia estar mais relacionada à forma como o indivíduo reage ao ambiente e isso ser um fator de risco à desvantagem vocal? O amadurecimento mais tardio das áreas pré-frontais nos sujeitos tímidos poderia levar a uma dificuldade em lidar com as questões de enfretamento diante das mudanças externas e medidas de autocuidado com relação à voz? Quais seriam, então, os parâmetros de risco para essa detecção em professores tímidos? Será que, com o passar dos anos e uma vivência maior profissional, o professor poderia tornar-se mais comunicativo, menos tímido e menos preocupado em se expor ao ambiente, e assim adquirir melhores estratégias de enfretamento quando comparado ao professor não tímido? Questionamentos como esses devem trilhar os prospectivos caminhos da pesquisa sobre esse tema.