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Avanço cirúrgico de maxila e ressonância de fala: comparação entre os tipos de fissura

RESUMO

Objetivo

Investigar a influência do tipo de fissura sobre o aparecimento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico da maxila (AM).

Método

A nasalidade foi determinada por meio da medida de nasalância (correlato acústico da nasalidade) utilizando-se a nasometria. Foi realizada a análise dos escores de nasalância de 17 indivíduos com fissura isolada de palato (FP), 118 com fissura de lábio e palato unilateral (FLPU) e 69 com fissura de lábio e palato bilateral (FLPB), de ambos os sexos, com idades entre 18 e 28 anos, submetidos ao AM. Apenas indivíduos com escores de nasalância indicativos de ressonância equilibrada previamente ao AM foram incluídos neste estudo. A nasometria foi realizada, em média, três dias antes e 15 meses após o AM. A proporção de pacientes que apresentaram escores de nasalância indicativos de hipernasalidade após o AM foi calculada por meio do teste ANOVA e a comparação entre os diferentes tipos de fissura foi realizada utilizando-se o teste Qui-quadrado (p < 0,05).

Resultados

Não foi observada diferença significante entre as proporções de indivíduos com hipernasalidade, de acordo com o tipo de fissura.

Conclusão

A nasometria mostrou que o aparecimento da hipernasalidade após o AM, em indivíduos com fissura de palato envolvendo ou não o lábio, ocorreu em proporções similares independentemente do tipo de fissura.

Descritores:
Fissura Palatina; Cirurgia Ortognática; Insuficiência Velofaríngea; Fala; Distúrbios da Fala

ABSTRACT

Purpose

This study investigated the influence of the cleft type on the appearance of hypernasality after surgical maxillary advancement (MA).

Methods

Nasality was determined by measurement of nasalance (acoustic correlate of nasality) by nasometry. The study involved analysis of the nasalance scores of 17 individuals with isolated cleft palate (CP), 118 with unilateral cleft lip and palate (UCLP) and 69 with bilateral cleft lip and palate (BCLP), of both sexes, aged 18 to 28 years, after MA. Only individuals with normal nasalance scores indicating balanced resonance before MA were included in this study. Nasometry was performed 3 days before and 15 months after MA, on average. The proportion of patients who presented nasalance scores indicating hypernasality after surgery was calculated by the ANOVA test, and comparison among the different cleft types was evaluated by the chi-square test (p < 0.05).

Results

No significant difference was found in the proportions of individuals with hypernasality among the cleft types.

Conclusion

Nasometry showed that the appearance of hypernasality after MA in individuals with cleft palate with or without cleft lip occurred in similar proportions, regardless of the cleft type.

Keywords:
Cleft Palate; Orthognathic Surgery; Velopharyngeal Insufficiency; Speech; Speech Disorders

INTRODUÇÃO

A ação sinérgica dos músculos que constituem o véu palatino e as paredes faríngeas promovem o adequado fechamento velofaríngeo (FVF) resultando em uma ressonância oronasal equilibrada durante a fala. Na presença de alterações estruturais, como no caso das fissuras labiopalatinas (FLP), o FVF só será possível após a realização da cirurgia reparadora do palato(11 Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance. 3rd ed. San Diego: Singular Thomson Learning; 2014.). A influência de fatores como idade, técnica cirúrgica e tipo de fissura sobre a função velofaríngea após a palatoplastia primária já é bem estabelecida na literatura(22 Freitas JAS, Garib DG, Trindade-Suedam IK, Carvalho RM, Oliveira TM, Lauris RC, et al. Rehabilitative treatment of cleft lip and palate: experience of the Hospital for Rehabilitation of Craniofacial Anomalies - USP (HRAC-USP). Part 3: oral and Maxillofacial Surgery. J Appl Oral Sci. 2012;20(6):673-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1678-77572012000600014. PMid:23329251.
http://dx.doi.org/10.1590/S1678-77572012...
,33 Naqvi ZA, Ravi S, Shivalinga BM, Munawwar SS. Effect of cleft lip palate repair in craniofacial growth. J Orthod Sci. 2015;4(3):59-64. http://dx.doi.org/10.4103/2278-0203.160236. PMid:26229945.
http://dx.doi.org/10.4103/2278-0203.1602...
).

No que diz respeito ao impacto do tipo de fissura, estudos que empregaram o sistema de classificação de Veau, investigaram a relevância do tipo de fissura sobre a função velofaríngea após a palatoplastia primária e verificaram que o FVF completo esteve presente em um maior número de pacientes com fissura de lábio e palato unilateral (FLPU) e com fissura de palato incompleta (FPI) quando comparados àqueles com fissura de lábio e palato bilateral (FLPB) e com fissura de palato completa (FPC). Os autores sugeriram que o tipo de fissura pode ser um fator que afeta o FVF devido à influência do vômer sobre o comprimento do véu palatino. O fato de a musculatura do véu, nas FLPU e FPI, encontrar-se fixada no vômer favorece os tecidos musculares da região velofaríngea e, consequentemente, o FVF completo, quando comparada à situação da musculatura do véu palatino na FLPB, em que o vômer está completamente isolado, sem qualquer fixação muscular. Ainda, neste tipo de fissura, o palato ósseo encontra-se, estruturalmente, mais curto, fato que pode implicar diretamente no comprimento e mobilidade do véu palatino(44 Marrinan EM, LaBrie RA, Mulliken JB. Velopharyngeal function in nonsyndromic cleft palate: relevance of surgical technique, age at repair, and cleft type. Cleft Palate Craniofac J. 1998;35(2):95-100. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1998_035_0095_vfincp_2.3.co_2. PMid:9527305.
http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1998...
,55 Yang Y, Li Y, Wu Y, Gu Y, Yin H, Long H, et al. Velopharyngeal function of patients with cleft palate after primary palatoplasty: relevance of sex, age, and cleft type. J Craniofac Surg. 2013;24(3):923-8. http://dx.doi.org/10.1097/SCS.0b013e3182587b34. PMid:23714912.
http://dx.doi.org/10.1097/SCS.0b013e3182...
).

Além disso, o potencial iatrogênico do processo de reabilitação não é similar para os diferentes tipos de fissura. Fatores como dismorfologia congênita do terço médio da face, adaptações funcionais, iatrogenias cirúrgicas, variações estruturais ósseas entre os diferentes tipos de FLP, podem levar a uma interferência importante no crescimento do terço médio facial, resultando em discrepâncias maxilomandibulares (DMMs). Assim, o crescimento do terço médio da face pode ocorrer de maneira diferente, dependendo do tipo e severidade da fissura(66 Subtelny D. Width of the nasopharynx and related anatomic structures in normal and unoperated cleft palate children. Am J Orthod. 1955;41(12):889-909. http://dx.doi.org/10.1016/0002-9416(55)90126-3.
http://dx.doi.org/10.1016/0002-9416(55)9...

7 Heliövaara A, Hukki J, Ranta R, Haapanen ML. Cephalometric pharyngeal changes after Le Fort I osteotomy in different types of clefts. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2004;38(1):5-10. http://dx.doi.org/10.1080/02844310310009537. PMid:15074716.
http://dx.doi.org/10.1080/02844310310009...
-88 López-Giménez A, Silvestre-Rangil J, Silvestre FJ, Paredes-Gallardo V. Craniofacial cephalometric morphologies in different cleft types: a retrospective cross-sectional study of 212 patients. Oral Radiol. 2018;34(2):127-35. http://dx.doi.org/10.1007/s11282-017-0290-z. PMid:30484129.
http://dx.doi.org/10.1007/s11282-017-029...
). Este fato ocorre, principalmente, devido à fibrose cicatricial resultante dos inúmeros procedimentos cirúrgicos pelos quais indivíduos com FLP são submetidos durante a infância e que pode comprometer o crescimento do terço médio da face(99 Antonarakis GS, Tompson BD, Fisher DM. Preoperative cleft lip measurements and maxillary growth in patients with unilateral cleft lip and palate. Cleft Palate Craniofac J. 2016;53(6):e198-207. http://dx.doi.org/10.1597/14-274. PMid:27776219.
http://dx.doi.org/10.1597/14-274...
). Estudos têm demonstrado que as DMMs ocorrem mais frequentemente em indivíduos com fissura de lábio e palato completa quando comparados a pacientes com fissura de palato isolada(22 Freitas JAS, Garib DG, Trindade-Suedam IK, Carvalho RM, Oliveira TM, Lauris RC, et al. Rehabilitative treatment of cleft lip and palate: experience of the Hospital for Rehabilitation of Craniofacial Anomalies - USP (HRAC-USP). Part 3: oral and Maxillofacial Surgery. J Appl Oral Sci. 2012;20(6):673-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1678-77572012000600014. PMid:23329251.
http://dx.doi.org/10.1590/S1678-77572012...
,1010 Paradowska-Stolarz A, Kawala B. Occlusal disorders among patients with total clefts of lip, alveolar bone, and palate. BioMed Res Int. 2014;2014:583416. http://dx.doi.org/10.1155/2014/583416. PMid:24982898.
http://dx.doi.org/10.1155/2014/583416...
).

No caso de DMMs moderadas a graves, faz-se necessário um tratamento cirúrgico, por meio do reposicionamento das bases ósseas, para adequação das funções orofaciais(22 Freitas JAS, Garib DG, Trindade-Suedam IK, Carvalho RM, Oliveira TM, Lauris RC, et al. Rehabilitative treatment of cleft lip and palate: experience of the Hospital for Rehabilitation of Craniofacial Anomalies - USP (HRAC-USP). Part 3: oral and Maxillofacial Surgery. J Appl Oral Sci. 2012;20(6):673-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1678-77572012000600014. PMid:23329251.
http://dx.doi.org/10.1590/S1678-77572012...
,1010 Paradowska-Stolarz A, Kawala B. Occlusal disorders among patients with total clefts of lip, alveolar bone, and palate. BioMed Res Int. 2014;2014:583416. http://dx.doi.org/10.1155/2014/583416. PMid:24982898.
http://dx.doi.org/10.1155/2014/583416...
,1111 Trindade IEK, Yamashita RP, Suguimoto RM, Mazzottini R, Trindade AS Jr. Effects of orthognathic surgery on speech and breathing of subjects with cleft lip and palate: acoustic and aerodynamic assessment. Cleft Palate Craniofac J. 2003;40(1):54-64. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_2003_040_0054_eoosos_2.0.co_2. PMid:12498606.
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), o que ocorre em cerca de 10% a 50% da população com FLP(99 Antonarakis GS, Tompson BD, Fisher DM. Preoperative cleft lip measurements and maxillary growth in patients with unilateral cleft lip and palate. Cleft Palate Craniofac J. 2016;53(6):e198-207. http://dx.doi.org/10.1597/14-274. PMid:27776219.
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,1212 Wu Y, Wang X, Ma L, Li Z. Velopharyngeal configuration changes following Le Fort I osteotomy with maxillary advancement in patients with cleft lip and palate: a cephalometric study. Cleft Palate Craniofac J. 2015;52(6):711-6. http://dx.doi.org/10.1597/14-146.1. PMid:25259778.
http://dx.doi.org/10.1597/14-146.1...
). O tipo de cirurgia mais frequentemente realizado para correção das DMMs é a osteotomia de maxila do tipo Le Fort I para avanço de maxila (AM), que pode ser combinada a osteotomias envolvendo a mandíbula e o mento(1313 Kim SK, Kim JC, Moon JB, Lee KC. Perceptual speech assessment after maxillary advancement osteotomy in patients with a repaired cleft lip and palate. Arch Plast Surg. 2012;39(3):198-202. http://dx.doi.org/10.5999/aps.2012.39.3.198. PMid:22783526.
http://dx.doi.org/10.5999/aps.2012.39.3....
,1414 Pereira VJ, Sell D, Tuomainen J. Effect of maxillary osteotomy on speech in cleft lip and palate: perceptual outcomes of velopharyngeal function. Int J Lang Commun Disord. 2013;48(6):640-50. http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.12036. PMid:24165361.
http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.1203...
). Estudos já enfatizaram que o AM, ao restabelecer o equilíbrio maxilomandibular e, consequentemente, ajustar a posição da língua e dos dentes, promove um efeito benéfico à produção da fala(1515 Richardson S, Seelan NS, Selvaraj D, Khandeparker RV, Gnanamony S. Paerceptual speech assessment after anterior maxillary distraction in patients with cleft maxillay hypoplasia. J Oral Maxillofac Surg. 2016;7(6):1239.e1-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2016.02.006.
http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2016.02...
,1616 Hagberg E, Flodin S, Granqvist S, Karsten A, Neovius E, Lohmander A. The impact of maxillary advancement on consonant proficiency in patients with cleft lip and palate, lay listeners’ opinion, and patients’ satisfaction with speech. Cleft Palate Craniofac J. 2019;56(4):454-61. http://dx.doi.org/10.1177/1055665618784804. PMid:29949386.
http://dx.doi.org/10.1177/10556656187848...
). No entanto, embora já se tenha confirmado que a quantidade de avanço maxilar, em milímetros, não tem influência direta sobre os resultados de fala em indivíduos com FLP(1717 Chanchareonsook N, Whitehill TL, Samman N. Speech outcome and velopharyngeal function in cleft palate; comparison of Le Fort I maxillary osteotomy and distraction osteogenesis: early results. Cleft Palate Craniofac J. 2007;44(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1597/05-003. PMid:17214524.
http://dx.doi.org/10.1597/05-003...

18 Kudo K, Takagi R, Kodama Y, Terao E, Asahito T, Saito I. Evaluation of speech and morphological changes after maxillary advancement for patients with velopharyngeal insufficiency due to repaired cleft palate using a nasometer and lateral cephalogram. J Oral Maxillofac Surg Med Pathol. 2014;26(1):22-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.07.006.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.0...
-1919 Medeiros-Santana MNL, Perry JL, Yaedú RYF, Trindade-Suedam IK, Yamashita RP. Predictors of velopharyngeal dysfunction in individuals with cleft palate following surgical maxillary advancement: clinical and tomographic assessments. Cleft Palate Craniofac J. 2019;56(10):1314-21. http://dx.doi.org/10.1177/1055665619852562. PMid:31213072.
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), a anteriorização dos palatos duro e mole que se faz durante a cirurgia de AM pode modificar o padrão de FVF, contribuindo para o aparecimento da hipernasalidade como consequência de disfunção do mecanismo velofaríngeo (DVF)(1111 Trindade IEK, Yamashita RP, Suguimoto RM, Mazzottini R, Trindade AS Jr. Effects of orthognathic surgery on speech and breathing of subjects with cleft lip and palate: acoustic and aerodynamic assessment. Cleft Palate Craniofac J. 2003;40(1):54-64. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_2003_040_0054_eoosos_2.0.co_2. PMid:12498606.
http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_2003...
,2020 Jaques B, Herzog G, Muller A, Hohlfeld J, Pasche P. Indications for combined orthodontic and surgical (orthognathic) treatments of dentofacial deformities in cleft lip and palate patients and their impact on velopharyngeal function. Folia Phoniatr Logop. 1997;49(3-4):181-93. http://dx.doi.org/10.1159/000266453. PMid:9256540.
http://dx.doi.org/10.1159/000266453...
).

O diagnóstico da hipernasalidade é, principalmente, realizado por meio da avaliação perceptivo-auditiva da fala, considerada o método “padrão-ouro” para avaliar os sintomas de fala decorrentes da DVF. No entanto, em função de seu caráter subjetivo, a avaliação perceptivo-auditiva é, frequentemente, associada a uma avaliação instrumental para a definição da conduta a ser adotada(11 Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance. 3rd ed. San Diego: Singular Thomson Learning; 2014.,2121 Sweeney T, Sell D. Relationship between perceptual ratings of nasality and nasometry in children/adolescents with cleft palate and/or velopharyngeal dysfunction. Int J Lang Commun Disord. 2008;43(3):265-82. http://dx.doi.org/10.1080/13682820701438177. PMid:17852526.
http://dx.doi.org/10.1080/13682820701438...
,2222 Medeiros MNL, Fukushiro AP, Yamashita RP. Influence of speech sample on perceptual rating of hypernasality. CoDAS. 2016;28(3):289-94. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015202. PMid:27409419.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2016...
).

A nasometria é um método objetivo e quantitativo de análise da fala que apresenta uma boa relação com os julgamentos perceptivos da nasalidade(11 Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance. 3rd ed. San Diego: Singular Thomson Learning; 2014.,2121 Sweeney T, Sell D. Relationship between perceptual ratings of nasality and nasometry in children/adolescents with cleft palate and/or velopharyngeal dysfunction. Int J Lang Commun Disord. 2008;43(3):265-82. http://dx.doi.org/10.1080/13682820701438177. PMid:17852526.
http://dx.doi.org/10.1080/13682820701438...
,2323 Dalston RM, Warren DW, Dalston ET. Use of nasometry as a diagnostic tool for identifying patients with velopharyngeal impairment. Cleft Palate Craniofac J. 1991;28(2):184-8. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1991_028_0184_uonaad_2.3.co_2. PMid:2069975.
http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1991...
). Esta técnica permite determinar, de maneira indireta, a ressonância de fala por meio da medida da nasalância (correlato acústico da nasalidade). Esta grandeza, expressa em porcentagem, é determinada pela medida da energia acústica captada, simultaneamente, das cavidades oral e nasal durante a fala. Os valores resultantes deste exame sugerem a presença ou ausência da hipernasalidade e sua forte correlação com a avaliação perceptivo-auditiva já foi confirmada em estudos anteriores(11 Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance. 3rd ed. San Diego: Singular Thomson Learning; 2014.,77 Heliövaara A, Hukki J, Ranta R, Haapanen ML. Cephalometric pharyngeal changes after Le Fort I osteotomy in different types of clefts. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2004;38(1):5-10. http://dx.doi.org/10.1080/02844310310009537. PMid:15074716.
http://dx.doi.org/10.1080/02844310310009...
,2121 Sweeney T, Sell D. Relationship between perceptual ratings of nasality and nasometry in children/adolescents with cleft palate and/or velopharyngeal dysfunction. Int J Lang Commun Disord. 2008;43(3):265-82. http://dx.doi.org/10.1080/13682820701438177. PMid:17852526.
http://dx.doi.org/10.1080/13682820701438...
,2323 Dalston RM, Warren DW, Dalston ET. Use of nasometry as a diagnostic tool for identifying patients with velopharyngeal impairment. Cleft Palate Craniofac J. 1991;28(2):184-8. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1991_028_0184_uonaad_2.3.co_2. PMid:2069975.
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,2424 Trindade IEK, Genaro KF, Dalston RM. Nasalance scores of normal Brazilian Portuguese speakers. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1997;1(1):23-34.).

Considerando as diferentes condições anatômicas das fissuras que envolvem o palato, os processos de cicatrização após as cirurgias primárias reparadoras do palato e seu impacto no crescimento e desenvolvimento das estruturas moles e duras, a hipótese deste estudo é a de que os prejuízos para a fala, após este procedimento cirúrgico, são proporcionais à extensão e gravidade da fissura. Ou seja, os indivíduos acometidos pela fissura de lábio e palato bilateral estariam mais suscetíveis ao aparecimento da hipernasalidade após o AM. Diante disto, o presente estudo teve como objetivo investigar a influência dos tipos de fissura envolvendo o palato sobre o aparecimento da hipernasalidade de fala após o AM utilizando, para tanto, a nasometria como um método objetivo e quantitativo de análise da fala.

MÉTODO

Estudo conduzido no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo – HRAC – USP, Bauru (SP), Brasil, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da Instituição com o parecer número 291.650. Trata-se de um estudo retrospectivo, cujos dados foram obtidos do levantamento de prontuários, sendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dispensado pelo CEP.

Casuística

Foi realizada a análise dos dados de 204 indivíduos com fissura de palato reparada envolvendo ou não o lábio, submetidos ao avanço cirúrgico da maxila, sendo 17 com fissura de palato isolada (FP), 118 com FLPU e 69 com FLPB, de ambos os sexos, com idade entre 18 e 28 (22,9±4,1). Somente foram incluídos neste estudo pacientes que apresentavam DMM com mordida cruzada anterior e/ou posterior (trespasse horizontal menor ou igual a 0mm) e escores indicativos de ausência de hipernasalidade (ressonância de fala equilibrada) obtidos por meio do exame de nasometria antes da cirurgia. Pacientes com síndromes e/ou outras anomalias craniofaciais relacionadas à FLP ou, ainda, que tenham sido submetidos à cirurgia secundária de palato para correção de disfunção velofaríngea previamente ao AM não foram incluídos neste estudo.

Procedimentos

Foram analisados os escores de nasalância obtidos, em média, três dias antes (PRÉ-AM) e 15 meses (12 meses a 2 anos e 9 meses) após a cirurgia (PÓS-AM), respeitando-se a rotina de atendimento da Instituição. As avaliações pós-cirúrgicas são, idealmente, realizadas 12 meses após a cirurgia, tempo considerado suficiente para a completa cicatrização óssea e acomodação da musculatura velofaríngea.

Nasometria

Os escores de nasalância foram obtidos em todos os indivíduos utilizando-se um nasômetro (Modelo 6200-3 IBM, versão 30-02-3.22; Kay Elemetrics) durante a leitura de um conjunto de cinco sentenças contendo sons exclusivamente orais do Português-Brasileiro, com o objetivo de identificar a hipernasalidade: “Papai caiu da escada. Fabio pegou o gelo. O palhaço chutou a bola. Tereza fez pastel. A árvore dá frutos e flores”(2222 Medeiros MNL, Fukushiro AP, Yamashita RP. Influence of speech sample on perceptual rating of hypernasality. CoDAS. 2016;28(3):289-94. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015202. PMid:27409419.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2016...
). O escore de 27% foi utilizado para indicar o limite de normalidade(2424 Trindade IEK, Genaro KF, Dalston RM. Nasalance scores of normal Brazilian Portuguese speakers. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1997;1(1):23-34.). Assim, valores maiores que 27% foram sugestivos da presença de hipernasalidade.

Análise estatística

A nasalância foi expressa em porcentagem. Diferenças entre os grupos foram calculadas por meio do teste ANOVA. A comparação entre as proporções de pacientes que apresentaram hipernasalidade após a cirurgia para cada tipo de fissura analisado foi obtida por meio do teste Qui-quadrado. Foram considerados significantes valores de p < 0,05.

RESULTADOS

De acordo com a nasometria, 79% (162/204) dos pacientes permaneceram com valores de nasalância indicativos de ausência de hipernasalidade após o AM, enquanto que 21% (42/204) do total de pacientes apresentou escores de nasalância indicativos de hipernasalidade. Do total de 42 pacientes que passaram a apresentar hipernasalidade, 18% (3/17) pertenciam ao grupo de indivíduos com FP, 17% (20/118) ao grupo de indivíduos com FLPU e 27% (19/69) ao grupo de indivíduos com FLPB, conforme descrito na Tabela 1.

Tabela 1
Número de indivíduos por tipo de fissura de acordo com a presença ou ausência de hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila e a média dos valores de nasalância (±DP) para cada grupo

A comparação entre as proporções de pacientes que apresentaram hipernasalidade após a cirurgia, para cada tipo de fissura, não demonstrou diferença significante entre os grupos, como apresentado na Tabela 2.

Tabela 2
Comparação entre as proporções de pacientes que apresentaram hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila de acordo com o tipo de fissura

DISCUSSÃO

O avanço cirúrgico da maxila é um procedimento utilizado para estabelecer a adequação das funções orofaciais pelo reposicionamento das bases ósseas. No entanto, em indivíduos com fissura de lábio e palato, a deterioração da função velofaríngea após este procedimento cirúrgico tem sido relatada. Vários estudos investigaram o efeito do AM sobre a fala de indivíduos com fissura de palato reparada, utilizando, para tanto, avaliação perceptiva(1313 Kim SK, Kim JC, Moon JB, Lee KC. Perceptual speech assessment after maxillary advancement osteotomy in patients with a repaired cleft lip and palate. Arch Plast Surg. 2012;39(3):198-202. http://dx.doi.org/10.5999/aps.2012.39.3.198. PMid:22783526.
http://dx.doi.org/10.5999/aps.2012.39.3....

14 Pereira VJ, Sell D, Tuomainen J. Effect of maxillary osteotomy on speech in cleft lip and palate: perceptual outcomes of velopharyngeal function. Int J Lang Commun Disord. 2013;48(6):640-50. http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.12036. PMid:24165361.
http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.1203...
-1515 Richardson S, Seelan NS, Selvaraj D, Khandeparker RV, Gnanamony S. Paerceptual speech assessment after anterior maxillary distraction in patients with cleft maxillay hypoplasia. J Oral Maxillofac Surg. 2016;7(6):1239.e1-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2016.02.006.
http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2016.02...
,1717 Chanchareonsook N, Whitehill TL, Samman N. Speech outcome and velopharyngeal function in cleft palate; comparison of Le Fort I maxillary osteotomy and distraction osteogenesis: early results. Cleft Palate Craniofac J. 2007;44(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1597/05-003. PMid:17214524.
http://dx.doi.org/10.1597/05-003...

18 Kudo K, Takagi R, Kodama Y, Terao E, Asahito T, Saito I. Evaluation of speech and morphological changes after maxillary advancement for patients with velopharyngeal insufficiency due to repaired cleft palate using a nasometer and lateral cephalogram. J Oral Maxillofac Surg Med Pathol. 2014;26(1):22-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.07.006.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.0...
-1919 Medeiros-Santana MNL, Perry JL, Yaedú RYF, Trindade-Suedam IK, Yamashita RP. Predictors of velopharyngeal dysfunction in individuals with cleft palate following surgical maxillary advancement: clinical and tomographic assessments. Cleft Palate Craniofac J. 2019;56(10):1314-21. http://dx.doi.org/10.1177/1055665619852562. PMid:31213072.
http://dx.doi.org/10.1177/10556656198525...
) e instrumental(1111 Trindade IEK, Yamashita RP, Suguimoto RM, Mazzottini R, Trindade AS Jr. Effects of orthognathic surgery on speech and breathing of subjects with cleft lip and palate: acoustic and aerodynamic assessment. Cleft Palate Craniofac J. 2003;40(1):54-64. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_2003_040_0054_eoosos_2.0.co_2. PMid:12498606.
http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_2003...
,1717 Chanchareonsook N, Whitehill TL, Samman N. Speech outcome and velopharyngeal function in cleft palate; comparison of Le Fort I maxillary osteotomy and distraction osteogenesis: early results. Cleft Palate Craniofac J. 2007;44(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1597/05-003. PMid:17214524.
http://dx.doi.org/10.1597/05-003...
,1818 Kudo K, Takagi R, Kodama Y, Terao E, Asahito T, Saito I. Evaluation of speech and morphological changes after maxillary advancement for patients with velopharyngeal insufficiency due to repaired cleft palate using a nasometer and lateral cephalogram. J Oral Maxillofac Surg Med Pathol. 2014;26(1):22-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.07.006.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.0...
).

Pesquisadores da área realizaram uma revisão crítica da literatura e analisaram 39 artigos, publicados entre os anos de 1971 e 2004, que investigaram os efeitos das osteotomias craniomaxilofaciais e da distração osteogênica sobre a fala e o funcionamento velofaríngeo. Dentre estes, 32 estudos estavam relacionados ao AM. Os autores encontraram 12 artigos que concluíram que o AM não apresenta efeitos deletérios claros para a fala e a função velofaríngea. Em 15 outros estudos, verificou-se o relato de prejuízos para a ressonância de fala decorrentes do procedimento cirúrgico, sendo que, em nove destes 15 estudos, tais prejuízos foram observados em uma pequena parcela dos indivíduos avaliados. Os cinco estudos restantes reportaram deterioração da função velofaríngea apenas em indivíduos com FVF marginal(2525 Chanchareonsook N, Samman N, Whitehill TL. The effect of cranio-maxillofacial osteotomies and distraction osteogenesis on speech and velopharyngeal status: a critical review. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(4):477-87. http://dx.doi.org/10.1597/05-001.1. PMid:16854207.
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).

Sabe-se que, de maneira isolada, a quantidade de avanço maxilar, em milímetros, não tem influência direta sobre os resultados de fala em indivíduos com FLP(1717 Chanchareonsook N, Whitehill TL, Samman N. Speech outcome and velopharyngeal function in cleft palate; comparison of Le Fort I maxillary osteotomy and distraction osteogenesis: early results. Cleft Palate Craniofac J. 2007;44(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1597/05-003. PMid:17214524.
http://dx.doi.org/10.1597/05-003...

18 Kudo K, Takagi R, Kodama Y, Terao E, Asahito T, Saito I. Evaluation of speech and morphological changes after maxillary advancement for patients with velopharyngeal insufficiency due to repaired cleft palate using a nasometer and lateral cephalogram. J Oral Maxillofac Surg Med Pathol. 2014;26(1):22-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.07.006.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.0...

19 Medeiros-Santana MNL, Perry JL, Yaedú RYF, Trindade-Suedam IK, Yamashita RP. Predictors of velopharyngeal dysfunction in individuals with cleft palate following surgical maxillary advancement: clinical and tomographic assessments. Cleft Palate Craniofac J. 2019;56(10):1314-21. http://dx.doi.org/10.1177/1055665619852562. PMid:31213072.
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-2020 Jaques B, Herzog G, Muller A, Hohlfeld J, Pasche P. Indications for combined orthodontic and surgical (orthognathic) treatments of dentofacial deformities in cleft lip and palate patients and their impact on velopharyngeal function. Folia Phoniatr Logop. 1997;49(3-4):181-93. http://dx.doi.org/10.1159/000266453. PMid:9256540.
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), porém a literatura ainda se mostra controversa no que diz respeito às possíveis causas que levam à deterioração da função velofaríngea após a osteotomia Le Fort I(1717 Chanchareonsook N, Whitehill TL, Samman N. Speech outcome and velopharyngeal function in cleft palate; comparison of Le Fort I maxillary osteotomy and distraction osteogenesis: early results. Cleft Palate Craniofac J. 2007;44(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1597/05-003. PMid:17214524.
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). Com o objetivo de investigar os aspectos morfofuncionais da região velofaríngea que podem ser considerados preditores do aparecimento ou agravamento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila, um estudo recente investigou os resultados de fala de 52 pacientes com FLP reparada submetidos à osteotomia Le Fort I. Para tanto, foi utilizada avaliação perceptiva da fala somada à avaliação subjetiva e tomográfica dos aspectos morfofuncionais do palato. Os autores verificaram que 21% (11/52) dos indivíduos estudados passaram a apresentar o sintoma de fala e que este resultado estava correlacionado à mobilidade regular ou ruim do véu palatino. Ou seja, quanto pior a movimentação do véu para completar o FVF, pior o resultado de fala após o AM(1919 Medeiros-Santana MNL, Perry JL, Yaedú RYF, Trindade-Suedam IK, Yamashita RP. Predictors of velopharyngeal dysfunction in individuals with cleft palate following surgical maxillary advancement: clinical and tomographic assessments. Cleft Palate Craniofac J. 2019;56(10):1314-21. http://dx.doi.org/10.1177/1055665619852562. PMid:31213072.
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).

Apesar desse resultado inédito, sabe-se que outras variáveis podem estar relacionadas com o risco da deterioração velofaríngea após a cirurgia ortognática e necessitam ser investigadas. Dentre as variáveis já analisadas pela literatura com este propósito, nenhum estudo investigou a influência do tipo de fissura sobre os resultados de fala após este procedimento cirúrgico.

O objetivo deste estudo, em última análise, foi investigar se o aparecimento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila ocorre em proporções diferentes na dependência do tipo de fissura (FP, FLPU, FLPB) que o indivíduo apresenta. Para tanto, a ressonância de fala foi analisada por meio da nasometria, um dos instrumentos que refletem, com acurácia, os resultados da avaliação perceptivo-auditiva da hipernasalidade(11 Kummer AW. Cleft palate and craniofacial anomalies: the effects on speech and resonance. 3rd ed. San Diego: Singular Thomson Learning; 2014.,2121 Sweeney T, Sell D. Relationship between perceptual ratings of nasality and nasometry in children/adolescents with cleft palate and/or velopharyngeal dysfunction. Int J Lang Commun Disord. 2008;43(3):265-82. http://dx.doi.org/10.1080/13682820701438177. PMid:17852526.
http://dx.doi.org/10.1080/13682820701438...
,2323 Dalston RM, Warren DW, Dalston ET. Use of nasometry as a diagnostic tool for identifying patients with velopharyngeal impairment. Cleft Palate Craniofac J. 1991;28(2):184-8. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1991_028_0184_uonaad_2.3.co_2. PMid:2069975.
http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1991...
,2424 Trindade IEK, Genaro KF, Dalston RM. Nasalance scores of normal Brazilian Portuguese speakers. Braz J Dysmorphol Speech Disord. 1997;1(1):23-34.).

Os resultados mostraram que 21% (42/204) do total de pacientes apresentou hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila. Esta porcentagem é similar aos resultados de fala relatados por outros autores. Chanchareonsook et al.(1717 Chanchareonsook N, Whitehill TL, Samman N. Speech outcome and velopharyngeal function in cleft palate; comparison of Le Fort I maxillary osteotomy and distraction osteogenesis: early results. Cleft Palate Craniofac J. 2007;44(1):23-32. http://dx.doi.org/10.1597/05-003. PMid:17214524.
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) verificaram que dois de oito (25%) pacientes submetidos ao avanço cirúrgico de maxila apresentaram escores de nasalância indicativos de hipernasalidade após a cirurgia. Haapanen et al.(2626 Haapanen ML, Kalland M, Heliövaara A, Hukki J, Ranta R. Velopharyngeal function in cleft patients undergoing maxillary advancement. Folia Phoniatr Logop. 1997;49(1):42-7. http://dx.doi.org/10.1159/000266436. PMid:9097494.
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) demonstraram que 27% de 15 indivíduos com FLP submetidos à osteotomia Le Fort I para tratamento de DMM do tipo Classe III apresentaram deterioração da função velofaríngea, que foi detectada por meio da avaliação perceptivo-auditiva da fala. No entanto, este resultado é inferior aos 45% de hipernasalidade observados por Trindade et al.(1111 Trindade IEK, Yamashita RP, Suguimoto RM, Mazzottini R, Trindade AS Jr. Effects of orthognathic surgery on speech and breathing of subjects with cleft lip and palate: acoustic and aerodynamic assessment. Cleft Palate Craniofac J. 2003;40(1):54-64. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_2003_040_0054_eoosos_2.0.co_2. PMid:12498606.
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) em 22 indivíduos submetidos ao AM combinado a procedimentos envolvendo a mandíbula e o nariz. É preciso considerar, entretanto, que esses resultados de fala foram verificados no período de nove meses, em média, após a cirurgia. A literatura tem mostrado que a estabilidade cirúrgica é atingida, no mínimo, em um ano após o avanço de maxila(2727 Proffit WR, Turvey TA, Phillips C. The hierarchy of stability and predictability in orthognathic surgery with rigid fixation: an update and extension. Head Face Med. 2007;3(1):21. http://dx.doi.org/10.1186/1746-160X-3-21. PMid:17470277.
http://dx.doi.org/10.1186/1746-160X-3-21...
). A acomodação dos tecidos moles da região velofaríngea pode ocorrer lentamente e levar um longo período para se estabilizar, levando a uma resposta tardia quanto ao resultado final de ressonância da fala(1414 Pereira VJ, Sell D, Tuomainen J. Effect of maxillary osteotomy on speech in cleft lip and palate: perceptual outcomes of velopharyngeal function. Int J Lang Commun Disord. 2013;48(6):640-50. http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.12036. PMid:24165361.
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). Esta diferença na proporção de indivíduos que passaram a apresentar hipernasalidade após a cirurgia pode ser explicada pelo período da avaliação pós-operatória que, no presente estudo, foi de 15 meses, em média. Outros pesquisadores mostraram que, de um grupo de 10 indivíduos submetidos ao AM, nenhum apresentou mudanças na ressonância de fala após o procedimento cirúrgico, de acordo com valores de nasalância. No entanto, apenas quatro pacientes no grupo avaliado apresentavam ressonância equilibrada antes da cirurgia(1818 Kudo K, Takagi R, Kodama Y, Terao E, Asahito T, Saito I. Evaluation of speech and morphological changes after maxillary advancement for patients with velopharyngeal insufficiency due to repaired cleft palate using a nasometer and lateral cephalogram. J Oral Maxillofac Surg Med Pathol. 2014;26(1):22-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajoms.2013.07.006.
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), fato que deve ser considerado na interpretação dos resultados encontrados.

No que diz respeito à proporção de indivíduos com hipernasalidade após a cirurgia, diferença significante entre os três grupos não foi observada. A despeito dos resultados estatísticos, a análise dos dados individuais de nasalância mostrou que o aparecimento da hipernasalidade foi ligeiramente maior no grupo de pacientes com FLPB (27%) que nos grupos com FLPU (17%) e FP (18%). A literatura tem apontado algumas particularidades em torno da região velofaríngea de indivíduos com FLPB.

Recentemente, um estudo utilizando imagens de exames de ressonância magnética analisou o volume nasofaríngeo e as medidas lineares da profundidade da nasofaringe, comprimento e espessura do véu palatino em três grupos de crianças com diferentes tipos de fissura. Os autores verificaram que indivíduos com FLPB demonstraram um maior volume nasofaríngeo quando comparados àqueles com FLPU e com fissura submucosa. Não foi encontrada diferença entre os grupos quanto às medidas lineares(2828 Mason KN, Perry JL. Relashionship between age and diagnosis on volumetric and linear velopharyngeal measures in cleft and noncleft populations. J Craniofac Surg. 2016;27(5):1340-5. http://dx.doi.org/10.1097/SCS.0000000000002744. PMid:27391503.
http://dx.doi.org/10.1097/SCS.0000000000...
).

De maneira similar, outro estudo comparou mudanças na região faríngea após a osteotomia de maxila em 50 pacientes com FLPU, FLPB e FP utilizando análise cefalométrica e constatou uma mudança significante na área nasofaríngea nos três grupos após a cirurgia. Embora a maioria das medidas tenha sido maior no grupo de pacientes com FP antes e após a cirurgia, a alteração mais evidente na região nasofaríngea foi observada no grupo com FLPB (88%), quando comparado aos indivíduos dos grupos com FLPU (83%) e FP (73%)(77 Heliövaara A, Hukki J, Ranta R, Haapanen ML. Cephalometric pharyngeal changes after Le Fort I osteotomy in different types of clefts. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2004;38(1):5-10. http://dx.doi.org/10.1080/02844310310009537. PMid:15074716.
http://dx.doi.org/10.1080/02844310310009...
).

Considerando que mudanças na nasofaringe tendem a ser mais evidentes em indivíduos com FLPB após o AM, como já comprovado por Heliövaara et al.(77 Heliövaara A, Hukki J, Ranta R, Haapanen ML. Cephalometric pharyngeal changes after Le Fort I osteotomy in different types of clefts. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2004;38(1):5-10. http://dx.doi.org/10.1080/02844310310009537. PMid:15074716.
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), é possível aventar a hipótese de que o formato da região nasofaríngea ou, até mesmo, o comportamento dos músculos que delimitam esta região apresenta características particulares que podem levar a diferentes resultados de fala. Isto poderia explicar a tendência de um maior número de indivíduos pertencentes ao grupo com FLPB apresentar hipernasalidade após o AM quando comparado aos dos demais grupos.

Com base na hipótese de que indivíduos com FLPU e FP podem apresentar condições musculares diferentes e favoráveis quanto ao tamanho, posição e fisiologia, comparados àqueles com FLPB(44 Marrinan EM, LaBrie RA, Mulliken JB. Velopharyngeal function in nonsyndromic cleft palate: relevance of surgical technique, age at repair, and cleft type. Cleft Palate Craniofac J. 1998;35(2):95-100. http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1998_035_0095_vfincp_2.3.co_2. PMid:9527305.
http://dx.doi.org/10.1597/1545-1569_1998...
), é razoável supor que este último grupo pode ser mais vulnerável ao prejuízo da fala após o AM. Contudo, isto não foi comprovado no presente estudo. Acredita-se que, nos indivíduos que passaram a apresentar o sintoma de fala após o AM, as condições funcionais do palato possam estar inadequadas como consequência da palatoplastia primária, podendo exprimir a população que apresenta mobilidade do véu palatino classificada como regular ou ruim, fato que, comprovadamente, pode levar ao aparecimento ou agravamento da hipernasalidade após o AM, independentemente do tipo de fissura que envolve o palato(1919 Medeiros-Santana MNL, Perry JL, Yaedú RYF, Trindade-Suedam IK, Yamashita RP. Predictors of velopharyngeal dysfunction in individuals with cleft palate following surgical maxillary advancement: clinical and tomographic assessments. Cleft Palate Craniofac J. 2019;56(10):1314-21. http://dx.doi.org/10.1177/1055665619852562. PMid:31213072.
http://dx.doi.org/10.1177/10556656198525...
). Outra explicação para este resultado é que o aparecimento da hipernasalidade esteja relacionado a diferenças no formato da região velofaríngea. Pode-se especular que indivíduos que apresentem esta região mais estreita possuem condições mais favoráveis ao FVF após o AM em comparação àqueles que têm o formato da região velofaríngea mais largo, fato que pode impactar negativamente sobre a função velofaríngea.

Ressalte-se que o presente estudo revelou uma expressiva proporção de indivíduos (21%) que passou a apresentar hipernasalidade após a cirurgia. Este grupo merece atenção especial no planejamento de futuras intervenções cirúrgicas com o objetivo de corrigir sintomas de fala residuais.

Cabe, ainda, mencionar que as técnicas cirúrgicas utilizadas no momento da palatoplastia primária não foram controladas e estas foram realizadas por mais de um cirurgião plástico. Da mesma forma, as cirurgias de avanço de maxila foram realizadas por mais de um cirurgião bucomaxilofacial e as técnicas cirúrgicas empregadas não foram controladas, ou seja, avanço de dois ou mais segmentos, avanço total de maxila ou, ainda, cirurgia bimaxilar. Considerando que o tipo de cirurgia primária de palato, a experiência do cirurgião e o tipo de procedimento realizado para anteriorizar a maxila podem ter influência sobre os resultados cirúrgicos quanto à acomodação dos tecidos moles após a cirurgia ortognática, esta foi considerada uma limitação do presente estudo. No entanto, assegura-se que todos os cirurgiões plásticos e cirurgiões bucomaxilofaciais da equipe da Instituição possuem experiência de, no mínimo, 9 anos na realização das cirurgias reparadoras de palato e cirurgias ortognáticas.

Outra limitação do estudo foi a não inclusão da avaliação perceptivo-auditiva da fala na metodologia do estudo, especialmente considerando ser este o método “padrão-ouro” para avaliação dos sintomas decorrentes da DVF. Isto se deu pelo fato de as avaliações perceptivo-auditivas de fala dos participantes deste estudo terem sido realizadas de maneira presencial e por um único avaliador. Levando-se em consideração que, para fins de pesquisa, é recomendável que os resultados de avaliações subjetivas sejam gerados a partir de consenso entre dois ou mais avaliadores, os autores do presente estudo optaram por utilizar a avaliação instrumental como método de análise dos resultados.

Em geral, o presente estudo comprovou que o aparecimento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico da maxila não sofre influência do tipo de fissura. Estes resultados são importantes para a prática clínica, uma vez que fornecem informações às equipes multidisciplinares e aos seus pacientes a respeito dos riscos de deterioração do mecanismo velofaríngeo e aos possíveis tratamentos para os sintomas de fala. Pesquisas têm sido conduzidas no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo na tentativa de identificar os fatores que podem levar indivíduos com FLP ao aparecimento ou piora da hipernasalidade após o AM.

Sugere-se que estudos posteriores sejam conduzidos com o objetivo de verificar a aplicação e efetividade de tratamentos complementares pós-cirurgia primária reparadora de palato em indivíduos com deficiência de crescimento do terço médio da face, como a expansão da maxila associada ao tratamento ortodôntico ou a protração maxilar com ancoragem óssea, a fim de minimizar o impacto do avanço cirúrgico de maxila sobre a fala nos casos em que este procedimento seja necessário.

CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo mostraram que o tipo de fissura não tem influência sobre o aparecimento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila, a despeito das diferentes condições anatômicas dos tipos de fissura que envolvem o palato.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo suporte financeiro na produção do estudo. À Associação Brasileira de Motricidade Orofacial pela premiação do estudo apresentado oralmente no VII Encontro Brasileiro de Motricidade Orofacial, no mês de maio de 2014, na cidade de São Paulo-SP, Brasil.

  • Trabalho realizado no Laboratório de Fisiologia, Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais – HRAC, Universidade de São Paulo – USP - Bauru (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). [Bolsa proveniente do Programa de Demanda Social da CAPES, não havendo, portanto, nº do Processo].

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2019
  • Aceito
    09 Set 2019
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